RESUMO: O artigo em questão tem como base o problema relacionado à colisão entre direitos fundamentais, a qual passou a ser estudado no Brasil após a promulgação da Constituição Federal de 1988. A Carta Magna citada taxou diversos direitos fundamentais em seu corpo, dificultando a vida do interprete do direito em face das constantes situações nas quais dois ou mais direitos entram em conflito. O estudo também entra no mérito do direito ao esquecimento como espécie de direito da personalidade, com analise na possível remoção dos conteúdos da internet e a similaridade entre esquecimento e desindexação, buscando demonstrar suas diferenças.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais. Colisão. Ponderação. Proporcionalidade. Direito ao esquecimento.
ABSTRACT: The article in question is based on the problem related to the collision between fundamental rights, which started to be studied in Brazil after the promulgation of the Federal Constitution of 1988. The aforementioned Magna Carta taxed several fundamental rights in its body, making life difficult for the interpreter of the law in face of the constant situations in which two or more rights come into conflict. The study also enters the merit of the right to forgetfulness as a type of personality right, with an analysis of the possible removal of Internet content and the similarity between forgetfulness and de-indexing, seeking to demonstrate their differences.
KEYWORDS: Fundamental rights. Collision. Pondering. Proportionality. Right to forgetfulness
INTRODUÇÃO
Durante a ditadura militar, uma das características que mais marcou o período foi a censura que ocorria sobre qualquer manifestação que o Governo considerasse contra seus próprios interesses. Muitos crimes, violências, e situações foram silenciadas e restritas pelo fato de que a impressa não possuía a liberdade de expressão.
Após a volta da democracia como sistema político do país, a censura à liberdade de expressão tanto do povo quanto na empresa se encerrou, e, quando algo semelhante ocorre, são de imediato levada aos tribunais e a questão é resolvida. A Constituição Federal de 1988 delimitou a liberdade de expressão como um direito fundamental e o judiciário atual tenta ao máximo proteger esse direito.
A imprensa moderna exerce um papel de controle de atos do Estado e da sociedade, e possui liberdade para isso. Entretanto, é nesse cenário que acabam surgindo quesitos chaves sobre até onde a liberdade de expressão vai sem limites. Questões sobre choques de direitos como privacidade, honra, e igualdade entram em cheque quando se discute a liberdade de expressão.
Um dos direitos fundamentais que se choca diariamente a liberdade de expressão é o direito ao esquecimento. Esse direito possui uma ligação com o direito de personalidade, e não se entende como uma prerrogativa de um cidadão poder reescrever o passado e apagar o que fora feito, mas se entende como o poder de decidir o que ocorrerá com seus dados pessoais. Além de que, não sofrendo eternamente pelos erros que cometeu, podendo recomeçar sua vida sem taxações.
Muitos casos ocorrem de pessoas que foram condenadas anos atrás, já pagaram suas penas e estão reintegrando na sociedade, entretanto, não consegue empregos ou serem aceitos sem julgamento, porque manchetes e notícias sobre os mesmos continuam circulando. Com isso, o questionamento é válido: havendo o conflito entre os dois direitos aqui expostos, qual interesse deve prevalecer.
Há em determinados momentos que pessoas desejam que certos fatos de sua vida sejam esquecidos, como por exemplo, alguns criminosos, que já pagaram pelos seus crimes, esperam que aquele determinado fato se desassocie da sua imagem.
Acontece que, um dos meios de lidar quando ocorrer conflito entre dois direitos fundamentais é o próprio interprete, que vier a lidar com a situação, utilizar a ponderação e o princípio da concordância prática, para que consiga consolidar os direitos tutelados que estão em jogo, fazendo que não seja necessário o sacrifício total de um sob o outro.
No âmbito social, a temática aqui apresentada é importante pelo fato de tentar dá uma resposta coerente à questão da limitação às manifestações.
No âmbito acadêmico, esse estudo possui importância pelo fato de entender, e analisar acerca do conflito entre direitos fundamentais de mesmo patamar, e buscando apostar, com propriedade, a melhor maneira de solucionar tal embate.
Essa pesquisa quer se aprofundar no estudo sobre o choque que ocorre entre os direitos fundamentais, focando em analisar decisões já proferidas nos tribunais brasileiros quando se trata do direito ao esquecimento tanto no âmbito criminal como no civil.
