WELLINGTON GOMES MIRANDA [1]
RESUMO: Dedica-se o artigo em questão ao estudo da grilagem em terras públicas. O intento primário é analisar a ocorrência de regularizações de terras públicas através da grilagem, bem como identificar os principais meios utilizados por grileiros para se tornar proprietário de áreas rurais. O objetivo é evidenciar a necessidade de uma política fiscalizadora e de uma Reforma Agrária. Após as pesquisas verificou-se que ao longo desses anos nenhum governo tentou efetivamente resolver o problema dessas fraudes em torno de terras públicas, apenas amenizam a população com publicação de Medidas Provisórias que nada solucionam. O estudo foi realizado através de referências doutrinárias pertinentes à matéria, as quais se debruçaram em apreciar o presente caso e estabelecer diretrizes que propiciaram a contextualização e compreensão do tema proposto de forma concisa.
Palavras-chaves: Grilagem – Terras Públicas – Reforma Agrária.
ABSTRACT: The article in question is dedicated to the study of land grabbing on public lands. The primary purpose is to analyze the occurrence of regularization of public lands through land grabbing, as well as to identify the main means used by land grabbers to become owners of rural areas. The objective is to highlight the need for a supervisory policy and agrarian reform. After the surveys it was found that over these years no government has effectively tried to solve the problem of these frauds around public lands, they only ease the population with the publication of Provisional Measures that solve nothing. The study was carried out through doctrinal references relevant to the subject, which focused on appreciating the present case and establishing guidelines that provided a concise contextualization and understanding of the proposed theme.
Keywords: Land grabbing – Public Lands – Agrarian Reform.
1 INTRODUÇÃO
A grilagem em terras públicas surgiu de uma prática para dar aspectos de envelhecimento a falsos documentos, inserindo-os em uma caixa com grilos, que os deixava amarelados e com buracos, dando uma aparência forçada de que os documentos seriam antigos para poder regularizar terras públicas ocupadas por grileiros. Esta prática gerou fraudes em forjar documentos e até mesmo averbações duvidosas em diversos cartórios de registro de imóveis espalhados pelo país.
O objetivo do trabalho é analisar a ocorrência de regularizações de terras públicas através da grilagem, assim como identificar os principais meios utilizados por grileiros para se tornar proprietário de áreas rurais, e evidenciar a necessidade de uma política fiscalizadora e de uma Reforma Agrária.
Nessa perspectiva, questiona-se: quanto tempo ainda levará para que seja realizada uma Reforma Agrária conforme previsto na Constituição?
O tema tem sua importância devido às inúmeras medidas provisórias publicadas pelos governantes no intuito de promover uma política fiduciária que em vez de trazer benefícios e definir a regularização dessas terras acaba gerando mais violência e mais danos ambientais.
Justifica-se pela necessidade de aprofundar o conhecimento e orientar aos cidadãos quanto à necessidade de ser realizada uma Reforma Agrária para que a Administração Pública realize uma fiscalização efetiva.
A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica, a partir de livros e artigos sobre o tema, recorrendo a abordagens de caráter qualitativo, pois a finalidade é observar, registrar e analisar o processo de regularização de terras públicas ocupadas por terceiros sem licitação.
2 GRILAGEM DE TERRAS PÚBLICAS NO BRASIL
De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, a grilagem é uma das diversas formas de fraudes documentais de títulos de domínio sobre terras, podendo estas terras serem públicas, privadas, urbanas ou rurais. A grilagem de terras no Brasil é muito comum no interior e tornou-se fortemente lucrativa a partir da multiplicação das terras de papel.
O fenômeno da grilagem teve grande destaque nas terras do norte e do nordeste brasileiro. Nestes locais, os grileiros se consideram como titular e proprietários privados das terras de terceiros ou de terras devolutas, ou seja, terras públicas sem destinação, para se apossar das mesmas.
Segundo Prieto (2020), o primeiro marco jurídico da constituição da propriedade privada das terras no Brasil se deu através da publicação da Lei de terras que entrou em vigor em 1850. A Lei de terras legalizou os títulos de terras sesmarias da América Portuguesa.
Diniz (2005) define as terras sesmarias como terrenos incultos e abandonados entregues pela Monarquia portuguesa desde o século XII às pessoas que se comprometeram a colonizá-los dentro de um prazo previamente estabelecido. Os documentos mais antigos das capitanias datam de 1534.
