SHEILA CUNHA MARTINS[1]
(coautora)
RESUMO: o presente trabalho tem como objetivo explorar a temática de rescisão indireta do contrato de trabalho. Tendo como cerne da pesquisa os tipos de contrato de trabalho e as hipóteses de cabimento da rescisão do contrato laboral por parte do empregado e os efeitos práticos desta modalidade de termino contratual. O trabalho foi dividido em duas partes na primeira tratou-se das modalidades de contrato de trabalho e na segunda a respeito da rescisão indireta laboral. E por fim, também buscou demonstrar o posicionamento jurisprudencial a respeito de alguns aspectos desta modalidade de rescisão contatual e suas especificidades.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Contrato de trabalho; 2.1 Tipos de contrato de trabalho; 2.1.1. Contrato por tempo determinado; 2.1.2. Contrato de trabalho temporário e Contrato de trabalho eventual; 2.1.3. Contrato de trabalho por tempo indeterminado; 3. Da rescisão indireta; 3.1. Motivos da justa causa do empregador; 3.2. Efeitos da rescisão indireta; 3.3. Ônus da prova; 4. Conclusão; 5. Referências.
PALAVRAS-CHAVES: modalidade de contrato de trabalho; rescisão indireta; efeitos da rescisão; justa causa do empregador.
ABSTRACT: The present work aims to explore the issue of indirect termination of the employment contract. Having as core of the research the types of employment contract and the hypothesis of suitability of the termination of the employment contract by the employee and the practical effects of this type of contract termination. The work was divided into two major parts: the first dealt with the modalities of employment contract and the second with indirect labor termination. And finally, it also sought to demonstrate the jurisprudential position regarding some aspects of this type of contact termination and its specificities.
KEYWORDS: type of employment contract; termination indirect; termination effects; employer’s just cause.
1. INTRODUÇÃO
O respeito ao trabalhador e a garantia de um ambiente sábio para o desenvolvimento do trabalho são uns dos preceitos da sociedade, principalmente após a CRFB/88, a qual em seu artigo 7º traz inúmeras garantias ao trabalhador.
No ordenamento jurídico existem alguns meios de proteção ao trabalhador e um deles é a possibilidade do empregado rescindir o contrato laboral diante de uma falta grave do empregador, tal mecanismo é denominado de rescisão indireta por justa causa do empregador. Com o objetivo de proteger o trabalhador de não se submeter a situações que possam ferir sua dignidade ao se sujeitar a continuar um contrato laboral com o receio de pedir demissão e perder as verbas rescisória, o legislador estabeleceu a rescisão indireta.
Tal instituto, como se verá mais a diante, garante ao trabalhador a possibilidade de rescindir o contrato e permanecer com o recebimento das verbas rescisórias. Neste trabalho este instituto é brevemente analisado. De início é feito uma breve análise sobre os tipos de contrato de trabalho existentes no ordenamento jurídico brasileiro e em seguida traz-se a conceituação de rescisão indireta, sendo também demonstrado algumas hipóteses de cabimento e seus efeitos práticos.
2. CONTRATO DE TRABALHO
De partida é imprescindível relembrar o instrumento que estabelece e rege a relação de trabalho entre o empregado e o empregador.
Conforme dispõe o artigo 442 da CLT: “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. Neste sentido, o contrato de trabalho é o meio pelo qual se estabelece uma relação entre o empregado e o empregador, na qual o empregado oferece sua força de trabalho e em troca o empregador oferece a contraprestação.
De forma sintetizada, o contrato de trabalho pode ser conceituado como negócio jurídico por meio do qual o empregado, pessoa natural, oferece seus serviços de modo pessoal, assídua (não eventual), com subordinação, e em troca o empregado é remunerado por seus serviços (GARCIA, 2014, p. 142).
