RESUMO: Este artigo científico aborda a ineficácia do princípio da celeridade nos processos que tramitam nas varas dos municípios do Amazonas, quais são as dificuldades encontradas pelo judiciário para alcançar e suprir as demandas dessas cidades e quais são os impactos na vida do cidadão amazonense residente no interior. Com o presente trabalho, tem-se como objetivo conscientizar e dar visibilidade ao problema existente, porquanto essa carência comprovadamente leva os cidadãos amazonenses a desistirem de reivindicar seus direitos perante a justiça, o que viola, por sua vez, um princípio fundamental, que é o princípio de acesso à justiça, que se encontra presente no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira. Além disso, ao mesmo tempo que a falta de celeridade processual faz com que os cidadãos abdiquem de procurar por seus direitos, ela também faz com que se crie uma desconfiança e descrença na justiça brasileira, conforme se comprovou na pesquisa realizada ao longo do presente trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Princípio da celeridade. Princípio do acesso à justiça. Artigo 5º, LXXVIII. Emenda Constitucional nº 45/2004. Amazonas.
ABSTRACT: This scientific article addresses the ineffectiveness of the principle of speed in the processes that are processed in the courts of the municipalities of Amazonas, what are the difficulties encountered by the judiciary to meet and meet the demands of these cities and what are the impacts on the life of the Amazonian citizen residing in the interior. With this work, the objective is to raise awareness and give visibility to the existing problem, as this lack has been proven to lead Amazonian citizens to give up claiming their rights to justice, which in turn violates a fundamental principle, which is the principle of access to justice, which is present in article 5 of the Brazilian Federal Constitution. In addition, while the lack of procedural speed makes citizens abdicate from looking for their rights, it also causes distrust and disbelief in the Brazilian justice system, as demonstrated in the research carried out throughout this work. .
KEYWORDS: Principle of speed. Principle of access to justice. Article 5, LXXVIII. Constitutional Amendment No. 45/2004. Amazons
INTRODUÇÃO
O presente artigo traz uma análise acerca da deficiência do princípio da celeridade e os seus impactos, nos processos situados no interior do Estado do Amazonas e encontra sua motivação no fato de que a cada dia que passa, as cidades no interior do Amazonas estão expandindo em tamanho e número de habitantes, porém, a presença já escassa do judiciário nos interiores não está sendo o suficiente para suprir a crescente demanda.
Assim, a população interiorana se vê dividida entre buscar seus direitos ou lidar com anos e anos de espera para a resolução de um processo, o que não poderia acontecer, uma vez que o livre acesso à justiça é uma garantia constitucional brasileira, que jamais poderia ser violada.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2020, 1.988,134 milhões de pessoas estão divididas nos 61 municípios do interior do Amazonas, ou seja, aproximadamente metade de toda a população do Amazonas encontra dificuldades para ingressar na justiça.
Tal projeto tem como objetivo investigar as causas e consequências da falta de celeridade nos processos no interior do Estado do Amazonas e verificar se a demora destes processos impactam na procura por direitos.
Por consequência, o artigo trabalha com a hipótese de que a demora no andamento dos processos deve-se ao fato do distanciamento da capital, de problemas de conexão com internet, e até mesmo por carência de juízes que atuem nas cidades, levando os cidadãos amazonenses a desistirem de buscar seus direitos, e os fazendo desacreditar na justiça brasileira.
1 O PRINCIPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL E SUA IMPORTÂNCIA
A Emenda nº 45/2004 incorporou ao texto da Constituição o inciso LXXVIII no artigo 5º, nele dispôs que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. O art. 4º do Novo Código de Processo Civil, estabelece que “as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”. Já o art. 118, do mesmo código, ao regular o comportamento processual do juiz, diz, logo no inciso I, que lhe incumbe “promover o andamento célere da causa”.
As normas supracitadas se referem a um princípio essencial do ordenamento jurídico brasileiro: O princípio da celeridade processual. Tal princípio existe com o objetivo de sanar, ou reduzir, o excesso de processos no judiciário, bem como o tempo que cada um leva até que chegue ao trânsito em julgado, evitando os recursos protelatórios ostensivos que retardam e dificultam a tramitação processual.
