RESUMO: O presente artigo científico consta com o propósito de, através de uma análise crítica e meticulosa da sistemática empregada para a investidura dos membros do Supremo Tribunal Federal, historiando desde sua tradição lusitana e sua implantação em terras brasileiras, às incompatibilidades por si enfrentadas com o modelo de Estado adotado pela República Federativa do Brasil, ofertar um sólido e confiável material de pesquisa, capaz de traduzir, de forma satisfatória, sua patente segregação às prescrições constitucionais do rito, sua inadequação ao modelo de Estado, bem como, sua transgressão à resolução constitucional de separação e independência dos poderes estatais. Sem embargo, dedica-se também a delinear, mediante a compreensão do texto constitucional sob a ótica da hermenêutica jurídica, tal como do discernimento das pretensões ambicionadas pelo Legislador Constituinte, um vislumbre daquilo que, na perspectiva deste Autor – que endossada por juristas e parlamentares –, deveria ser adotado como novo meio de designação dos membros da Suprema Corte Federal, impulsionando, destarte, à conquista de uma maior independência, autonomia e imparcialidade entre os poderes.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; investidura; inconstitucionalidade; separação dos poderes.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DESENVOLVIMENTO; 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Com o advento da globalização, trazida pelos mais diversos meios de comunicação, integração e promoção da informação, o Poder Judiciário, em especial as Cortes Superiores, passaram por um drástico processo de transformação, conferindo uma maior transparência e publicização aos seus julgamentos e posicionamentos, que agora transmitidos por vídeo e áudio para todo o Brasil.
Em virtude do ocorrido, um expressivo número de espectadores, antes privados de tal oportunidade pelos obstáculos provocados pela distância territorial, e limitações de acomodação nos fóruns, passaram a se inteirar dos pareceres e votos de seus ministros, nos quais, indubitavelmente, transpareciam suas aspirações políticas, quase sempre correlatas às daquele Presidente da República que os havia indicado ao cargo.
Naturalmente, do observado, questionamentos começaram a surgir a respeito da moralidade do ato de investimento daqueles julgadores, que submisso às vontades de poderes estatais distintos e que, nos termos da Constituição Federal, deveriam guardar suas respectivas autonomias, independência e imparcialidade.
Ocorre que, tais questionamentos, quando recepcionados por um estudioso do direito, não toleram a estagnação ou a conformidade, necessitando de uma explicação ou de um desfecho capazes de justificar aquele comportamento adotado pelo gestor público, ou, quando não encontrado, a apuração daquele ato ilícito/injusto.
Nesse diapasão, almeja-se com o presente trabalho científico destrinçar as razões pelas quais empregada a vigente metodologia de indicação dos membros do Supremo Tribunal Federal, de modo a, evidenciando as suas contradições à norma constitucional, poder fundamentadamente sustentar propostas de resolução à problemática, indicando a linha de pensamento mais adequada, sob a perspectiva deste Autor, a legitimar os princípios constitucionais da separação e independência dos poderes estatais.
Para além, objetiva-se com esse estudo a disponibilização de um material sólido e confiável acerca das repercussões decorrentes da indevida manutenção dessa tradição milenar, que é o sistema de investimento dos membros da Corte Suprema Federal, acrescendo não apenas à comunidade acadêmica, mas à jurídica, à parlamentar e à leiga, como substrato de asserções, propostas e enunciados.
Nesse desiderato, faz-se pertinente a pesquisa e a exposição, uma vez que será de inegável proveito à comunidade acadêmica e científica, ao prover, mediante conciso, porém relevante, apontamento, dados precisos, certificados e atuais no que concerne à sistemática de eleição dos ministros do Pretório Excelso, compilando posicionamentos, teorias e críticas que contrapostos e uniformizados em um único escrito, de modo a proporcionar um maior alcance e dispersão do conhecimento.
À sociedade e à comunidade jurídica, como um todo, destaca-se a importância da dissertação devido ao seu grande potencial de influência e, por consequência, de transformação fática, propiciando uma reflexão no que diz respeito ao tema, e colhendo como resultado a promoção de um sistema jurídico mais coeso, isonômico e estável.