Ainda quanto ao contrato de trabalho Gustavo Felipe Barbosa Garcia (2014, p. 136) acrescenta: “Pode-se entender, ainda, que, do mesmo modo que o contrato é fonte das obrigações (sendo esta uma relação ou vínculo jurídico), o contrato de trabalho é a fonte da relação de emprego, dando origem a essa relação jurídica”.
E quanto a natureza jurídica, há uma prevaleça doutrinária no sentido de que o vínculo estabelecido pelo contrato de trabalho tem natureza contratual, pois o contrato de trabalho se firma a partir da uma manifestação de vontade das partes, o que dará origem ao vínculo de trabalho, e ensejando sua permanência, podendo se entabulado de forma expressa ou tácita, o que possibilita também a garantia do preceito fundamental, qual seja, a liberdade de trabalho (GARCIA, 2014, p. 136).
A legislação trabalhista não estabelece os elementos do contrato de trabalho, sendo, portanto, necessário a aplicação subsidiária do Código Civil, e este determina para que se estabeleça um contrato são necessários: agentes capazes, forma prescrita ou não defesa em lei e objeto lícito (CORREIA, 2014, p. 214-215).
E tais requisitos são entendidos da seguinte forma:
Agente capaz: a capacidade do empregado para o exercício dos direitos e deveres decorrentes do contrato de trabalho está previsto no art. 7ª, XXXIII, da CF e art. 402 da CLT. No tocante ao empregador, não há especificidades, rege-se inteiramente pelo Código Civil.
Forma prescrita e não defesa em lei: para a celebração do contrato e trabalho, em regra, não há formalidade especial. Poderá ocorrer de forma escrita ou verbal, ou ainda, de forma tácita, em que evidencia apenas um comportamento entre empregado e empregador, sem que haja qualquer menção das partes ao vínculo empregatício.
Objeto lícito: somente será válido o contrato de trabalho se a prestação de serviços não envolver ilícito penal (CORREIA, 2014, p. 215).
No entanto, para a configuração da relação de emprego a CLT estabelece alguns requisitos, quais sejam: pessoalidade, subordinação, onerosidade e assiduidade/não eventualidade. Tais requisitos estão previstos no artigo 3º da CLT:
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual (BRASIL, 1943).
A pessoalidade torna o contrato de emprego pessoal ao empregado, ou seja, determinada pessoa é selecionada para um trabalho em decorrência de suas características e habilidades, portanto, não cabe ao empregado escolher outra pessoa para lhe substituir no trabalho, tal decisão cabe tão somente ao empregador. Assim, é pessoal o contrato entabulado entre o empregado e o empregador, sendo este negócio jurídico intransmissível (CASSAR, 2014, n.p.).
Já assiduidade ou a não eventualidade requisito do contrato de emprego “significa a prestação de serviços ligados às atividades normais do empregador, ou seja, realizando serviços permanentemente necessários à atividade do empregador ou ao seu empreendimento” (GARCIA, 2014, p. 144).
Quanto a subordinação, conceitualmente pode-se compreender como a sujeição ou dependência ao poder de comando do empregador, sendo a subordinação de titularidade do empregado e o poder de comando pelo empregador (CARVALHO, 2014, n.p.).
O quarto requisito, qual seja, a onerosidade, nada mais do que as vantagens que ambas as partes irão receber com a relação de emprego formada com o contrato de trabalho, seja ele expresso ou tácito. O empregador irá receber os serviços e o empregado e seu pagamento devido. A todo trabalho tem uma contraprestação pecuniária ou in natura, não há contrato de emprego gratuito (CASSAR, 2014, n.p.).
2.1. Tipos de contrato de trabalho
Para que um empregador proceda com a contração de um empregado ele deverá observar a necessidade de sua empresa e quais as possibilidades de contrato de trabalho a legislação brasileira permite.
Atualmente no ordenamento jurídico brasileiro uns dos principais contratos de trabalho são: Contrato por tempo determinado, Contrato por tempo indeterminado, Contrato de trabalho temporário e Contrato de trabalho eventual.