A metodologia é o processo pelo qual se atinge este objetivo. É o caminho a ser trilhado para produzir conhecimento científico, dando as respostas necessárias de como foi realizada a pesquisa, quais métodos e instrumentos utilizados, bem como as justificativas das escolhas.
Utilizando-se a classificação de Marconi e Lakatos (2014, p. 116) tem-se que o método de abordagem a ser adotado será o dedutivo, que tem como definição clássica ser aquele que parte do geral para alcançar o particular, ou seja, extrai o conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a “hipóteses concretas”.
Tomando ainda por referência a classificação dos referidos autores será adotada a seguinte técnica de pesquisa neste projeto: documentação indireta – com observação sistemática, abrangendo a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias (doutrinas em geral, artigos científicos, dissertações de mestrado, teses de doutorado, etc.).
1 O DIREITO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
Quando falamos sobre a liberdade de expressão cabe entender que no Brasil esse foi um direito garantido pela Constituição do Império e durou até a Constituição de 1937. Durante o governo de Getúlio Vargas a garantia desse direito deixou de existir. Com a censura, determinadas informações começaram a ser impedidas de publicação.
A conquista do direito de Liberdade de Expressão caminhou o mundo para um cenário no qual todos os cidadãos possam se manifestar, externar suas opiniões e pensamentos, podendo mostrar seu conhecimento por determinados assuntos sem censura.
Em 1946, a nova Constituição do período mostrou o caminho para a redemocratização da época, e a partir desse momento a manifestação de opiniões e pensamentos fora ganhando vez no ordenamento jurídico. Quando a Constituição de 1967 foi proclamada o princípio da liberdade de pensamento foi preservada, porém ocorreu uma restrição a sua aplicação, o limitando para que ele não fosse contrário à norma de ordem pública e dos bons costumes.
De acordo com Nobre (1998; p.30) a liberdade de expressão é uma dimensão do direito geral à liberdade, podendo se caracterizar por ser um poder concedido aos indivíduos para que os mesmos possam externar suas opiniões, convicções, pensamentos, e também garantindo o meio pelo qual essas manifestações são realizadas como atividades de comunicação, artísticas, intelectuais e cientificas.
O direito à liberdade de expressão é um pilar do Estado Democrático de Direito, ou seja, de acordo com Junior (2010, p.823) sem esse direito não há como falar de um regime democrático. Sendo assim, é necessário que o direito de expressão seja assegurado em sua plenitude para que se possa falar em democracia.
Atualmente, o direito em questão é protegido constitucionalmente, possuindo um status de cláusula pétrea, sendo assim, possui limitações materiais ao poder de reforma da Constituição do Estado, fazendo com que os indivíduos possam gozar desse direito sem sofrer interferência do Estado.
Também podendo ser compreendida como direitos associados às liberdades de comunicação, o direito à liberdade de expressão agrega “liberdades fundamentais que devem ser asseguradas conjuntamente paragarantir a liberdade de expressão no seu sentido total” (MAGALHÃES, 2008).
De acordo com isso, Badeni ressalta que:
É evidente que o reconhecimento legal da liberdade de expressão do pensamento configura uma das conquistas mais importantes que o homem obteve em sua permanente luta pela dignidade. Com maior razão em um sistema democrático constitucional, que pressupõe a coexistência de uma pluralidade de opiniões na sociedade, de diversos conceitos, juízos e ideias (BADENI, 2002, p.15).
Na Constituição Federal de 1988 a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação é encontrada no 5º, IX. Por criação intelectual se entende que é dada ao indivíduo ao cidadão de criação de qualquer coisa que sua mente possa desenvolver, desde que essa criação não venha a prejudicar a sociedade. Quando diz respeito a criação artística, cientifica e a comunicação, é vedada o abuso destes direitos sendo limitada a liberdade de criar e comunicar (RIBEIRO, 2009)
Seguindo o raciocínio de Coelho e Branco (2008, p.360), a liberdade de expressão, “agasalha toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não”.
1.1 Direitos de Personalidade.
Em regra, é possível a afirmação de que os direitos da personalidade são caracterizados como: vitalícios, inatos, absolutos, irrenunciáveis, impenhoráveis e imprescritíveis.
