GRACIELA MARIA DA COSTA BARROS[1]
(coautora)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a aplicação subsidiária do princípio da não surpresa, contida no Código de Processo Civil de 2015, ao Processo Administrativo como forma de garantir ao administrado o pleno exercício das garantias constitucionais do contraditório, ampla defesa e segurança jurídica. São examinadas hipóteses em que a inobservância ao contraditório e ampla defesa, no âmbito administrativo, é admitida pelo judiciário, assim como o uso do referido princípio como forma de aprimoramento das decisões administrativas. Por meio de uma pesquisa dedutiva, depreende-se como conclusão que a aplicação do princípio em comento de forma subsidiária ao processo administrativo resta possível, entretanto, sua aplicação plena carece de vontade legislativa.
Palavras-chave: Ampla defesa, contraditório, princípio da não-surpresa.
Abstract: This paper aims to analyze the subsidiary application of the no-surprise principle contained in the 2015 Civil Procedure Code to the Administrative Proceeding as a way of guaranteeing to the administrator the full exercise of the contradictory constitutional guarantees, broad defense and legal certainty. Hypotheses are considered in which the non-compliance with the contradictory and broad defense, in the administrative scope, is admitted by the judiciary, as well as the use of this principle as a way to improve the administrative decisions. Through deductive research, it can be concluded that the application of the principle in a subsidiary way to the administrative process remains possible, however, its full application lacks legislative will.
Keywords: Broad defense, contradictory, unsurprising principle.
SUMÁRIO: 1 – INTRODUÇÃO. 2 - PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. 3 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 4 - PROCESSO ADMINISTRATIVO LATO SENSU. 5 - PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO – TEMAS CONTROVERTIDOS. 6 - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA COMO GARANTIA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO. 7 - CONCLUSÃO. 8 – REFERÊNCIAS.
1 - INTRODUÇÃO
O princípio da não surpresa, estabelecido como novidade legislativa nos artigos 9º e 10 do Código de Processo Civil de 2015, possui raízes diretamente ligadas aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.
Em verdade, a inovação trazida pelas disposições dos artigos 9º e 10 do CPC 2015 possui como fulcro principal tornar plena a aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa através da prévia oitiva das partes acerca de fatos sobre os quais serão objetos de deliberação judicial.
Vale destacar que, em que pese a imensurável importância, referido princípio apenas encontra-se hoje regulado na norma processual civil, sendo que, outros ramos do direito, quando vem a aplica-lo utilizam como base não os artigos em comento, mas sim os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.
No âmbito do processo administrativo, por inúmeras vezes são proferidas decisões, revogando ou anulando atos administrativos que já geraram ou poderiam gerar efeitos a terceiros, sem que antes seja estabelecido o direito ao contraditório à parte legitimamente interessada no feito, fato que claramente viola os princípios constitucionais em comento, porém com certo respaldo da jurisprudência pátria, o que torna perigosa a ausência de regulamentação do referido princípio no âmbito administrativo.
Como se não bastassem as situações corriqueiras mencionadas, o Poder Judiciário em sua maioria silencia-se ao verificar referidas situações, argüindo como válvula de escape a vedação à analise do mérito administrativo.
Importante ainda destacar que, no atual panorama jurídico vige o entendimento de que, de que ao “Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo”. [Tese definida no RE 594.296, rel. min. Dias Toffoli, P, j. 21-9-2011, DJE 30 de 13-2-2012, Tema 138.]
É certo que, se determinado ato jurídico fora praticado pela Administração Pública, certamente terá o condão de produzir efeitos concretos a terceiros, ainda que futuramente.
Ademais, data máxima vênia ao entendimento da Suprema Corte, para se ter a integral obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa o regular procedimento administrativo deveria ser precedido tanto àqueles atos que já decorreram efeitos concretos, quanto àqueles atos que possuem perspectiva de geração de efeitos concretos, sob pena de nulidade da decisão administrativa.
Nesse contexto, longe de esgotar o referido tema, buscar-se-á analisar a possibilidade de aplicação do princípio da não surpresa ao processo administrativo como forma de garantir ao administrado a garantia do pleno exercício do contraditório e ampla defesa.