Francisco de Paula Baptista (1872, p. 65), ao indicar as condições inerentes ao processo, salientava:
Brevidade, economia, remoção de todos os meios maliciosos e supérfluos, tais são as condições que devem acompanhar o processo em toda a sua marcha. Assim, todos os atos, dilações, demoras, despesas inúteis são aberrações do regime judiciário em prejuízo do interesse dos indivíduos, das famílias e da sociedade
Dizia também, Monteiro, (1956, t. 1, p. 275) “o melhor sistema de processo será aquele que o fizer pronto, simples e efetivamente garante da final estabilidade das relações de direito”.
Da mesma forma expressa Ibidem, (2012, p. 15)
A marcha lenta processual está se tornando insustentável para todos aqueles operadores do direito envolvidos diuturnamente com as alterações do CPC, em seus artigos, parágrafos e alíneas, aos quais se exigem mudanças urgentes, eis que estas têm como objetivo diminuir a morosidade da Justiça brasileira e desafogar o excesso de processos à espera de julgamento. Estima-se que mais de 100 milhões de ações judiciais estejam hoje na fila de espera para a decisão final dos juízes
Tal princípio, se mostra cada vez mais fundamental, ao passo que o judiciário está cada vez mais afogado em processos, visto que está preso num sistema burocrático e ineficaz.
Para Flávio Caetano, Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, três problemas básicos afetam o Poder Judiciário brasileiro: excesso de processos, morosidade e falta de acesso à Justiça. O diagnóstico foi apresentado pelo secretário durante uma audiência pública em Brasília para debater a eficiência do primeiro grau de jurisdição, organizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O secretário explicou que 92 milhões de processos tramitaram no Judiciário brasileiro em 2012. O número corresponde a aproximadamente um processo por dois habitantes, porém isso não significa que exista acesso à justiça, pois os processos estão concentrados em uns poucos grandes litigantes. Segundo ele, 51% dos processos são do setor público, nas três esferas de poder, outros 37% têm como parte o sistema financeiro e 6%, as empresas de telefonia. Resta aos cidadãos cerca de 5% dos processos. Além disso, também citou um estudo de 2009 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que revelou que 64% das pessoas lesadas em algum direito não recorrem à Justiça.
Outrossim, ainda apontou o problema da morosidade da Justiça, que leva um processo a demorar 10 anos, em média, “Não é um tempo razoável”, disse. Segundo o secretário: “há no Brasil uma subversão da ordem: o primeiro e o segundo grau são vistos apenas como etapas do processo, já que a solução será dada pelos tribunais superiores”.
Segundo Medina (2011)
A morosidade no judiciário não é algo que só passou a merecer atenção de legisladores e estudiosos na atualidade. Ao contrário, a malfadada morosidade na Justiça vem aumentando na medida em que as demandas numéricas de processos crescem numa progressão avassaladora, dia após dia, ano após ano. Contudo, a ampliação de quadros e novos órgãos, a exemplo dos Juizados Especiais, não tem sido capazes de atender às necessidades e expectativas do jurisdicionários, tonando a justiça mais lenta.
Nesse diapasão, o que se percebe é uma burocratização exacerbada que expressa, em números, o caos do sistema judiciário atual, cujas lides processuais se estendem por muito de tempo, sem a certeza da real tramitação no seu curso até alcançar a decisão final, muito embora o processo tenha prazo razoável para início e término, cabendo ao Juiz, contudo, dirimir o litígio de maneira mais célere e ágil, o que, na prática, raramente acontece.
Tais problemáticas impedem a plena eficácia do princípio da celeridade, além de interferir e prejudicar a vida de milhões de cidadãos brasileiros, anulando totalmente o objetivo para o qual tal princípio foi criado.
1.1 Histórico do princípio da celeridade processual
A palavra “celeridade” é uma atribuição de rapidez assignada a um ato para que este flua dentro da estrutura correspondente, a fim de se tornar efetivo o mais rápido possível, normalmente sendo vinculado a uma situação de emergência ou prioridade, seja na esfera pública ou privada.