Para a concepção deste artigo científico foi empregada a técnica metodológica da revisão bibliográfica, por meio da qual foram examinados manuais, cursos de direito, artigos científicos de similar abordagem teórica e legislações, com a finalidade de, por meio de reflexão e análise crítica, elencar e aprofundar o conhecimento ali disponibilizado, de modo a construir, com a assistência da erudição estendida pelos mais diversos doutrinadores do direito e juristas, uma escrupulosa composição literária.
2. DESENVOLVIMENTO
Tradição que remonta à época do Brasil Colônia, quando, através do Alvará Régio de 10 de maio de 1808, o Príncipe Regente Dom João VI instituiu a Casa da Suplicação do Brasil[1], o método de indicação dos Ministros que virão a prover o Supremo Tribunal Federal – nome que só teve origem em 11 de outubro de 1890, durante o Governo Provisório, em que editado o Decreto n. 848[2] –, vem se mantendo incólume até a atualidade, cuja competência, indiscutivelmente, tem sido preservada ao Chefe do Poder Executivo, o Presidente da República.
Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 101 da vigente Constituição Federal, cumulado com o artigo 84, inciso XIV do mesmo compêndio normativo, vem sendo interpretados de modo que o candidato ao mister, atendendo aos requisitos impostos, deve ser, em um primeiro momento, indicado pelo Presidente da República, para então ser submetido à deliberação, pelo Senado Federal, da suficiência de seus títulos e competências e, sancionado pela devida comissão, ser enfim nomeado pelo Chefe de Estado e Governo.
Como ratifica o ilustríssimo ministro da Corte Suprema, Alexandre de Moraes, em seu escólio:
O Presidente da República, presentes os requisitos constitucionais para investidura, escolhe livremente o candidato, que será sabatinado pelo Senado Federal, devendo ser aprovado pela maioria absoluta de seus membros (art. 52, III, a, e art, 101, parágrafo único, ambos da CF), para poder ser nomeado pelo Chefe do Executivo.[3]
Ocorre que, malgrado a tradição tenha se mantido hodiernamente, incontestável é a sua inadequação aos preceitos fundamentais da República Federativa do Brasil, que traduzida em um Estado Democrático de Direito e, consequentemente, abalizada pela Carta Constitucional de 1988, posto que, competindo a indicação de um dos componentes da cúpula do Poder Judiciário ao representante-mor do Poder Executivo, e, sucessivamente, aos seus pares no Poder Legislativo, denuncia-se uma nítida ruptura ao princípio constitucional da separação dos poderes, positivado pelo artigo 2º da Carta Política.
Tal constatação decorre do flagrante atentado à independência funcional que a imposição de uma predileção do Presidente da República, avalizada pelo Senado Federal, implica à autonomia e imparcialidade da Suprema Corte Federal, resultando não somente em julgadores tendenciosos a uma ou outra ideologia política, mas em uma real submissão daquele candidato patrocinado ao grupo ou aos grupos políticos que lhe oportunizaram o acesso ao cargo.
Conjunturas inviáveis, senão intoleráveis, de se poder especular, uma vez que dentre suas atribuições constitucionais, estão a de qualificar e deliberar a respeito dos atos e ações praticados pelas autoridades integrantes dos poderes destinados a lhe constituir como membro daquele terceiro poder, proporcionando, dessarte, uma verossímil presunção de dívida, que, havendo a oportunidade, poderá vir a ser quitada mediante a propensão de seu julgamento em favor daquele que lhe foi benéfico.
Nesses termos, dispõe o art. 102 da Constituição Federal:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)
d) o habeas corpus , sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;
(...)
i) o habeas corpus , quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22, de 1999)
j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;
p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal; (Grifos acrescidos).
Ademais, calha apontar que não diferente é o discurso do eminente ministro do Pretório Excelso, Alexandre de Moraes, quando, em seu escólio, assevera a necessidade de modificações à metodologia de investidura dos membros daquela casa de justiça, de modo a conferir-lhes maior legitimidade, independência e imparcialidade. Confiramos:
Entendemos que alterações na forma de investidura dos membros do Supremo Tribunal Federal seriam importantes para a preservação de sua legitimidade e a ampliação de sua independência e imparcialidade, tornando-o, efetivamente, um dos órgãos de direção do Estado.[4]
Dessa exposição, em um momento inicial, poderia se considerar que a Constituição Federal disporia de uma notável inadequação entre os seus artigos, visto que, paralelamente, autorizaria a adoção do mecanismo tradicionalmente empregado de indicação de postulantes a ministro do Supremo Tribunal Federal, perpassando, como de costume, pelo Chefe do Poder Executivo e pela câmara alta do Congresso Nacional, e vetaria a ingerência dos poderes estatais, uns nos outros, contudo, como se verificará, este não é o caso.