Dentro deste contexto, e diante da escassez de produções cientificas acerca do tema, o presente trabalho busca trazer uma contribuição ao direito administrativo, tendo por base a aplicação do princípio da não surpresa como forma de aprimorar as decisões administrativas, e ainda, garantir ao administrado o pleno exercício do contraditório e ampla defesa quando diante de decisões que gerem ou possuam expectativas de efeitos jurídicos.
2 - PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA
O Código de Processo Civil de 2015, ao buscar a harmonia processual com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito, inovou na ordem cível com vistas a proporcionar à sociedade a simplificação do processo, reconhecimento e concretização de direitos ameaçados ou violados.
Dentre várias inovações, a norma processual trouxe em seu texto a evidente necessidade de obediência aos princípios do contraditório e ampla defesa às partes, até mesmo naquelas matérias em que antes o juiz poderia aprecia-las de oficio sem que houvesse necessidade do estabelecimento do prévio contraditório às partes, norma esta a qual a doutrina e jurisprudência batizou-a de princípio da não surpresa.
Sobre o tema traz-se o texto dos artigos 9º e 10 do Código de Processo Civil:
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III - à decisão prevista no art. 701.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Na exposição de motivos da nova norma processual, o legislador destacou expressamente que as alterações realizadas possuíam como intuito primordial garantir a total harmonia do texto processual com a Constituição Federal vigente, sendo que, no tocante ao assunto os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa possuíram elevada atenção, neste sentido:
1) A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que prevêem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou “às avessas”.
Está expressamente formulada a regra no sentido de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa a obediência ao princípio do contraditório.
Como se pode notar, a própria exposição de motivos retrata situação costumeiramente ocorrida até mesmo após a edição da nova legislação processual, posto que, diariamente são ainda proferidas decisões fundadas em razões sobre as quais a parte não foi antes previamente intimada para sobre elas se manifestar.
Entretanto, a com a inovação processual civil oportunizou-se à parte prejudicada condições certas e objetivas de obter êxito em eventual recurso, garantia esta que, lamentavelmente, não se mostra observada em outros ramos do direito, a exemplo do direito administrativo, já que a referida norma possui aplicação meramente subsidiária em outros ramos do direito.
Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 89) destaca que:
O art. 10, aplicando (e desenvolvendo) o que se pode extrair do art. 9º, quer evitar o proferimento das chamadas ‘decisões-surpresa’, isto é, aquelas decisões proferidas pelo magistrado sem que tenha permitido previamente às partes a oportunidade de influenciar sua decisão e, mais do que isso, sem permitir a elas que tivessem conhecimento de que decisão como aquela poderia vir a ser proferida.
Convém mencionar que, o princípio da não surpresa ora destacado, por possuir extremada importância para fins de garantia efetiva aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, deveria na verdade ter sua redação adotada plenamente em todos os demais ramos do direito, até mesmo no direito privado, haja vista que, não se coaduna com o texto constitucional a prolação de decisões que venham a afetar direitos de terceiros, sem que o terceiro antes se manifeste e defenda sua pretensão.
No âmbito do direito administrativo, lamentavelmente surgem diariamente decisões, inclusive das mais altas Cortes, nas quais se acolhem a validade de decisões administrativas que afetam diretamente direito de terceiros sem a prévia ouvida destes, mas que, por um outro motivo explicitado nas referidas decisões, não se estaria a violar os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, teses com as quais se discorda.
Registre-se que, a necessidade de criação de norma processual para que haja a inteira observância à princípios explícitos da Constituição Federal, retrata fraqueza à observância do Estado Democrático de Direito, posto que, traz a lume clara e lamentável inobservância ao texto Constitucional e aos próprios direitos e garantias fundamentais pelas próprias instituições do pais, situação que permanece nos demais ramos do direito, os quais não possuem a mesma redação literal hoje contida na norma processual.
Ademais, o simples fato do texto constitucional já trazer norma clara em seu artigo 5º, inciso LV que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes” já se mostra evidente a necessidade do estabelecimento de um prévio contraditório sempre que a decisão afetar, ainda que positivamente, direito de terceiros.
Desta forma, o princípio da não surpresa possui suas origens diretamente relacionada às garantias de observância aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, sendo que, na própria exposição de motivos da legislação processual cível vigente, o legislador reconhece a inobservância aos referidos princípios constitucionais sempre que se tem proferida decisão que afete as partes sem que antes ocorra a oitiva previa destas.
