ANDRÉ MACHADO DE SOUZA
(coautor)[1]
RESUMO: O presente artigo aborda a responsabilidade civil dos delegatários extrajudiciais à luz da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 842846/SC, a qual definiu a responsabilidade primária do Estado nos casos de responsabilidade civil extracontratual notarial e registral.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Notário e Registrador; Supremo Tribunal Federal.
ABSTRACT: This article addresses the civil responsability of extrajudicial delegates in light of the decision handed down by the Federal Supreme Court in RE 842846/SC, which defined the State's primary responsibility in cases of notary and registry extra-contractual civil responsability.
Keywords: Civil Responsability; Notary and Real Estate Registrar; Federal Supreme Court.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Atividade Notarial e Registral. 3. Responsabilidade Civil Extracontratual. 3.1. Responsabilidade Civil subjetiva e objetiva. 3.2. Responsabilidade Civil do Notário e Registrador. 4. Considerações Finais. 5. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará a responsabilidade civil do notário e do registrador, tema que sempre gerou acirradas discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Tal entrave foi objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal, que, em fevereiro de 2019, no RE 842846/SC, em sede de repercussão geral, uniformizou o entendimento da matéria, possibilizando uma maior previsibilidade quanto ao tema.
2 ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL
Façamos uma breve análise do direito notarial e registral, pontuando-se, de forma sucinta, suas principais características.
O direito notarial e registral é um ramo do direito civil que regula as atividades exercidas pelos notários e registradores, bem como os atos praticados nas serventias extrajudiciais. Os serviços notariais e registrais são serviços de organização técnica e administrativa, com a função de garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Vitor Frederico Kümpel leciona:
Para tanto, tem-se um conjunto ou sistema, em grande parte das vezes harmônico, de princípios, regras e normas de direito público e privado, que ao fixar uma técnica procedimental, determinam a organização, o funcionamento e a efetividade da atividade notarial em atendimento aos interesses individuais e coletivos, dotados de fé pública. Desse modo, confere-se publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, tendo como mote secundário a prevenção de litígios e a busca da pacificação social. A autenticidade conferida pela fé pública garante segurança jurídica às relações e, por decorrência lógica, materializa a prevenção de litígios. (Kümpel, 2017, p. 137).
A base constitucional da atividade notarial e registral está definida no art. 236 da CF:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. (Brasil, 1988).
Conforme previsão do artigo supramencionado, o exercício da atividade se dá em caráter privado, ou seja, a atividade notarial e registral é delegada pelo Poder Público a um particular para exercer uma função pública.
A atividade notarial e registral é uma atividade que tem natureza jurídica de serviço público, porém, é exercida por um particular, o qual receberá a delegação por meio de concurso público de provas e títulos, o qual é realizado pelo Poder Judiciário, com a participação do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e de um notário e registrador, em todas as suas fases; não podendo nenhuma delegação permanecer vaga, sem a abertura de concurso público, por mais de seis meses.
Nesse sentido, Márcio Guerra Serra e Monete Hipólito Serra:
Delegar consiste em atribuir atividade própria da administração a um ente privado ou público. Assim, conclui-se, pela análise dos referidos textos, que as atividades notariais e registrais são públicas por excelência, sendo exercidas, contudo, em caráter privado, por particulares investidos na função pública por delegação. Dito de outra forma, hoje predomina o entendimento de que a natureza da atividade é de serviço público, mas sua gestão é particular. (Cassettari; Serra; Serra, 2020, p. 1).
O Notário ou Registrador é um profissional do direito, dotado de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e registral, podendo ser caracterizada a delegação como uma especial autorização para realizar, explorar e exercer uma atividade própria e ínsita do Estado.
Conforme preleciona E. Gimenez - Arnau etimologicamente fides deriva de facere. A raiz latina tem um precedente grego peithein, que significa convencer, assentir a algo. A expressão fé pública é uma especificação adjetiva pelo substantivo fé. Aquele que tem fé, tem uma convicção, uma crença, uma certeza, uma segurança, uma confiança (E. Gimenez-Arnau, 1976, p. 36).
As atividades notariais e registrais são fiscalizadas pelo Poder Judiciário, ou seja, o notário e registrador não é subordinado ao Poder Judiciário, tampouco servidor público, porém, tem sua atividade fiscalizada pelo Poder Judiciário, por meio de seus órgãos correcionais.
A atividade é regulada pela Lei 8935/1994, também conhecida como Lei dos Notários e Registradores, a qual prevê em seu artigo 3º:
Artigo 3º: "Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro." (Brasil, 1994).
