SHEILA CUNHA MARTINS[1]
(coautora)
RESUMO. O presente trabalho tem como objetivo apresentar as funções das chamadas cortes de justiça e de precedentes, bem como o entendimento doutrinário e legislativo quanto aos termos “jurisprudência” e “precedentes” e garantia do acesso à justiça na aplicação dos precedentes, a metodologia utilizada no estudo é a pesquisa bibliográfica.
Sumário: 1. Introdução. 2. As cortes de justiça e suas funções. 3. As cortes de precedentes e suas funções. 4. Acesso à justiça. 5. Conclusão. 6. Referências.
PALAVRAS-CHAVE: Função das cortes de justiça. Função das cortes de precedentes. Access to justice. Precedent. Jurisprudence.
ABSTRACT. The present work aims to presente of the functions os the calls courts of justice and in courts of precedentes, as well as the understanding doctrinal and legislative how much to the terms “jurisprudence” and “precedentes” and warranty of access to justice in the application of the precedentes, the methodology used in the study is the research bibliographic.
KEYWORDS: Function of the courts of justice. Function of the courts of precedents. Acesso à justiça. Precedente. Jurisprudência.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como escopo apresentar as funções das cortes de justiça e das cortes de precedentes e a sua relação com o acesso à justiça no sistema processual brasileiro.
O trabalho aborda especificamente acerca das Cortes de justiça, neste caso os Tribunais de Justiça estaduais e os Tribunais Regionais federais, e das Cortes de precedentes, sendo elas o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.
E através de levantamento doutrinário traz uma análise do sistema brasileiro de precedentes e as funções específicas de cada tribunal brasileiro dentro do sistema estabelecido com o Código de Processo Civil de 2015, bem como, estabelece uma distinção entre os termos “jurisprudência” e “precedente” e sua mais adequada conceituação.
Assim, partindo do entendimento do sistema brasileiro de precedentes, das funções das cortes de precedentes e das cortes de justiça, interpretação e aplicação do direito faz-se uma relação com o direito constitucional do acesso à justiça.
2. AS CORTES DE JUSTIÇA E SUAS FUNÇÕES
De partida, têm-se que a organização judiciária brasileira coloca as Cortes de Justiça como responsáveis pela distribuição da justiça ao caso concreto[2].
Noutras palavras, as Cortes de Justiça têm como função “controlar a interpretação dos fatos da causa e direito aplicável ao caso concreto e fomentar a debate a respeito das possíveis soluções interpretativas por meio da jurisprudência”[3].
Entendendo-se também como função das Cortes de Justiça o “exercício de controle retrospectivo sobre as causas decididas em primeira instância e uniformizar a jurisprudência”[4], ou seja, funcionando como corte de correção.
Assim,
As Cortes de Justiça visam a controlar retrospectivamente as decisões tomadas pelos juízes de primeiro grau mediante julgamento de recursos de apelação e de agravo de instrumento a fim de que o caso concreto possa ser decidido de forma justa. Por esta razão, diante do direito brasileiro vigente, abre-se a oportunidade de ampla discussão da causa. Vale dizer: em todos os seus aspectos fáticos-probatório-jurídicos podem as Cortes de Justiça reexaminar a causa[5].
E quando se fala das decisões reiteradas prolatadas pelas Cortes de Justiça – tribunais estaduais e regionais federais –, tecnicamente, estar-se-á referindo-se às jurisprudências destes tribunais.
Porém, comumente se encontra em petições e decisões judiciais o uso do termo precedente para se referir a julgados que compõe a jurisprudência de determinado tribunal, esta confusão é tão recorrente que Michele Taruffo[6] no texto intitulado “Precedentes e Jurisprudência” fala do uso dos termos como sinônimos “nas primeiras falas do meu discurso tenho usado deliberadamente, por simplicidade, os termos “precedentes” e “jurisprudência” como se fossem sinônimos” e, no mesmo texto, posteriormente, afirma que “que entre precedente e jurisprudência existe nítida distinção”[7].