2.1.1 Contrato por tempo determinado
Conforme o artigo 443, §§ 1º e 2º da CLT, o contrato por tempo determinado, é o tipo de contrato de trabalho que tem seu período de existência pré-estabelecido no momento da contratação. Tal contrato não deve ter período superior a dois anos e tem cabimento somente em situações específicas.
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.
§ 1º - Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.
§ 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;
b) b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) c) de contrato de experiência (BRASIL, 1973).
Os contratos de emprego por tempo determinado nada mais é do que o contrato com prazo de validade determinado desde o início da vigência do contrato, geralmente estes contratos são firmados para situações específicas (MARTINEZ, 2021). “Em suma: os ajustes por tempo determinado são assim intitulados porque produziram efeitos até o advento de um termo final ou até o momento em que sejam atingidos os propósitos neles inseridos” (MARTINEZ, 2021).
Tal contrato traz algumas vantagens para o empregador como: o empregado não tem a possibilidade de obter estabilidade, em regra; não há um dever do empregador em conceder aviso prévio, em regra; também não há a obrigação de pagar a multa de 40% incidente sobre os depósitos do FGTS, em regra (CORREIA, 2014, p. 218).
Se este tipo de contrato de trabalho ultrapassar o limite de dois anos ou até mesmo se ocorrer mais de uma prorrogação, tal contrato torna-se automaticamente um contrato por tempo indeterminado (CORREIA, 2014, p. 218).
Ademais, um exemplo de contrato por tempo determinado é o contrato de experiência, e quanto a esta modalidade de contrato por tempo determinado Henrique Correia preleciona:
O contrato de experiência é hipótese de contrato por tempo determinado, previsto na CLT. Esse contrato tem por finalidade uma avaliação recíproca entre as partes envolvidas. De um lado o empregador poderá verificar as qualidades pessoais do trabalhador (eficiência, lealdade etc.). De outro, o empregado terá chance de analisar se aquele emprego corresponde às suas expectativas (meio ambiente de trabalho, condições de pagamento etc.).
O prazo desse contrato será de 90 dias, havendo possibilidade de apenas uma prorrogação, desde que respeitado os 90 dias. Desse modo, o empregado contratado por 30 dias poderá ter seu contrato de experiência prorrogado por até 60 dias. Note-se que não há obrigatoriedade de prazos iguais como: 45 + 45 dias. Se extrapolado o prazo de 90 dias, ou efetuada mais de uma prorrogação, o contrato se tornará, automaticamente por prazo indeterminado (art. 451 da CLT) (CORREIA,2014, p. 218-219).
2.1.2 Contrato de trabalho temporário e Contrato de trabalho eventual
O contrato de trabalho temporário é disciplinado pela Lei 6.019/74 e em seu artigo 9º traz as especificações quanto ao contrato de trabalho temporário. Veja-se:
Art. 9o O contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a tomadora de serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade fiscalizadora no estabelecimento da tomadora de serviços e conterá:
I - qualificação das partes;
II - motivo justificador da demanda de trabalho temporário;
III - prazo da prestação de serviços;
IV - valor da prestação de serviços;
V - disposições sobre a segurança e a saúde do trabalhador, independentemente do local de realização do trabalho.
§ 1o É responsabilidade da empresa contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou em local por ela designado.
§ 2o A contratante estenderá ao trabalhador da empresa de trabalho temporário o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado.
§ 3o O contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços (BRASIL, 1974).
Assim, de acordo com o disposto na legislação acima citada, o contrato entabulado entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora de serviços dar-se-á por escrito, necessitando ser disponibilizado para as autoridades fiscalizadoras na sede da empresa que os trabalhadores temporários prestarão seus serviços (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2017, n.p.).