Nada obstante a característica da vitaliciedade, alguns direitos da personalidade recebem proteção post mortem (artigos 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil), o que representa uma manifestação da despatrimonialização do Direito Civil.
Ademais, se entende essa espécie de direito como inata, o termo que a doutrina majoritária adotou pelo fato de que está conectado com a corrente jusnaturalista.
Uma segunda corrente doutrinária, dispõe que os direitos da personalidade são reconhecidos em caráter de generalidade. Vale ressaltar que esse debate é meramente acadêmico, pelo fato de que, na pratica, os autores afirmam que todas as pessoas possuem direitos da personalidade.
Vale ressaltar que, os direitos de personalidade também podem ser caracterizados como absolutos, entretanto, não significa dizer que direitos da personalidade são ilimitados, mas que eles possuem oponibilidade erga omnes. Os direitos da personalidade representam ambiente fértil à ponderação de interesses, podendo ser encontrado na 2ª parte do Enunciado nº 274 do CJF, já que nenhum direito é ilimitado.
Desse modo, há quem afirme que os direitos da personalidade são relativamente indisponíveis - enunciados nº 4 e 139 do CJF -. Só não se admite que a renúncia seja permanente e geral. Pode se entender através do exemplo de que se a cessão vitalícia de imagem por atletas – comum no exterior – não é bem recebida no direito brasileiro. A renúncia geral diz respeito à ideia de que a renúncia merece sempre interpretação estritiva.
Pode-se entender a personalidade como sendo conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade em si não se caracteriza como direito, de modo que seria errado a afirmação que o ser humano tem direito à personalidade. É através da personalidade que se tem apoio aos direitos e deveres que dela irradiam. Pode ser compreendida como o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.
Na Declaração Universal dos Direito Humanos, podemos encontrar no seu artigo 12 que: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques” (UNESCO,1948).
2 O DIREITO AO ESQUECIMENTO
Antes de estudar sobre o direito ao esquecimento é necessário fazer um apontamento sobre os direitos fundamentais, pelo fato de que o direito ao esquecimento está diretamente ligando aos direitos protegidos pela Constituição, e assim pode-se analisar com mais precisão o assunto em questão.
De acordo com Lima (2007), é de imensa importância compreender os direitos fundamentais, é necessário entender sobre três palavras chaves, sendo:
norma jurídica, dignidade da pessoa humana e Constituição. Essas três palavras conjugadas fornecem o conceito de direitos fundamentais. Se uma determinada norma jurídica tiver ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana e for reconhecida pela Constituição como merecedora de uma proteção especial, é bastante provável que se esteja diante de um direito fundamental”
O direito ao esquecimento está conectado ao direito de privacidade e ao direito a honra. Esse direito voltou a ser debatido no ordenamento jurídico brasileiro, por conta do mundo atual, uma era das redes de computadores. Com apenas um simples ato de um clique todos tem acessos a informações pessoais, e nesse ambiente as informações ficam eternizadas. O controle na internet é algo muito difícil de manusear. (SCHREIBE; 2013, p. 28)
O direito em questão não é um debate novo, ou mesmo sequer um nodo direito, pelo fato de que é associado de forma mais genérica a situações que envolvem a proteção de privacidade. O primeiro registro desse direito é de 1858 (BERTI, 1993, p.19-21).
Nesse ano a tutela do direito a proteção da imagem foi concebida a Elisa Félix, uma atriz francesa, que era conhecida por seu pseudônimo Rachel (WEINGARTNER NETO, 2002, p.71). Antes que a mesma viesse a falecer, a atriz teria sido retratada em seu leito por um artista, com a autorização da sua irmã, entretanto, após a conclusão da arte, o artista começou a comercializar, sem autorização da família, a imagem de Elisa, fazendo que a imagem da atriz fosse exposta sem prévia autorização. (RIBEIRO, 2003, p.15).
Após esse episódio a irmã da atriz francesa procurou o judiciário pedindo que houvesse o reconhecimento da proteção a vida privada e da intimidade de Elisa, e também que a reprodução da imagem viesse a cessar.