A distinção existente entre precedentes e jurisprudência tem importante relação com o presente estudo, pois, no sistema brasileiro, as Cortes de Justiça têm a incumbência, de acordo com o art. 926[8] do Código de Processo Civil de 2015, o dever uniformizar a sua jurisprudência, o mencionado artigo trata da questão da seguinte forma:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Assim, o termo “jurisprudência”, de acordo o mencionado artigo, tem-se um sentido um pouco distinto do termo “precedente”, tendo em vista que jurisprudência supõe o mínimo de constância, coerência e estabilidade e, em certa medida, a uniformização dos entendimentos entre os tribunais, o que surge como consequência da existência de decisões reiteradas no mesmo sentido[9].
É óbvio que se espera que a jurisprudência das Cortes de Justiça seja uniforme e segura, sendo que tais Cortes a partir de seus julgados e diante de um novo caso concreto deve aplicar sua jurisprudência mitigando possível ofensa ao princípio da igualdade. Ocorre que as Cortes de Justiça estão relacionadas à busca dos prováveis significados do texto das leis, tendo como ponto de partida, o controle de justiça do caso concreto (sendo que o exercício de interpretar o direito é somente um meio de alcançar o objetivo final, qual seja, o controle da justiça do caso)[10].
Quanto a este mencionado controle da justiça, Daniel Mitidiero[11] preleciona no seguinte sentido:
Para controlar retrospectivamente as decisões tomadas pelos juízes de primeiro grau, as Cortes de Justiça precisam interpretar textos e elementos não textuais da ordem jurídica. Dada a dupla indeterminação do direito, esses julgamentos inevitavelmente produzem um rico manancial de possíveis soluções a respeito do adequado significado que esses dispositivos devem ter à luz do contexto dos casos concretos em que inseridos. Ao fazê-lo, essas Cortes de Justiça causam uma inevitável dispersão a respeito do significado da interpretação do direito.
Esta variável tão significativa de interpretação costuma durar enquanto não sobrevier orientação interpretativa definitiva proferida pelas Cortes de Precedentes[12].
Percebe-se que ao debater as possibilidades de interpretação das leis para aplicá-las aos casos concretos, considerando a inexistência de jurisprudência e precedentes sobre determinado tema, e, na existência destes, garantir igual aplicação da sua jurisprudência e dos precedentes às demandas, as Cortes de Justiça exercem importante função dentro da organização judiciária brasileira.
3. AS CORTES DE PRECEDENTES E AS SUAS FUNÇÕES
Conforme já abordado, as Cortes de Justiça possuem função distinta das Cortes de Precedentes, tendo em vista que nestas o caso concreto é somente o meio pelo qual o Poder Judiciário irá estabelecer sua interpretação do direito[13].
As Cortes de Precedentes, para este estudo – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal - basicamente, são as “cortes voltadas à unidade do direito, cuja função é interpretar o direito a partir do caso concreto e dar a última palavra a respeito de como deve ser entendido o direito constitucional e o direito federal em nosso País”[14].
“Devem atuar a fim de guiar as futuras decisões das Cortes das Justiça, dos juízes a elas vinculados, da administração pública e o comportamento de toda a sociedade civil”, bem como, “outorgando unidade ao direito mediante a sua adequada interpretação”[15].
De forma ampla, não se pode compreender o termo “precedente” como sinônimo de qualquer decisão judicial, muito menos restringir precedente a qualquer entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal (art. 1.035, § 11, do CPC/2015)[16].
