VIVIANE MARIA DE PÁDUA RIOS MAGALHÃES
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho teve por objetivo analisar os efeitos práticos do termo circunstanciado de ocorrência lavrado pela Polícia Militar do Piauí, após recomendação do Ministério Público do Estado do Piauí ao Comandante da Polícia Militar, regulamentando a lavratura de ocorrências de crime de menor potencial ofensivo pelos policiais militares, no âmbito do Estado do Piauí, bem como, a constitucionalidade do termo lavrado pela polícia administrativa. Para tanto utilizou-se pesquisa bibliográfica narrativa de abordagem qualitativa, assim como, legislação pertinente, análises jurisprudenciais, correntes doutrinárias e sites oficiais do poder judiciário. Inicialmente, perfez-se uma análise sobre os juizados especiais e seus princípios. A seguir, diferenciação do termo circunstanciado e inquérito policial. Analisou-se também a autoridade policial quanto a competência para lavrar o termo circunstanciado de ocorrência e o posicionamento do Ministério Público do Piauí, Tribunal de Justiça e Tribunais Superiores, STF e STJ. Por fim, os efeitos práticos do lavramento do termo circunstancial lavrado pela Polícia militar do Piauí. Concluiu-se que a aplicabilidade desse procedimento, realizado pela polícia administrativa, mostra-se compatível com os ordenamentos jurídicos e constitucionais que regem a matéria, assim como, benefícios econômicos de recursos de toda ordem, tanto para o Estado com para a sociedade.
Palavras-chave: Termo Circunstanciado de Ocorrência. Autoridade Policial. Polícia Militar.
ABTRACT: This study aimed to analyze the practical effects of the detailed term of occurrence drawn up by the Military Police of Piauí, after the recommendation of the Public Ministry of the State of Piauí to the Commander of the Military Police, regulating the recording of occurrences of crimes of lesser offensive potential by the military police officers, within the scope of the State of Piauí, as well as the constitutionality of the term drawn up by the administrative police. For that, a narrative bibliographic research with a qualitative approach was used, as well as pertinent legislation, jurisprudential analyses, doctrinal currents and official websites of the judiciary. Initially, an analysis of the special courts and their principles was carried out. Then, differentiation of the detailed term and police investigation. The police authority was also analyzed regarding the competence to draw up the detailed term of occurrence and position of the Public Ministry of Piauí, Court of Justice and Superior Courts, STF and STJ. Finally, the practical effects of drawing up the circumstantial term drawn up by the Military Police of Piauí. It was concluded that the applicability of this procedure, carried out by the administrative police, is compatible with the legal and constitutional systems that govern the matter, as well as economic benefits of all kinds of resources, both for the State and for society.
Keywords: Detailed Term of Occurrence. Police authority. Military police.
1 INTRODUÇÃO
Desde a publicação da lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o conceito de autoridade policial, definido em seu artigo 69, vem sendo objeto de debate entre os operadores do direito. Muito se discute acerca da autoridade policial que teria legitimidade para tanto. Quando se trata do Inquérito Policial, previsto no título II do código de processo penal, a autoridade de polícia responsável pela condução deste procedimento é o Delegado de Polícia.
No entanto, a previsão constitucional (art. 98, I) objetivou que a Lei dos Juizados Especiais Criminais não repetisse o que já se encontra previsto no código de processo penal, ou seja, um procedimento remansoso. Sua essência é a busca pela agilidade e desburocratização dos processos que os crimes de menor potencial ofensivo são envolvidos (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, não seria razoável conferir a confecção do termo circunstanciado de ocorrência (TCO) apenas ao Delegado de Polícia. A autoridade policial, prevista no art. 69 da Lei em comento, apresenta uma amplitude maior, alcançando, dessa forma, a Polícia Militar (PM).
No Piauí, no ano de 2018, a Polícia Militar do Estado iniciou a produzir os TCOs, o que gerou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ), como forma de impedir a lavratura do TCO pelos policiais militares.
Diante desse cenário, formulou-se os seguintes questionamentos: a Polícia Militar do Piauí (PMPI) tem competência para lavrar TCO? Quais os benefícios da lavratura do termo realizado por esta instituição?
Diante de tais problemáticas, tem-se como objetivo geral analisar a constitucionalidade do TCO lavrado pela polícia administrativa. Delineou-se os seguintes objetivos específicos: definir o que é termo circunstanciado de ocorrência; diferenciar termo circunstanciado e Inquérito; descrever a importância do procedimento realizado pela Polícia Militar do Piauí e os efeitos práticos.
A justificativa, assim como a motivação inicial para realizar esta pesquisa, foi a experiência profissional, vivenciado nesses últimos 13 anos de patrulhamento ostensivo, nas ruas da capital de Teresina-PI, resultando em diversos flagrantes dos delitos liliputianos.
No que diz respeito ao conhecimento científico, a contribuição que se pretende dar à ciência jurídica, assim como às políticas públicas, é a seguinte: possibilitar mais profundidade ao tema em questão e provocar os órgãos de segurança pública o aperfeiçoamento de programas no combate à criminalidade.