A Lei 8935/1994 traz várias previsões acerca da atividade notarial e registral, como competências, formas de ingresso, de saída, direitos e deveres, impedimentos, a responsabilidade civil e criminal, dentre outras. É uma lei simples, que traz informações básicas, as quais são aprofundadas em legislações específicas.
Serviço Notarial é a atividade exercida, mediante autorização legislativa, por um agente público para redigir, formalizar e autenticar, com fé pública, instrumentos com aptidão plena para produção de efeitos jurídicos. O Notário fará a qualificação jurídica da vontade das partes, ou seja, compatibilizará a vontade da parte com o ordenamento jurídico.
A Lei 6015/1973, chamada de Lei dos Registros Públicos, traz informações relevantes para a atividade dos Oficiais de Registro, a qual é bastante extensa e trata dos princípios que norteiam a atividade, bem como regulamentações acerca das atividades registrais.
Por sua vez, a Lei 9492/1997 é a lei que trata do Protesto, a qual, assim como a Lei 8935/1994, é uma lei mais enxuta. Insta ressaltar que não existe lei específica do Tabelionato de Notas.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Antes de adentrar-se no tema específico da responsabilidade civil notarial e registral, serão traçados breves comentários acerca da responsabilidade civil extracontratual, bem como sobre suas espécies.
O Código Civil divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual. A primeira é aquela que advém do descumprimento de um dever que está inserido em uma cláusula de um contrato e está regida pelos artigos 289, 390 e 391, todos do Código Civil, a depender se a obrigação descumprida era de fazer, não fazer. Já a segunda, é a responsabilidade que decorre do descumprimento de um dever que não estava previsto em um contrato, mas sim a violação de um dever previsto na lei.
Nesse sentido, esclarece Flávio Tartuce:
A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. Nesse sentido, fala-se, respectivamente, em responsabilidade civil contratual ou negocial e em responsabilidade civil extracontratual, também denominada responsabilidade civil aquiliana, diante da Lex Aquilia de Damno, do final do século III a.C., e que fixou os parâmetros da responsabilidade civil extracontratual. (Tartuce, 2020, p. 437).
No presente trabalho iremos nos ater à análise da responsabilidade civil extracontratual, a qual também é chamada de responsabilidade civil aquiliana, responsabilidade civil "ex delicto", responsabilidade civil por ato ilícito.
A responsabilidade civil extracontratual está prevista nos artigos 186,187 e 927, todos do Código Civil.
O art. 186 trata do ato ilícito, o art. 187 trata do abuso de direito, ou seja, situações em que, apesar do ato nascer lícito, torna-se ilícito porque o titular, ao exercer um direito seu, abusou e excedeu os limites impostos pelos fins sociais e econômicos do direito que detinha. Dessa forma, pode-se afirmar que o abuso de direito também se configura como ato ilícito, a diferença está na gênese - o ato ilícito já nasce contrário à lei, enquanto o abuso de direito tem seu início como um direito, um ato lícito e transforma-se em um ato ilícito por abuso do titular no exercício de seu direito. O art. 927 do CC traz a previsão da reparação do dano causado pelo ato ilícito e pelo abuso de direito.
Sobre a natureza jurídica do abuso de direito, podemos citar a lição de Flávio Tartuce:
Resumindo essa construção, pode-se chegar à conclusão de que o abuso de direito é um ato lícito pelo conteúdo, ilícito pelas consequências, tendo natureza jurídica mista - entre o ato jurídico e o ato ilícito - situando-se no mundo dos fatos jurídicos em sentido amplo. Em outras palavras, a ilicitude do abuso de direito está presente na forma de execução do ato. Dessas construções conclui-se que a diferença em relação ao ato ilícito tido como puro reside no fato de que o último é ilícito no todo, quanto ao conteúdo e quanto às consequências. (Tartuce, 2020, p. 441).
Conforme previsão do art. 206, § 3º, V, CC, o prazo prescricional da responsabilidade civil extracontratual é de três anos.
Responsabilidade é uma obrigação assumida em decorrência de uma conduta lícita ou ilícita, a qual gerou um dano, em virtude disso, a responsabilidade civil está diretamente relacionada à ideia de reparação de danos.