Uma década após esse julgamento uma lei francesa surgiu no ordenamento a qual previa a punição com multa caso ocorresse a publicação de fatos da vida privada sem autorização da pessoa exporta. Esse foi o primeiro parâmetro positivado que protegeu a vida privada. (RIBEIRO, 2003, p.16).
A primeira referência que ocorreu no ordenamento jurídico brasileiro com a expressão “direito ao esquecimento” surgiu em março de 2013, na Jornada de Direito Civil, quando fora proposto pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CJE/CJF) e aprovado o Enunciado n. 531, no qual se encontra:
Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
Pode-se entender o direito ao esquecimento “como um derecho de caducidad de información personal, por el transcurso del tiempo o por haber cesado em cumplir com su finalidade” (ROJAS, 2013, p. 2). Além de que esse direito pode ainda ser dividido em quatro espécies, in verbis:
O primeiro consiste em notícias verídicas sobre condutas que, se na época dos fatos não eram reprováveis, assim se tornaram posteriormente. [...] O segundo tipo consiste em notícias verídicas sobre delitos provados. Aqui, não se pode deixar de ponderar que, ainda que sejam verdadeiras, podem causar problemas à reinserção do indivíduo que cometeu o delito na sociedade após o cumprimento da pena. O terceiro tipo está relacionado às notícias verídicas, porém incompletas, seja por falta de contexto, seja pela ausência de todos os dados pertinentes ao tema. Exemplo desta hipótese é a notícia sobre o individuo que foi réu em um processo, mas não se comenta que ele tenha sido ao final absolvido. Por fim, o quarto tipo diz respeito à notícia falsa, que não chegou a ser corrigida no tempo em que foi publicada, e propaga-se com seu conteúdo danoso. (FLORÊNCIO, 2011, 215-216)
Assim, percebe-se que, o direito ao esquecimento é um direito protegido pelo texto constitucional, sendo necessário que os tribunais se adaptem e optem por decidi proteger esse direito.
3 PONDERAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS.
De acordo com Robert Alexy (2014, p.90), há duas maneiras que as colisões de direitos fundamentais podem ser compreendidas, estrita ou amplamente. As colisões em sentido estrito surgem quando o exercício ou a realização de determinado direito fundamental traz consequências negativas em relação a outro direito fundamental de outra pessoa, como por exemplo a publicação de biografias das quais não possuíram autorização, criando um conflito entre liberdade de expressão e direito de informação contra direitos da personalidade.
Vale dizer que, nenhum direito fundamental é absoluto e também não são ilimitados. Os limites dos direitos são encontrados em outros direitos fundamentais que também são estabelecidos pela Constituição Federal. A primazia de decisão de maneira que corresponde ao controle de constitucionalidade das leis corresponde ao poder judiciário. As decisões cabem a um órgão judicial supremo, quando se tratar do controle difuso, ou sobre um Tribunal Constitucional (o Supremo Tribunal Federal, no caso brasileiro) quando se tratar de controle concentrado. (SOARES; 2006. P. 332)
Quando ocorre choque entre vontades humanas todas as decisões envolvem um tipo de ponderação, que irá demandar um tipo de análise entre as escolhas que estão em xeque. O juiz que vier a ter um caso de colisão entre direitos precisa ponderar provas produzidas, todas as razões que foram apresentadas nos autos, e o impacto que a sentença irá ter na sociedade jurídica.
Na doutrina norte americana pode-se encontrar o termo balancing que corresponde a ponderação. Para os juristas norte-americanos essa ação de ponderar pode ser entendida como uma técnica jurídica de solução de conflitos narrativos que tem valores envolvidos, e que não podem ser lidados pelas formas hermenêuticas tradicionais. (BARCELLOS; 2005, p.83)
De acordo com Canotilho (2007, p. 378), para a resolução do conflito entre direitos, o primeiro passo se dá pela interpretação. Esse ponto começa com a reconstrução e a qualificação dos interesses que estão no conflito, buscando o sentido no texto normativo e o aplicando. Enquanto a ponderação busca critérios de organização com o objetivo de ter soluções justas para o conflito entre bens.
