RESUMO: Este artigo tem como tema as discussões sobre o reconhecimento pela doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal da figura da inconstitucionalidade formal por vício de decoro parlamentar, em razão dos casos de corrupção perpetrados no âmbito do Poder Legislativo federal e do famigerado caso do “Mensalão”. Para tanto, discorre sobre o posicionamento da Procuradoria-Geral da República e da jurisprudência Supremo Tribunal Federal exarados nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.887, 4.888 e 4.889.
Palavras-chave: Corrupção. Controle de Constitucionalidade. Vício de Decoro Parlamentar. Mensalão. Supremo Tribunal Federal.
O fenômeno multifacetado da corrupção atrai a atenção da comunidade internacional desde o final do Século XX, à medida que as suas nefastas consequências passaram a ser, cada vez mais, percebidas. Com o escândalo do “Mensalão”, tornou-se claro como a corrupção também se espraiou no Poder Legislativo, tendo em vista a necessidade de aprovação de leis no sentido almejado pelo Governo.
A estrutura do trabalho está dividida em três capítulos. O primeiro deles analisa a corrupção, com enfoque no caso brasileiro do “Mensalão”.
O segundo capítulo discorre sobre linhas gerais do controle de constitucionalidade, formando o arcabouço teórico para inserção da problemática principal da monografia
O terceiro capítulo, por fim, o reconhecimento da espécie de inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de recentes julgados (ADIs 4.887, 4.888 e 4.889), pautados nos fatos decorrentes do escândalo do “Mensalão”.
1. O ESCÂNDALO DO “MENSALÃO”
A corrupção, no sentido jurídico pelo qual este trabalho pretende percorrer, caracteriza-se pela obtenção de vantagem ilícita a partir desvio de poder público, com prejuízos ao Erário, aqui compreendidos não apenas os de ordem patrimonial. Segundo Emerson Garcia[1],
Especificamente em relação à esfera estatal, a corrupção indica o uso ou a omissão, pelo agente público, do poder que a lei lhe outorgou em busca da obtenção de uma vantagem indevida para si ou para terceiros, relegando a plano secundário os legítimos fins contemplados na norma. Desvio de poder e enriquecimento ilícito são elementos característicos da corrupção.
(...) a corrupção configura tão somente uma das faces do ato de improbidade, o qual possui um espectro de maior amplitude, englobando condutas que não poderiam ser facilmente enquadradas sob a epígrafe dos atos de corrupção. Improbidade e corrupção relacionam-se entre si como gênero e espécie, sendo esta absorvida por aquela.
No Brasil, o exemplo mais emblemático de corrupção, sem dúvidas, foi o do famigerado “Mensalão”, que constituiu em um esquema de corrupção dentro do Poder Legislativo federal, pautado no desvio de recursos públicos para pagamento de propina para parlamentares votarem favoravelmente aos projetos do Governo da época.