O processo nacional de legalização de terras no período colonial ocorreu de uma combinação legislativa entre a Constituição de 1824 vigente na época e a Lei de terras. Este processo de legalização gerou uma luta por terras através de práticas violentas contra camponeses-posseiros, indígenas e quilombolas. Os conflitos em torno dessa legalização de terras decorreram da previsão da Lei de terras que apenas definiu quais seriam as terras públicas, esquecendo de definir quais seriam as terras reservadas para o processo de colonização ou destinadas aos povos indígenas. (PRIETO, 2020).
Os objetivos jurídicos e eminentemente sociais, políticos e econômicos da Lei de Terras foram: i) proibir a investidura de qualquer súdito, ou estrangeiro, ao domínio de terras devolutas, excetuando-se os casos de compra e venda; ii) outorgar títulos de domínio aos detentores de sesmarias confirmadas; iii) instituir títulos de domínio a portadores de quaisquer outros tipos de concessões de terras feitas na forma da lei então em vigor, uma vez comprovado o cumprimento das obrigações assumidas nos respectivos instrumentos; e iv) assegurar a aquisição do domínio de terras devolutas através da legitimação de posse, desde que fosse “posse mansa e pacífica”, anterior e até a vigência da lei. (PRIETO, 2020, p. 138)
O Registro Paroquial ou do Vigário foi o primeiro registro de terras brasileiras instituído pelo Decreto n° 1.318 de 1834, no qual os possuidores de títulos de sesmaria e ocupantes de terras ficaram sujeitos à legalização de seus direitos. (GARCIA, 2011). Entretanto, o registro do vigário não impedia que títulos falsificados fossem cadastrados, uma vez que não podiam os vigários se recusarem a receber os registros.
O título de posse foi o documento que obteve o maior número de emissão na época, chegando a ser emitidos cerca de 500 mil títulos que vigoraram durante 105 anos, segundo Santos (2016). Na época colonial surgiu uma espécie de fábrica de falsificação de títulos. Maretti (2020) explica que o processo de falsificação se dava da seguinte forma, os documentos eram colocados em caixas com grilos para que com a ação dos insetos nos documentos desse uma aparência envelhecida e demonstrasse no momento do registro a sua veracidade devido a sua aparência.
Esta técnica utilizada atualmente é considerada arcaica e ultrapassada, porém, a nomenclatura prevaleceu para se referir a qualquer conduta ilícita que tem por finalidade a transmissão de terras públicas para compor patrimônio de terceiros se define como grilagem, se originando na esfera administrativa e restando garantido no âmbito rural com a apropriação de propriedades.
A Lei de Terras vigorou até 1931 e deixou um péssimo legado na história fundiária brasileira. A lei excluiu o direito de terras dos negros escravizados na época, dos povos indígenas e dos camponeses. Em sua pesquisa, Silva (2020) demonstra que o Brasil possui 8,51 milhões de Km² correspondendo a 851 milhões de hectares.
A grilagem de terras no Brasil se prolonga até o atual século XXI devido às deficiências encontradas no sistema de controle de terras, chegando a ser hoje considerado um negócio lucrativo. Entretanto, também é considerada crime por ser enquadrada nas definições tipificadas no código penal nos artigos 297 que prevê a falsificação de documentos públicos, 298 que prevê a falsificação de documentos particulares e 299 que prevê a falsificação ideológica.
O contexto histórico da grilagem também se associa a outras práticas criminosas como o uso de jagunços e pistoleiros para expulsar moradores ou invasores de terras.
2.1 AS FINALIDADES DA GRILAGEM DE TERRAS
A CPI da grilagem considera que as finalidades das grilagem são: a) revender as terras em grande escala e, com isso, obter ganhos financeiros; b) obter financiamentos bancários para projetos agropecuários, dando a terra como garantia; c) obter terra para assegurar a exploração madeireira ou para uma futura atividade agropastoril; d) dar a terra grilada como pagamento de dívidas previdenciárias e fiscais; e) conseguir indenização nas ações desapropriatórias, para fins de reforma agrária ou de criação de áreas protegidas. (CARVALHO, 2001)
A Amazônia passou por vários ciclos econômicos e por aquisição de terras por meio da posse. Entre os séculos XVII e o início do século XX ainda não havia a necessidade da garantia jurídica da propriedade de terras na região. Vigoraram nessa época alguns sistemas que nos dias atuais favoreceram a falsificação de documentos e a grilagem. A grilagem na Amazônia se desenvolveu principalmente em razão da atividade madeireira, da soja e da pecuária.