De acordo com o julgado do Supremo Tribunal Federal, pode-se entender:
EMENTA Recurso extraordinário com repercussão geral. Caso Aída Curi. Direito ao esquecimento. Incompatibilidade com a ordem constitucional. Recurso extraordinário não provido. 1. Recurso extraordinário interposto em face de acórdão por meio do qual a Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento a apelação em ação indenizatória que objetivava a compensação pecuniária e a reparação material em razão do uso não autorizado da imagem da falecida irmã dos autores, Aída Curi, no programa Linha Direta: Justiça. 2. Os precedentes mais longínquos apontados no debate sobre o chamado direito ao esquecimento passaram ao largo do direito autônomo ao esmaecimento de fatos, dados ou notícias pela passagem do tempo, tendo os julgadores se valido essencialmente de institutos jurídicos hoje bastante consolidados. A utilização de expressões que remetem a alguma modalidade de direito a reclusão ou recolhimento, como droit a l’oubli ou right to be let alone, foi aplicada de forma discreta e muito pontual, com significativa menção, ademais, nas razões de decidir, a direitos da personalidade/privacidade. Já na contemporaneidade, campo mais fértil ao trato do tema pelo advento da sociedade digital, o nominado direito ao esquecimento adquiriu roupagem diversa, sobretudo após o julgamento do chamado Caso González pelo Tribunal de Justiça Europeia, associando-se o problema do esquecimento ao tratamento e à conservação de informações pessoais na internet. 3. Em que pese a existência de vertentes diversas que atribuem significados distintos à expressão direito ao esquecimento, é possível identificar elementos essenciais nas diversas invocações, a partir dos quais se torna possível nominar o direito ao esquecimento como a pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas tradicionais ou virtuais, de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante. 4. O ordenamento jurídico brasileiro possui expressas e pontuais previsões em que se admite, sob condições específicas, o decurso do tempo como razão para supressão de dados ou informações, em circunstâncias que não configuram, todavia, a pretensão ao direito ao esquecimento. Elas se relacionam com o efeito temporal, mas não consagram um direito a que os sujeitos não sejam confrontados quanto às informações do passado, de modo que eventuais notícias sobre esses sujeitos – publicadas ao tempo em que os dados e as informações estiveram acessíveis – não são alcançadas pelo efeito de ocultamento. Elas permanecem passíveis de circulação se os dados nelas contidos tiverem sido, a seu tempo, licitamente obtidos e tratados. Isso porque a passagem do tempo, por si só, não tem o condão de transmutar uma publicação ou um dado nela contido de lícito para ilícito. 5. A previsão ou aplicação do direito ao esquecimento afronta a liberdade de expressão. Um comando jurídico que eleja a passagem do tempo como restrição à divulgação de informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado tratamento dos dados nela inseridos, precisa estar previsto em lei, de modo pontual, clarividente e sem anulação da liberdade de expressão. Ele não pode, ademais, ser fruto apenas de ponderação judicial. 6. O caso concreto se refere ao programa televisivo Linha Direta: Justiça, que, revisitando alguns crimes que abalaram o Brasil, apresentou, dentre alguns casos verídicos que envolviam vítimas de violência contra a mulher , objetos de farta documentação social e jornalística, o caso de Aida Curi, cujos irmãos são autores da ação que deu origem ao presente recurso. Não cabe a aplicação do direito ao esquecimento a esse caso, tendo em vista que a exibição do referido programa não incorreu em afronta ao nome, à imagem, à vida privada da vítima ou de seus familiares. Recurso extraordinário não provido. 8. Fixa-se a seguinte tese: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.
(STF - RE: 1010606 RJ, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 11/02/2021, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 20/05/2021).
Nesse contexto, se entende que a proporcionalidade é essencial para a realização da ponderação de interesses constitucionais, pelo fato das suas fases, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, serem o que é necessário para a ponderação. Ou melhor, ponderação e proporcionalidade pressupõem-se reciprocamente, representando duas faces de uma mesma moeda.
3.1 Recepção do Direito ao esquecimento no Brasil
Com o avanço da tecnológica, o acesso à internet, atualmente, é possível afirmar que vivemos em uma era na qual os computadores e aparelhos eletrônicos tornem possível a lembrança de quase tudo. Antigamente os jornais e revistas cujas edições antigas se perdiam no tempo, a internet possui um acesso infinito. (COSTA; 2013, p.185)
Com a facilidade da internet por meio dos eletrônicos, uma informação que, sem esse auxilio, seria perdida no tempo, ficam disponibilizadas na rede. Vale ressaltar que o direito ao esquecimento não se limita apenas ao meio virtual.