3 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
O constituinte originário, após longo período de supressão de direitos e violação a direitos humanos decorrentes do período ditatorial, ouve por bem inserir no texto da Constituição Federal de 1988 o reconhecimento de uma série de direitos e garantias fundamentais os quais se mostram como cláusulas pétreas, conforme o próprio texto constitucional.
Dentre o rol de direitos e garantias fundamentais encontra-se inserido no artigo 5º inciso LV da Carta Magna de 1988 que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”.
O princípio do contraditório, de um modo geral, importa na ideia de que à parte é dado o direito de utilizar-se de todos os meios de que dispõe para influenciar no resultado da futura decisão a ser tomada.
No âmbito do processual o estabelecimento do contraditório se dá, via de regra, com a partir da citação válida da parte, sendo que, referido direito, em que pese estabelecido na orbita constitucional, trata-se de direito potestativo da parte, a qual pode manifestar ativa ou positivamente na pretensão contra ela posta, ou quedar-se inerte, ocasião em que se presumirá como verdadeiros todos os fatos contra ela arguidos.
Por sua vez, o princípio da ampla defesa diz respeito à garantia constitucional conferido à parte para que esta possa se defender de forma ampla e efetiva, inclusive através de defesa técnica, assegurando-lhe o uso de todos os meios e mecanismos a ela inerentes.
Cumpre destacar que, os princípios em comento são aplicáveis a qualquer ramo do direito, e mais, os princípios do contraditório e ampla defesa aplicam-se não apenas às partes que encontram-se abrangida por determinada demanda, mas sim a todos aqueles que direta ou indiretamente possam ser afetados em decorrência de determinada decisão a ser proferida no âmbito judicial ou administrativo.
Ressalta-se que, os referidos princípios mostram-se de tão elevada importância que, a jurisprudência pátria firmou o entendimento de que estes aplicam-se até mesmo às relações estabelecidas entre os particulares, utilizando-se do que a doutrina costuma denominar de eficácia horizontal dos direitos e garantias fundamentais.
Os princípios do contraditório e ampla defesa, por tratarem-se de direitos e garantias fundamentais possuem sua aplicação imediata, independente da existência de norma regulamentadora ou o estabelecimento de normas processuais que as garantam, sendo referida prerrogativa exposta no próprio texto constitucional que em no mesmo artigo 5º, § 1º estabelece que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Segundo Alexandre Mazza (2018; pág. 149):
Por força do princípio do contraditório, as decisões administrativas devem ser tomadas considerando a manifestação dos interessados.
O princípio da ampla defesa assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, a utilização dos meios de prova, dos recursos e dos instrumentos necessários para defesa de seus interesses perante o Judiciário e a Administração.
Ainda, segundo o renomado autor, “a referência constitucional a “recursos a ela inerentes” incorpora no âmbito da ampla defesa a possibilidade de se recorrer perante a própria Administração, contra decisões desfavoráveis ao administrado”.
Vale registrar que, a inobservância aos princípios do contraditório e ampla defesa, são argumentos para a declaração de nulidades em inúmeros processos administrativos, sendo que, no âmbito federal a principal violação aos referidos princípios se dá com base no artigo 26, § 3o da Lei Federal 9784/1999 a qual obriga a administração a buscar todos os meios necessários para que “assegure a certeza da ciência do interessado” acerca do eventual ato que em seu desfavor tramita.
Portanto, os princípios do contraditório e ampla defesa, asseguram a todo e qualquer pessoa, física ou jurídica, o direito pleno a defender-se em determinado processo, utilizando-se de todos os meios e recursos que lhe sejam inerentes, com vistas a influenciar na decisão a ser proferida, sendo que, referidos princípios possuem abrangência até mesmo no âmbito das relações estabelecidas entre particulares.
4 - PROCESSO ADMINISTRATIVO LATO SENSU
Conforme destaca José dos Santos Carvalho Filho (2018; pág. 1101) o processo administrativo pode ser definido como “instrumento que formaliza a sequência ordenada de atos e de atividades do Estado e dos
particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Administração”.
No caso, ao tratar do processo administrativo de forma ampla, está-se a falar em um sucedâneo de atos administrativos que visam a formalizar, constituir ou extinguir direitos e obrigações como forma de manifestação da administração pública.