Na realidade no Brasil não existe um sistema puro de precedentes, tendo em vista que o sistema brasileiro de precedentes tem sua estrutura objetivando a uniformização das jurisprudências. Com este cenário há duas possibilidades: dispensar o sistema brasileiro de precedentes, por não seguir a teoria e a técnica de precedente, como originalmente é entendido; sendo a segunda, a possibilidade de aproveitamento de todos os regramentos que o CPC/2015 trouxe, o qual teve como claro objetivo, a redução do volume de processos que chegam rotineiramente ao Poder Judiciário[17].
Para Marinoni o julgamento colegiado que levará à formação de um precedente passa por algumas fases, quais sejam: o desenvolvimento de um raciocínio jurídico que tem como finalidade um resultado/decisão; o anúncio do resultado e a definição da ratio decidendi; e a formulação da justificativa da ratio decidenti, tendo tais fases como principal objetivo a resolução da lide, por isso a importância da definição das razões da decisão[18].
Ademais, importa em um primeiro momento tecer alguns apontamentos a respeito da função mais atualizada dos tribunais superiores. Qual seja, a função de guarda da inteireza do ordenamento jurídico na esfera constitucional e da legislação federal[19].
O Ministro Edson Facchin do Supremo Tribunal Federal foi relator do Recurso Extraordinário nº 655.265 e atribuiu ao Supremo Tribunal Federal o papel de dar unidade e estabilidade ao direito, veja trecho do acórdão:
Ingresso na carreira da magistratura. Art. 93, I, CRFB. EC 45/2004. Triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em direito. Requisito de experimentação profissional. Momento da comprovação. Inscrição definitiva. Constitucionalidade da exigência. ADI 3.460. Reafirmação do precedente pela suprema corte. Papel da corte de vértice. Unidade e estabilidade do direito. Vinculação aos seus precedentes. Stare decisis. Princípios da segurança jurídica e da isonomia. Ausência dos requisitos de superação total (overruling) do precedente. (grifos nossos).[20]
Os Órgãos Colegiados de hierarquia máxima do Poder Judiciário, qual seja, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, atuam de forma tríplice tendo em vista o desempenho da função nomofilácica, a qual se destina à manutenção da técnica-jurídica e integridade positiva, conforme Pontes de Miranda; já a função dikelógica se destina à promoção da justiça nas decisões, garantindo a isonomia aos casos sob julgamento. Por derradeiro tem-se a função que assegura aos jurisdicionados a igualdade na norma legal e perante ela, sabendo-se que não poderia confiar somente à norma em abstrato o direito, mas atentando-se para o momento de aplicação da norma à lide[21].
Assim, tendo em vista a função das Cortes de Precedentes, nos casos em que não há precedente formado por estas Cortes, a variação de decisões distintas sobre o mesmo tema será inevitável, daí a linguagem equivocada utilizada na construção do texto legal, sendo, portanto, imprescindível a especificação no artigo 926 para constar que o STJ e STF têm a obrigatoriedade garantir a unidade ao direito[22].
Ainda quanto a busca pela unidade do direito através das funções das Cortes de Precedentes, Luiz Guilherme Marinoni e Bruno Dantas aduzem no seguinte sentido:
A partir da atuação dos tribunais superiores, ensejando a tutela do ordenamento jurídico, é que podemos vislumbrar o que a doutrina costuma nominar de função nomofilática. Mais modernamente, tem-se falado em nomofilaquia dialética ou tendencial, que consiste, segundo Bruno Dantas, na “persecução da unidade do direito, e não mais da lei, mediante a utilização de processos hermenêuticos que auxiliem na investigação da solução mais racional e afinada com preceitos constitucionais. Em outras palavras: utiliza-se um processo dialético para possibilitar ao juiz aferir, dentre as múltiplas interpretações possíveis, aquela que melhor equacione a lide. [...] A esse propósito, Luiz Guilherme Marinoni aponta que “há de se dar à Corte Suprema a função de outorga de unidade ao direito, vale dizer, a função de definição do sentido adequado do texto legal diante de determinadas circunstâncias de fato e num determinado momento histórico”[23].