Quanto à metodologia, será realizada uma pesquisa bibliográfica narrativa de abordagem qualitativa, que tem como principais fontes: a legislação pertinente, análises jurisprudências, correntes doutrinárias e sites oficiais do poder judiciário.
Ademais, ressalta-se que análise do objeto de estudo será delimitado em relação aos TCOs do estado do Piauí.
Assim sendo, o presente artigo organiza-se em seis tópicos, a saber: Juizados especiais criminais; O termo circunstanciado de ocorrência e o inquérito policial; Autoridade policial quanto a competência para lavrar TCO; O posicionamento do Tribunal de Justiça do Piauí e tribunais superiores, STJ, STF; Confecção do TCO pela PMPI e seus efeitos práticos; e as Considerações finais.
2 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
A Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, promoveu reconhecida e notável mudanças nas respostas relativas às práticas ilícitas de menor potencial ofensivo. Nesses 26 anos, os princípios que orientam a realidade do Juizado Especial Criminal vêm, inclusive, fomentando outras práticas de justiça consensual.
O surgimento dos Juizados Especiais foi para solucionar o problema pelo qual passava a Justiça Criminal brasileira, já que sofria uma gradativa perda de credibilidade por conta da quantidade de processo que se amontoavam, sendo que a maioria era de apurações de crime de menor potencial ofensivo – crimes que a lei comina pena máxima abstrata não superior a dois anos.
No entanto, os métodos operacionais da justiça não eram eficientes, deixando que os responsáveis não respondessem pelos seus atos por motivo de prescrição criminal.
A lei 9.099/95, também chamada de lei dos Juizados Especiais, obteve previsão em 1988 durante o processo de elaboração da Constituição Federal de 88; o constituinte já visualizava a criação de juizados especiais para tratar dos crimes de menor potencial ofensivo.
Para tanto, tal afirmação pode ser notada no art. 24, inciso X da CF, no qual destina a criação, funcionamento e processo dos juizados de pequenas causas, bem como o art. 98, inciso I, prevendo no âmbito da União, dos Estados e dos Territórios, a criação de juizados especiais para conciliar e julgar as causas cíveis de pequena monta em procedimento sumaríssimos, definindo que os juizados são providos por juízes togados ou togados e leigos (BRASIL, 1988).
Nesse último ponto, Lima (2021, p. 589) afirma:
Com o surgimento da Lei dos Juizados Especiais Criminais, essa tradicional jurisdição de conflito cede espaço para a uma jurisdição de consenso, na qual se busca um acordo entre as partes, a reparação voluntária dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade, procurando-se evitar, o quanto possível, a instauração de um processo penal.
A morosidade na condução do processo demonstrava a urgente necessidade de reformas na lei processual penal brasileira, evidenciado que a subordinação das infrações de menor potencial ofensivo ao rito diverso do sumaríssimo era de fato inapropriado. Ferraz (2006 apud DUARTE LIMA, 2015, p. 112) saliente que:
Para melhor compreendermos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais deve-se apresentar o surgimento e funcionamento dos Juizados de Pequenas causas que se alastrou por todo o Brasil, durante o final da década de 80. Os Juizados de Pequenas Causas com ênfase na esfera cível, tiveram inspiração no Direito Italiano. A intenção foi desafogar as varas cíveis, no sentido de que as causas de menor alçada pudessem ter solução mais breve e assim satisfazer quanto melhor a expectativa das partes de verem solucionando um litígio, logo foram ganhando maiores horizontes para se firmarem na área de aplicação do Direito Processual Penal.
Como bem cita Milagres e Cristóforo (2021, p.16), “nos ensinamentos de Silva Saches, a lei 9.099/1995 inaugurou o que denominou como Direito Penal de Segunda Velocidade”. Isto significa dizer que o legislador optou por adotar um rito mais célere, com soluções mais rápidas, de modo a dar cumprimento ao preceito constitucional que prevê para as infrações de menor potencial ofensivo um procedimento oral e sumaríssimo (BRASIL, 1988).
A Lei dos Juizados estabelece que o processo deve ser orientado pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação, conforme Lei. nº 9.099, art. 2º (BRASIL 1995).
Desse modo, segundo Lima (2021, p. 590):
Evidentemente, para além da observância desses critérios orientativos, também é cogente o respeito aos princípios gerais do processo, tais como o devido processo legal, juiz natural, contraditório, ampla defesa, vedação das provas ilícitas etc. para tanto vejamos, então, separadamente, cada um dos critérios orientativos enumerados pelo art. 2º da Lei nº 9.099/95: princípio da oralidade: deve se dar preferência à palavra falada sobre a escrita sem que esta seja excluída. Portanto, os atos processuais devem ser praticados, pelo menos em regra, oralmente, reduzindo-os a termo [...] Princípio da simplicidade: procura-se reduzir a massa dos materiais que são juntadas aos autos do processo. Por conta desse princípio que a Lei dos Juizados prevê a lavratura do TCO em substituição ao moroso inquérito policial. Princípio da informalidade: entende-se que não há necessidade de se adotar formas sacramentais, nem tampouco de se observar o rigorismo formal do processo, desde que a finalidade do seja atingida [...] Princípio da economia processual: entre duas alternativas igualmente válidas, deve se optar pela menos onerosa às partes e ao próprio Estado. Princípio da celeridade processual: guarda a relação com a necessidade de rapidez e agilidade do processo, objetivando-se atingir a prestação jurisdicional no menor tempo possível.