A caracterização da responsabilidade civil extracontratual se dará mediante a demonstração de quatro requisitos: 1) a vítima deverá comprovar o ato ilícito, ou seja, demonstrar que o transgressor praticou um ato antijurídico, contrário à lei; 2) a vítima deverá provar que houve um dano e o efetivo prejuízo, já que sem dano não se admite reparação na esfera da responsabilidade extracontratual; 3) a vítima deverá, também, demonstrar o nexo causal, o que significa dizer que é preciso ser demonstrado que aquele dano decorreu do ato ilícito perpetrado pela conduta do agente; 4) demonstração do nexo de imputação, o qual qualifica a conduta que gerou o dever de reparar, sendo necessário que essa conduta, nos casos de responsabilidade civil subjetiva, seja uma conduta culposa, no sentido lato sensu, que abrange tanto o dolo, quanto a negligência, imprudência e imperícia, já nos casos de responsabilidade objetiva, fundada no risco da atividade, como nos casos de relações de consumo, da responsabilidade civil do Estado, não será necessária a aferição da culpa, já que o nexo de imputação é o próprio risco da atividade.
Na responsabilidade civil extracontratual, nos casos de responsabilidade civil subjetiva, não se presume a culpa do agressor, cabendo à vítima fazer a prova dos requisitos supramencionados, surgindo, assim, o dever de o agente reparar o dano.
3.1 Responsabilidade Civil subjetiva e objetiva
Responsabilidade civil trata-se de um dever sucessivo que surge em razão da violação de um dever originário de não causar danos a outrem, ou seja, a máxima do "neminem laedere", o qual quer dizer que, caso seja causado o dano, surgirá o dever sucessivo de repará-lo.
Para o Código Civil, a regra é a responsabilidade civil subjetiva, ou seja, aquela pautada na culpa. Os pressupostos da responsabilidade civil são: conduta, culpa, nexo de causalidade e dano.
O dever de indenizar poderá surgir tanto de uma conduta lícita quanto ilícita, a primeira exclui a ilicitude, porém não exclui o dever de indenizar.
O art. 187 do CC[2] prevê o abuso de direito, o qual também é denominado de ilícito objetivo. A doutrina e a jurisprudência destacam que, quando há abuso de direito, a responsabilidade civil será objetiva, ou seja, independentemente da existência de culpa.
Flávio Tartuce, em sua obra, filia-se a essa corrente:
Portanto, de acordo com o entendimento majoritário da doutrina nacional, presente o abuso de direito, a responsabilidade é objetiva, ou independentemente de culpa. Essa é a conclusão a que chegaram os juristas participantes da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, com aprovação do Enunciado n. 37 e que tem a seguinte redação: "Art. 187. A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico. (Tartuce, 2020, p. 442).
A culpa é elemento da responsabilidade civil subjetiva e não está presente na responsabilidade civil objetiva. A culpa poderá ser leve, média, grave ou gravíssima, porém, todos os graus de culpa geram o dever de indenizar, conforme previsão do art. 944 do CC.[3]
O art. 945 do CC[4] traz a chamada culpa concorrente, a qual não é causa excludente da responsabilidade civil, mas sim uma causa minorante do valor indenizatório.
O nexo causal é o liame entre a conduta do agente e o resultado danoso, o qual deverá estar presente tanto na responsabilidade civil subjetiva, quanto na responsabilidade civil objetiva.
Para existir a responsabilidade, obrigatoriamente, deverá existir o dano, o qual poderá ser moral, que é a violação de um dos direitos da personalidade; ou patrimonial/material - esse último dividindo-se em danos emergentes, ou seja, a perda no patrimônio já existente e lucros cessantes, que é aquilo que se deixou de ganhar.
A responsabilidade civil objetiva é aquela que independe de culpa, não podendo mais ser considerada uma exceção, já que, atualmente, há um alargamento das hipóteses de incidência desse tipo de responsabilidade. Conforme previsão do art. 927, parágrafo único, CC[5], haverá responsabilidade civil objetiva quando a lei dispuser que haverá responsabilidade independentemente de culpa ou quando a atividade desenvolvida pela parte for uma atividade de risco.
São elementos da reponsabilidade civil objetiva a conduta, nexo causal e dano, excluindo-se a culpa.
Analisando-se o parágrafo único do art. 927, pode-se afirmar que o Código Civil adotou a teoria do risco da atividade e não a teoria do risco integral nos casos de responsabilidade objetiva.
Conforme o enunciado 459 da V Jornada de Direito Civil[6] e doutrina dominante, aplica-se a atenuante da culpa concorrente da vítima do art. 945 do CC nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva.
3.2 Responsabilidade Civil do Notário e Registrador
Conforme já mencionado anteriormente, os serviços Notariais e de Registro estão previstos no art. 236 da CF[7]. O parágrafo 1º desse artigo menciona que Lei federal disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos Notários e Registradores. Tal matéria está disciplinada no art. 22 da Lei 8935/94:
Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (Brasil, 1994).