Conforme o autor Pablo Martinez (2014; p.56)
É possível que, nessas pesquisas, dados privados de pessoas que não desejam que suas informações estejam ao alcance de todos, sendo universalmente e globalmente divulgados, durante um prazo indeterminado e ilimitado, possam afetar os direitos da personalidade e, em suma, a sua dignidade.
Quando se fala sobre direito ao esquecimento, um caso que ficou marcado mundialmente foi o “Lebach”, em 1969, na Alemanha. No qual um canal de televisão alemã decidiu realizar um documentário (“Der Soldatenmord von Lebach”) sobre o crime ocorrido na cidade Lebach, onde quatro soldados foram mortos enquanto dormiam. Um dos criminosos, após sair da prisão, com o intuito de voltar para sua cidade natal, argumentou que o documentário além de violar seus direitos de personalidade, dificultava ressocialização na sociedade.
A partir disso, o Tribunal proibiu a reprodução televisiva do documentário, fundamentando que o direito fundamental de proteção à privacidade prevalece sobre o direito fundamental à liberdade de informação. Sendo assim, o Tribunal constitucional alemão reconheceu o direito ao esquecimento do autor.
A primeira vez que o direito ao esquecimento foi debatido no Brasil foi no ano de 2013, quando o Superior Tribunal de Justiça julgou o caso da “Chacina da Candelária” e o STF quando julgou o “Aída Curi”. Os desfechos desses casos foram distintos, no caso Chacina da Candelária, o Superior Tribunal de Justiça deferiu a favor do direito ao esquecimento, enquanto sobre Aída Curi, a Quarta Turma do Supremo Tribunal Federal, reconheceu a prevalência da liberdade de imprensa, sob o fundamento da relevância da historicidade do fato.
Já o Enunciado 53157, que foi debatido durante a VI Jornada de Direito Civil, em 2013, trata especificamente sobre o direito ao esquecimento. Esse Enunciado relata que o direito de não ser eternamente lembrado por algum fato ou erro pretérito, ou até mesmo por situações constrangedoras é um meio com que haja a proteção da dignidade humana.
Desse modo, pode-se dizer que o Enunciado 53157 relata:
ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil Justificativa: os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificadamente o modo e a finalidade com que são lembrados. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 1.334.097/RJ, Relator Min. Luis Felipe Salomão)
Há a possibilidade de afirmar que o direito ao esquecimento pode ser entendido como um direito derivado dos direitos fundamentais da personalidade, porém, que deve ser analisado em ponderação com os direitos, também fundamentais, de informação. Por conta disso, podemos afirmar a relevância que deve ser dada à ponderação entre esses direitos fundamentais, que o Supremo Tribunal Federal deu desfechos diferentes aos maiores casos que já julgou sobre o tema.
4. Colisão, proporcionalidade e ponderação
De acordo com o autor Robert Alexy (2014. p. 90), as colisões de direitos fundamentais podem ser compreendidas estrita ou amplamente.
As colisões de direitos fundamentais em sentido estrito surgem sempre que o exercício ou a realização de determinado direito fundamental gera consequências negativas em relação a outro direito fundamental de outra pessoa. Para que possa se ter um maior entendimento, um exemplo: publicação de biografias não autorizadas caracteriza um conflito entre liberdade de expressão e direito de informação contra direitos da personalidade.
Vale dizer que, as colisões de direitos fundamentais em sentido estrito se dividem em colisões de direitos fundamentais idênticos e colisões de direitos fundamentais diferentes. As colisões de direitos fundamentais idênticos serão ainda divididas em quatro sub tipos: a) quando as duas pessoas envolvidas são afetadas em relação ao mesmo direito fundamental, estando ambos do mesmo lado.; b) quando os dois sujeitos são afetados em relação ao mesmo direito fundamental, porém enquanto um exerce um direito de defesa liberal, o outro tenta exercer um direito de proteção.; c) quando entram em conflito o lado positivo e o negativo do mesmo direito; e por último d) quando entram em conflito o lado jurídico e o lado fático do mesmo direito. (ALEXY; 2014. p. 92).