Por conseguinte, nota-se que todos os princípios interagem entre si, tornando-se difícil uma verificação do grau de importância que cada um se apresenta, no entanto, todavia, o princípio da celeridade é, indubitavelmente, o mais marcante diante da criação da Lei dos Juizados Especiais.
3 TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA E O INQUÉRITO POLICIAL
O inquérito policial é um procedimento administrativo inquisitório, o qual é presidido pelo Delegado de Polícia, cujo objetivo é investigar, apurar a materialidade dos fatos ocorrido na infração penal e, dessa forma, subsidiar o Ministério Público com o ingresso em juízo. O Inquérito Policial busca esclarecer os fatos delituosos, diferente do TCO que apenas toma nota dos fatos ocorridos no litígio.
Conforme o disposto no art. 69 da lei 9.099, “a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se com as requisições dos exames periciais necessários” (BRASIL 1995).
Nota-se que, com o surgimento desse dispositivo legal, o inquérito policial vê-se substituído pela elaboração do TCO, sendo certo de que a Lei 9.099/95 nada define sobre isso.
Dessa forma (LIMA, 2021, p. 609):
Trata-se de um relatório sumário da infração de menor potencial ofensivo, contendo a identificação das partes envolvidas, a menção à infração praticada, bem como todos os dados básicos e fundamentais que possibilitem a prefeita individualização dos fatos, a indicação das provas, com o rol de testemunhas, quando houver, e, se possível, um croqui, na hipótese de acidente de trânsito, visando à formação da opinio delicti pelo titular da ação penal.
Como se observa, equipara-se a um boletim de ocorrência, nesses termos, afirma Lima (2021, p. 609), apesar de se assemelhar a um boletim de ocorrência, o TCO diferencia-se porque os elementos que o instruem constituem a própria informatio delicti.
Ainda segundo o autor, por força da simplicidade que norteia sua elaboração, pensa ser inviável o indiciamento em sede de termo circunstanciado, considerando a possibilidade de incidência das medidas despenalizadoras previstas na Lei 9.099/95, qual seja: composição civil dos danos; transação penal; suspensão condicional do processo e representação nos crimes de lesão corporal leve e culposa.
Tendo em conta que a imposição de pena restritiva de direitos ou multa nas hipóteses de transação penal não constará de certidão de antecedentes criminais, apresenta-se inviável o indiciamento, já que tal ato acarretaria o registro da imputação nos assentamentos pessoais do indivíduo.
Por todo o exposto, não se pode querer comparar o TCO com inquérito policial, porque aquele não investiga, sendo este caracterizado por todo um rito legal que fere o status de dignidade do acusado.
Como ensina Tourinho Filho (2003, p. 192), o inquérito é “o conjunto de diligência realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”.
Para tanto, considera-se que o termo circunstanciado de ocorrência tem a principal função de agilizar os procedimentos atendendo aos princípios dos Juizados Especiais Criminais, reparando os danos sofridos pela vítima, aplicando ao infrator a pena não privativa de liberdade como alternativa ao cárcere.
Nesse sentido, não há o que se falar em investigação criminal, do contrário, o retrocesso seria certo, já que a justiça continuaria demasiadamente lenta e burocrática, contudo, cremos mesmo que não foi essa a ideia do legislador constituinte ao estabelecer na Constituição Federal de 1988 a criação dos Juizados Especiais.
4 AUTORIDADE POLICIAL QUANTO À COMPETÊNCIA PARA LAVRAR O TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA
A expressão autoridade policial empregada no art. 69 da Lei 9.099/95 tem gerado a grande polêmica no âmbito de competência para lavrar o TCO; assim, oportuno é esclarecer, antes de aprofundar o tema, a diferença entre Autoridade de Polícia Administrativa e Autoridade de Polícia Judiciária. A autoridade de Polícia Administrativa está ligada à prevenção do crime, por meio do policiamento ostensivo, podendo ter característica repressiva e fiscalizadora.
Conforme Mazza (2019, p. 439), “polícia administrativa tem caráter predominantemente preventivo, autuando antes de o crime ocorrer, para evitá-lo, submetendo-se essencialmente às regras do Direito Administrativo”.
No Brasil, a polícia administrativa é associada ao chamado policiamento ostensivo, sendo realizada pela Polícia Militar. Tal afirmação pode ser notada no art. 144, § 5º da Carta Magna, no qual incube como missão constitucional da Polícia Militar realizar o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública (BRASIL, 1988).
A autoridade de Polícia Judiciária está diretamente imbuída de auxiliar o Poder judiciário, se entendermos que o termo Polícia judiciária se refere à apuração de infrações penais.
Mazza (2019, p. 439) ensina que a atuação preponderante da polícia judiciária tem natureza repressiva, agindo após a ocorrência do crime para a apuração da autoria e materialidade.