No Estado do Pará os ciclos econômicos geraram uma ocupação no território através da migração e buscavam riqueza através da borracha e do ouro. Essas ocupações de terra para o trabalho davam aos imigrantes a condição de donos dos seus roçados. Desta forma, esses novos ocupantes se instalaram em terras públicas sem nenhuma formalidade antecipada.
Em 1930 surge no Maranhão a grilagem através do que foi considerado uma marcha para o norte que buscava novas áreas de fronteira agrícola pelo capital agrário sulista. Os grileiros chegaram através da abertura de estradas e foi o estado em que ocorreu mais conflitos por essa luta por terras.
A economia em torno da grilagem tem variado ao longo dos tempos, de acordo com a disponibilidade de recursos naturais e com as demandas de mercado. Entre as décadas de 60 e 80, o principal motivo de grilagem era a mineração de ouro, bauxita e estanho. A partir de então, tem sido a madeira, seguida pela pecuária extensiva.
Observa-se que existiam grileiros por todo o território nacional em busca de terras para trabalhar e gerar lucros. Estes grileiros eram pessoas que ocupavam uma zona ao redor das cidades ou das rodovias e faziam fortunas através da exploração madeireira, à pecuária, ao comércio de produtos agrícolas etc.
A CPI buscou investigar diversos acontecimentos envolvendo a apropriação indevida e ilegal de extensas áreas de terra na Amazônia pertencentes ao patrimônio público. Em seu relatório final apresentou um resultado da existência de 200 milhões de hectares de terras griladas, sendo envolvido cerca de 50 cartórios de imóveis relacionados aos títulos fraudulentos apresentados como legítimos.
Tadeu (2020) expõe que as fraudes ocorridas na Amazônia se davam através de: fraude nos títulos: assinaturas, nomes, dizeres, datas e números falsificados; b) fraudes nos processos: títulos registrados sem processos, sem editais ou sem obedecer às formalidades legais; c) fraudes na demarcação: demarcações feitas na prancheta, sem visitas a campo. d) fraudes na localização; e) fraudes nos registros: os cartórios chegaram a registrar como propriedade qualquer documento que lhes era entregue, até simples contratos de compra e venda de posses ou certidões administrativas de processos.
2.2 AS TERRAS DEVOLUTAS
A Constituição Imperial do Brasil de 1924 garantiu o direito de propriedade em toda a sua plenitude e previa que a propriedade não poderia ser exercida contra interesse social ou coletiva. Na atual Constituição Federal de 1988 vigente estabelece no art.5, XXIII e no art. 170, III que a função social da propriedade é uma garantia fundamental e um princípio de ordem econômica.
Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade; (BRASIL, 1988, n.p.)
A Constituição de 1924 atribuiu as terras devolutas ao domínio dos Estados com exceção das fronteiras, das fortificações, das construções militares e das estradas de ferro federais. E a melhor definição de terras devolutas sob domínio do Estado e da União só foi delimitada de forma ampliada pela Constituição de 1988 que incluiu aquelas terras indispensáveis à preservação ambiental.
Romano (2020) expõe em sua pesquisa que as terras devolutas são as terras públicas não aplicadas ao uso comum nem ao uso especial. São bens públicos dominicais. São terras de origem de propriedade fundiária que pertencem ao Estado, mas não lhe é aplicada nenhum uso público. Cabe ressaltar, que o fato desta terra não se acha transcrita em nome de qualquer particular não quer dizer que elas compõem as terras devolutas.
Terras devolutas são todas aquelas que, pertencentes ao domínio público de qualquer das entidades estatais, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos específicos. São bens públicos patrimoniais ainda não utilizados pelos respectivos proprietários. Tal conceito nos foi dado pela Lei imperial nº 601, de 18 de setembro de 1854, e tem sido aceito uniformemente pelos civilistas. (ROMANO, 2020 apud MEIRELLES, 1966, p. 453)
Quanto à usucapião de terras públicas a Constituição Federal de 1988 no art. 183 § 3° e art. 191 veda essa possibilidade assim como no art. 102 do Código Civil. A usucapião rural só se aplica a imóveis com área inferior a 50 hectares e se preencher algumas outras condições exigidas. Entretanto, a Constituição também expõe a necessidade de se ter uma estrutura fundiária para que todos tenham acesso ao direito de uma moradia e que a produção agrícola em terras se diversifique e garanta os alimentados daqueles que delas dependem.