O início das investigações partiu das declarações do então deputado federal Roberto Jefferson, que detalhou a existência de acordos de compra de votos, para formar uma base aliada ao Governo. Para tanto, os parlamentarem recebiam valores mensais, em troca dos votos no sentido proposto. Houve a investigação política, no âmbito da Câmara dos Deputados, através de Comissão Parlamentar de Inquérito, que culminou na cassação dos mandatos de Roberto Jefferson, José Dirceu e Pedro Corrêa[2]. Em resumo feito pelo Jornal O Globo[3]:
O Mensalão foi um dos maiores escândalos da história política do Brasil. Tudo começou quando o deputado federal e então presidente do PTB, Roberto Jefferson foi acusado de chefiar um esquema de corrupção nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), em maio de 2005. Jefferson atribuiu à cúpula do PT a negociação de cargos e o repasse de dinheiro, como uma mensalidade – daí o termo “mensalão” – a deputados da base aliada como forma de comprar apoio de parlamentares do Congresso Nacional. Segundo ele, a operação ficava a cargo do publicitário Marcos Valério, sócio das agências de publicidade DNA e SMP&B, que mantinham contratos com órgãos públicos, e de Delúbio Soares, tesoureiro do PT. Eles agiriam sob comando da figura mais importante do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silvia, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Em paralelo, houve a investigação criminal, a partir do Inquérito 2245, capitaneada pelo Ministério Público Federal, dando origem à Ação Penal 470, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, de competência originária do Supremo Tribunal Federal, em razão da prerrogativa de foro dos investigados. O processo criminal teve um total de 38 réus, sendo 25 deles condenados por crimes diversos, após o julgamento mais longo da história do STF, com acórdão totalizando mais de 8.400 páginas[4]:
O julgamento da AP 470 foi o mais longo da história do Supremo Tribunal Federal (STF). Foram necessárias 53 sessões plenárias para julgar o processo contra 38 réus. Quando começou a ser julgada, a ação contava com 234 volumes e 495 apensos, que perfaziam um total de 50.199 páginas. Dos 38 réus, 25 foram condenados e 12 foram absolvidos
Após o esclarecimento judicial dos fatos no âmbito da Ação Penal 470, houve o ajuizamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.887, 4.888 e 4.889, questionando a validade das Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005, por terem sido aprovadas com votos oriundos do esquema de corrupção, pelo denominado vício de decoro parlamentar[5].
Conforme será aprofundado mais à frente, o objetivo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade era a declaração de invalidade das referidas emendas constitucionais, tendo em vista os atos de corrupção e de compra do apoio parlamentar, tudo conforme os fatos que foram devidamente comprovados nos autos da Ação Penal 470 que, como efeito da sentença penal condenatória transitada em julgado, tornaram-se indiscutíveis a ocorrência dos fatos típicos e a autoria dos delitos.
Por essa razão, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade só puderam ser ajuizadas após o trânsito em julgado do acórdão condenatório proferido na Ação Penal 470, conforme será aprofundado no último capítulo.
2 LINHAS GERAIS SOBRE O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle de constitucionalidade consiste na possibilidade de todo ato normativo que tenha por fundamento primário a Constituição ter a sua compatibilidade com ela analisada. Isso decorre do princípio da supremacia da Constituição, segundo o qual é a Lei Maior do Estado o fundamento de todo o ordenamento jurídico que, assim, deve com ela manter compatibilidade.
A origem do controle de constitucionalidade é diversa, dependendo do sistema de controle, destacando-se o sistema austríaco e o sistema norte-americano. No sistema austríaco, Hans Kelsen defende a teoria da anulabilidade da norma, pois a decisão que reconhece a inconstitucionalidade é constitutiva, tendo efeitos apenas prospectivos. Por outro lado, o sistema norte-americano é pautado na teoria da norma, em que a decisão sobre a inconstitucionalidade é declaratória e possui efeitos retroativos, atingindo a norma desde a sua origem.
A inconstitucionalidade material, também denominado de vício de conteúdo ou substancial, consiste na existência de conteúdo normativo conflitante com o que disciplina a Constituição Federal.
Dessa forma, para que uma norma seja considerada constitucional do ponto de vista material, é preciso que o seu conteúdo regulatório não viole comando constitucional que diga respeito diretamente ao que a norma preconiza, que pode tanto ser uma norma constitucional expressa, bem como um princípio constitucional implícito.
A análise da compatibilidade material com a Constituição, por sua vez, é algo bastante completo, tendo em vista que envolve encontrar o alcance do texto constitucional, a partir de métodos de interpretação constitucional. Sobre o tema, dispõe, com maestria, Ana Paula Barcellos[6]:
O exame a respeito da compatibilidade entre o conteúdo de uma norma ou ato com o que prevê a Constituição pode envolver muitas complexidades, até por conta da abertura semântica de muitas previsões constitucionais. Definir, por exemplo, em que medida uma lei que cria tratamentos diferenciados viola a isonomia, ou até que ponto o Estado pode impor determinadas obrigações sem violar o núcleo de certos direitos não é uma operação matemática.