Dispõem os artigos 84, inciso XIV e 101, parágrafo único da Carta Maior que os ministros integrantes da Corte Constitucional serão nomeados pelo Presidente da República, após aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Observemos:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei; (Grifos acrescidos)
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. (Grifos acrescidos)
Dito isto, importa constatar que, diferentemente daquilo defendido por parte dos juristas, não confundem-se as expressões “indicar” e “nomear”, posto que, ao passo que a primeira não é dotada de qualquer significado jurídico, correspondendo simplesmente a um vocábulo linguístico, à última é dado um valor jurídico, correspondendo, destarte, a um ato administrativo, destinado ao provimento de cargos públicos, como disciplinam os artigos 8º, 9º e ss. do Estatuto dos Servidores Públicos Federais – Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União, Autarquias e das Fundações Públicas Federais –, Lei n. 8.112/90.
Art. 8o São formas de provimento de cargo público:
II - promoção;
V - readaptação;
VI - reversão;
VII - aproveitamento;
VIII - reintegração;
IX - recondução. (Grifos acrescidos)
Art. 9o A nomeação far-se-á:
I - em caráter efetivo, quando se tratar de cargo isolado de provimento efetivo ou de carreira;
II - em comissão, inclusive na condição de interino, para cargos de confiança vagos.
Parágrafo único. O servidor ocupante de cargo em comissão ou de natureza especial poderá ser nomeado para ter exercício, interinamente, em outro cargo de confiança, sem prejuízo das atribuições do que atualmente ocupa, hipótese em que deverá optar pela remuneração de um deles durante o período da interinidade. (Grifos acrescidos)
Neste diapasão, levando-se em consideração o basilar princípio da hermenêutica jurídica verba cum effectu sunt accipienda, segundo o qual, a norma não dispõe de palavras ou expressões inúteis, mas dispostas com um propósito específico, não há como se cogitar uma interpretação diversa daquela de que ao Presidente da República compete privativamente, apenas, a nomeação do postulante a ministro do Supremo Tribunal Federal, após a aprovação pela segunda casa do Parlamento Brasileiro, não havendo previsão, por conseguinte, daquele que virá a proceder com a sua indicação, haja vista que, caso esse fosse o desígnio do Legislador Constituinte, este o faria por expresso.
Ainda no intuito de corroborar com o supra-afirmado, vale a menção de que, tamanha foi a certeza e a intenção do Legislador Constituinte em empregar exclusivamente a terminologia jurídica “nomear”, que em diversos outros artigos, em condições semelhantes de regramentos e disposições, ele utiliza o vocábulo “indicar” ou, ainda, “escolher”, patenteando que a escolha de palavras não foi realizada de modo fortuito, mas considerado e preciso.
A vista disso, verifiquemos o teor de alguns dos artigos da Constituição Federal, em especial destaque ao disposto pela alínea b do artigo 52:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
III - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de:
b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República; (Grifos acrescidos)
Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.
§ 2º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:
I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento; (Grifos acrescidos)
Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.
Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação. (Grifos acrescidos)
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:
II - um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;
III - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;
IV - um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
X - um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República;
XI um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual
XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. (Grifos acrescidos)
Sendo assim, como bem aferido por André Luís Melo[5], não havendo previsão constitucional que assegure ao Presidente da República a indicação daquele que poderá vir a se candidatar à vaga de ministro da Suprema Corte Federal, mas, ao revés, sido promovida, pelo Legislador Constituinte, uma lacuna a respeito de quem viria a ser aquele a proceder com tal indicação, caberia ao Poder Judiciário, personificado pelo seu órgão de maior autoridade – e, inclusive, alvo da intervenção – ou, ainda, pelo Conselho Nacional de Justiça – órgão judiciário que melhor representa o poder em todas as suas instâncias –, em manifesta obediência à norma constitucional – visto que suscitaria uma maior independência e autonomia dos poderes estatais –, proceder com a seleção daqueles que julgar como mais aptos a integralizar aquela corte, atendendo aos critérios constitucionais, e submetendo-os ao juízo do Senado Federal, para, após a sua anuência, a nomeação pelo Chefe do Poder Executivo.