A doutrina destaca que a origem da concepção hoje existente acerca de processo administrativo estaria diretamente ligada ao due process of law, surgido na Grã-Bretanha em 1215, na Magna Carta das Liberdades inglesa ratificada pelo Rei João Sem Terra.
Conforme destaca Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, pág. 349) o processo administrativo “estabelece uma garantia, aos cidadãos, de que o Poder Público não apenas estará vinculado à busca do interesse público e à legalidade, como também só poderá perseguir tais fins, de acordo com os modos estabelecidos para tanto”.
A formação do processo administrativo está diretamente relacionado à necessidade da administração pública, através de seus órgão e agentes, ou de seus administrados de, na manifestação de suas vontades, assegurar a estrita observância à segurança jurídica e demais princípios constitucionais e administrativos, mormente os princípios do contraditório e ampla defesa.
Conforme destaca Di Pietro (2017, pág. 852), o processo administrativo poderá ser de dois tipos: o gracioso e o contencioso.
Na visão da renomada autora, no processo administrativo gracioso “os próprios órgãos da Administração são encarregados de fazer atuar a vontade concreta da lei, com vistas à consecução dos fins estatais que lhe estão confiados e que nem sempre envolvem decisão sobre pretensão do particular”.
Por sua vez, o processo contencioso se desenvolve perante um órgão independente e imparcial, com competência para deliberar sobre questões existentes entre a administração e administrado. Este ultimo caso apenas possui existência em países que adotam o contencioso administrativo.
No âmbito federal o processo administrativo encontra-se regulamentado pela Lei Federal nº 9.784/1999 que em seu artigo 1º destaca:
Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.
Vale mencionar que, estados e municípios, em razão da autonomia que lhes conferem a Constituição Federal, não se subordinam à referida legislação federal sendo que, podem estabelecer suas próprias leis definindo regras sobre processo administrativo e seu procedimento, obedecendo, contudo aos princípios estabelecidos na Carta Magna.
Calha destacar que, a Lei Federal nº 9.784/1999 disciplina os processos administrativos em geral os quais tramita perante a administração pública federal, direta e indireta, observado, contudo, normas especificas que tratem de outros tipos de procedimentos, a exemplo do processo administrativo em face de servidor público federal que obedece ao regramento da Lei Federal nº 8.112/1993.
Diante disso, ao processo administrativo em seu sentido amplo, pode ser definido como uma sucessão de atos ordenados realizados pela administração pública, com vistas a obter-se um objetivo relacionado à atividade administrativa, sendo que, referidos atos garantem ao cidadão a obediência aos modos estabelecidos em lei, assim como a vinculação ao interesse público e a legalidade.
5 - PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO – TEMAS CONTROVERTIDOS
Como mencionado em linhas anteriores, para fins de garantia a total obediência aos princípios do contraditório e ampla defesa no processo civil, o legislador inseriu no novo código de processo civil regra segundo a qual o juiz não poderá se manifestar sobre qualquer fato que afete as partes sem que antes possam ela se manifestarem a respeito.
Em que pese, o merecido louvor ao referido artigo, também chamado hoje de princípio da não surpresa, entende-se aqui que, se de fato fossem observados os princípios e regras constitucionais em sua completude restaria desnecessário o texto do artigo mencionado, já que não se verifica em qualquer situação obediência aos princípios do contraditório e ampla defesa em decisão proferida sem a prévia oitiva das partes afetadas.
Entretanto, de forma semelhante ou muitas vezes até mais grave do que ocorria no arcaico processo civil, no âmbito do direito administrativo costumeiramente se verificam a total desobediência aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, e o pior de tudo, em que pese a judicialização, o próprio poder judiciário por vezes chancela referidas abominações.
Como se não bastasse, em que pesem as vezes em que o próprio poder judiciário chancela a violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, destaca-se situações em que, por simples arguição à vedação à análise do mérito administrativo, o poder judiciário se exime da analise de ilegalidades apenas afirmando vedação à analise do mérito administrativo pelo judiciário.
Sobre assunto, registre-se que o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante nº 3 a qual possui a seguinte redação:
Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
A Corte Suprema criou verdadeira exceção aos princípios do contraditório e ampla defesa, posto que, caso um servidor público federal se aposenta o referido ato será necessariamente objeto de apreciação pelo Tribunal de contas da União o qual, poderá discordar do ato administrativo ordinário e cassar o benefício de aposentadoria do servidor sem que este sequer seja antes ouvido para defender o ato de concessão de sua aposentadoria.