Diante disso, tem-se que a análise da constitucionalidade sob o prisma formal está umbilicalmente ligada à justiça da norma, que repousa na concretização dos valores constitucionalmente consagrados pelo poder constituinte originário, tendo em vista que o poder constituinte reformador também deve obediência material à Constituição, no tocante às suas limitações matérias expressas no art. 60, §4º, da Constituição Federal.
A análise da constitucionalidade formal da norma decorre da supremacia formal da Constituição, ao passo em que, além de não se poder afrontar o conteúdo constitucional, é preciso observar estritamente as normas constitucionais acerca da gênese das normas. Para Barroso[7], “ocorrerá inconstitucionalidade formal quando um ato legislativo tenha sido produzido em desconformidade com as normas de competência ou com o procedimento estabelecido para seu ingresso no mundo jurídico”.
Ana Paula Barcellos[8] faz interessante distinção entre atos privados e públicos, trazendo a inconstitucionalidade formal como algo inerente aos públicos, ao passo em que privados também podem ser materialmente inconstitucionais.
A doutrina costuma sistematizar o vício de inconstitucionalidade formal em três categorias, sendo elas a inconstitucionalidade formal orgânica, a inconstitucionalidade formal propriamente dita e a inconstitucionalidade formal por violação aos pressupostos objetivos do ato.
Quanto à inconstitucionalidade formal orgânica, o vício ocorre quando não há respeito à regra constitucional relativa à competência legislativa para dispor sobre determinada matéria, tendo em vista que o legislador infraconstitucional deve respeito à repartição constitucional de competência legislativa. Já a inconstitucionalidade formal propriamente dita se caracteriza pelo desrespeito ao processo legislativo, seja por afronta à reserva de iniciativa (vício subjetivo) ou na fase procedimental (vício objetivo). Por último, a inconstitucionalidade formal por violação aos pressupostos objetivos do ato ocorre quanto não são respeitados requisitos prévios estabelecidos pela Constituição para a deflagração do processo legislativo.
3 O VÍCIO DE DECORO PARLAMENTAR COMO HIPÓTESE DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL
Durante certo tempo, o direito foi compreendido como universo fechado, avesso à comunicação com elementos de outros sistemas. Para Hans Kelsen[9], a validade da norma jurídica independia de sua concordância ou não com a moral, tendo fundamento em sua vigência.
O apego à lei, fruto do positivismo jurídico, restringia as condutas da Administração Pública à observância da legalidade estrita. Não havia, assim, parâmetros além dos previstos em lei para a aferição dos atos dos agentes públicos.
Conforme preleciona Garcia, essa realidade começou a ser reestruturada a partir dos estudos de Maurice Hauriou, pioneiro na idealização da moralidade administrativa, desenvolvendo-a no ápice do positivismo jurídico na França. De acordo com a doutrina francesa, a introdução da moral no direito se deu com o desenvolvimento da ideia de desvio do poder, sob o prisma de que, além de observar a legalidade, a conduta do administrador tem como objetivo a satisfação do interesse público. Ao se exigir que o agente público não se atenha apenas à legalidade estrita, impõe-se, para que sua conduta seja legítima, a observância da ética administrativa e da boa administração, concretizando, assim, a moralidade administrativa[10].
O apego à lei, fruto do positivismo jurídico, restringia as condutas da Administração Pública à observância da legalidade estrita. É certo que, no âmbito do direito brasileiro, a legalidade é forte e, sendo um instrumento de poder, é preciso que haja respaldo nos diplomas legais, para justificar as ações administrativas. Nesse contexto, a corrupção se espraia da Administração Pública para o Poder Legislativo, à medida que há a busca de, através da lei, chancelar os subterfúgios administrativos.