A Lei 6.383/76 em seu art. 29 prevê uma possibilidade de legitimação de terras públicas que será daqueles ocupantes de terras rurais que fizeram desta terras produtivas com seu trabalho e de sua família terão direito da legitimação da posse da área até 100 hectares, desde que não seja proprietário de outro imóvel rural e comprove a morada permanente e cultura efetiva, pelo prazo mínimo de 1 ano. Desta forma, os sitiantes e os pequenos produtores poderiam ser beneficiados.
2.3 A ATIVIDADE GRILEIRA SE APERFEIÇOA COM O TEMPO
O processo de ocupação do Brasil é caracterizado pela apropriação indevida de terras públicas. A prática de falsificação de documentos para se tornar donos de terras ganhou força pelo país diante da inércia do poder público. A desigualdade agrária se constituiu com grande facilidade por parte do poder público que facilitava para algumas pessoas ou buscavam vantagens para si com a ajuda de alguns servidores que realizavam esse tipo de registros.
As atuais modalidades de grilagem é uma verdadeira máfia fundiária que conta com o auxílio do poder público e dos diversos setores da sociedade. É um reflexo de um país cheio de regalias e corrupção consolidadas na cultura de seus habitantes.
A professora Motta (2001) em sua tese de doutorado apresenta o caso do seu Manuel Pedro, Joaquim Cabral, Venâncio de Tal e Francisco Rodrigues que em 1837 em companhia de suas respectivas mulheres começaram a derrubar matas virgens na Paraíba do Sul - RJ, onde hoje é Grota Funda acreditando se tratar de terras devolutas. Os lavradores na época iniciaram cultivos de subsistência para a manutenção de sua numerosa família. Entretanto, o fazendeiro João Correia Abrahão abriu três processos alegando ser dono das terras e que as ocupava a cerca de 14 anos.
A história de Manoel Pedro e seus companheiros, sujeitos anônimos de uma história de expropriação no Brasil, não se constitui um exemplo de um movimento social organizado, com projetos políticos claros e definidos no embate da luta. Entretanto, esses pequenos posseiros buscavam legitimar a sua ocupação. O caso do Manoel Pedro se assemelha com o que hoje é o movimento sem terras.
O Carlos Medeiros aconteceu no Estado do Pará onde uma gangue de grileiros usou documentos em nome de Carlos Medeiros para se apossar de cerca de 12 milhões de hectares de terra. Segundo Greenpeace correspondia a cerca de 10% do Estado do Pará. No relatório da CPI concluiu que uma Carta de Adjudicação passada em favor de um personagem denominado Carlos Medeiros, extraída dos autos do inventário dos bens supostamente deixados por falecimento de Manoel Fernandes de Souza e Manoel Joaquim Pereira, em que citava como bens do casal inúmeros imóveis rurais localizados pelo Estado.
Em 1975, um juiz reconheceu a legitimidade da reivindicação de Medeiros, mas ele foi, mais tarde, afastado do cargo por irregularidades. Carlos Medeiros nunca apareceu. Seus advogados disseram que não conseguiram localizá-lo para trazê-lo à investigação da CPI e sua existência nunca foi confirmada.
Outro caso que ganhou destaque foi a invasão da Terra do Meio em que se buscava árvores de mogno e de novas áreas para a pecuária. Este caso aconteceu na antiga estrada de garimpo, entre o rio Xingu e a Vila Canopos, esta rota se tornou a principal rota de invasão para madeireiros que chegaram a abrir mais 600 quilômetros de estradas ilegais em busca das árvores de mogno. Segundo Greenpeace, em 2004 cerca de 70 mil hectares de terras do Pará foram desmatadas e queimadas para implantação de pastagem.