Neste tipo de contrato de trabalho também há alguns requisitos que deverão ser observados, conforme dispõe o artigo 9º, caput, I a V, supracitado, quais sejam: “qualificação das partes, motivo justificador da demanda de trabalho temporário, prazo da prestação de serviços, valor da prestação de serviços, disposições sobre a segurança e a saúde do trabalhador, independentemente do local de realização do trabalho” (BRASIL, 1974).
Quanto ao trabalho prestado no contrato temporário, é aquele realizado por um empregado contratado por uma empresa de trabalhadores temporários e os disponibiliza à outras empresas que tomarão os serviços dos trabalhadores, buscando atender as necessidades temporárias das empresas tomadoras, como substituição de pessoal ou suporte em serviços complementares, conforme dispõe o artigo 2º da Lei 6.019/74 (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2017, n.p.).
Veja-se:
Art. 2o Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.
§ 1o É proibida a contratação de trabalho temporário para a substituição de trabalhadores em greve, salvo nos casos previstos em lei.
§ 2o Considera-se complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal (BRASIL, 1974).
Conforme se extrai do artigo supracitado o “a adoção do trabalho temporário implica uma relação jurídica triangular porque há um intermediário (empresa de trabalho temporário) entre o trabalhador e o tomador dos seus serviços” (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2017, n.p.).
Quanto ao prazo do contrato de trabalho temporário será o estabelecido no artigo 10º, §§ 1º e 2º da Lei 6.019/74 (BRASIL, 1974), prazo de 180 dias com possibilidade de prorrogação de até 90 dias quando a situação que deu causa ao contrato por tempo determinado ainda permanecer.
O contrato de trabalho eventual permite que o empregador contrate um empregado para um trabalho ocasional (eventual), ou seja, de acordo com a demanda do empregador, e o empregado será remunerado somente pelo período trabalhado, sendo dever do empregador também recolher todas as verbas previdenciárias e depósitos do FGTS.
Tal contrato de trabalho está previsto no artigo 443, § 3º, da CLT:
§ 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria (BRASIL, 1943).
De partida vale consignar que o trabalho eventual também é chamando de trabalho intermitente, consistindo em “jornada de trabalho com períodos alternados entre prestação de serviço e inatividade, determinados em horas, dias ou meses. A remuneração mínima para estes trabalhadores será o valor dia ou hora do salário mínimo (com variação do horário noturno)” (SOUZA; RAMOS; AGUIAR, 2017, n.p.), conforme dispõe o artigo 452-A da CLT.
Para ocorrer a contratação para um trabalho eventual o empregador deverá seguir o disposto no artigo 452-A da CLT, ou seja, deverá entrar em contato com o empregado, convoca-lo para o trabalho e dando-lhe as informações sobre a jornada de trabalho com três dias de antecedência. Já o empregado deverá responder a convocação no prazo de 24 horas, se não responder considerará que o trabalho foi recusado e a recusa não configura insubordinação.
2.1.3 Contrato de trabalho por tempo indeterminado
De início vale consignar que os contratos de trabalho que não forem firmados nos dos contratos mencionados anteriormente serão contrato de trabalho por tempo indeterminado, pois o contrato de trabalho é, via de regra, por tempo indeterminado, baseando-se no princípio da continuidade da relação empregatícia, e este determina que não há data certa para o termino do contrato de trabalho. Em caráter excepcional, nas situações já citadas é que o contrato de trabalho terá prazo determinado para seu termino, conforme artigo 443, da CLT (CORREIA, 2014, p. 218).
Ademais:
Os contratos de emprego por tempo indeterminado constituem a regra das modalidades contratuais quanto ao tempo de duração. Anote-se que a indeterminação não sugere, nem de longe, a ideia de perpetuação. Os contratos por tempo indeterminado apenas não têm termo certo, mas podem findar a qualquer instante por iniciativa de um dos sujeitos, desde que prestado o aviso prévio nos termos na lei e indenizados os prejuízos decorrentes da resilição unilateral (MARTINEZ, 2021).