O Supremo Tribunal Federal no caso entendeu que, na verdade o ato de concessão de aposentadoria tratar-se-ia de ato complexo, de modo que, a análise do Tribunal de Contas da União restaria necessário para que o ato de aposentadoria se aperfeiçoasse.
Entretanto, nos casos de aposentadoria após análise do pedido pelo órgão ordinário, a decisão já gera efeitos, de modo que o servidor já passa para a inatividade remunerada, sendo que, se de fato o ato se aperfeiçoasse apenas após a análise do Tribunal de Contas o percebimento dos proventos de aposentadoria apenas se iniciaria após esta decisão final, o que seria de fato o mais correto já que, o ato afeta diretamente interesse jurídico do servidor aposentado.
Outra situação que merece total atenção, refere-se ao entendimento recentemente exarado pela Suprema Corte, segundo o qual a revogação dos atos administrativos pode ser realizada a qualquer tempo apenas exigindo-se o prévio contraditório se de tais atos já decorreram efeitos concretos, neste sentido:
EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Servidor público. Exoneração. Observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Processo administrativo. Necessidade. Repercussão geral. Precedentes. 1. No julgamento do RE nº 594.296/MG, de minha relatoria, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que os atos da Administração Pública que tiverem o condão de repercutir sobre a esfera de interesses do cidadão devem ser precedidos de prévio procedimento em que se assegure ao interessado o efetivo exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa. 2. Agravo regimental não provido. (STF - AgR ARE: 945486 PI - PIAUÍ, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 15/03/2016, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-083 29-04-2016).
Resta evidente que, em que pese extremamente absurdo este ultimo entendimento firmado pela Corte Superior, visivelmente este se contrapõe ao primeiro entendimento que diz respeito à analise do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas da União.
Vejam que, no primeiro caso citado aparentemente a revogação do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas da União ocorreria em razão de vícios quanto a legalidade do ato, ou seja, mesmo sendo ilegal e tendo produzido efeitos concretos ainda assim não restaria necessário a prévia intimação do prejudicado para prévia manifestação.
Como se não bastasse, além da Suprema Corte apresentar entendimento diverso ao que fora primeiramente mencionado, em decorrência da edição de súmulas vinculantes e, em razão do dificílimo (e quase impossível) processo de revisão de súmulas, o entendimento mencionado encontra-se hoje verdadeiramente engessado, sendo que, de forma semelhante ao processo civil, apenas seria possível uma total obediência à Constituição Federal se criada uma nova norma garantidora de um prévio contraditório à qualquer decisão administrativa.
É certo que, a edição de normas que possuem como proposito a mera aplicação de outras normas já existentes, além de redundantes, revelam de forma clara uma fragilidade no Estado Democratico de Direito posto que, se sequer o próprio judiciário oferta segurança jurídica à sociedade há um verdadeiro descrédito para exigir-se desta o cumprimento pleno das leis da República.
Em complementação cita-se também entendimentos recentos do Superior Tribunal de Justiça, o qual seguindo a mesma linha exarada pela Suprema Corte, tem manifestado o entendimento de que, mesmo tendo gerado efeitos concretos aos administrados, quando existente vício de legalidade, a revogação do ato pela administração pública dispensa o prévio contraditório das partes, neste sentido:
RECURSO ESPECIAL Nº 808.381 - RJ (2005/0215984-2)
RELATORA : MINISTRA DENISE ARRUDA
RECORRENTE : TRANSPORTES SANTO ANTÔNIO LTDA
ADVOGADO: PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE E OUTRO(S)
RECORRIDO: DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - DETRO/RJ
PROCURADOR : CRISTINA TAVES DE CAMPOS E OUTRO(S)
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PERMISSÃO DE TRANSPORTE COLETIVO. REVOGAÇÃO DE ATO QUE CONCEDIA A EXPLORAÇÃO DE LINHA DE ÔNIBUS NO PERÍODO DIURNO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
5. A norma prevista no art. 78 da Lei nº 8.666/93 ampara, evidentemente, tão-somente as hipóteses de contratos firmados validamente com a Administração Pública. Não há razões que justifiquem a proteção contratual quando a situação que se pretende manter não se qualifica como um contrato válido, mas de uma mera autorização concedida a título precário, eivada de manifesta ofensa ao princípio da legalidade (obrigatoriedade de licitação).