3. O PROGRAMA TERRA LEGAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES
A política brasileira quanto a ações fundiárias sempre se destinou a facilitar a privatização das terras públicas. Os governantes estabeleceram ao longo dos anos uma série de medidas provisórias como: MP 255, de 2005; MP 422, de 2008 e MP 458, de 2009, nos governos de Lula; a MP 759, de 2016, no governo de Michel Temer, e, mais recentemente, já no governo de Jair Bolsonaro, a MP 910, de 2019.
Segundo Torres, Cunha e Guerrero (2020) estas medidas provisórias propostas aos longos dos anos tinham o objetivo de promover uma regularização fundiária e flexibilizar as regras de alienação de terras públicas em favor de particulares.
O Partido dos Trabalhadores – PT entrou no poder em 2003 com a posse do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, este partido era regido com a força dos movimentos socioterritoriais e sindicais e diziam atender os anseios da maioria pobre do país. Entretanto, a vitória eleitoral trouxe junto articulações políticas com setores da elite nacional e a política geral implantada nos ministérios da agricultura e do desenvolvimento agrário ficaram divididas entre socialistas e capitalistas.
O início do governo foi marcado pelo INCRA que definiu a reforma agrária a partir da política de desapropriação de imóveis improdutivos e pelo apoio do presidente Lula ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Ambos os acontecimentos encaminharam para a elaboração do documento do II Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA coordenado por Plínio de Arruda Sampaio.
Segundo Oliveira (2015) no segundo e no terceiro mandatos do PT não foi elaborado o III PNRA, o segundo foi marcado pela contrarreforma agrária derivada da aprovação das Leis nº 11.763/2008 e nº 11.952/2009, que passaram a permitir a regularização da grilagem da terra pública rural e urbana na Amazônia Legal. O governo criou o Programa Terra Legal para regularizar as terras públicas do INCRA griladas pelos latifundiários do agronegócio. O terceiro mandato foi marcado pela não realização da reforma agrária, não demarcação dos territórios quilombolas e das terras indígenas.
A MP 255/2005, posteriormente convertida na Lei 11.196/2005, determinou um aumento no limite de alienação de terras públicas da Amazônia legal de 100 para 500 hectares para os particulares que já detinham a posse antes de 1° de dezembro de 2004. A ocupação de terras públicas na Amazônia legal tinha dois caráteres: objetivo que era a exploração caracterizada pela ocupação direta, morada permanente, cultura efetiva e o subjetiva que o ocupante era pessoa física que não possuía outro imóvel rural.
O Código Florestal instituiu a obrigatoriedade do CAR, um registro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, cujo objetivo seria o de integrar as informações referentes aos parâmetros ambientais ao imóvel, zoneando áreas de preservação permanente e reservas legais. Contudo, o cadastro prestou-se à apropriação ilegal de terras.
3.1 LEI 13.465/2017: MEDIDA PROVISÓRIA DA GRILAGEM
A Medida Provisória n° 759 conhecida como a Medida Provisória da grilagem regulamenta a organização fundiária. A Medida tinha como objetivo tratar sobre os assentados da reforma agrária, a regulamentação de glebas na Amazônia e facilitar a transferência de terras públicas da União à pessoa física ou jurídica. Através dessa medida em 2017 foi promulgada a Lei 13.465.
A Lei 13.465/2017 também está relacionada ao tema da Amazônia Legal, através desta lei ocorreu mudanças na data de data que o ocupante deverá ter a posse da terra para fins de regularização fundiária, sendo este 22 de julho de 2008. A lei também alterou o limite máximo para alienação sem licitação, que passou a ser 2.500 hectares. Cabe ressaltar que a constituição prevê que o limite para a alienação de terras públicas sem licitação é de 2.500 hectares. Desta forma, a lei atingiu o limite constitucional.
No art. 2 inciso III da citada lei prevê uma redefinição do conceito de exploração direta, antes se entendia como um critério para promover alienação direta de terras públicas e agora se caracteriza como um sujeito que explora a terra por meio de pessoa jurídica que seja titular majoritário ou integral do seu capital social.
Segundo Carvalho (2019) a Lei foi proposta com o objetivo de dar aos proprietários mais pobres títulos de terras para cultivar. Assim como de promover uma maior justiça social na divisão de terras das famílias que ocupavam a amazonas e não tinha uma terra legalizada. O presidente Michel Temer pregava uma política fundiária, afirmava haver milhões de hectares de terras da União a serem destinados a lavradores e que a regulamentação destas terras reduziria os conflitos e garantiria uma segurança jurídica para diversas famílias.