Convém salientar, ainda nesse segmento, que, para tanto, sequer seria necessária uma reforma constitucional, visto que, não encontrando qualquer impedimento no diploma normativo, careceria tão somente da edição de uma lei apta a regulamentar o procedimento seletivo[6], de modo a confeccioná-lo dentro dos limites legais e constitucionais, em atendimento ao princípio da legalidade.
Para mais, prova do gigantismo do hiato havido entre o atual processo de indicação de ministros ao Supremo Tribunal Federal e o determinado pela Constituição Federal, é que o tema já veio a ser objeto de uma Proposta de Emenda à Constituição – PEC n. 03/2013 –, movida pelo Senador da República Fernando Collor de Mello[7], que, enxergando disparidades havidas entre a sistemática presentemente utilizada, a essência da Constituição Cidadã de 1988 e os anseios de uma maior congruência do texto constitucional à tecnicidade exigida pelo ofício – sendo notório o constrangimento à corte havido em 1893, durante o governo de Floriano Peixoto, com a nomeação do médico clínico Cândido Barata Ribeiro à vaga de ministro[8] –, propôs, dentre outras pautas, a regulamentação da indicação pelo Presidente da República, contudo, decorrente de uma lista quadrupla formada pela indicação dos Tribunais Superiores, do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Nesse sentido, contemplemos a redação do artigo 101 da Constituição Federal, caso a proposta viesse a ser aprovada:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de quinze Ministros, com formação jurídica, notável saber jurídico e reputação ilibada, escolhidos pelo Presidente da República entre brasileiros natos com mais de quarenta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade em lista quádrupla formada por:
I – um indicado pelos Tribunais Superiores;
II – um indicado pelo Conselho Nacional de Justiça;
III – um indicado pelo Conselho Nacional do Ministério Público;
IV – um indicado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
§ 1º Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República para mandato de quinze anos, depois de aprovada a escolha por dois terços do Senado Federal.
§ 2º Não poderá integrar a lista referida no caput deste artigo quem, nos quatro anos anteriores, tenha ocupado cargo de Ministro de Estado, Presidente de agência reguladora ou Advogado-Geral da União ou mandato eletivo no Congresso Nacional, nem quem tenha sofrido condenação criminal por órgão colegiado. (Grifos acrescidos)
Conquanto reconheçamos que a proposta ainda passa ao largo do ideal, que seria a transferência do poder de investidura ao próprio Poder Judiciário, de modo que viesse a cessar com a ingerência dos demais poderes sobre si, no que concerne ao seu âmago, à sua estrutura basilar, mas mantendo-se exclusivamente como meio de controle, neste momento se apresenta como uma melhor opção à havida, trazendo uma maior transparência, previsibilidade e independência.
Em conclusão, transmite esse pesquisador sua perspectiva da distopia hoje vivida no cenário político-jurídico brasileiro, no qual desrespeita-se, sem maiores preocupações, o princípio constitucional da separação e independência dos poderes estatais, ferindo de morte a Corte Constitucional e Política brasileira – e, concomitantemente, o Poder Judiciário, que diariamente vem perdendo seu prestígio e credibilidade ante a população – que, malgrado constituída, em regra, por nomes de peso, sofreu e sofre inegável interferência política, estremecendo suas bases e debilitando seu discernimento.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Método ancestral de investidura em cargos de afamada relevância e poder, sendo empregado desde o amanhecer das civilizações, cujos registros remetem a período anterior, inclusive, à independência do Brasil, mas à época das Grandes Navegações, quando constituída a Casa de Suplicações de Lisboa, a designação dos membros das Cortes Superiores de Justiça pelo Chefe de Estado e Governo consiste em um método arcaico e incompatível às modernas concepções de Estado, especialmente, àquelas adotadas pelo Brasil.