6. Não se configura a mencionada divergência, referente à necessidade de instauração de contraditório administrativo para efetivar a rescisão contratual, entre o acórdão recorrido e os arestos paradigmas, pois os precedentes colacionados abordam situações regularmente constituídas, cuja revogação, por questões de interesse da Administração Pública, faz incidir o disposto no art. 78, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, o que não ocorreu na hipótese dos autos.
7. Não incidem honorários advocatícios em mandado de segurança, nos termos das Súmulas 105/STJ e 512/STF. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e parcialmente provido, apenas para afastar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios.
Percebe-se na ementa citada, além de flagrante violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, uma verdadeira inadequação das terminologias utilizadas pela Corte da Cidadania, eis que, conforme destaca a doutrina pátria para atos de ilegalidades estes seriam anulados, restando a revogação apenas para os atos válidos, decorrente de juízo de conveniência e oportunidade.
É certo que, a própria legislação pátria destaca que o ato nulo não se convalesce com o tempo, entretanto nos casos mencionados, se estabelecido um prévio contraditório poderia a parte afetada até mesmo demonstrar a inexistência das supostas ilegalidades apontadas, fato que por si só evitaria a judicialização da demanda.
Ademais, em casos como os retratados anteriormente, lamentavelmente, o Poder Judiciário adota uma postura de aparente submissão, já que além de validar atos não precedidos do prévio contraditório e ampla defesa, exime-se de analisar o processo em sua completude sobre o argumento de vedação a analise do mérito administrativo, ocasionando ao jurisdicionado violações não apenas aos princípios do contraditório e ampla defesa, como também ao princípio da segurança jurídica, devido processo legal, inafastabilidade da jurisdição dentre inúmeros outros.
A Constituição Federal de 1988 ao trazer o princípio da ampla defesa, não trouxe aos jurisdicionado apenas o direito à defesa, mas a ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes.
Além disso, a Carta Magna a apresentar a garantia ao contraditório não quis garantir aos jurisdicionados um contraditório geral e ineficiente, mas a um contraditório efetivo e substancial, o qual é realizado não apenas através de uma prévia manifestação da parte sobre determinado assunto, mas apenas é estabelecido se feito de forma que de fato propicie ao administrado chances de obter resultado favorável, o que apenas muitas vezes apenas ocorre se desenvolvido tecnicamente.
Sobre o assunto Walber Moura (2018, pág. 248) esclarece que:
O objetivo principal do devido processo legal e do contraditório é propiciar ao cidadão a ampla defesa, ensejando a possibilidade de exaurimento de todos os meios de prova nos momentos processuais que foram colocados à sua disposição. A ampla defesa permite ao cidadão se contrapor às acusações que lhe foram imputadas, permitindo-lhe provar sua inocência.
A ampla defesa tem que ser substancial, ou seja, não tem que haver apenas possibilidade de defesa, o cidadão tem que realmente ter condições de realizá-la. Portanto, ela tem que ser formal e material.
O Min. Gilmar Ferreira Mendes expõe da seguinte maneira os requisitos da ampla defesa: a) direito de informação, consubstanciado na obrigatoriedade que têm os entes públicos de informar à parte contrária dos atos produzidos no processo no seu inteiro teor; b) direito de manifestação, que assegura ao cidadão o direito de processualmente produzir suas alegações na tramitação do processo; c) direito de ver os seus argumentos considerados, isto é, que o órgão julgador aprecie os elementos alegados, levando-os em conta na decisão tomada.
Portanto, nos casos meramente exemplificativos destacados, resta evidente que a aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa no âmbito administrativo resta relativizado, admitindo o poder judiciário sua inobservância em inúmeros casos, ocasionando aos administrados violação a princípios constitucionais, e o que é pior, causando a toda a sociedade clara insegurança jurídica, já que mesmo a Carta Magna trazendo garantias ao cidadão, seus princípios podem ser relativizados no âmbito da administração pública.
6 - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA COMO GARANTIA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO
Conforme relatado, o legislador ordinário, em sua exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015, deixou claro que a inserção da norma conhecida pela doutrina e jurisprudência como princípio da não surpresa, teve como objetivo básico assegurar a observância plena dos princípios do contraditório e ampla defesa.