Salienta-se que existem diferenças notáveis entre as Autoridades de Polícia, nesse contexto:
A polícia administrativa, ao contrário da judiciária, pode ser exercida por diversos órgãos da administração pública direta e indireta de direito público, incluindo, além da polícia militar, os órgãos de fiscalização, além de outros, enquanto esta última é privativa das corporações especializadas, como é o caso da polícia civil (MARIELA 2017, p. 298).
Assim dispõe o art. 69 da Lei 9.099/95:
Art. 69. A autoridade que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termos circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários (BRASIL, 1995).
Como se vê, a Lei dos Juizados Especiais não fez distinção entre as autoridades policiais, sejam elas Administrativa ou Judiciárias. Alguns doutrinadores acreditam que apenas o Delegado de Polícia é a Autoridade Policial competente para lavrar o termo circunstanciado, considerando a confecção do TCO ato de polícia judiciária. Assim corrobora Mirabete:
O conceito de autoridade policial tem seus limites fixados no léxico e na própria legislação processual. Autoridade significa poder, comando, direito e jurisdição, largamente aplicada na terminologia jurídica a expressão como o poder de comando de uma pessoa. O poder de Jurisdição ou o direito que se assegura a outrem para praticar determinados atos relativos a pessoas, coisas ou atos. É o servidor que exerce em nome próprio o poder do estado, tomando decisões, impondo regras, dando ordens, restringindo bens jurídicos e direitos individuais, tudo nos limites da lei. Não tem esse poder, portanto, os agentes públicos que são investigadores, escrivães, policiais militares, subordinados que são às autoridades respectivas (MIRABETE, 1997, p. 60-61).
Os argumentos de Mirabete vão ao encontro aos de Damásio de Jesus, assim é corroborado na lição:
O art. 69 da Lei nº 9.099, ao dispor que a “autoridade que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termos circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários”, busca agilizar o procedimento inquisitivo e, com isso, a prestação jurisdicional final. É inequívoco que o legislador, ao tratar do inquérito policial no Código de Processo, empregou a expressão “autoridade policial” para designar os agentes públicos com poderes administrativos para a presidência do inquérito, lavratura de auto de prisão em flagrante, requisição de exames periciais, audiência de testemunhas, interrogatório do indiciado, reconhecimento de pessoas e coisas etc. Qual razão? Ocorre que o inquérito policial constitui um procedimento público e oficial, embora dispensável, cuja função é a de oferecer elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia ou queixa. A função da polícia judiciária, que compreende toda a investigação e produção extrajudicial de provas, é conduzida por Delegado de polícia de carreira e não por policial militar, no caso da Lei nº 9.099/95, contudo, não existe função investigatória nem atividade de polícia judiciária. A lei, em momento algum, conferiu exclusividade da lavratura do termo circunstanciado às autoridades policiais, em sentido estrito. Trata-se de um breve, embora circunstanciado, registro oficial de ocorrência, sem qualquer necessidade de tipificação legal. Não é preciso qualquer tipo de formação técnico-jurídica para se efetuar esse relato. Quanto à requisição de algum exame pericial, poderá ser feita pela representante do Ministério Público. Seria uma superposição de esforços e uma infringência à celeridade e economia processual sugerir que o policial militar, tendo lavrado o respectivo talão de ocorrência, fosse obrigado a encaminhá-lo para o Distrito Policial, repartição cujo trabalho se quis se aliviar, a fim de que o Delegado, após um período variável de tempo, repetisse idêntico relato, em outro formulário, denominado boletim de ocorrência. O policial militar perderia tempo, tendo de se deslocar inutilmente ao Distrito. O Delegado de Polícia passaria a desempenhar a supérflua função de repetir registros em outro formulário. O juizado não teria conhecimento imediato do fato (JESUS 2010, p. 53).
A conclusão coincide com a da Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95, datada em 27.10.1999, na 9ª conclusão, sob a coordenação da Escola Nacional da Magistratura, presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueredo Teixeira. A saber:
A expressão autoridade policial, referida no art. 69, compreende quem se encontra investido em função policial, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providências previstas no referido artigo.
Do mesmo teor foi a conclusão do Colégio Premente de presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, reunidos em Vitória - ES, de 19 a 20 de outubro de 1995: “Pela expressão autoridade policial se entende qualquer agente policial, sem prejuízo da parte ou ofendido levar o fato diretamente a conhecimento do Juizado Especial”.
Nesse sentido, ficaram evidente os motivos pelos quais a doutrina ampliativa tem prevalecido no cenário jurídico, entendendo que há uma baixa complexidade da peça e, desta forma, nada impede que a lavratura do TCO fique a cargo da Polícia Militar.
5 O POSICIONAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PIAUÍ, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PIAUÍ E TRIBUNAIS SUPERIORES – STJ e STF.