Por esse motivo, identificada a incongruência da sistemática ainda em vigor ao contemporâneo regramento constitucional, desenvolveu-se, no decurso do presente trabalho acadêmico, um competente arcabouço conceitual a respeito da autoridade do projeto de país firmado pelo Legislador Constituinte, evocando suas bases teóricas, exemplificando e distinguindo suas diferentes definições terminológicas, de modo a, alcançando seu âmago, tornar nítido o seu escopo vital e, destarte, seu propósito acerca do tema, e, por conseguinte, da neutralidade tencionada aos poderes constituintes.
Isto posto, após considerável contemplação e ponderação à pesquisa realizada e aos dados levantados, culminou este acadêmico com o parecer de que, à sua concepção, a alternativa que melhor satisfaria aos interesses intentados pelo Legislador Constituinte na idealização da Constituição Federal de 1988, simultaneamente aos anseios populares de imparcialidade e justiça, seria, em um primeiro momento, a transferência de tal autoridade ao Poder Judiciário, confiando ao seu órgão de cúpula – o mesmo que vem sido alvo da ingerência –, ou ao Conselho Nacional de Justiça – órgão judiciário que melhor representa o poder em todas as suas instâncias –, a seleção daquele que, cumprindo com os requisitos impostos pela Carta Magna, melhor represente os interesses e necessidades daquela corte.
Tal percepção tem como fundamento o princípio constitucional da separação e independência dos poderes, visando interromper com a descomedida ingerência do Executivo e do Legislativo sobre o Poder Judiciário, no que concerne ao seu âmago, à sua estrutura basilar, mas mantendo-se a interferência exclusivamente como meio de controle, em respeito ao sistema de freios e contrapesos.
Logrado o desfecho, realizam-se os finais objetivos deste trabalho acadêmico, expondo à comunidade jurídica e acadêmica não apenas uma condensação acerca do método de investidura dos ministros no Supremo Tribunal Federal, seus desdobramentos e críticas, mas uma sugestão, formulada após muita consideração, a respeito do seu porvir, e dos caminhos que podem vir a impulsionar em uma melhor aplicação do direito, visando a consecução da justiça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 set. 2021.
BRASIL. Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm>. Acesso em: 12 set. 2021.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
LIMA, Allysson Silva. A nomeação dos ministros do STF: respeito à tripartição dos poderes? Disponível em: <https://allyssonlima.jusbrasil.com.br/artigos/118688210/a-nomeacao-dos-ministros-do-stf-respeito-a-triparticao-dos-poderes>. Acesso em: 12 set. 2021.
MELO, André Luís. Presidente apenas Nomeia ministros do Supremo. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2011-fev-07/presidente-republica-apenas-nomeia-ministros-supremo>. Acesso em: 12 set. 2021.
MELLO, Fernando Affonso Collor de. Proposta de Emenda à Constituição n. 03/2013. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/110840>. Acesso em 12 set. 2021.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 34.ed. São Paulo: Atlas, 2018.
VÁRIOS AUTORES. Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Costa Machado, organizador; Anna Candida da Cunha Ferraz, coordenadora – 9.ed. São Paulo: Manole, 2018.
[1] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.1295-1296.
[2] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 1593.
[5] MELO, André Luís. Presidente apenas Nomeia ministros do Supremo. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2011-fev-07/presidente-republica-apenas-nomeia-ministros-supremo >. Acesso em: 12 set. 2021.
[6] MELO, André Luís. Presidente apenas Nomeia ministros do Supremo. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2011-fev-07/presidente-republica-apenas-nomeia-ministros-supremo >. Acesso em: 12 set. 2021.
[7] LIMA, Allysson Silva. A nomeação dos ministros do STF: respeito à tripartição dos poderes? Disponível em: < https://allyssonlima.jusbrasil.com.br/artigos/118688210/a-nomeacao-dos-ministros-do-stf-respeito-a-triparticao-dos-poderes >. Acesso em: 12 set. 2021.
[8] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 34.ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 736-737.
Advogado, especialista em Direito Público, Direito Civil e Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIGUEIREDO, Victor Lacerda de. Da (in)adequação da vigente metodologia de investidura dos membros do Supremo Tribunal Federal, à luz dos princípios e regramentos constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jan 2022, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58041/da-in-adequao-da-vigente-metodologia-de-investidura-dos-membros-do-supremo-tribunal-federal-luz-dos-princpios-e-regramentos-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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