Aqui temos por delineada, portanto, uma importante função do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, qual seja, a função nomofilática (em sua perspectiva contemporânea, isto é, segundo Bruno Dantas, acrescida do termo dialético ou tendencial). A função de, diante do emprego dos diversos métodos de hermenêutica, compreender a interpretação e aplicação correta de determinada regra, cláusula geral ou princípio, isso tanto no âmbito constitucional como no legal[24].
A percepção da função nomofilática não pode ocorrer de forma apartada. A divergência interpretativa tem um alcance muito abrangente, a exemplo tem-se a situação na qual há divergência de interpretação no âmbito doutrinário, o que pode não alcançar diretamente as decisões judiciais, no Poder Judiciário pode não está ocorrendo a mesma divergência, suas decisões podem estar indo em um mesmo sentido[25].
Ainda neste sentido, a função nomofilática dos Tribunais Superiores é de elevada importância, devendo-se observar qual solução o ordenamento jurídico dá às situações idênticas. Noutras palavras, há de se atentar se os Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça e os Juízes de primeiro grau estão interpretando e aplicando da forma correta o ordenamento e julgando a mesma questão de forma uniforme[26].
Com a ideia de que a norma é fruto da interpretação, surge também a ideia de que a decisão judicial não é tão somente um mecanismo de solução de conflitos, como também é desenvolvedora da unidade do direito. Chegando-se ao entendimento de que a fundamentação usada nas decisões são componentes capazes de renovar os textos normativos[27].
E quanto à formação e aplicação da norma a partir da interpretação dada na decisão judicial Luiz Guilherme Marinoni conclui da seguinte forma:
Se as normas só existem a partir da interpretação, a ponto de se poder dizer que o respeito ao princípio da legalidade significa na verdade respeito à interpretação conferida à lei pelos órgãos institucionalmente a tanto encarregados, então quem quer que esteja preocupado em saber qual seu espaço de liberdade de ação e quais efeitos jurídicos são ligados às suas opções socioeconômicas (princípio da liberdade), preocupado em saber como deve fazer para aplicar o direito a partir da necessidade de que todos sejam efetivamente iguais perante a ordem jurídica (princípio da igualdade, isto é, treat like cases alike) e como tornar a interpretação e a aplicação do direito algo forjado nas fundações do princípio da segurança jurídica, não pode obviamente virar as costas para o problema da interpretação judicial do direito e dos precedentes daí oriundos. Fora daí o direito brasileiro corre o risco de se tornar um direito que não respeita a liberdade, a igualdade e a necessidade de segurança jurídica no tráfego jurídico[28].
Quanto à função de desenvolver o direito a doutrina é no seguinte sentido:
A Corte, se tem a função de desenvolver o direito, deve deixar absolutamente claro à sociedade as razões pelas quais as normas são expressas na rationes decidendi dos precedentes não contam com a adesão de todos os membros do colegiado. Isso também para que a dissensão se mantenha acesa e possa fomentar o debate na comunidade jurídica, especialmente na academia[29].
O dissenso, portanto, constitui uma marca que simboliza a divergência interna no órgão incumbido de finalizar o processo de produção do direito, algo que não pode ser confundido com a divergência peculiar aos julgadores das Cortes de Apelação[30].
Além disso, no caso de deslocamento do cerne da resolução do recurso para as razões que fundamentam a solução e a interpretação, não sendo apenas importante discutir as razões, mas também compreender se o entendimento dado pela maioria é suficientemente capaz de gerar um precedente[31].
Assim:
É possível que, num colegiado composto por cinco julgadores, existam três votos favoráveis ao provimento do recurso ou à fixação de determinada interpretação, mas apenas dois julgadores estejam de acordo em firmar determinado entendimento, capaz de ser expresso em razões determinantes. Isso só se torna problema quando se está diante da formulação do sentido do direito mediante precedente. Fora daí pouco importaria se a solução do caso fosse fruto da conjugação de dois ou mais fundamentos, incapazes de dar corpo a razões subscritas pela maioria[32].