Em outubro de 2018, o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Cleandro Alves de Moura, realizou recomendação à Polícia Militar do Piauí para lavra o TCO, assim como aos Procuradores, para recebê-lo. Em resumo a decisão:
O PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA RESOLVE RECOMENDAR:
1 - Ao Comandante Geral da Polícia Militar que: regulamente a lavratura de ocorrências de crimes de menor potencial ofensivo pelos policiais militares no âmbito do Estado do Piauí, elaborando protocolo de atuação, com modelos padronizados a serem seguidos pelos policiais militares, a exemplo do que já existe em outros Estados da Federação tanto nas Polícias Militares quanto na Polícia Rodoviária Federal, no prazo de 30 (trinta) dias; realize o acompanhamento estatístico da quantidade de registros de ocorrências de crimes de menor potencial ofensivo lavrados pelos policiais militares em todo o Estado do Piauí, de forma a aferir a resolutividade da atuação, informando ao Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial - GACEP/MPPI, por meio de ofício, mensalmente, a partir da regulamentação, pelo prazo de 01(um) ano;
O CORREGEDOR GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO RESOLVE RECOMENDAR: 2 - Aos Excelentíssimos Promotores de Justiça do Estado do Piauí que: recebam boletins, relatórios, termos que circunstanciem ocorrências, peças de informação, lavrados pela Polícia Militar, sempre que presentes os elementos suficientes para opinio delicti, sem prejuízo da requisição de diligências ou outras providências para esclarecimentos em caso de deficiência do registro produzido, adotando as providências necessárias para facilitar o acesso da vítima ao Sistema de Justiça, em cumprimento aos princípios basilares da Lei nº 9.099/95; com base nos fundamentos acima, analisem a viabilidade de apurar notícia da ocorrência do crime previsto no art. 328 do Código Penal tão somente pelo fato de Policiais Militares remeterem ao Ministério Público boletins, relatórios, termos circunstanciados de ocorrência, peças de informação a respeito de crimes, dado que se encontram exercendo regularmente a sua função.
Contudo, o Sindicato dos Delegados de Polícia Civil de Carreira do Estado do Piauí – SINDEPOL discordou do entendimento Ministerial, formulando pedido de antecipação de tutela ao MM Juiz de Direito da 2ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública da Comarca de Teresina, a suspensão dos efeitos. Segue o resumo da decisão:
CONCEDO a medida de urgência pleiteada na exordial para determinar ao réu a imediata suspensão dos efeitos e objetivos da Recomendação expedida pelo Ministério Público Estadual a Polícia Militar do Estado do Piauí, mormente a clara infração à norma da Constituição Federal, até decisão final (Processo nº 0823537-55.2018.18.0140 – Ação Declaratória de Anulatória de Ato Administrativo).
Em resposta, o Ministério Público do Piauí (MPPI) formulou pedido de suspensão da liminar concedida pelo Magistrado, o que levou a lide ao Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI), Desembargador Erivan Lopes, decidir, pois o pedido de suspensão é incidente processual que o autoriza a subtrair a eficácia de decisão liminar exarada por magistrado de primeiro grau para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, nos termos do art. 4º, caput, da Lei nº 8.437/92 e do art. 1º da Lei nº 9.494/97 (Processo nº 0710165-63.2018.8.18.0000).
Após análise, o Presidente do Tribunal de Justiça afirmou que sua decisão foi proporcional à do Supremo Tribunal Federal, que acolheu parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), posicionando-se favorável à possibilidade de o TCO ser lavrado pelos órgãos integrantes da Segurança Pública, inclusive a Polícia Militar.
Nesse sentido, segue a decisão em resumo:
DEFIRO o pedido para suspender a decisão interlocutória concessiva de liminar proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara dos Feitos
da Fazenda Pública da Comarca de Teresina nos autos do Processo nº 0823537-55.2018.8.18.0140, de modo a restabelecer a eficácia da Recomendação expedida pelo Ministério Público à Polícia Militar e aos Promotores de Justiça do Estado do Piauí, o que faço com fundamento no art. 4º da Lei nº 8.437/92 (Desembargador Erivan Lopes – Presidente do TJPI).
Por todo o exposto, ficou decido que a PMPI pode lavrar o TCO, atendendo à recomendação do MPPI, que teve como motivação a frustação da população com a ineficiência e demora para as medidas administrativas e processuais para acabar ou inibir a atuação dos criminosos, assim também a dificuldade dos moradores de cidades mais distantes para fazer o registro de pequenas ocorrências
Como observado, a publicação da Lei 9.099/95 trouxe inúmeros questionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito da polícia administrativa, mais precisamente a Polícia Militar para lavrar o TCO. Sobre esse tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou-se, no ano de 1998, em uma decisão de Habeas Corpus, na qual reconhece competência da Polícia Militar para lavrar o TCO:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. LEI N° 9.099/95. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. TERMO CIRCUNSTANCIADO E NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÊNCIA. ATUAÇÃO DE POLICIAL MILITAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. Nos casos de prática de infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art. 69, da Lei n° 9.099/95, é da competência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar, em
face da deficiência dos quadros da Polícia Civil. Habeas-corpus denegado (STJ. HC 7199-PR 1998/00196623-0, Relator Ministro Vicente Lea, data de julgamento: 01/07/1998, T6-Sexta Turma, data de publicação: 28/09/1998).
