JOÃO VICTOR BARBOSA COSTA[1],
(coautor)
FERNANDO PAIVA GOMES DO AMARAL[2]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo objetivou fazer uma análise do direito fundamental a liberdade de expressão exercida nas redes sociais, em paralelo com o controle patronal que o empregador pode exercer durante a relação de emprego. Para a construção do raciocínio utilizou-se da metodologia qualitativa descritiva por meio de estudo bibliográficos dos aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais em tais situações. Restou demonstrado na presente pesquisa que a liberdade de expressão mesmo sendo uma garantia fundamental com reconhecimento internacional e extremamente enraizada na dignidade da pessoa humana, pode ser relativizada quando em confronto com outros direitos ou garantias. No que diz respeito aos limites da liberdade de expressão nas redes sociais e seus reflexos na relação de emprego, foi evidenciado que a jurisprudência reconhece a possibilidade de demissão por justa causa, nos casos em que o empregado, ao fazer uso de sua liberdade nas redes sociais, causar algum impacto negativo na empresa, clientes ou colegas.
PALAVRAS CHAVE: Direito do Trabalho. Redes Sociais. Controle Patronal. Liberdade de Expressão.
ABSTRACT: This article aimed to analyze the fundamental right to freedom of expression exercised in social networks, in parallel with the employer control that the employer can exercise during the employment relationship. For the construction of reasoning, descriptive qualitative methodology was used through bibliographic study of legal, doctrinal and jurisprudential aspects in such situations. It was demonstrated in this research that freedom of expression, despite being a fundamental guarantee with international recognition and extremely rooted in the dignity of the human person, can be relativized when confronted with other rights or guarantees. With regard to the limits of freedom of expression on social networks and its effects on the employment relationship, it was evidenced that the jurisprudence recognizes the possibility of dismissal for just cause, in cases where the employee, when making use of his freedom on the networks social, cause any negative impact on the company, customers or colleagues.
KEYWORDS: Labor Law. Social networks. Employer Control. Freedom of expression.
INTRODUÇÃO
As redes sociais integram a rotina de grande parte das pessoas, de modo que funcionam não apenas com seu objetivo principal de socializar, sendo utilizada também como uma válvula de escape e um espaço onde é possível compartilhar a rotina, as emoções, os pensamentos e opiniões sobre diversos assuntos.
Diante da presença que tem as redes sociais em nosso cotidiano, é possível perceber o impacto que essas podem ter em uma relação de trabalho, pois diversas dessas são utilizadas como ferramenta para auxiliar na comunicação e produtividade para determinadas atividades laborais.
Ocorre que neste cenário surge a problemática sobre o uso excessivo destas ferramentas, não apenas em expediente, mas também fora dele. É fato que o direito civil e trabalhista avança a passos lentos no que diz respeito a regulação das atividades digitais. Em contrapartida é possível perceber um aumento de situações apresentadas ao judiciário no cenário trabalhista onde é necessário fazer uma ponderação dos exercícios e liberdades.
Neste diapasão, o presente artigo irá abordar essas diversas situações que ocorrem no âmbito das redes sociais e como elas impactam na rotina trabalhista. Buscaremos ainda fazer uma análise com o direito à de liberdade de expressão, que é uma garantia fundamental, e o exercício do direito de fiscalização patronal, entendendo como ambos se confrontam no mundo virtual, e até que ponto as interferências judiciais ferem ou protegem tais direitos.
A pesquisa será elaborada de forma exploratória no intento de estabelecer as bases que levarão a estudos futuros por meio de análise das legislações específicas que regem as relações na era digital, bem como em busca das interpretações efetuadas por doutrinadores e estudiosos acerca do tema.
Em um primeiro momento abordaremos o direito a liberdade de expressão como garantia constitucional verificando quais suas limitações, passando então para os direitos do empregador e da empresa empregadora de forma isolada ressaltando também o que exatamente esses direitos englobam, para posteriormente falarmos sobre as responsabilizações e possíveis consequências que cada um pode sofrer.
1. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO DIREITO BRASILEIRO
A liberdade de expressão consiste em um pressuposto basilar do Estado Democrático de Direito, que deve garantir que cidadão tenha essa prerrogativa de se manifestar. Trata-se de uma extensão da liberdade de pensamento, pois é o direito de exterioriza-lo. Tal prerrogativa encontra seu amparo em âmbito internacional, uma vez que a Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada pela ONU em 10 de dezembro de 1948 prevê em seu artigo 19:
“Artigo 19: Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”
No Brasil, essa prerrogativa foi consagrada pela primeira vez com a Carta Magna de 1824, que também vedou a censura. Entretanto foi um árduo caminho até sua efetivação de fato, vez que houveram períodos na história onde a censura era institucionalizada.
Atualmente o artigo 5º da Constituição Federal garante a liberdade de expressão ao determinar em seu inciso IV que “é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato” (BRASIL, 1988). No mesmo sentido, Gilmar Mendes (2016, p.263) aduz que a Constituição ampara com este inciso, a comunicação de ideias, pensamentos, além de informações e expressões não verbais como comportamentais, por imagem, expressões musicais, dentre inúmeras outras.
Trata-se de um direito que possui ligação direta com a dignidade humana, já que se expressar faz parte da nossa natureza. Neste viés, CARVALHO (2013), afirma que “a liberdade consiste na escolha de uma possibilidade da forma de pensar e agir. Assim, apesar do embate sobre amplitudes axiológicas desse termo a CF/88 consagrou esse direito no rol dos direitos e garantias em suas diversas modalidades”.
Entretanto, é preciso compreender que esta garantia constitucional vista como um direito fundamental e como uma grande conquista para a democracia possuem algumas limitações, de modo de MONDAINI (2008) afirma que a liberdade não para fazer tudo que queira, devendo ser tratada como uma necessidade fundamental.
1.2 As Limitações Do Direito À Liberdade De Expressão
Note-se que o próprio final do inciso IV do artigo 5º, ao garantir a liberdade de se expressar, proíbe o anonimato, o que se traduz em uma limitação da liberdade de expressão, objetivando evitar o abuso desta prerrogativa, e assegurar a possibilidade de responsabilização nos casos de violações.
Essas limitações se concretizam justamente quando entram em confronto com outros direitos fundamentais. Fernandes aduz:
“Nesses termos, para a doutrina dominante, falar em direito de expressão ou de pensamento não é falar em direito absoluto de dizer tudo aquilo ou fazer tudo aquilo que se quer. De modo lógico-implícito a proteção constitucional não se estende à ação violenta. Nesse sentido, para a corrente majoritária de viés axiológico, a liberdade de manifestação é limitada por outros direitos e garantias fundamentais como a vida, a integridade física, a liberdade de locomoção. Assim sendo, embora haja liberdade de manifestação, essa não pode ser usada para manifestação que venham a desenvolver atividades ou práticas ilícitas (antissemitismo, apologia ao crime etc...)” (FERNANDES, 2011).
Ou seja, se colocado em confronto com outros direitos fundamentais como os direitos de personalidade, ou ainda se tal “expressão” vier a ferir pessoas, grupos, doutrinas, gerar danos etc. pode ser relativizado ou até suprimido, de modo que liberdade para se expressar não deve servir como desculpa para ofender ou desrespeitar demais pessoas ou grupos que integram a sociedade.
2. OS PODERES DO EMPREGADOR NO CONTRATO DE EMPREGO
Para adentrar neste tópico, primeiramente faz-se necessário uma conceituação do contrato de emprego, sua forma e seu alcance, bem como quais são os direitos e as obrigações para os pactuantes, empregado e empregador.
Convém mencionar que em uma relação de emprego é considerado empregador, segundo o art. 2° da CLT: “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”, de modo que os profissionais liberais, instituições de beneficência, associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos também podem ser considerados empregadores de forma equiparada.