Após o esclarecimento judicial dos fatos no âmbito da Ação Penal 470, que processou os envolvidos no esquema de corrupção do “Mensalão”, houve o ajuizamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.887, 4.888 e 4.889, questionando a validade das Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005, postulando a declaração da nulidade dessas normais, em razão do comprovado recebimento de propina por parte de parlamentares.
“(...). 5. Parlamentares beneficiários das transferências ilícitas de recursos detinham poder de influenciar os votos de outros parlamentares de seus respectivos partidos, em especial por ocuparem as estratégicas funções de Presidentes de partidos políticos, de líderes parlamentares, líderes de bancadas e blocos partidários. Comprovada a participação, no recebimento da propina, de intermediários da estrita confiança dos parlamentares, beneficiários finais do esquema. Depoimentos e recibos informais apreendidos no curso das investigações compõem as provas da prática criminosa” (AP 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2012, Plenário, DJE de 22.04.2013, fls. 51.626-51.629).
Sobre o tema, discorre Pedro Lenza[11]:
Como noticiado, “‘houve, efetivamente, a distribuição de milhões de reais a parlamentares que compuseram a base aliada do governo, distribuição essa executada mais direta e pessoalmente por Delúbio Soares, Marcos Valério e Simone Vasconcelos, como nós vimos nas últimas sessões de julgamento’, disse o ministro-relator. Ele afirmou que o responsável pela articulação da base aliada era José Dirceu, que se reunia frequentemente com líderes parlamentares que receberam dinheiro em espécie do Partido dos Trabalhadores para a aprovação de determinadas emendas constitucionais. O dinheiro, afirma o ministro, foi distribuído em espécie na agência do Banco Rural, em Brasília, ‘onde Simone Vasconcelos dispunha de uma sala reservada para a entrega do numerário aos parlamentares e aos seus intermediários’” (Notícias STF de 03.10.2012). Ainda, de acordo com as Notícias STF de 04.10.2012, para a Ministra Rosa Weber, “‘houve, sem dúvida, um conluio’ para a compra de apoio de deputados federais — não todos — para as votações a favor do governo na Câmara dos Deputados. O dinheiro, prossegue a ministra, veio de recursos, pelo menos em parte, públicos. Ela ressaltou que os parlamentares receberam dinheiro ilicitamente, ‘caso contrário o pagamento não teria ocorrido pela forma como foi feito, sempre às escondidas, mediante a utilização de terceiros e o recebimento de vultosos valores em espécie, inclusive malas em quartos de hotel’”. (Notícias STF de 04.10.2012 — original sem grifos — cf. Infs. 682 e 683/STF).
O fundamento trazido pelos autores das ações de controle concentrado se traduz na denominada inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar, cujo estudo ainda não é muito difundido na doutrina brasileira.
Na visão de Pedro Lenza[12], comprovada a existência de compra de votos, há mácula no processo legislativo, o que enseja o reconhecimento da inconstitucionalidade das emendas constitucionais aprovadas, caracterizando o vício de decoro parlamentar, por abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional, bem como pela percepção de vantagens indevidas.
Para José Anacleto Abduch Santos[13], o decoro parlamentar:
“(...) é o conjunto de princípios éticos e normas de conduta que devem orientar o comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato. (...) O parlamentar deve guardar conduta compatível com a dignidade da função pública e do mandato recebido - o que deve ser interpretado em conformidade com os princípios constitucionais a que estão sujeitos os agentes públicos”. (…) O parlamentar, como todo agente público, tem o dever do decoro - dentro e fora do Parlamento!
Segundo a petição inicial da ADI 4887/DF, as Emendas Constitucionais 41/2003 e 27/2005 estariam maculadas por “vício insanável de violação de decoro parlamentar (CF, art. 55, §1º), pois só teria sido aprovada em razão do esquema de propina engendrado entre políticos do Poder Executivo e do Poder Legislativo, conforme os fatos esclarecidos na Ação Penal 470.