Destaque-se que, em 22 de fevereiro de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 993.822/AM, dessa forma, não reconheceu a possibilidade de a Polícia Militar do Estado do Amazonas lavrar TCO.
Porém, em sentido contrário, em decisão virtual, encerrada em 26 de junho de 2020, durante a pandemia, o STF, contando com apenas o voto do Ministro Marco Aurélio, contrário à relatoria, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.807/DF – proposta pela Associação de Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL), inovou na matéria, entendendo que o TCO não é tarefa exclusiva da Polícia Judiciária.
Segue em resumo a decisão:
Parágrafo 003º, do art. 048, da Lei Federal nº 11343, de 23 de agosto de 2006. Lei nº 11343, de 23 de agosto de 2006. Art. 048 - O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal. (...)
§ 003º - Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 002º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente.
Em que pese várias divergências, atualmente, o entendimento do STF parece consignar a pacificação, como já demonstrado alguns dos seus entendimentos. Assim, o termo circunstanciado não é um procedimento investigativo, mas mera peça informativa com descrição detalhada do fato.
6 LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA PELA POLÍCIA MILITAR DO PIAUÍ E SEUS EFEITOS PRÁTICOS
Seguindo uma tendência nacional posta em prática por outros estados do Brasil, o Piauí passou a ter a possibilidade de o TCO ser lavrado não só por policiais civis, mas também por militares, desde dezembro de 2018. O principal objetivo é trazer agilidade no atendimento nos delitos de menor potencial ofensivo, bem como desonerar a polícia civil de um serviço, fazendo com que ela possa estar deslocando recursos em investigações de crime de maior complexidade.
A Fundamentação legal da implantação do Termo Circunstanciado de Ocorrência no âmbito da Polícia Militar do Piauí foi em decorrência de uma recomendação elaborada pelo Procurador-Geral de Justiça e pelo Corregedor-geral do Ministério Público, a qual levou o Governador do Estado do Piauí, por meio do Decreto nº 17.999 de 19 de novembro de 2018, estabelecer a adoção de procedimentos pelos policiais militares na lavratura de TCO.
Com isso, a PMPI passou a tomar as providências necessárias para que fosse instaurada a nova prática no serviço operacional.
Por fim, veio um provimento da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Estado do Piauí (TJPI) autorizando os juízes a receber o TCO da PMPI:
PROVIMENTO Nº 19, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2018: Autoriza os magistrados de primeiro grau a conhecer de termos circunstanciados de ocorrência (TCO) lavrados por policiais militares do Estado do Piauí e dá outras providências O CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ, Desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS, no uso de suas atribuições legais e regimentais;
CONSIDERANDO que o principal escopo da Lei n° 9.099/95 é o de entregar aos órgãos da persecução criminal um microssistema regido pelos princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 62);
CONSIDERANDO que a expressão “autoridade policial” tem um maior alcance para a finalidade de lavratura de um termo circunstanciado de ocorrência, conforme veiculado no acórdão proferido na ADI 2862, sem prejuízo da decisão proferida na Reclamação 6612, ambas do Supremo Tribunal Federal;
CONSIDERANDO ser o termo circunstanciado um mero relatório sumário da infração, sem maiores formalidades e que não consubstancia em ato de investigação e indiciamento;
CONSIDERANDO a orientação dos Tribunais Superiores no sentido de que eventuais vícios da fase inquisitorial não contaminam a ação penal, dada a natureza meramente informativa de suas peças, bem como a sua dispensabilidade para a apresentação de denúncia pelo titular da ação penal;
CONSIDERANDO as peculiaridades do Estado do Piauí, inclusive a vasta extensão territorial, o reduzido número de delegacias e a grande capilaridade da Polícia Militar;
CONSIDERANDO a redação do Enunciado n° 34, do FONAJE, que expressou a possibilidade da lavratura de termo circunstanciado pela Polícia Militar;
CONSIDERANDO que a experiência foi bem sucedida em estados como São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e Pernambuco;
CONSIDERANDO a edição do Decreto Estadual n° 17.999/2018, publicado no DOE n. 214, de 19/11/2018 (...)
RESOLVE:
Art. 1º. Autorizar os magistrados dos Juizados Especiais Criminais e os demais juízos com competência criminal do Poder Judiciário do Estado do Piauí a receber, distribuir e processar, para o fim de deflagrar procedimento de natureza criminal, os termos circunstanciados de ocorrência (TCOs) lavrados por policiais militares do Estado do Piauí (...)
Apesar da contrariedade do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil de Carreira do Estado do Piauí (SINDEPOL), conforme supramencionado em tópico anterior, o Procurador Geral de Justiça corrobora sua recomendação citando em suas considerações:
A autoridade policial que registrar o ocorrido poderá encaminhá-lo diretamente ao Ministério Público (MPPI), titular da ação penal nos crimes de natureza pública, sendo desnecessário o deslocamento dos envolvidos até a delegacia de polícia civil para lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, o que tem dificultado sobremaneira o acesso ao Sistema de Justiça, na medida em que, em especial nas cidades do interior, falta capilaridade à Polícia Civil (Diário eletrônico do MPPI – ano II, nº 270, 11.10.2018).