O princípio da celeridade processual, por sua vez, foi criado com o objetivo de solucionar a problemática que envolve o excesso de processos no judiciário, que se arrastam por anos à espera de julgamento, inclusive, pelo excesso de recursos protelatórios ostensivos que retardam e dificultam a tramitação processual por demasiado lapso de tempo.
A demora nos resultados da prestação jurisdicional brasileira conta com diversos contributivos, tais como, o aumento populacional combinado com a burocracia processual gerada pelo excesso de formalismo, entre outros.
O tempo exigido para uma tramitação processual geralmente causa prejuízos às partes, causando insegurança, pois se espera ter a pretensão atendida de forma célere e confiável. Sendo certo que não se obtém a resposta da maneira pretendida, é gerada uma desconfiança e descredito na justiça brasileira.
Nessa perspectiva o legislador pátrio procurou inserir, expressamente, o Princípio da celeridade ou brevidade processual, o qual existia, de forma tácita, no ordenamento brasileiro, bem como em diversos diplomas internacionais.
Vale apresentar neste contexto a ideia formulada por Paula (2005, p. 334), acerca da questão em comento quando diz que “[...] a celeridade processual, como direito fundamental do litigante, apresenta três objetos de celeridade. Isto é, deverá a celeridade abordar o processo em si; a produção do conhecimento jurídico; e a efetivação do direito. ”
Nesse diapasão, insculpe-se na Carta Magna de 1988 o inciso LXXVIII no artigo 5.º, garantindo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, como forma de garantir ao cidadão a eficiência da prestação jurisdicional no que diz respeito ao tempo da tramitação do processo.
1.2 Celeridade processual como acesso à justiça
A Constituição Federal, em seu inciso XXXV, do artgo 5º, garante a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes do país o acesso à Justiça, ou seja, a garantia de reivindicar seus direitos perante o Estado. Com atenção ao tempo gasto nas demandas, o Estado deve obedecer aos princípios elencados no seu texto constitucional, principalmente quanto ao princípio da ampla defesa e da duração razoável do processo. Nesse sentido, Arruda Apud Fernandez (2014, p. 507), ao tratar da inserção do princípio da duração razoável do processo diz:
Segundo compreendemos, há uma razão lógica bem evidente a determinar essa inserção, que para nós corresponde a uma evolução natural. É que, como documento consagrador da plena restauração Democrática, a Constituição de 1988 ocupou-se especialmente de garantir o amplo acesso à justiça. E assim procedeu vedando que fossem excluídas da apreciação do Poder Judiciário lesões ou ameaças ao direito. Quando a Constituição garante o direito à duração razoável do processo, o faz ressaltando sua inserção entre os direitos fundamentais. Todavia, outros direitos fundamentais são também assegurados constitucionalmente, como integrantes da garantia maior do acesso à justiça e do processo justo, como o contraditório e a ampla defesa, entre vários outros, todos inerentes à garantia de efetividade da tutela jurisdicional (2011, p. 43)
De acordo com Grinover (1998, p. 23), “o acesso à justiça não se identifica com a mera admissão ao processo ou a possibilidade de ingresso em juízo, mas é indispensável que o maior número de pessoas consiga demandar e defender-se no tempo mais razoável possível”.
Além disso, segundo Sadek (2009, p. 170), o acesso à justiça é “a porta de entrada para a participação nos bens e serviços de uma sociedade”. A autora reflete que não há possibilidade de inclusão social de fato se não houver condições efetivas de acesso à justiça. Assim, sem o direito de recorrer à justiça, todos os demais direitos não possuirão efetividade.
Diante desse problema, Médici (2013, p. 122) reflete que este processo de previsão de direitos fundamentais sem a efetivação denomina-se de Constituição Simbólica, texto vinculado a uma função político-ideológica, mas sem efetivar direitos em decorrência da estrutura do Estado vinculada a interesses econômicos e políticos que desarticulam o exercício dos direitos fundamentais. Assim, no Estado brasileiro há existência de três tipos de cidadãos: o subcidadão, como o homem no estado do Amazonas que reside fora da capital do estado desprovido de condições econômicas, sociais e geográficas para deslocar-se a um município que tenha subsede da Justiça Federal; o cidadão comum residente em Manaus que possui melhores condições para exercício do acesso à justiça, ainda que fatores como custas e elitização possam afastá-lo; e o sobrecidadão, que, segundo Médici (2013, p. 17) é aquele com capacidade de utilizar o poder econômico para influenciar os aparelhos do Estado na aplicação ou não de determinadas normas constitucionais, e utilizando-as de acordo com os interesses dominantes.