Tudo isso quer dizer que a forma da participação dos julgadores e o modelo de julgamento, peculiares à Corte de correção, não podem ser repetidos numa Corte de Precedentes[33].
Na atualidade, a controvérsia liga-se também à função pública na definição do direito, os fundamentos apresentados pelas partes garantem o aprofundamento do tema a ser interpretado, influenciando diretamente na criação do precedente. O vigor dos debates que anteriormente era mais de interesse das partes, hoje é de fundamental importância para o exercício da função das Cortes de Precedentes[34].
A possibilidade de participação e debates que inevitavelmente exerce influência sobre os recursos, tem por consequência a influência sobre os julgadores, os quais, em certa medida, são obrigados a atender as expectativas formadas a partir dos debates intensos. Cria-se o cenário, no qual o Ministro não é mais um mero ouvinte, decidindo sem responder as fundamentações das partes e de outros Ministros, mas sim um operador do direito que ao proferir decisão terá seus fundamentos postos em questionamento e em debate[35].
A transformação do papel das Cortes Supremas de civil law, como é o caso do Brasil, tem influência sobre o formato de julgamento dos recursos e sobre o posicionamento dos julgadores. O formato de julgamento compenetrado em dar uma solução ao caso em julgamento estimava as teses apresentadas pelas partes interessadas[36].
Assim, a maneira de decidir com base em precedentes, usando-os como argumentos, é um dos fundamentos das sistemáticas jurídicas anglo-saxônicas, inerentes a prática jurídica do common law. No entanto, isto não quer dizer que o sistema jurídico adotado no Brasil, tradicionalmente ligado à prática jurídica romano-germânica, a civil law, esteja caminhando para o common law. Muito longe disso, o que existe no Brasil é o início da formação de um sistema de decisões judiciais com fundamento em precedentes adequados às peculiaridades do sistema de civil law[37].
4. ACESSO À JUSTIÇA
art. 5º, inciso XXXV, da CRFB/88, traz a o princípio da inafastabilidade da apreciação do poder judicial, o qual tem eficácia irrestrita no ordenamento jurídico processual. Há também a mesma previsão na legislação infraconstitucional, nos artigos 3º e 140 do CPC[38].
Diante dessas previsões, seria irrelevante se assegurar o acesso à justiça, se ao juiz não se atribuísse o dever de julgar a demanda, mesmo nos casos de lacuna legislativa[39]. De igual modo, “é sabido que o custo e a lentidão do processo sempre foram obstáculos ao acesso à justiça. Nem todos podem enfrentar as suas despesas e suportar a sua demora”[40]
Para a mais adequada compreensão a amplitude do art. 5º, XXXV da CRFB/88 faz necessário, antes, entender o grupo de direitos e garantias que formam o sistema constitucional no qual está inserido, tendo em vista que cada atitude deverá ser fundamentada pelo crivo da legalidade (art. 5º, II, da CRFB/88)[41].
Fazendo-se necessário harmonizar o princípio da inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário, em caso de lesão ou ameaça ao direito, com o princípio da legalidade, tendo em vista que o Poder Judiciário ao proferir qualquer decisão deverá faze-la nos limites o ordenamento jurídico lhe oferecer[42].
O supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça - como Cortes Supremas que são – devem dar unidade ao direito e não propriamente uniformiza-lo. Essas Cortes não devem repetir inúmeras e inúmeras vezes diante de milhares de casos concretos a mesma solução jurídica para uniformizar a aplicação do direito no nosso país. Devem dar unidade ao direito a partir da solução de casos que sirvam como precedentes para guiar a interpretação futura do direito pelos demais juízes que compõem o sistema encarregado de distribuir a justiça a fim de evitar dispersão do sistema jurídico. Nessa linha, uniformizar é tarefa das Cortes de Justiça, que têm o dever de controlar a justiça da decisão de todos os casos a elas dirigidos – o que obviamente inclui o dever de aplicação isonômica do direito[43].