Este contrato assim como os demais, poderá ser expresso ou tácito, verbal ou escrito, decorrendo da manifestação de vontade das partes envolvidas, sendo também considerado um contrato típico de trabalho, o qual permite maiores possibilidades de prosperidade, da empresa e da dignidade do empregado (SILVA, 2018, p. 291).
3. DA RESCISÃO INDIRETA
Quando o contrato de trabalho está impossibilitado de se manter ele é encerrado através da rescisão contratual, a qual tem algumas espécies que vão atender a cada motivo que leva ao termino do contrato de trabalho, e a rescisão indireta é uma dessas espécies que estabelece o fim da relação de emprego.
A rescisão indireta, também chamada de rescisão por justa causa inversa, é o termino do contrato de trabalho por iniciativa do empregado diante de uma falta grave do empregador para com o empregado, tornado impossível a manutenção do contrato de trabalho.
Assim, “ a dispensa indireta pode ser conceituada como a modalidade de terminação do contrato de trabalho, por deliberação do empregado, mas decorrente de justa causa praticada pelo empregador” (GARCIA, 2014, p.683).
Neste sentido Gustavo Felipe Barbosa Garcia traz outros comentários, veja-se:
A dispensa indireta se configura por deliberação do empregado, mas ela ocorre em razão de justa causa praticada pelo empregador, tornando inviável ou indesejada a continuidade do vínculo de emprego.
Assim, trata-se da hipótese inversa à dispensa com justa causa: enquanto nesta modalidade de terminação do contrato de trabalho a falta grave é praticada pelo empregado, na dispensa indireta a falta grave é praticada pelo empregador. Enquanto na dispensa com justa causa quem decide pôr fim ao contrato de trabalho é o empregador, na rescisão indireta tal deliberação é tomada pelo empregado (2014, p. 682).
Vale ressaltar que a rescisão indireta não se confunde com a demissão, tendo em vista que na rescisão indireta há o termino da relação empregatícia em decorrência da falta que o empregador cometeu (GARCIA, 2014, p. 683).
E segundo Homero Batista Mateus da Silva (2018, p. 363) ao tecer comentários ao artigo 483 da CLT, atenção singular deve-se direcionar ao analisar a rescisão indireta, pois costumeiramente o empregado é mais paciente com as faltas do empregador do que este é com as do empregado, por ser hierarquicamente inferior, deste modo tem situações que o emprego suporta atrasos salarias, pois se ver sem saída, e ao aturar tais atrasos não se pode considerar que o empregado, por falta de imediatidade deu perdão tácito ao empregador diante de sua falta. E a rescisão indireta se presta a este tipo de situação, por exemplo.
Esta modalidade de rescisão contratual está prevista no artigo 483 da CLT, o qual traz as possibilidades de aplicação da rescisão indireta.
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.
§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.
§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo (BRASIL, 1943).
É importante frisar que na rescisão indireta, o empregado deve informar ao empregador da sua decisão de encerrar o contrato laboral, para distanciar-se de possível entendimento que a ausência no trabalho é abandono laboral. Apesar disso, muito raramente o empregador irá concordar a alegação do empregado de que o contrato de trabalho cessará por falto do empregador, por isso, geralmente o empregado tem que ajuizar uma ação trabalhista com pedido de reconhecimento da rescisão indireta e a condenação das verbas aplicáveis (GARCIA, 2014, p. 682).
3.1 Motivos da justa causa do empregador
Caberá a rescisão indireta sempre que o empregador incorrer nas hipóteses previstas nas alíneas “a” a “g”, do artigo 483, da CLT.