1.3 As dificuldades do judiciário em suprir a demanda no interior amazonense
O estado do Amazonas tem uma população estimada de 2.219.580 pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e possui um judiciário assim como o resto do Brasil: Inundado em processos, com tempo médio de espera superior há oito anos no âmbito federal, segundo o Conselho Nacional de Justiça.
Aproximadamente metade dessa população está dividida em 61 municípios, num espaço de 1.571.000 km², onde é difícil o acesso a capital, onde o acesso à internet é instável, onde o judiciário encontra problemas para chegar. Nesses lugares o judiciário é ainda mais ineficiente, pois além da já esperada demora, existe ainda uma sorte de empecilhos para o andamento célere de um processo, impedindo um direito fundamental, que é o acesso à justiça.
O Estado do Amazonas, apesar de ter uma população maior do que a do Amapá, Acre e Maranhão, possui o menor quadro de juízes federais para cada 100.000 mil habitantes se comparado com os três Estados citados. Em outras palavras, mesmo sendo o maior estado da Federação e ser o estado com a maior quantidade de povos indígenas, o Amazonas possui o pior índice de juízes federais por habitante, o que demonstra as desigualdades do federalismo jurisdicional e a despreocupação com as questões étnicas na distribuição de Subsecções.
São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, é a maior cidade com população indígena do Brasil, com uma população estimada em 37.300 habitantes, segundo o último censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e estatísticas, realizado em 2010. Porém, não há resposta adequada às demandas indígenas da região, haja vista a presença de somente uma Vara da Justiça Comum Estadual no município, a qual sequer é competente para tratar sobre direitos indígenas. No estado do Amazonas, cerca de 65 povos indígenas possuem territórios tradicionais (AMAZONAS, 2010) nos quais vivem cerca de 120 mil índios (PORTAL AMAZÔNIA, 2015), sendo o maior Estado Indígena do Brasil. A despeito dessa realidade, em apenas 01 (um) município do interior do estado está presente a Justiça competente para dirimir conflitos decorrentes dos interesses indígenas, sendo este: Tabatinga.
Acerca do tema, Maciel e Shiraishi Neto (2016, s/n), deflagram violenta situação precária em artigo sobre o alcance à justiça pelos cidadãos múltiplos no estado do Amazonas:
No Município de São Gabriel, para um grupo indígena reivindicar direitos indígenas ou judicializar questões que envolvam um órgão federal, o grupo necessita deslocar-se para a capital Manaus, a uma distância de 853,83 km. Há 03 meios de transporte, a saber: a) fluvial/ barco – duração de 02 dias e 14 horas de viagem; b) fluvial/lancha – duração de 1 dia e 2h; c) aéreo/voo – duração de 2h. Assim, a depender da condição econômica do sujeito ou do grupo, utiliza um dos meios de transporte acima, sendo o fluvial/barco o mais econômico. Para a grande maioria das ações na Justiça Federal o processo é físico e necessita de uma interlocução do povo indígena com o Ministério Público Federal presente apenas na capital Manaus, obrigando o grupo deslocar-se para Manaus para dialogar com o Ministério Público Federal, órgão responsável para defender os interesses indígenas.
Conforme demonstrado, é possível notar as dificuldades da população amazonense sente ao pensar em acionar a justiça. Não se trata apenas de tempo, mas também de quantos dias pode levar até que o cidadão esteja fisicamente em uma Vara competente, e quanto isso vai lhe custar.
2 O IMPACTO DA FALTA DE CELERIDADE PROCESSUAL NA VIDA DO CIDADÃO AMAZONENSE
Em uma enquete feita com mais de 900 moradores do interior do Amazonas, principalmente com os residentes das cidades de Codajás, Anori, Coari e Parintins, através da plataforma Google Forms, entre os meses de setembro a novembro de 2021, para fins de realização do projeto de TCC, é possível ver o impacto que a demora dos processos e a falta de acesso à justiça causam na vida dos cidadãos.