A responsabilidade civil dos Notários e Registradores sempre foi tema controvertido tanto na doutrina, como na jurisprudência. O artigo supramencionado já sofreu diversas alterações ao longo dos anos, sendo a redação atual do dispositivo legal conferida pela Lei nº 13.286, de 2016.
A redação original do artigo, no momento da promulgação da Lei 8935/1994 era a seguinte: "Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos".
A redação anterior não era clara quanto à natureza jurídica da responsabilidade civil dos notários e registradores, se era subjetiva ou objetiva, abrindo espaço para calorosas discussões e opiniões divergentes na doutrina e na jurisprudência.
Os que defendiam a responsabilidade civil objetiva alegavam que a omissão do legislador em mencionar o elemento subjetivo para a caracterização da responsabilidade civil fazia com que essa fosse considerada objetiva. O elemento dolo ou culpa somente fazia sentido para eventual direito de regresso dos notários e registradores em relação a seus prepostos.
A corrente que defendia a responsabilidade civil subjetiva dos notários e registradores partia da premissa de que eles deveriam ser considerados agentes públicos "lato sensu", na modalidade particulares em colaboração, dessa forma, deveria ser aplicado a eles o regime aplicado ao funcionalismo público, previsto no art. 37, §6º, CF[8].
Para sanar a divergência envolvendo o art. 22 da Lei 8935/1994, houve alteração no dispositivo legal em comento, por meio da Lei 13.137/2015, verificando-se a seguinte redação: "Os notários e oficiais de registro, temporários ou permanentes, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, inclusive pelos relacionados a direitos e encargos trabalhistas, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos".
Como se verifica, essa nova redação não solucionou o problema da divergência quanto à natureza jurídica da responsabilidade civil dos notários e registradores, não mencionando expressamente se se trata de responsabilidade civil subjetiva ou responsabilidade civil subjetiva, persistindo, assim, a discussão doutrinária e jurisprudencial.
No ano de 2016, foi dada a atual redação ao art. 22 da Lei 8935/1994, por meio da Lei 13.286/2016, a qual prevê de forma expressa a natureza jurídica da responsabilidade civil dos notários e registradores: responsabilidade civil subjetiva. O elemento subjetivo dolo ou culpa está previsto expressamente para a caracterização da responsabilidade dos delegatários.
Felipe Leonardo Rodrigues resume as alterações substanciais que a Lei 13.286/2016 efetivou no art. 22 da Lei 8935/1994:
A Lei n. 13.286/2016 alterou substancialmente os efeitos do art.22 da Lei n. 8.935/94: a) a responsabilidade decorrente da atividade típica do notário passa a ser subjetiva, ou seja, a vítima terá que provar o dolo ou a culpa; b) o prazo de prescrição é de 3 (três) anos a partir da data de lavratura do ato notarial; c) retirou interinos ou designados e interventores de unidades vagas como agentes responsáveis pelos danos causados a terceiros; d) retirou os danos decorrentes de direitos e os encargos trabalhistas, em especial aqueles não contratados pelo notário; e) permanece o direito de regresso do notário contra o preposto causador do dano."(Cassettari; Ferreira; Rodrigues, 2021, p. 23-24).
Com a atual redação do art. 22 da Lei 8935/94, pacificou-se a questão quanto à natureza jurídica dos notários e registradores. Entretanto, ainda persistiam controvérsias acerca da responsabilidade estatal em relação aos danos causados no exercício da atividade extrajudicial. Pode-se citar três principais correntes doutrinárias: aqueles que defendem a responsabilidade estatal primária, outros a responsabilidade estatal subsidiária e, ainda, os defensores da inexistência de responsabilidade estatal.
Os que defendiam a responsabilidade estatal primária, entendiam que os delegatários são agentes públicos e, portanto, deve ser aplicada a responsabilização na forma do art. 37, § 6ª, CF, devendo o Estado responder primeiramente e o agente ser responsabilizado somente subsidiariamente, por meio de ação de regresso, nos casos de dolo ou culpa.
Já os que defendiam que a responsabilidade do Estado era subsidiária, argumentavam que o serviço notarial e registral é um serviço público delegado aos particulares, afastando-se, assim, o Estado da prestação direta do serviço público, contudo, permanecendo responsável subsidiariamente pelos danos causados pelos delegatários do serviço público, já que é o responsável por sua fiscalização.
A corrente que defendia a inexistência de responsabilidade do Estado, afirmava que os notários e registradores exercem o serviço público em caráter privado, por delegação do Poder Público, sendo o serviço transferido de forma integral para os delegatários, afastando-se o Estado de eventual responsabilização.