A exigência de serviços superiores às forças do empregado é uma hipótese de cabimento de rescisão indireta, compreendido quando o empregador impõe ao empregado a realização de uma atividade que requer forças maiores que a sua, tal esforço pode ser tanto físico como mental. Bem como a exigência de execução de atividades proibidas por lei, serviços contrários aos bons costumes e alheios ao contrato também dão ensejo à rescisão indireta, conforme a legislação trabalhista e o disposto no artigo 7º, inciso XXXIII, da CRFB/1988 (GARCIA,2014, p. 685).
Outro motivo que dá ensejo à aplicação da rescisão indireta é o tratamento com rigor excessivo que o empregador dá ao empregado, por vezes, o rigor é aplicado para forçar o empregado a pedir demissão, ou até mesmo pelo desejo de humilhar o empregado. Na sequencia o legislador também estabeleceu que se o empregado for submetido à circunstancia de manifesto perigo e lhe ocorrer mal considerável à sua saúde e sendo as normas de segurança desrespeitadas, também caberá rescisão contratual indireta (SILVA, 2018, p. 364).
O não cumprimento do estabelecido no contrato de trabalho por parte do empregador é um dos principais motivos para aplicação da rescisão indireta. Quanto a esta possibilidade de rescisão indireta tem-se na boa doutrina o seguinte comentário:
Apesar da redação genérica, este é o item mais utilizado pelos empregados porque alcança tanto o atraso no pagamento dos salários e de férias até o desrespeito à negociação coletiva; a jurisprudência tem sido cautelosa, todavia, quanto aos pedidos de rescisão indireta calcados unicamente no atraso nos depósitos do fundo de garantia, porque, no particular, embora seja um descumprimento contratual, o empregado não sofre prejuízos reais e imediatos, salvo se justamente naquele mês ele pretende fazer saque para projetos habitacionais ou por outros motivos que a legislação o autoriza sacar depósitos na constância do contrato de trabalho (SILVA, 2018, p. 364).
A alínea “e” do artigo 483, da CLT, também estabelece que contra os atos lesivos contra a honra e a boa fama do empregado caberá rescisão indireta, sendo lesiva à honra ou à boa fama o ato do empregador que desrespeitar os direitos da personalidade, ligados à imagem e à moral, e neste ponto vale destacar que não só o ato lesivo à honra e à imagem do empregado, mas também de sua família (GARCIA, 2014, p. 689).
E finalizando as possibilidades de cabimento de rescisão indireta previstas na legislação trabalhista tem-se a alínea “f”, do artigo 483, da CLT, tem-se falta grave patronal, quando este ofende fisicamente o empregado, não se aplicado a situação de legítima defesa própria ou de outrem. E haverá o termino do contrato de trabalho indiretamente quando o empregador reduzir consideravelmente o trabalho do empregado afim de reduzir-lhe o salário, restando o salário em um valor muito inferior daquele estabelecido no momento da contratação (GARCIA, 2014, p. 691).
Ademais, considera-se que as hipóteses de cabimento da rescisão indireta do 483, da CLT, são taxativas, portanto, somente nas situações elencadas haverá o cabimento de rescisão indireta.
3.2 Efeitos da dispensa indireta
Quando ocorre a rescisão indireta o empregado tem o direito de receber todas as verbas rescisórios que receberia em caso de dispensa sem justa causa, ou seja: aviso prévio (artigo 487, § 4º, da CLT); saldo de salário referentes aos dias trabalhados; as férias vencidas e proporcionais com 1/3; décimo terceiro salário vencido e proporcional; indenização de 40% do FGTS; anotação na CTPS; levantamento dos depósitos do FGTS; e as guias de levantamento do seguro-desemprego.
3.3 Ônus da prova
Na ação trabalhista com pedido de reconhecimento da rescisão indireta, quanto a este pedido, cabe ao reclamante o ônus de provar o alegado, conforme dispõe o artigo 818, da CLT, cc com o artigo 333, do CPC, o qual é aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho.