Assim, argumentou-se haver inconstitucionalidade formal por afronta ao princípio da moralidade (art. 37, “caput, da CF), em razão da venda de votos, além da mácula a essência do voto e ao conceito de representatividade popular (art. 1ª da CF). Além disso, também houve alegações de vícios de ordem material, contudo sua análise foge ao objeto deste trabalho.
A partir dessa fundamentação, o Supremo Tribunal Federal admitiu que é possível o reconhecimento de vício de natureza formal no processo legislativo – no caso, em manifestação do poder constituinte reformador -, “quando eivada de vício a manifestação de vontade do parlamentar no curso do devido processo constituinte derivado, pela prática de ilícitos que infirmam a moralidade, a probidade administrativa e fragilizam a democracia representativa”[14].
O Pretório Excelso, por sua vez, não fez referência como uma espécie autônoma de vício de inconstitucionalidade, incluindo o vício por quebra de decoro parlamentar como uma hipótese de inconstitucionalidade formal.
Por outro lado, apesar de ter reconhecido a existência de inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar, o Supremo Tribunal Federal, no mérito, julgou improcedente a ADI 4.887/DF. Conforme observado pelos Ministros, bem como na linha da manifestação do Procurador-Geral da República, restava ainda observar se o resultado da votação teria sido diferente, se não houve a interferência do esquema de “compra de votos” que maculara o posicionamento dos envolvidos.
Assim, segundo o voto da Relatora, ainda que tenha havido a comprovação de que “amplo esquema de distribuição de dinheiro a parlamentares, os quais, em troca, ofereceram seu apoio e o de seus correligionários aos projetos de interesse do Governo Federal na Câmara dos Deputados”, ao se desconsiderar os votos dos sete parlamentares condenados por participação no esquema, ainda assim, teria sido atingido o quórum necessário à aprovação das emendas constitucionais.
Além disso, destacou-se que “não seria possível, pelos elementos probatórios coligidos, precisar quais votações estariam eivadas de vício por quebra de decoro parlamentar decorrente de valores recebidos a influir nas decisões parlamentares”[15].
Diante disso, o que se observa é que, mesmo que tenha ocorrido efetiva quebra do decoro parlamentar, pela percepção de vantagens indevidas, fato é que, além de não ter comprometido o quórum mínimo de votação, não foi possível precisar quais foram exatamente as votações em que a manifestação de vontade dos representantes estaria maculada.
Acrescentando aos fundamentos trazidos pelo Supremo Tribunal Federal em seu acórdão, também é de se destacar que a questão deve ser analisada com temperamentos. Apesar de a ofensa à moralidade ser um vício nefasto que necessita ser extirpado da realidade brasileira, fato é que, a duras penas, é preciso preservar a segurança jurídica.
Quando não se pode precisar, exatamente, quais foram as votações em que a percepção de propina foi essencial para uma mudança de posicionamento do parlamentar, poder-se-ia colocar, em xeque, todas as votações de que participaram os envolvidos. Nos casos em que, como os objeto das ADIs, não houve prejuízo ao atingimento do quórum mínimo de aprovação com a retirada dos votos dos condenados da contagem não haveria a declaração da nulidade da lei, porém, considerando as centenas de proposições legislativas objeto de deliberação no Poder Legislativo a cada ano, haveria casos em que, abstratamente, poder-se-ia considerar a votação maculada.
É claro que a situação é de matéria comprobatória dificultosa, afinal, no momento em que há o pacto escuso, muito se duvida que corrupto e corruptor farão um pacto específico e por escrito acertando com se dará a votação em determinado caso.
Por outro lado, o fato de o Supremo Tribunal Federal ter admitido, expressamente, a possibilidade de se reconhecer a inconstitucionalidade por vício formal de decoro parlamentar permite concluir que, em outros casos concretos, em que haja comprovação da votação específica maculada, bem como que os votos maculados foram determinantes para aprovação, haja a declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada.