Sendo inafastável o controle jurisdicional, o juiz exercerá sua função buscando a solução das lides com base na legislação dada pelo Estado nas jurisprudências e nos precedentes, assim, considerará como legítimas as condutas que a legislação assim o fizer, da mesma forma com as condutas tidas como ilegítimas pelo ordenamento jurídico[44].
Percebe-se que este princípio é direcionado ao cidadão e vincula o Poder Judiciário, que como consequência da garantia ao acesso à justiça – acesso ao Poder Judiciário e ver a demanda apreciada e resolvida – o qual tem por obrigação oferecer a tutela jurisdicional e o direito pleiteado[45].
O acesso à justiça como direito fundamento deve ser entendido a difusão da justiça, a exemplo, não só nos mais simples, mas também nos quais o grau complexidade é elevada e que dizem respeito aos direitos, sendo tratados na mesma forma pelas autoridades julgadoras tratam outras demandas[46].
Sendo a obediência aos precedentes fundamental para a aplicação do sistema jurisdicional de forma racional, o que consequentemente pode levar a uma imediata resolução da lide quando esta depender tão somente da aplicação de entendimento já proferido anteriormente pelas Cortes Supremas. Neste sentido, a obediência aos precedentes se constitui em elemento assegurador das garantias fundamentais e da eficiência da prestação jurisdicional[47].
5. CONCLUSÃO
Diante do estudo exposto, percebe-se a nítida distinção entre os termos “precedente” e “jurisprudência” a qual não é estabelecida de forma aleatória dentro do sistema processual, sendo que uma diz respeito às decisões reiterada dadas pelas cortes de justiça considerando os fatos dos casos concretos, de outra ponta têm-se o precedente pode ser entendido como a interpretação da norma federal ou constitucional dada pelo STF ou STJ com a finalidade de guardar a inteireza do direito.
O Código de Processo Civil de 2015 demonstra a preocupação do legislador em uniformizar e estabilizar os entendimentos as decisões judiciais, em especial, das Cortes Superiores acerca do direito, e consequentemente garantir aos jurisdicionados maior segurança jurídica e isonomia.
Ressaltou-se que dentro do sistema processual brasileiro há uma nítida distinção entre as cortes de precedentes e as cortes de justiça, haja vista que as Cortes de Justiça têm como função distribuir a justiça através da interpretação do texto de lei a luz do caso concreto, já as Cortes de Precedentes possuem a função de guarda da inteireza do ordenamento jurídico na espera constitucional e federal, sendo o caso concreto para estas Cortes somente o meios pelo qual irão estabelecer a melhor interpretação das normas federais e constitucionais.
Ademais, abordou-se os aspectos que diferenciam o sistema brasileiro de precedentes do sistema precedente puro, haja vista as peculiaridades que o sistema brasileiro possui, há exemplo, tem-se o momento no qual nasce o precedente no sistema brasileiro, qual seja, assim que a decisão judicial passa a existir no mundo jurídico, já no sistema puro de precedentes o precedente nasce no momento em que uma mesma decisão anteriormente tomada aplicada em um caso idêntico futuro.
No mais, percebe-se também o desafio do respeito a alguns princípios e direitos constitucionais, como direito ao acesso à justiça e o princípio da legalidade, dada a linha tênue existente na operação e aplicação dos precedentes e jurisprudência dentro do sistema judicial brasileiro e o “malabarismo” entre a civil law e a common law.
Por fim, restou evidente que do sistema brasileiro de precedentes possui particularidades e pontas que precisam ser aprimoradas, no entanto, não se nega que tal sistema tem demonstrado interesse e abertura para uma lapidação que melhor ofereça a prestação jurisdicional aos jurisdicionados.