Ou seja:
Na rescisão indireta, também chamada de despedimento indireto, ocorre a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregado, que tem o ônus de provar a justa causa perpetrada pelo empregador (CLT, art. 483). Nesse caso, se o empregado de desincumbir do referido ônus, terá os mesmos direitos como se a extinção fosse por iniciativa do empregador sem justa causa, inclusive fazendo jus ao aviso prévio (CLT, art. 487, § 4º) (LEITE, 2021).
No entanto em caso de rescisão indireta por irregularidade nos depósitos do FGTS, o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho entende que cabe ao empregador comprovar robustamente que realizou os depósitos com a regularidade exigida. Veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º 13.015/2014. RESCISÃO INDIRETA. IRREGULARIDADE NO RECOLHIMENTO DO FGTS. ÔNUS DA PROVA. Demostrada a divergência jurisprudencial, determina-se o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO INDIRETA. IRREGULARIDADE NO RECOLHIMENTO DO FGTS. ÔNUS DA PROVA. É pacífico no âmbito desta Corte o entendimento de que é do Empregador o ônus de comprovar os corretos depósitos do FGTS. O atraso no pagamento e/ou a falta de regularidade no recolhimento dos depósitos do FGTS, por parte do empregador, constitui motivo suficiente para dar ensejo à rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483, d, da CLT. Precedentes. Nesse contexto, considerando que os Reclamados não se desincumbiram do ônus probatório que lhes incumbia, devidas são as verbas decorrentes da rescisão indireta na forma pleiteada na inicial. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST - RR: 1601920145040383, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 22/02/2017, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/03/2017) (BRASIL, 2017).
4. CONCLUSÃO
Diante do todo demonstrado, averiguou-se que o instituto da rescisão indireta é o meio pelo qual o empregado irá manifestar seu direito de não continuar em um contrato de trabalho no qual seus direitos ou sua dignidade não estão sendo respeitados.
Observou-se que a possibilidade da rescisão indireta trazida pelo legislador trabalhista, trouxe ao hipossuficiente da relação empregatícia, uma forma de encorajamento à não submissão à uma relação de emprego na qual o empregador cometa abusos, faltas graves, afrontando a dignidade dos trabalhadores.
À vista disto, o instituto da rescisão indireta é um importante instrumento para a proteção do trabalhador e seus direitos, a dando ao empregado a possibilidade de ter a iniciativa de dar fim ao contrato de trabalho diante de uma falta grave do empregador e receber todas as verbas rescisórias cabível em demissão sem justa causa.
5. REFERÊNCIAS
AGUIAR, Maria Gabriela de; RAMOS, Karine Dalmas; SOUZA, Aarão Miranda da Silva Barbosa de. O Trabalho intermitente na reforma trabalhista e suas particularidades. Revista Jus Navegandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5647, 17 dez. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/62325/o-trabalho-intermitente-na-reforma-trabalhista-e-suas-particularidades?fbclid=IwAR1BmKyYYWx3Ql65ZKD968Dart6elJhwxnI-dZS87VXPGR3T-fgSzlPZXrw>. Acesso em 28 de nov.2021.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 28 de nov. 2021.
_______. Lei 6.019, de 3 de janeiro de 1974. Brasília, 3 de jan. 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6019.htm>. Acesso em 28 de nov.2021.
_______. Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Brasília, 1º maio. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 28 de nov.2021.
________. Tribunal Superior do Trabalho. RR n. 1601920145040383. Disponível em: <https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/435844012/recurso-de-revista-rr-1601920145040383/inteiro-teor-435844031>. Acesso em 28 de nov.2021.
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[1] Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Graduada em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Advogada associada na Advocacia Ramos Fernandez Sociedade de Advogados.
Mestrando em Direito Processual Civil pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD). Graduado em Direito pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). Advogado associado na Advocacia Ramos Fernandez Sociedade de Advogados.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, ISRAEL CUNHA. Breves considerações sobre a rescisão indireta do contrato de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2021, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57894/breves-consideraes-sobre-a-resciso-indireta-do-contrato-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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