Por outro lado, o art. 3º do referido diploma legal conceitua empregado como: “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” Assim, estabelecida essa relação, empregado e empregador possuem a autonomia para entre si, ajustarem o contrato de emprego, o qual deverá reger a relação de emprego e vincular ambos quanto aos seus direitos e obrigações.
Neste sentido, DELGADO (2014) conceitua o contrato de emprego como “acordo tácito ou expresso, mediante o qual ajustam as partes pactuantes suas obrigações recíprocas”. No mesmo viés, A CLT em seu artigo 442 preceitua que o “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.”
Ou seja, se trata de um acordo formalizado ou não, entre empregado e empregador, o qual estipula de forma recíproca quais os direitos e quais obrigações de cada uma das partes. Note-se que o artigo 444 da CLT deixa claro que existe a possibilidade de livre estipulação de tais direitos entre as partes, desde que não se trate de matéria contrária aos dispositivos de proteção ao trabalhador.
No que se referem aos poderes do empregador na relação de emprego, estes por vezes encontram-se implícitos nos próprios pressupostos que caracterizam a relação de emprego, que são o serviço prestado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade.
Insta salientar que a própria CLT ao nos trazer os conceitos das partes e da relação de emprego, evidencia os requisitos acima mencionados de modo que nascem então os deveres do empregado, e os poderes do empregador, que consistem no poder diretivo previsto no próprio art. 2º da CLT, exercendo assim um controle sobre a atividade desenvolvida, tanto em seu resultado como em sua execução.
DELGADO (2014), aduz que o poder empregatício insurge oriundo do contrato firmado, possuindo as dimensões diretivas, regulamentares, fiscalizatórias e disciplinares, onde a essência está na capacidade que o empregador possui e direcionar a execução da atividade laboral em buscando que se atinja a finalidade da determinada função.
Em contrapartida, o empregado ao cumprir seu dever ao qual é subordinado de forma pessoal e habitual tem como o direito a recepção do seu salário, de suas garantias como férias, horário para alimentação, limite de jornada, dentre outros diversos direitos previstos na Constituição Federal, na CLT e em outros diplomas.
3. LIBERDADE DE PENSAMENTO DO EMPREGADO NAS REDES SOCIAIS
O uso das redes sociais têm se expandido cada vez mais na sociedade, tornando-se uma ferramenta indispensável para comunicação, expressão, socialização, exposição de ideias, comercialização, e todas as infinitas finalidades que podem existir para se passar uma mensagem.
Como vimos, a liberdade de pensamento consiste em um reflexo da liberdade de expressão que é inerente às pessoas. No que diz respeito a esta liberdade aplicada ao empregado no uso de suas redes sociais pessoais, é preciso observar que apesar de ter suas garantias expressas e fundamentais, o empregado deve estar atento ao compartilhar coisas como fatos sobre a empresa, e até mesmo sobre o empregador.
Se sua opinião fere ou interfere na imagem da empresa de modo negativo sendo exposto em uma rede social pública, isso pode ir em confronto com os direitos do empregador no que diz respeito à sua imagem. Vejamos o posicionamento recente proferido pela 16ª turma Tribunal Regional da 2º Região:
EMENTA: DISPENSA POR JUSTA CAUSA - FALTA GRAVE - MENSAGEM POSTADA EM REDE SOCIAL (FACEBOOK) - CONFIGURAÇÃO - A importância positiva das redes sociais para as empresas, se define pelo "marketing de conteúdo", que consiste no gerenciamento de estratégias para melhorar o reconhecimento e/ou identidade visual de um produto ou serviço, expondo tópico relevante, além de servir como um canal de atendimento, tanto para conquistar clientes, como um público-alvo. Portanto, é óbvio, que se uma empresa recebe um comentário negativo, esse pode ser visualizado pelos seus concorrentes e utilizado de forma prejudicial para a organização que o recebeu. E tal circunstância é agravada quando tal atitude parte de um funcionário. Afinal, embora as redes sociais funcionem no ambiente da Internet, não deixam de impactar profundamente "na existência das pessoas" (físicas ou jurídicas), até porque, hoje, é difícil dissociar o "digital" do "real", porquanto muitas notícias saem primeiro na "web", para após ser replicada em outras fontes de informações (jornais, revistas, etc. .). Desta maneira, no caso corrente, não há como negar que o reclamante, com o seu comentário ofensivo, além do uso de palavras de baixo calão e o expresso desejo de obter a própria demissão, aviltou a reputação de sua empregadora, como dos seus colegas de trabalho, na maior e mais representativa rede social do mundo na atualidade (Facebook), dando ensejo à justa causa para a ruptura do liame empregatício pelo empregador, na forma do artigo 482, alínea j ("ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa..."). Apelo do reclamante a que se nega provimento. (TRT-2 10007168320195020027 SP, Relator: NELSON BUENO DO PRADO, 16ª Turma - Cadeira 4, Data de Publicação: 05/08/2021)
Portanto, ao cruzar as delimitações de seus direitos expondo o empregador ou a empresa a uma situação que venha a lhe prejudicar, tanto pessoalmente ou prejudicar as vendas, acarreta consequências com as quais o empregado deverá arcar com a responsabilização de seus atos.