É certo que, a edição de normas para fins da observância de outras normas, ainda mais tendo ela caráter constitucional, é fato lamentável e que não merece qualquer exaltação, haja vista que, se de fato houvesse uma democracia plena, direitos e garantias fundamentais não necessitariam de complementação legal para serem observados.
Entretanto, a inobservância de direitos e garantias constitucionais além de ainda frequentes no próprio poder judiciário, são diariamente vivenciados no âmbito da administração pública, e o que é pior, possuem em sua maioria aval do próprio judiciário.
Destarte, o princípio da não surpresa encontra-se hoje previsto apenas no processo civil, sendo que, diante da ausência de regulamentação no direito administrativo, o Poder Judiciário, muitas vezes fundado na vedação de análise do mérito administrativo, se abstém de analisar eventuais nulidades ocasionadas por desrespeito aos princípios do contraditório e ampla defesa.
Veja que, a administração pública muitas vezes fundada apenas em preceitos genéricos e abstratos, a exemplo do interesse público, profere decisões administrativas que afetam diretamente interesses dos administrados sem que antes estes sejam previamente ouvidos.
Ademais, conforme já amplamente debatido no capítulo anterior, o próprio poder judiciário, através das Cortes Superiores, vem chancelando decisões que não observam o prévio contraditório e ampla defesa das partes, mesmo naquelas em que já emanaram efeitos concretos (STJ. REsp 808.381/RJ)
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os princípios do contraditório e ampla defesa foram elevados à condição de garantia constitucional do cidadão, seja no âmbito administrativo, quanto no judicial, garantindo-se o direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes.
Nisso, todo e qualquer ato da administração que, no mínimo em tese venha repercutir na esfera de interesses do cidadão, deve obrigatoriamente ser precedido de prévio procedimento administrativo (devido processo legal) no qual se assegure ao interessado o efetivo exercício do direito ao contraditório e ampla defesa.
A título meramente exemplificativo, no ano de 2009 o Estado do Tocantins realizou administrativamente a anulação de concurso público, sob organização da Fundação Universa, ao argumento de ineficiência do concurso (fonte: https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2577437/concurso-no-estado-do-tocantins-com-6352-vagas-e-anulado-por-erros-em-provas. Acesso em 07/12/2019).
Naquela ocasião, diversos candidatos realizaram as provas do certame, entretanto, a anulação não fora precedida de prévio contraditório aos mesmos, sendo que, ao ajuizarem demandas o Poder Judiciário arguiu que a decisão administrativa restou válida tendo em vista o teor da súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade (...)”.
É certo que, no caso mencionado se houvesse a garantia do estabelecimento do prévio contraditório e ampla defesa através do princípio da não surpresa, deveria a administração pública garantir aos interessados o exercício da prévia manifestação antes de promover a anulação do certame, fato que não ocorreu, e o que é pior, a decisão administrativa, mesmo violando princípios constitucionais, obteve chancela do Poder Judiciário.
Como se não bastasse, além do princípio da não surpresa possuir respaldo nos fundamentais direitos constitucionais ao contraditório e ampla defesa, a segurança jurídica devida aos administrados é também outro princípio administrativo que dá respaldo à sua aplicação.
Segundo Alexandre Mazza (2018, p. 132) o princípio da segurança jurídica aplicada ao processo administrativo, possui como finalidade principal propiciar segurança e estabilidade no convívio social, evitando mudanças abruptas, sobressaltos e surpresas decorrentes de ações governamentais.
Portanto, a extensão do princípio da não surpresa ao âmbito do processo administrativo, muito mais do que garantir de forma efetiva a observância dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, serviria ainda como forma de aprimoramento da atuação administrativa, garantindo ainda segurança jurídica ao administrado ao evitar-lhe surpresas em razão da atuação estatal.
Como bem destaca Guilherme F. Dias Reisdorfer (2016, p. 11):
Outro tema a ser referido diz respeito à consagração, no art. 10 do NCPC, da regra de que o contraditório prévio é necessário para a tomada de decisão sobre toda e qualquer matéria, ainda que se trate de questão de ordem pública, passível de ser conhecida de ofício pela autoridade condutora do processo. Trata-se de regra
que representa a consagração de orientação há tempos sustentada pela doutrina, pautada pela vedação à chamada decisão-surpresa.
