Resumo: O presente trabalho volta-se para uma análise técnica acerca na natureza jurídica dos precedentes judiciais formados por meio de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, possibilitando, assim, a compreensão da essência deste incidente e dos mecanismos processuais próprios para fazer valer a autoridade do precedente jurídico formando.
Palavras-chave: Precedente Judicial. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
O precedente judicial possui conceito largo e pode ser visto, de forma genérica, como a decisão judicial passível de ser utilizada para fundamentar o julgamento de lide da mesma natureza. Nesta linha, deve-se firmar a premissa de que nem todo precedente judicial possui caráter vinculante, o que leva, de antemão, a identificação de dois subgrupos de precedentes judiciais: 1 - os precedentes meramente persuasivos; e os precedentes obrigatórios ou de eficácia vinculativa.
Como é intuitivo, os precedentes meramente persuasivos não possuem força para se fazer impor ao julgador, servindo apenas como argumento de convencimento. Fredie Didier anota que “o precedente persuasivo (persuasive precedente) não tem eficácia vinculante; possui apenas força persuasiva (persuasive authority)[1]” Assim, embora esta categoria de precedente possa ser tida como importante fonte de convencimento, não há cogência em relação a sua aplicação e nem remédios processuais específicos para ausência de sua observação.
Assim, diante da não aplicação de precedente meramente argumentativo não é cabível nenhum remédio processual específico, de modo que não há que se falar, por exemplo, em cabimento de reclamação em razão do desrespeito à precedente meramente persuasivo. Da mesma forma, não é viável o manejo de recurso tendo como único fundamento a inobservância de precedente persuasivo. Nesta situação, é de se atentar para sutileza de que eventual recurso em face de decisão que não observar precedente meramente persuasivo não pode ter como fundamento recursal a não observância do precedente em si. Pode até se fundamentar o recurso nos fundamentos do precedente ou renová-lo para persuasão recursal, mas a causa de pedir recursal não pode ser a não aplicação de precedente persuasivo em si.
Já os precedentes com força vinculante, por força de lei, trazem imperatividade em sua aplicação, com necessidade observância obrigatória para juízes e tribunais. Fredie Didier, mais uma vez, com a clareza que lhe é peculiar, assim ensina:
“Como o próprio nome sugere, diz-se que o precedente é vinculante/obrigatório (binding precedente), ou binding authority (autoridade vinculante), quando tiver eficácia vinculativa em relação aos casos em que, em situações análogas, lhe forem supervenientes.
Ao falar em efeito vinculante do precedente, deve se ter em mente que, em certas situações, a norma jurídica geral (tese jurídica, ratio decidendi) estabelecida na fundamentação de determinadas decisões judiciais tem o condão de vincular decisões posteriores, obrigando que os órgãos jurisdicionais adotem aquela mesma tese jurídica na sua própria fundamentação.
No Brasil, há precedentes com força vinculante – é dizer, em que a ratio decidendi contida na fundamentação de um julgado tem força vinculante. Estão eles enumerados no art. 927, di CPC[2].”
Neste cenário, cumpre observar que o acórdão formado em julgamento de incidente de demanda repetitivas qualifica-se como vinculante por estar contemplado no rol das hipóteses trazidas no artigo 927 do CPC, que indica os precedentes com força obrigatória para juízes e tribunais. Ressalte-se que o acórdão formado em julgamento de incidente de demanda repetitivas é apenas uma de outras espécies de precedentes judiciais com força vinculante contempladas na legislação processual civil. Por sua relevância, impende observar referido dispositivo legal, que assim prescreve:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º , quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
Desta forma, para uma adequada compreensão conceitual, é preciso perceber que nem todo precedente judicial dispõe de força vinculante. O Precedente só disporá de força vinculante quando a lei lhe conferir tal atributo. Então, quando um precedente recebe força cogente e passa a ter sua aplicação obrigatória para juízes e tribunais ele pode ser qualificado com precedente vinculante.
Outrossim, percebe-se que o acórdão formado em julgamento de incidente de demanda repetitivas é apenas uma de várias outras hipóteses de precedente judicial com força vinculante, a exemplo das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade e dos enunciados de súmula vinculante
Neste contexto, uma vez julgado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, o precedente judicial formado passa a ser de observância obrigatória para os órgãos judicantes vinculados ao tribunal, aplicando-se aos casos presentes e futuros que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal.