Agora falando das colisões de direitos fundamentais em sentido amplo, essas se formam sempre que o exercício ou a realização de determinado direito fundamental acarrete consequências negativas.
Como Dworkin, Alexy também afirma que as soluções para a colisão entre regras é declarar uma delas inválida. Entretanto, ele também defende que é possível a introdução de uma cláusula de exceção em determinada regra para que o conflito seja eliminado. Exemplificando sua posição, Alexy (2014. p. 90) afirma o seguinte:
Um exemplo para um conflito entre regras que pode ser resolvido por meio da introdução de uma cláusula de exceção é aquele entre a proibição de sair da sala de aula antes que o sinal toque e o dever de deixar a sala se soar o alarme de incêndio. Se o sinal ainda não tiver sido tocado, mas o alarme de incêndio tiver soado, essas regras conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. Esse conflito deve ser solucionado por meio da inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção para o caso do alarme de incêndio.
Nesse contexto, percebe-se que Alexy defende que as regras devem ser sempre aplicadas através da subsunção ainda que na hipótese de colisão entre direitos fundamentais expressos na forma de regras.
CONCLUSÃO
No contexto do que fora relatado no presente artigo, se entende que com o grande número de direitos fundamentais que estão previstos na Constituição Federal, torna a colisão algo rotineiro, exigindo-se do aplicador do direito a escolha de qual direito irá prevalecer mediante o caso concreto.
Entretanto, quando a mídia põe no ar uma matéria difamatória, a qual invade a privacidade, a intimidade de forma vexatória, causando danos morais à pessoa pública, tanto o autor da matéria quanto o proprietário do veículo de divulgação irão ter que responder civilmente e ressarcir a vítima pelos danos morais causados.
Fora o ressarcimento, é necessário que ocorra a reparação da imagem da pessoa, por esta ser um direito fundamental. Certas personalidades brasileiras já recorreram ao direito ao esquecimento baseado em preceito constitucional e foram ressarcidas por danos morais cometidos pela imprensa.
Entretanto, a falta de legislação específica de invasão da intimidade e da privacidade da pessoa, faz com seja necessário que os agentes do direito usem como guia princípios mais gerais como os regulamentados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, seguida pelo texto da Constituição Federal que dá garantias aos princípios fundamentais da Dignidade Humana em seu artigo 5º.
Através da colisão entre direitos fundamentais, os quais não possuem hierarquia, que se entende a importância de uma técnica capaz de solucionar a querela posta ao Estado-juiz. Se entende por ponderação o método necessário ao equacionamento das colisões entre princípios da Lei Maior, onde se busca alcançar um equilibrio, em que a restrição a cada um dos direitos fundamentais envolvidos seja a menor possível, para que o outro direito seja assegurado.
Levando em conta que vivemos numa sociedade democrática e pluralista, não é possível que todos aplicadores do direito interpretem um conflito de direitos fundamentais sempre da mesma maneira. Entretanto, mediante uma decisão em casos concretos, é possível exigir que eles fundamentem o seu raciocínio, de forma a dar transparência e possibilitar que haja posterior avaliação e controle por parte de toda sociedade e dos Poderes constituídos.
Sendo assim, quando se analisa uma questão no caso concreto entre impasses do direito a imagem e o direito à liberdade de expressão, percebe-se que é sensível e diz respeito à responsabilidade pelo excesso, ou seja, pelo abuso, que deve guiar a própria existência de tal direito.
É necessário entender que a liberdade constitucional há de ser exercida dentro de parâmetros razoáveis, sob pena de se se caracterizar como um ato ilícito. Na presença da lacuna de parâmetros legais para a verificação de situações limítrofes, cabe aos Tribunais o exercício relevante papel na interpretação do conceito de ato ilícito ligado a questões envolvendo imprensa.
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Graduanda em Direito pela Faculdade Metropolitana de Manaus-Fametro
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VELOSO, Suyanna Magalhães. Conflito entre direitos: liberdade de expressão vs o direito ao esquecimento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2021, 05:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57657/conflito-entre-direitos-liberdade-de-expresso-vs-o-direito-ao-esquecimento. Acesso em: 23 dez 2024.
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