Entretanto, o efeito gerado é totalmente contrário. A aplicação dessas medidas gerou um incentivo ao aumento dos danos ambientais, um aumento na impunidade ao legitimar ocupações ilegais em grande escala e não solucionou o problema da preservação do latifúndio em detrimento dos pequenos grupos de agricultura familiar.
A Lei 13.465/2017 distancia-se do cumprimento dessas metas. Ela autoriza transferência em massa de bens públicos para pessoas de média e alta renda, visando a satisfação de interesses particulares, em claro prejuízo à população mais necessitada, o que causará grave e irreversível impacto na estrutura fundiária em todo território nacional, seja por incentivar a ocupação irregular de terras (a “grilagem”) e o aumento de conflitos agrários, seja por suprimir as condições mínimas para continuidade daquelas políticas constitucionais (BRASIL, ADI 5771, n.p.).
3.2 MEDIDA PROVISÓRIA 910/2019 E O PROJETO DE LEI 2.633/2020
A Medida Provisória 910/2019 sancionada pelo presidente Bolsonaro também é conhecida como MP da grilagem. Esta Medida foi considerada inconstitucional por alterar drasticamente as regras sobre regularização fundiária de ocupações em terras públicas federais, possibilitar a anistia ao crime de invasão de terras públicas praticado entre 2011 e 2018 e permitir a titulação de áreas públicas desmatadas ilegalmente nesse período.
Devisate (2018) ao analisar a Medida Provisória identifica como sendo os principais pontos a alienação em direito real de uso e em doação, a abertura de matrícula no registro de imóveis para os casos de doação e concessão de direito real de uso e a isenção de custas e emolumentos para registro dos títulos de domínio ou de direito real de uso concedidos.
A Medida Provisória gerou muita polêmica pelos opositores do atual presidente que a considerou a medida como inconstitucional e uma ameaça e uma ameaça socioambiental à Amazônia.
A respeito do tema o repórter Bertolotto (2020) publicou sobre o movimento por parte da mídia que causou uma pressão contra a MP 910 após o vídeo de Felipe Neto pedindo que personalidades públicas se posicionem sobre o que, em sua visão, representam uma sequência de ameaças à democracia, que incluem os retrocessos ambientais promovidos pelo governo Bolsonaro.
Artistas como Anitta, Bruno Gagliasso, Gisele Bündchen e Dirá Paes se manifestaram contra a MP 910 equiparam os pequenos agricultores aos grileiros. Desta forma, uma onda de resolva na mídia se iniciou em torno que os indígenas e os quilombolas seriam vítimas de violência em uma luta por terras.
Entretanto, a Medida Provisória visava atender o pequeno produtor rural que a anos tenta regularizar sua terra e que o governo não consegue nem controlar e nem fiscalizar. A MP 910 não gerará grilagem. Assim como, a MP regula as terras da União de todo o território brasileiro e não apenas da Amazônia como os artistas afirmaram.
A Coalizão Ciência e Sociedade após a publicação das medidas apresentou os seguintes dados: do total de 123 milhões de hectares de terras públicas federais, cerca de 12 milhões foram destinadas para Terras Indígenas correspondente a 10%, 14 milhões para Unidades de Conservação de Proteção Integral correspondente a 11%, e outros 14 milhões para Unidades de Conservação de Uso Sustentável correspondente a 11%. Os 48% restantes das terras públicas federais foram destinados para uso agropecuário, sendo 19,5 milhões de hectares cerca de 15% como assentamentos e áreas de uso comunitário, 13 milhões cerca de 10% como áreas privadas destinadas e 7 milhões cerca de 7% de imóveis no Programa Terra Legal, parte ainda em processo de análise.
O Relatório científico de Sparovek (2020) evidencia que a MP visa à destinação de 43 milhões de hectares de terras federais correspondente a 34%, dos quais aproximadamente 18 milhões correspondente a 14% são áreas privadas autodeclaradas inscritas no Cadastro Ambiental Rural - CAR e cerca de 25 milhões correspondente a 20% em áreas sem indicação de destinação que se encontram fora do CAR.