Neste toar, nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, de plano e independentemente da citação do réu, poderá julgar liminarmente improcedente o pedido.
Da mesma forma, em sede de recurso de apelação, o relator deverá, monocraticamente, negar provimento ao recurso que for contrário entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas, assim como, assegurada evidentemente a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a entendimento firmado em sede de IDR.
Todavia, acaso o precedente judicial formado em IRDR não seja observado, o sistema processual vigente contempla alguns mecanismos para garantir sua aplicação.
Inicialmente, acaso a decisão judicial tenha ignorado o precedente vinculante, é possível se valer de embargos de declaração para provocar o órgão prolator da decisão a se pronunciar sobre sua aplicação, mesmo que não tenha sido objeto das manifestações das partes, já que o Código de Processo Civil considera omissa a decisão que não se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento, in verbis:
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
Outro instrumento processual disponível para fazer valer o entendimento firmado em julgamento de casos repetitivos é a reclamação, nos termos do artigo 988 do CPC, que assim dispõe:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
(...)
IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;
Então, havendo a aplicação indevida da tese jurídica ou a sua não aplicação aos casos que a ela correspondam, pode a parte prejudicada se valer da reclamação para fazer observar o precedente, desde que não tenha ocorrido o trânsito em julgado da decisão reclamada. Ressalte-se que apenas é possível a utilização da reclamação em função da força vinculante dos precedentes formados em sede de IRDR, o que não se verifica na situação de precedentes meramente persuasivos, como, inclusive, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça em julgado assim ementado:
AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. UTILIZAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESES DE CABIMENTO PREVISTAS NO ART. 988 DO CPC/2015 NÃO DEMONSTRADAS. RECLAMAÇÃO NÃO CONHECIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. O art. 988 do Código de Processo Civil de 2015 dispõe sobre quais hipóteses seria cabível o ajuizamento da reclamação, sendo que, no caso vertente, não verifica nenhuma delas, pois a parte busca a aplicação de precedente não vinculante ao caso concreto, em nítida pretensão de se utilizar da reclamação como sucedâneo recursal e em flagrante supressão de instância.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt nos EDcl na Rcl 40.742/BA, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020)
Nesta última hipótese, ou seja, quando houver decisão de mérito transitada em julgado, há ainda a possibilidade de manejo de ação rescisória, por ofensa manifesta à norma jurídica, que resta caracterizada quando a decisão transitada em julgado não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento em julgamento de casos repetitivos, nos termos do artigo 966, § 5º, do CPC, que assim prescreve:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...)
V - violar manifestamente norma jurídica;
(...)
§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.
Neste cenário, mostra-se perceptível a preocupação do legislador no sentido de atribuir importância aos precedentes vinculantes formados em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas, garantindo, desta forma, a aplicação isonômica do direito a situações equivalentes, ao ponto de possibilitar a mitigação da coisa julgada para fazer valer o precedente vinculante formado.
A par dos remédios já mencionados, há ainda espaço para se defender o cabimento de recurso especial por ofensa ao artigo 927, III, do CPC, que prescreve que juízes e os tribunais deverão observar os precedentes de incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos. Assim, se a despeito de existir precedente vinculante o tribunal local recusar sua aplicação, é possível, em tese, o manejo de recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça por violação ao artigo 927, III, do CPC.
Desta forma, evidencia-se que os precedentes com força vinculante dispõem de mecanismos criados na legislação processual para garantir sua aplicação, o que não se verifica quando o precedente jurídico é meramente persuasivo.
Assim, é possível concluir que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas constitui instrumento processual capaz de formar precedente judicial com força cogente, dispondo de mecanismos processuais próprios para fazer valer a autoridade do precedente jurídico formando, ofertando, desta forma, solução processual para resolução eficiente e isonômica das demandas repetitivas.
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[1] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedentes, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela/ Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira. 12ed – Salvador; Ed. Jus Pudivm, 2016. P.521
[2] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedentes, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela/ Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira. 12ed – Salvador; Ed. Jus Pudivm, 2016. P.521
Procurador do Estado de Alagoas, ex-Procurador do Estado de Pernambuco, ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Cataria, Pós-Graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Danilo França Falcão. Os Precedentes Judiciais Formados em IRDR Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2021, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57895/os-precedentes-judiciais-formados-em-irdr. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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