Dentre os questionados, 78% deles alegaram que em algum momento das suas vidas já pensaram em acionar a justiça, destes, 87,4% declararam que a demora processual seria algo a desmotivá-los a procurar a justiça, e mais, 82,4% alegaram já terem desistido de buscar seus direitos em razão da conhecida demora, preferindo abdicar de seus direitos ao invés de suportar a demora processual.
O tempo médio do processo é um problema grave, conforme expressaram 80,6% das pessoas questionadas, uma vez que, geralmente quem procura a justiça, quer ter sua lide solucionada o mais rápido possível, e com o sistema judiciário operante no interior do Amazonas, isso não é possível. Essa situação viola um direito fundamental do cidadão brasileiro, o direito de acesso à justiça, que garante a todos os brasileiros a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário, um direito que 66,1% dos que responderam à enquete virtual alegam não ser respeitado.
Nesse diapasão, afirma Adriana Fasolo Pilati Sheleder (SCHELEDER apud BEZERRA, 2006, p. 154, p. 157).:
Compreender o acesso à justiça como um simples acesso ao Judiciário é equivocado, devendo ser entendido de forma ampla sem limitações, como sendo um direito natural, um valor inerente ao homem por sua própria natureza, e a sede de justiça que angustia o ser humano tem raízes fincadas na teoria de direito natural.
Da mesma forma afirma Gorreti (2012, p. 55):
O acesso à justiça é um direito humano fundamental, consagrado em todo e qualquer sistema jurídico compromissado com a efetivação, a adequação e a tempestividade e sendo muito mais de que uma garantia formal de acesso ao Judiciário.
Ademais, 74,6% das pessoas que responderam ao questionário sentem que o judiciário presente em seus municípios não se mostra suficiente para suprir a demanda, e realmente não é, uma vez que a falta de juízes nas varas dos interiores é uma realidade. Todos esses fatores geram a desconfiança que 93,2% dos questionados sentem perante a justiça brasileira.
Nesse sentido Alvim (2002, p. 14) assim define:
[...] Celeridade significa que o Processo deve ser rápido, e terminar no menor tempo possível, por envolver demandas economicamente simples e de nenhuma complexidade jurídica, a fim de permitir ao autor a satisfação quase imediata do seu Direito. Os hipossuficientes não podem aguardar uma solução demorada, pois quase sempre lutam em juízo pelo essencial para a manutenção da sua sobrevivência.
Ou seja, conforme é possível observar através dos resultados da enquete, a população do interior do Amazonas encontra dificuldades em recorrer e confiar em um sistema judiciário que se encontra tão escasso, tão distante de sua realidade.
2.1. A razão e as consequências da falta do judiciário nos municípios.
É importante ressaltar que o problema no Amazonas não se encontra apenas no âmbito da Justiça Federal. De acordo com o Agência Brasil (2016 s/n), um relatório divulgado pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) revelou a falta de magistrados nas 62 comarcas do interior do estado. De acordo com os dados, 22 delas estavam sem juiz titular. Ao todo, 78 varas estavam instaladas nessas comarcas, mas apenas 55 contavam com juízes.
Segundo o presidente da Associação dos Magistrados do Amazonas (Amazon), Cássio André Borges dos Santos, em entrevista dada ao Agência Brasil, os profissionais não se sentem atraídos a trabalhar no interior. “No último concurso do Tribunal, para mais de 30 vagas, só passaram 16.O interior do Amazonas é hostil até para quem nasce aqui. Entretanto, isso nada tem a ver com provimento de vagas, porque o juiz que tenta a magistratura do Amazonas já sabe o que vai enfrentar em termos de dificuldade, seja de locomoção, de acomodação ou de instalações”, afirmou.