Devisate (2018) analisa a Medida Provisória de forma positiva, diz que é preciso interpretá-la em consonância com os Decretos Presidenciais 10.165 e 10.166. Considera que a intenção da medida é boa e fundamental, podendo ser considerada com um novo marco regulatório da questão fundiária, pois acredita que não se deveria mais se discutir sobre grilagem de terras públicas, uma vez que a diretriz elementar para definir as terras devolutas e o seu destino é a Lei de Terras de 1850, editada por Dom Pedro II.
Ao contrário do que foi levantado pelos artistas à medida que a MP estaria garantindo os direitos dos grileiros e anistiar quem desmatou em 2018. A MP em seu texto não prevê isso. Áreas indígenas, quilombolas ou qualquer outra restrição não serão objeto de regularização fundiária. O desmatamento continua sendo tratado e regulamentado pelo Código Florestal. A regularização fundiária proposta pela MP trará obrigações para o produtor rural, sendo uma delas a responsabilidade ambiental.
A Medida Provisória 910/2019, que trata da regularização fundiária de ocupações em terras da União, perdeu a validade em 19/05/2020 sem ser votada nos Plenários da Câmara dos Deputados e do Senado. Diante da polêmica sobre o texto, os deputados resolveram apresentar um projeto de lei em substituição à medida, a PL 2.633/20.
A MP pretendia gerar um controle ambiental maior na preservação ambiental ao obrigar os interessados a aderirem ao Cadastro Ambiental Rural. E os interessados em regularizar suas terras terão que pagar um valor estipulado pelo INCRA que teria relação com o valor da terra nua naquela região, mesmo que o pequeno agricultor tenha feito melhorias na propriedade.
O PL 2.633/20, por sua vez, estabelece critérios para a regularização fundiária de imóveis da União, incluindo assentamentos. As regras são restritas a áreas ocupadas até julho de 2008 com até seis módulos fiscais, ou seja, unidade fixada para cada município pelo Incra, que varia de 5 a 110 hectares.
4. AS IMPLICAÇÕES DA NEGLIGÊNCIA FUNDIÁRIA
A Constituição Federal prevê no artigo 6° o acesso à moradia como um dos direitos sociais. Ter um ambiente próprio para desenvolvimento e evolução é uma necessidade básica do indivíduo que, apesar de estar elencado na Carta Magna como um aspecto social, está intimamente relacionado com a dignidade da pessoa humana, revestindo-se assim, com um caráter também fundamental.
No Capítulo III da Constituição Federal de 1988 ao tratar da política Agrícola, fundiária e da reforma agrária, aduz que compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, sendo que, a política agrícola será planejada e executada na forma da lei com o envolvimento dos produtores e trabalhadores rurais, além dos demais ramos interessados.
Desta forma, não há que se falar em ilegitimidade e muito menos em criminalização das ocupações, visto que, face aos fatos exarados, os pequenos produtores rurais apenas buscam consolidar direitos a eles atribuídos pelo próprio Poder Constituinte Originário. Entretanto, a Reforma Agrária nunca passou de uma bonita e democrática ideia de política social.
O problema da grilagem não é apenas no contexto social, mas também no contexto ambiental. A grilagem de terra exerce grande influência negativa no contexto ambiental. A ocupação privada da natureza, com predomínio da burguesia nacional tem disponibilizado sob uma nova perspectiva que se permita a apropriação de terras para mantê-las como fonte de capital.
Segundo Carvalho (2019), o assentamento de glebas, principalmente na região da Amazônia, se transformou em um dos principais objetivos da atividade grileira no país, sendo uma das mais relevantes ferramentas para o domínio fundiário.
É necessário uma atitude fiscalizatória por parte dos entes políticos para uma fiscalização fundiária efetiva e um controle agrário efetivo para trazer bons resultados para todos os aspectos da realidade campesina e também urbana.
A estrutura fundiária do Brasil tem duas características fundamentais: a grilagem das terras públicas e a concentração. Os governantes utilizam-se de uma política voltada a igualar a partilha de terras e a promover a regularização dos documentos de terras do ocupante pobre e acabam não promovendo o que prevê na Constituição federal que é uma verdadeira reforma agrária.