É preciso observar que o uso das redes sociais de forma irresponsável pode causar danos irreparáveis à honra e a imagem das pessoas, e isso inclui o empregador, de modo que é perfeitamente possível que estes exerçam seu poder de fiscalização e de direção ao impor limites quanto ao uso desenfreado das redes sociais em seu horário de trabalho, divulgação de informações indevidas, que possam comprometer a empresa ou seus clientes, ou mesmo à proteção aos direitos de personalidade que albergam o empregador.
“JUSTA CAUSA. POSTAGEM DIFAMATÓRIA DA EMPRESA EM REDE SOCIAL. CONFIGURAÇÃO. Não se nega á reclamante o direito de expressar seus sentimentos, mas a mesma deve arcar com as consequências de suas manifestações. Em nome do direito à liberdade de expressão não se pode ofender ou denegrir a imagem de pessoas, físicas e jurídicas. Ao fazer a postagem "Hoje me senti num Tribunal julgada a prisão perpétua na MOPC liberdade nunca canta", a reclamante comparou a reclamada a um tribunal que lhe atribuiu injustamente a pena máxima de prisão pérpetua, privando-a da liberdade, apenas porque a empresa não concordou em demiti-la. Provimento negado. (TRT-2 10004454120195020038 SP, Relator: BEATRIZ HELENA MIGUEL JIACOMINI, 2ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 17/08/2020)”
Assim, as postagens difamatórias em redes sociais vem sendo cada vez mais judicializadas, de modo que as interferências judiciais em várias áreas em virtude de suas consequências são comuns. No âmbito trabalhista, estas podem ensejar justa causa, conforme entendimento já expressado por alguns tribunais.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, restou demonstrado que a liberdade de expressão é um direito fundamental e basilar para a dignidade do ser humano, com status internacional, sendo uma premissa. Entretanto, há que se observar que como todo direito, a liberdade de expressão não é absoluta, podendo ser relativizada se em conflito com demais direitos de personalidade.
Nesta seara, observou-se que empregador e empregado possuem direitos e deveres em uma relação de emprego, sendo uma das prerrogativas o controle patronal ao fiscalizar o uso das redes sociais, tanto em utilização no horário de expediente, quanto no que diz respeito as postagens que possam ter algum reflexo para a empresa.
Com isso, podemos compreender que, se o uso da liberdade de expressão principalmente do empregado nas redes sociais de alguma forma ofende ou acarreta prejuízos ao empregador, ofende um colega, ou mesmo causa danos de alguma forma, tal ação poderá sim, ensejar o encerramento do contrato de emprego.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SETUBAL, JHONATAS ALEIXO. A judicialização das redes sociais: uma análise acerca da relativização da liberdade de expressão em face do controle patronal no Direito do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jan 2022, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57989/a-judicializao-das-redes-sociais-uma-anlise-acerca-da-relativizao-da-liberdade-de-expresso-em-face-do-controle-patronal-no-direito-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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