A partir do caso concreto do “Mensalão”, houve a análise do exemplo do maior esquema de corrupção já perpetrado no âmbito do Poder Legislativo federal, em que houve o pagamento de propina, para que os parlamentares votassem nas proposições legislativas favoráveis ao projeto do governo. Nessa oportunidade, deputados federais tiveram o seu mandato cassado e, após a devida instrução processual penal, houve a condenação de 25 réus por crimes relacionados à corrupção.
Após o esclarecimento judicial dos fatos no âmbito da Ação Penal 470, houve o ajuizamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.887, 4.888 e 4.889, questionando a validade das Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005, por terem sido aprovadas com votos oriundos do esquema de corrupção. Nessa oportunidade, o Supremo Tribunal Federal deparou-se com as consequências dos fatos por ele analisados na ação penal, dessa vez, no que dizia respeito à formação de vontade da vontade no processo legislativo.
Assim, da análise do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, conclui-se que a Corte reconhece a existência do denominado vício de inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar, decorrente de comprovado esquema de corrupção de compra do apoio parlamentar em votações. Segundo o STF, a prática de ilícitos que infirmam a moralidade, a probidade administrativa e fragilizam a democracia representativa, em tese, são capazes de macular a validade do diploma legal – no caso, emenda constitucional – promulgado.
Apesar de a decisão do STF nas referidas ADI’s não ter resultado na declaração de inconstitucionalidade das emendas constitucionais aprovadas, pode-se concluir que a jurisprudência do Pretório Excelso reconhece a existência do vício de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar, dependendo a declaração de nulidade, contudo, de outros fatores a serem analisados na hipótese impugnada.
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[1] GARCIA. Emerson. ALVES, Rogério. Improbidade administrativa. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 53
[2] BEZERRA, Juliana. “Mensalão”. Disponível em <https://www.todamateria.com.br/mensalao/> Acesso em: 17 jan 2021
[3] Disponível em https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/mensalao/ Acesso em: 24 jan 2021
[4] Notícias STF. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=236494> Aceso em: 17 de jan 2021
[5] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24 ed. Saraiva: São Paulo, 2020, p. 274
[6] BARCELLOS, Ana Paula. Curso de direito constitucional. 3 ed. Forense: São Paulo, 2020, p. 548
[7] BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional. Saraiva: São Paulo, p 48
[8] BARCELLOS, Ana Paula. Curso de direito constitucional. 3 ed. Forense: São Paulo, 2020, p. 547
[9] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5 ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1979, p. 104 apud DINO, Nicolao. A colaboração premiada na improbidade administrativa: possibilidade e repercussão probatória. In SALGADO, Daniel de Resende. QUEROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.). A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 521
[10] GARCIA. Emerson. ALVES, Rogério. Improbidade administrativa. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2014[Minha Biblioteca], p. 134 et seq
[11] LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 24 ed. Saraiva: São Paulo, 2020, p. 275/276
[12] LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 24 ed. Saraiva: São Paulo, 2020, p.275
[13] SANTOS, José Anacleto Abduch. Decoro parlamentar. Boletim de direito municipal: BDM, 2008, v. 24, n. 10, páginas 751-752
[14] Acórdão proferido na ADI nº. 4.887/DF, de relatoria da Min. Camen Lúcia.
[15] Acórdão proferido na ADI nº. 4.887/DF, de relatoria da Min. Camen Lúcia.
Advogada. Pós-Graduada em Direito Administrativo em Direito Constitucional. Universidade Federal da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VALADARES, ANA CAROLINE GOUVEIA. A inconstitucionalidade formal por vício de decoro parlamentar segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2021, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57589/a-inconstitucionalidade-formal-por-vcio-de-decoro-parlamentar-segundo-a-jurisprudncia-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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