Portanto, os TCOs lavrados pela PMPI em serviço constitui mais uma alternativa à disposição do cidadão para o pleno acesso ao sistema de justiça, dessa forma contribuindo, positivamente, no combate à criminalidade, como também à impunidade.
6.1 Efeitos práticos do TCO lavrado pela PMPI
O Piauí possui 224 municípios e, hoje, a Polícia Militar é uma das instituições que está presente em todos eles, buscando garantir cada vez mais a tranquilidade e a paz do povo piauiense, diferentemente da Polícia Judiciária que é exercida pela Polícia Civil que não possui essa capacidade abrangente; por vezes, faz-se necessário que o policial militar se desloque à cidade mais próxima para que sejam realizados os procedimentos de menor potencial ofensivo. Dessa forma, afirma o MPPI na recomendação assinada pelo Procurador Geral de Justiça:
O trabalho da PMPI, por vezes, resulta inexitoso, ao encaminhar autor e vítima de delitos de menor potencial ofensivo às delegacias de polícia, que se encontram fechadas, ante a deficiência no quadro de pessoal da Polícia Civil, que não possui número suficiente de delegados e agentes de polícia para anteder à demanda da população no Estado.
A Segurança Pública é regida pelos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Este último foi incluído no ordenamento jurídico brasileiro de forma expressa na Constituição Federal, com a promulgação da emenda constitucional nº 19 de 4 junho de 1998, alterando o art. 37 (BRASIL, 1988).
Assim, Meirelles (2020, p. 88) leciona que:
O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.
O TCO lavrado pela PMPI significa otimização de recursos humanos e logísticos. Por vezes, faz-se necessário o deslocamento de uma viatura, para que seja conduzido as partes ao Distrito Policial mais próximo para o simples registro de um delito de menor potencial ofensivo.
A lavratura do termo realizado pela PMPI é uma questão lógica de economia de recurso, é fazer o uso correto da coisa pública, é agir com probidade. Do ponto de vista prático, a Polícia Militar tem melhores condições de descrever os fatos, uma vez que, em regra, é a primeira resposta do estado que chega no local e tem noção mais precisa da ocorrência.
Conforme dados do Centro de Operações da Polícia Militar do Piauí (COPOM), em abril de 2020, após um ano de implantação e utilização do Sistema PMPI MOBILE (ferramenta tecnológica para confeccionar o TCO pelos policiais militares), foram realizados 4.322 lavramentos de termos circunstanciado, entre dezembro de 2018 a dezembro de 2019, em todo o Piauí (REVISTA PMPI, 2020).
Dados apresentados pelo editorial apontam uma economia de R$ 144,52 por TCO lavrado; além disso, os dados divulgados pelo Centro de Operações da Polícia Militar mostram a economia não só financeira de R$ 623.555,97, mas também de 14.521,92 horas de serviços trabalhadas (COPOM, 2020).
Porquanto, fica comprovada que a eficiência do TCO lavrado por policiais militares gera benéficos de grande relevância à sociedade e ao Estado. A interpretação dada para essas horas de serviços trabalhada, conforme retromencionado, reflete na presença mais efetiva do policiamento ostensivo na área em que se deu o conflito, ou seja, a partir do momento que, com a adoção do TCO, os policiais militares não tenham mais a obrigatoriedade de ausentarem-se do seu setor de patrulhamento para apresentarem ocorrências de contravenção penal ou crime de menor potencial ofensivo, pois a lide será resolvida in loco, sem a necessidade de deslocarem às Delegacias de Polícia Civil para a devida apresentação e registro.
Oportuno frisar que o ano de 2020 foi marcado pela explosão da pandemia do SARS-CoV-2, momento em que a maioria das pessoas ficaram em suas residências como o intuito de diminuir a proliferação do vírus. A segurança pública, através de seus órgãos responsáveis, exerceu papel fundamental para manter a Lei e a Ordem e, dessa forma, evitar um caos ainda maior.
Com a PMPI não foi diferente. Desde o início da pandemia, a instituição vem atuando para intensificar a fiscalização das medidas sanitárias, assim como os decretos do Governo do Estado para evitar a disseminação do vírus.
Conforme a reportagem publicada no portal cidade verde.com, a Polícia Militar do Piauí fez mais de 400 TCOs para impedir aglomeração. Em resumo, a reportagem:
A Polícia Militar vai intensificar a fiscalização para cumprir o decreto estadual que determinou toque de recolher e lockdown em Teresina a partir desta data, quarta 24, até o dia 04 de março. Segundo o subcomandante geral da Polícia Militar do Piauí, Coronel Sousa Filho, a PM vem atuando para evitar a disseminação do vírus desde o início da pandemia e, até agora, lavrou 400 Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO’s) por descumprimento às medidas sanitárias de controle da Covid-19. De maço de 2020 até hoje, foram mais de 400 TCO´s por perturbação ao sossego alheio e mais de 195 por descumprimento a medidas sanitárias (SOUSA, 2020, p. 01).