Conforme o relatório, “por causa das distâncias entre as sedes das comarcas foi necessária a designação de magistrados de outras localidades para acumular funções com comarcas vagas”. O documento ressaltou ainda que “vários magistrados já manifestaram a intenção de não acumular funções”. Outro problema indicado pelo relatório é o acúmulo de processos por juiz. Uma vez que, atualmente tramitam nas comarcas do interior do Estado mais de 195 mil ações. Ou seja, cada magistrado é responsável por quase quatro mil processos. Com o acúmulo de funções, esse número pode chegar ao dobro.
Além da morosidade, o presidente da Amazon afirmou que o acúmulo de trabalho “afeta a saúde e a dignidade do juiz que está na ponta, o juiz do interior. Ele está sendo cobrado lá. Ocorre que ele não tem vara com a infraestrutura da capital."
Com a falta de atrativos para a ocupação de cargos de juízes nos interiores, o que se vê no dia a dia do interiorano é a ausência do magistrado em seu município, que por vezes aceita o cargo de juiz, mas que passa apenas metade do mês na cidade, se vê processos sem o devido andamento durante anos e anos, e uma espécie de descrença única na justiça, pois nessas cidades não se fala em resolução de um processo, não se fala na busca pelos direitos, o que se nota é a resignação do munícipe ao afirmar que não existe razão para acionar a justiça, uma vez que os processos nunca tem andamento.
2.2. Possíveis soluções para o problema.
Apesar de estar disposto em lei, a falta de celeridade processual no âmbito judicial brasileiro é conhecida e comprovada. Por sua causa, milhares de Amazonenses já abdicaram de reivindicar seus direitos, incertos de que um dia seu conflito judicial será satisfeito. Além disso, a falta de atrativos para magistrados exercerem o seu oficio nos interiores amazonenses atrasa ainda mais uma fila de processos que já se encontra congestionada.
Visando resolver esse problema, o Ministério da Justiça defende a criação de duas novas carreiras no Judiciário: a de gestor de política judiciária, a exemplo da carreira de gestor implantada no Executivo Federal, e a de administrador judicial. O gestor de política judiciária, com formação específica, seria encarregado de definir metas. Já o administrador judicial, também com formação técnica específica, administraria os cartórios.
Outra iniciativa para diminuir a morosidade da Justiça é o Processo Judicial Eletrônico (PJe), sistema de automação desenvolvido pelo CNJ em parceria com os tribunais e com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Além de reduzir a burocracia na tramitação dos processos, o PJe será o único sistema a ser usado pelo Judiciário em todo o País.
Com a pandemia do Corona vírus em 2020, a necessidade de recriar e renovar os meios de exercer um oficio se mostrou fundamental. Audiências passaram a ser realizadas de forma 100% online, e apesar de esse não ser o método mais ideal, é uma alternativa viável para resoluções de processos que tramitam em varas distantes da Capital amazonense ou que sejam de difícil acesso. Dessa forma, um indígena de São Gabriel da Cachoeira não teria que viajar centenas de quilômetros até a capital para que possa acionar a justiça. Dessa maneira, um cidadão amazonense talvez não precisasse esperar anos para que seu direito seja reivindicado. A pandemia mostrou que uma audiência judicial é capaz de acontecer com as partes e o magistrado em lugares totalmente diferentes, e mesmo assim, ser eficaz.
Nesse sentido, discorre o juiz Federal José Ricardo Pereira (2016, p. 13):
O processo eletrônico se apresenta como nova ferramenta de produção de atos processuais, substituindo o tradicional processo de papel, mediante o uso de novas tecnologias da informação para bem cumprir a promessa de tornar mais célere a prestação jurisdicional. A adoção do processo eletrônico atende aos reclamos sociais, assim como aos formalismos e às formas do processo civil, permitindo a realização de atos processuais, desde o ajuizamento de demandas até sua execução, em conformidade com o devido processo legal, assegurando às partes e aos demais operadores um meio tecnológico moderno de concreção da jurisdição e, por isso, assegurador das garantias constitucionais sociais e individuais e materializador de direitos e garantias fundamentais.
Outra possibilidade, dessa vez proposta pelo Juiz Francisco Luciano de Azevedo, diz que: “Cada magistrado tem hoje uma carga média de 5.918 processos por ano, e este número só aumenta a despeito da produtividade também crescer. Se continuar assim, penso mesmo que em pouco tempo a situação no Judiciário estará ingovernável”. Para ele, a solução seria evitar o excesso de judicialização e a cultura do litígio, priorizando cada vez mais a arbitragem, a mediação e a conciliação.