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[1] Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Graduada em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Advogada associada na Advocacia Ramos Fernandez Sociedade de Advogados.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 590.
[4] MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. – 3ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 81.
[5] MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. – 3ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 83.
[6] TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo – Vol. 199, set.2011, p. 139.
[8] BRASIL, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, Código de Processo Civil. 2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm . Acesso em 15 de agosto de 2021.
[9]THAMAY, Rennan; GARCIA JUNIOR, Vanderlei; FROTA JR, Clóvis Smith. Precedentes judiciais. – São Paulo : Saraiva Educação, 2021, p. 113.
[10] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 590-591.
[11] TERESA ARRUDA ALVIM, Precedentes e Evolução do Direito, Direito Jurisprudencial. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 64, apud MIDITIERO, Daniel. Precedentes : da persuasão à vinculação. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 84.
[12] MIDITIERO, Daniel. Precedentes : da persuasão à vinculação. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 84.
[13] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 591.
[15] MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, apud MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. – 3ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 85.
[16] THAMAY, Rennan; GARCIA JUNIOR, Vanderlei; FROTA JR, Clóvis Smith. Precedentes judiciais. – São Paulo : Saraiva Educação, 2021, p. 115.
[18] MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas : precedentes e decisão do recurso diante do novo CPC. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 99.
[19] THAMAY, Rennan. Manual de direito processual civil. 3. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020, 1492-1493.
[20] Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 655.265. Relator Ministro Edson Fachin. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4132332. Acesso em 25 de agosto de 2021.
[21] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sistema brasileiro de precedentes : natureza : eficácia : operacionalidade. 2. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 134.
[22] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 591.
[23] MARINONI, Luiz Guilherme, apud THAMAY, Rennan. Manual de direito processual civil. 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1494.
[24] DANTAS, Bruno, apud THAMAY, Rennan. Manual de direito processual civil. 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1494.
[25] THAMAY, Rennan. Manual de direito processual civil. 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1494-1495.
[27] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 589.
[29] WALDRON, Jeremy, apud MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas : precedentes e decisão do recurso diante do novo CPC. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 29.
[30]MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas : precedentes e decisão do recurso diante do novo CPC. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 29.
[34] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 292.
[35] MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas : precedentes e decisão do recurso diante do novo CPC. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 28.
[36] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 292.
[37] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. – 3. ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 425.
[38] ALVIM, Eduardo Arruda; GRANADO, Daniel Willian; FERREIRA, Eduardo Aranha Ferreira. Direito Processual Civil. 6. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 178.
[40] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 140.
[41] ALVIM, Eduardo Arruda; GRANADO, Daniel Willian; FERREIRA, Eduardo Aranha Ferreira. Direito Processual Civil. 6. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 179.
[43] STF, RE nº 655.265/DF, Pleno, j. 13.04.2016, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. para Acórdão Min. Edson Fachin, DJe 04.08.2016 apud MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. – 3ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 87.
[44] ALVIM, Eduardo Arruda; GRANADO, Daniel Willian; FERREIRA, Eduardo Aranha Ferreira. Direito Processual Civil. 6. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 179.
[45] THAMAY, Rennan. Manual de direito processual civil. 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 42.
[46] ROQUE, Nathaly Campitelli. O direito fundamental ao acesso à justiça: muito além da celeridade processual. Revista Pensamento Jurídico. São Paulo – Vol. 15, Nº 1, jan./abr. 2021, p. 6.
[47] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 140.
Mestrando em Direito Processual Civil pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD). Graduado em Direito pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). Advogado associado na Advocacia Ramos Fernandez Sociedade de Advogados.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, ISRAEL CUNHA. As funções das Cortes de Justiça, de precedentes e o acesso à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2021, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57884/as-funes-das-cortes-de-justia-de-precedentes-e-o-acesso-justia. Acesso em: 23 dez 2024.
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