Em fevereiro de 2019, o STF proferiu decisão referente a essa discussão e, em sede de repercussão geral, fixou a seguinte tese: "Tema 777/STF - tese firmada: “O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.” (RE 842846/SC)[9] (MIN. LUIZ FUX).
Analisando-se a tese, pode-se afirmar que a Suprema Corte adotou a teoria que defende a responsabilidade primitiva do Estado, sendo o delegatário responsabilizado somente em caráter subsidiário, em eventual direito de regresso.
A decisão do Supremo Tribunal Federal refere que os notários e registradores exercem serviço público delegado e o ingresso na atividade notarial e registral se dá por meio de concurso público de provas e títulos e, em razão disso, são verdadeiros agentes públicos "lato sensu", na modalidade particulares em colaboração. Em virtude disso, os mesmos devem responder da mesma forma que os funcionários públicos, devendo-se aplicar o previsto no artigo 37, §6º, CF.
A interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal não é só benéfica ao notário e ao registrador, mas também é benéfica ao usuário do serviço, já que a responsabilidade do Estado é objetiva, não necessitando, dessa forma, a necessidade de comprovação de culpa ou dolo para a obtenção de indenização. Ademais, a reparação do dano será garantida pelo Estado, o qual possui maiores condições de arcar com valores da indenização, comparado ao notário e registrador, que é pessoa física, com recursos pessoais muito mais limitados.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o estudo dos institutos acima referidos, pode-se concluir que o Supremo Tribunal Federal andou bem ao fixar a tese com repercussão geral que determina que a responsabilidade primária, nos casos de eventual dano ao usuário na prestação do serviço notarial e registral, é do Estado. Embora o delegatário do serviço notarial e registral preste um serviço público, ele é um particular, que exerce função pública, devendo sua responsabilidade civil ser subsidiária a do Estado.
5 REFERÊNCIAS
Brasil. Constituição. República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 21 jun. 2021.
Brasil. Lei n. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União. Brasília, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
Brasil. Lei n. 8935, de 18 de novembro de 1994. Diário Oficial da União. Brasília, 21 de novembro de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8935.htm. Acesso em: 27 jun. 2021.
Cassettari, Christiano; Ferreira, Paulo Roberto Galger; Rodrigues, Felipe Leonardo. Tabelionato de Notas. 4. ed. Editora Foco, v. 3, 2021. 472 p.
Cassettari, Christiano; Serra, Monete Hipólito; Serra, Márcio Guerra. Registro de imóveis. 4. ed. Editora Foco, v. 3, 2020. 440 p.
E. Gimenez-Arnau. Derecho Notarial. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1976.
Kümpel, Vitor Frederico. Tratado Notarial e Registral. 1. ed. São Paulo: YK Editora, v. III, 2017.
STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO n. 842.846. Relator: MIN. LUIZ FUX. Julgamento em 27 fev. 2019. Diário Oficial da União. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=750504507. Acesso em: 27 jun. 2021.
Tartuce, Flávio. Manual de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
[1] Especialista em Direito Notarial e Registral e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Mestrando em Direito pela Escola Paulista de Direito (EPD). Titular do 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Presidente Prudente/SP.
[2]Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[3]Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
[4]Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
[5]Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[6]Enunciado: A conduta da vítima pode ser fator atenuante do nexo de causalidade na responsabilidade civil objetiva.
[7] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento)
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
[8]Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[9]EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSOEXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DANO MATERIAL.ATOS E OMISSÕES DANOSAS DE NOTÁRIOS EREGISTRADORES. TEMA 777. ATIVIDADE DELEGADA.RESPONSABILIDADE CIVIL DO DELEGATÁRIO E DO ESTADO EMDECORRÊNCIA DE DANOS CAUSADOS A TERCEIROS PORTABELIÃES E OFICIAIS DE REGISTRO NO EXERCÍCIO DE SUASFUNÇÕES. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. ART. 236, §1º, DACONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RESPONSABILIDADEOBJETIVA DO ESTADO PELOS ATOS DE TABELIÃES EREGISTRADORES OFICIAIS QUE, NO EXERCÍCIO DE SUASFUNÇÕES, CAUSEM DANOS A TERCEIROS, ASSEGURADO ODIREITO DE REGRESSO CONTRA O RESPONSÁVEL NOS CASOSDE DOLO OU CULPA. POSSIBILIDADE.
Mestranda em direito pela Escola Paulista de Direito (EPD). Titular do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Ribeirão dos Índios/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BACKES, Sabrina. Responsabilidade civil do Notário e do Registrador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2021, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57910/responsabilidade-civil-do-notrio-e-do-registrador. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: JOALIS SILVA DOS SANTOS
Por: Caio Henrique Lopes dos Santos
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