A arbitragem, conciliação e mediação são opções valiosas para solução de controvérsias. Nas palavras do Prof. José Francisco Cahali (2016, p 213):
(...) Elas constituem hoje uma realidade no Brasil, graças a intensas atividades em diversos contextos. Essa realidade é decorrente da abertura da sociedade brasileira a seus princípios norteadores, o que está levando à construção de um novo paradigma na resolução de todos os conflitos.
Nesse sentido, também afirma Watanabe(2014, p. 38),
A mediação, desde que bem organizada e praticada com qualidade, é um poderoso instrumento de estruturação melhor da sociedade civil. Por meio dela, vários segmentos sociais poderão participar da mencionada obra coletiva, de construção de uma sociedade mais harmoniosa, coesa e com acesso à ordem jurídica justa.
Ou seja, as alternativas para criar um processo célere, e, no entanto, eficaz estão presentes no sistema jurídico brasileiro. Porém, adverte Barbosa Moreira (2010, v. 5, p. 5):
Se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo, a qualquer preço.
O acesso à justiça e o andamento célere do processo são direitos diariamente violados na vida do cidadão amazonense, especialmente daquele que não vive na capital. Nas cidades mais distantes, com difícil acesso, a justiça é vista como algo praticamente inalcançável. Essa situação não deve se manter, uma vez que com o avanço da tecnologia e dos métodos alternativos ao processo judicial, é possível que a justiça chegue a essas pessoas.
Trata-se do direito de praticamente 50% da população amazonense, metade da população prejudicada por um judiciário que ainda aparenta não se importar. Não se pede um tratamento privilegiado, mas sim um tratamento justo, que todos os brasileiros deveriam possuir.
CONCLUSÃO
O sistema jurídico brasileiro encontra-se afogado em processos por diversos motivos, desde burocracia excessiva nos processos, até a falta de juízes em determinadas varas. São diversos e complexos os problemas que dificultam o andamento razoável de um processo.
Porém, conforme demonstrado com os resultados desta, o resultado dessa mora é tão prejudicial para o cidadão amazonense quanto para o sistema judiciário. As pessoas não acreditam em um sistema que não está ali, presente e operante. As pessoas não confiam num judiciário que toma oito anos em média para a resolução de um processo.
O presente artigo trabalhou com a hipótese de que a demora no andamento dos processos devia-se ao fato do distanciamento da capital amazonense e até mesmo por carência de juízes que atuem nas cidades, levando aos cidadãos a desistirem de buscar seus direitos. Tal hipótese provou-se verdadeira, uma vez observado os dados colhidos na enquete feita através da plataforma Google Forms, onde mais de 900 cidadãos amazonenses demonstraram seu descontentamento com o sistema jurídico atual.
Ou seja, é preciso deixar de lado atos que atrasem o devido andamento do processo. É preciso atrair magistrados para os interiores do Estado, porquanto os cidadãos amazonenses merecem ter uma vara sempre operante em sua cidade, mesmo sendo através de uma plataforma online, não importando a quão pequena ou quão distante tal município seja. É necessário estimular medidas alternativas à judicialização, como a mediação e a conciliação, que é um método eficaz de resolução de conflitos.
São 93,2% das pessoas que fizeram parte da enquete que não acreditam no sistema, que preferem abdicar de seu direito a persegui-lo. Isso prova que o sistema judicial está falhando ao garantir o razoável andamento do processo e falhando ao garantir livre acesso à justiça aos cidadãos do interior do Amazonas, violando, assim, direitos e garantias presentes na Carta Magna a todos os cidadãos brasileiros.
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Manaus- FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOBREIRA, Ellen Nathalia Bastos. A ineficácia do princípio da celeridade processual nas varas do interior do Estado do Amazonas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2021, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57809/a-ineficcia-do-princpio-da-celeridade-processual-nas-varas-do-interior-do-estado-do-amazonas. Acesso em: 23 dez 2024.
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