Desta feita, prova-se, acertadamente, que a recomendação do Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Piauí, para que a Polícia Militar do Piauí iniciasse a lavratura dos TCOs no final do ano do 2018, foi de suma importância para o enfrentamento dos crimes de menor potencial ofensivo e que ganhou maior efetividade, com resultados positivos, em tempos de pandemia, como prova a reportagem supramencionada.
Assim sendo, quem mais se beneficia, num primeiro plano, é a sociedade, e logo em seguida, o Estado, com economia de recursos de toda a ordem.
Diante do exposto, pode-se afirmar que o TCO lavrado por autoridade diversa do delegado de polícia possui legalidade, tendo como amparo o nosso ordenamento jurídico. A segurança pública é um tema de grande preocupação da sociedade contemporânea, e com ela o sentimento de impunidade das infrações de menor potencial ofensivo está intrinsecamente ligado. Desta maneira, a lavratura do termo circunstanciado pelo policial militar surge como uma alternativa, objetivando a celeridade processual e, consequentemente, benefícios para a sociedade.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, pode-se afirmar que a Polícia Militar do Piauí possui competência legal para lavrar o termo circunstanciado de ocorrência, não existindo monopólio jurídico no lavramento de ocorrência de crimes, sendo que, no exercício de suas funções, o policial militar exerce regular atividade inerente a seu cargo.
Por existir um sentimento de ausência de punição por parte do Estado nas infrações de menor potencial ofensivo, a possiblidade de o termo ser lavrado pelo policial militar é uma alternativa a mais para buscar diminuir essa sensação de impunidade.
Isto posto, o lavramento do termo circunstanciado pela polícia militar do Piauí apresenta-se como uma opção a celeridade processual, e consequentemente em benefícios para a comunidade na agilidade do atendimento, permitindo um policiamento mais eficiente em sua área de atuação.
Nesse sentido, também ganha o Estado em dois aspectos, sendo uma econômica, com redução de custos operacionais, e outra quando no atendimento aos princípios da celeridade, economia processual, oralidade, informalidade - diminuí a carga da Polícia Civil, que poderá se dedicar mais às atividades de polícia judiciária, que necessitam de investigações específicas com o intuito de elucidações de crimes mais complexos.
No tocante à questão relacionada a constitucionalidade de lavratura de termo circunstanciado de ocorrência pela Polícia Militar, verificou-se que não estaria ferindo o princípio da legalidade, prevista constitucionalmente, assim sendo, por ser o termo circunstanciado um ato administrativo, não carece de qualquer ação investigativa para sua lavratura.
Assim, evidencia-se que os objetivos do estudo foram alcançados e que a Polícia Militar do Piauí vem aumentando sua área de atuação, sendo uma de suas atribuições a lavratura de tais instrumentos administrativos, o que permite uma maior contribuição no tocante ao estabelecimento das garantias individuais e coletivas previstas na Constituição Federal do Brasil de 1988.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 21 de agosto de 2021.
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm> Acesso: 23 de agosto de 2021.
BRASIL. Lei 9.099 de 26 de setembro 1995 – Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> Acesso: 14 de agosto de 2021.
FERRAZ, Almir de França. Termo Circunstanciado de Ocorrência: Lavratura pela Polícia Militar de Mato Grosso. Monografia apresentada no Curso de Formação de Oficiais na Academia de Polícia Militar Costa Verde. Várzea Grande: APMCV, 2006.
JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Criminais anotado. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal Volume Único. 9ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2021.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial. 9ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2021.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
MILAGRES, Marcelo de Oliveira; CRISTÓFORO, Pablo Gran. Juizados Especial Criminal. São Paulo: Editora FOCO, 2021.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais criminais: comentários, jurisprudências, legislação. São Paulo: Atlas, 2000.
MPPI, Ministério Público do Piauí. Diário Eletrônico do MPPI. Ano II – nº 270 Disponibilização: quarta-feira 10 de outubro de 2018 publicação: quinta-feira, 11 de outubro de 2018.
REVISTA PMPI. Teresina. Edição Especial Comemorativa aos 185 anos, 2020. Disponível em: <http://www.pm.pi.gov.br/download/202006/PM23_0d3477a382.pdf> Acesso em 10 de agosto de 2021.
SOUSA. Graciane. Desde do início da pandemia, PM fez mais de 400 TCOs para impedir aglomeração. cidadeverde.com. Teresina-PI, 24 de fevereiro de 2021. Disponível em: <https://cidadeverde.com/noticias/342175/desde-inicio-da-pandemia-pm-fez-mais-de-400-tcos-para-impedir-aglomeracao> Acesso em: 03 de agosto de 2021.
STF. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.807 DF pdf. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Data: 29/06/2020. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADI&documento=&s1=ADEPOL&numProcesso=3807> Acesso em: 15 de agosto de 2021.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000
Graduando em Direito pelo Centro Universitário UNINOVAFAPI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEMOS, FABIO FERREIRA. Termo circunstanciado de ocorrência: uma análise jurídica e seus efeitos práticos do lavramento realizado pela Polícia Militar do Piauí Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2021, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57932/termo-circunstanciado-de-ocorrncia-uma-anlise-jurdica-e-seus-efeitos-prticos-do-lavramento-realizado-pela-polcia-militar-do-piau. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.