Ocorre que as práticas de grilagem são utilizadas tanto pelos pobres como pelos os ricos que muitas vezes se utilizam de laranjas para terem os domínios das terras obtidas por meios de grilagem regularizados. As MP e o Movimento Sem Terras geraram um aumento nos números de terras públicas invadidas através de violência que causou mortes por onde passavam.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nada mais é do que mais um reflexo da inércia do Poder Público, que insiste em ignorar o cumprimento das disposições instituídas por lei. Trata-se em síntese, de um povo extenuado de séculos de injustiças no meio rural brasileiro, que decidiu reivindicar o que é seu por direito.
O que vem acontecendo desde do princípio é que as pessoas invadindo e se apossando de terras públicas para poderem gerar lucros para si, poucos invadem apenas se manter do cultivo da terra. Assim como as classes mais favorecidas que se apossam de terras para aumentar a sua área de investimento agrário. Entretanto, o que não é observado é que em ambos os casos o resto da população é prejudicada.
O Brasil tem atualmente os maiores latifúndios que a história da humanidade já registrou. Talvez seja por isso que a maioria dos intelectuais e políticos dá atenção apenas à concentração, deixando de lado a questão da grilagem das terras públicas. Uma análise sucinta do acesso à terra na história da sociedade brasileira permite verificar que o descumprimento das normas legais e a elaboração de novas normas para regularizar os atos ilegais, foi sempre os procedimentos históricos das elites nacionais.
A ausência de uma regularização fundiária atinge diretamente o pequeno e o grande produtor rural, os parceiros dos produtores como empregados e sindicatos, os compradores da produção, os que participam do processo produtivo, os que financiam a produção e os que cobram impostos.
A constituição garante o direito que uma reforma agrária ocorra. Sendo assim, é obrigação do governo federal fazer o PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária, previsto na Carta Magna diante da ausência que ocorreu durante o governo militar, o governo de Collor e Itamar, o governo de Fernando Henrique Cardoso, o governo de Lula, o governo de Dilma, o governo de Michel Temer e o governo de Bolsonaro.
Cabe ressaltar, que durante o governo de Sarney de 1985 a 1989 foi realizado o I Plano Nacional de Reforma Agrária e que no primeiro mandato de Lula foi realizado o II plano. A Reforma Agrária é o instrumento de política pública para se fazer cumprir a função social da propriedade privada da terra. (OLIVEIRA, 2015)
CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto, pode-se perceber que o que mais há no Brasil é legislação apta a apoiar um controle agrário fidedigno. Através da Constituição Federal de 1988 e das diversas legislações infraconstitucionais, decretos e medidas provisórias convertidas em lei publicadas pelos governantes ao longo das últimas décadas.
Demonstrou que os possuidores de terras públicas exercem seu domínio com o auxílio da própria legislação vigente. E atualmente não se pode opor a conveniência latifundiária para preservar o interesse público que os militantes se manifestam comparando o pequeno agricultor aos grileiros e acaba gerando uma manutenção de direitos decorrentes da grilagem previsto na época de Dom Pedro II.
Observou-se os Presidentes ao editar Leis ou publicar Medidas Provisórias não se posicionam no sentido de sanar a citada disfunção, permanecendo inerte, desde os tempos da Colônia. Ocorre que a falta de interesse e organização por parte da Administração Pública quanto a regularização dos domínios, principalmente no que se refere ao contexto rural, resulta em diversos casos de falsificação de títulos de propriedade.
Frente ao exposto, conclui-se que é necessária uma fiscalização efetiva por parte da Administração pública para definir e resguardar essas terras públicas, assim como a realização de uma Reforma Agrária tanto por ser um dever do Estado como também por ser um direito do cidadão.
Precisa-se entender que a grilagem não é apenas a prática de falsificação de documentos de propriedade da terra, não é mais uma coisa que se fazia no passado distante. A grilagem está presente até os dias atuais e vem sendo garantida através das legações vigentes no país, é realizada nos órgãos públicos e em nos cartórios. É preciso acabar com esse sistema que se arrasta desde a época colonial.
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[1] Mestre em prestação jurisdicional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Escola da Magistratura Tocantinense (ESMAT) e Universidade Federal do Tocantins. Analista Jurídico do Ministério Público do Estado do Tocantins, especialista em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus/DF, em Estado de Direito e Combate à Corrupção pela ESMAT. E-mail: [email protected]
Graduanda do curso de direito na Faculdade Catolica do Tocantins
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