Na esfera administrativa, a deliberação sobre questões de ordem ou interesse público no âmbito das funções administrativas também se submete ao devido processo. Assim se dá notadamente quando a decisão estatal afeta interesses de terceiros. Contudo, nem sempre a orientação tem sido observada na prática, com respeito ao contraditório prévio. Ainda hoje são recorrentes as disputas judiciais em torno da invalidação de atos administrativos (típica questão de ordem pública) sem a oitiva dos sujeitos interessados. Não é raro encontrar decisões administrativas que aludem ao interesse público ou ao estrito cumprimento da legalidade como fundamentos para afirmar ser prescindível a oitiva prévia dos sujeitos interessados.
(...)
Exemplo de situação controvertida diz respeito à invalidação de processo licitatório. Analisando-se a posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, verifica-se que, ao mesmo tempo em que a Corte reconhece que o contraditório e a ampla defesa constituem “cláusulas pétreas constitucionais” e aplicáveis de forma automática, já se concluiu pela inaplicabilidade das garantias quando a Administração Pública determina a extinção de licitação por invalidade, visto que haveria suposta omissão legislativa para regular a hipótese.
Em que pese, leis esparsas complementarem a aplicação do direito administrativo, a inexistência de previsão expressa da garantia da observância ao princípio da não surpresa tem sido fator de inseguranças jurídicas e arbitrariedades, sendo que, lamentavelmente inúmeras são as decisões judiciais validando-as através de decisões cuja constitucionalidade é claramente questionável.
Ora, não há de se cogitar qualquer observância aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, nem tampouco ao princípio da segurança jurídica, se determinado ato, ao ser revisto, pode ser fatalmente cassado sem que a parte afetada possa previamente se manifestar.
Ademais, o extremado ativismo judicial atualmente existente tem ocasionado inseguranças graves e profundas na realidade do jurisdicionado, posto que, por vezes o próprio texto constitucional é ignorado sob argumento de “mutação”.
Como se não bastasse, se a formulação de leis e sua aprovação é de competência do Poder Legislativo, não incumbe ao Poder Judiciário o desvirtuamento ou total ignorância do texto legal sob mero argumento de interpretação jurisprudencial por ocasião da subsunção, mesmo porque o cidadão espelha sua segurança no cumprimento da lei.
Ademais, a própria previsão legal do princípio da não surpresa da forma como fora trazida pelo código de processo civil restaria até mesmo desnecessária caso fosse observado primordialmente a redação do texto constitucional, mormente os princípios do contraditório e ampla defesa.
É oportuno destacar que, diante das decisões proferida pelas Cortes Superiores com repercussão geral, assim como, em razão das súmulas e decisões proferidas em sede de julgamento de recursos repetitivos, a aplicação subsidiária do princípio da não surpresa é praticamente inviável por mera interpretação judicial, ou seja, sua observância no atual contexto apenas se tornaria viável por ato do legislador pátrio.
Registre-se que, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no dia 19/08/2019 aprovou o princípio da não surpresa no âmbito de seus processos éticos, assim trazendo a matéria:
Em votação realizada na manhã desta segunda-feira (19), o Conselho Pleno aprovou o acréscimo do artigo 144-B no Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, que estabelece o princípio processual da não surpresa nos processos administrativos no âmbito da Ordem. O autor da proposta, o conselheiro federal pelo Maranhão, Daniel Blume, destacou a importância de alinhar o estatuto da advocacia com um mecanismo contido no Código de Processo Civil.
“Discuti esta proposta com o ex-presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho e tive a ideia de fazer essa proposição. O princípio da não surpresa já está plasmado no nosso Código de Processo Civil. Diz que nenhum juiz pode decidir algo de ofício sem previamente intimar as partes para se manifestarem sobre as questões ali envolvidas. Entendi que a OAB, que capitaneou essa questão do princípio da não surpresa no CPC, deveria também trazer para dentro de seus processos administrativos a mesma lógica”, disse Blume.
Segundo o autor da proposta, o impacto será positivo para o sistema OAB. “As partes podem colaborar com a melhor prestação administrativa. Ninguém é infalível. Então antes que um determinado relator anule um processo ou decrete uma prescrição nada melhor do que ouvir as partes, que são os maiores interessados naquela demanda”, afirmou Blume.
(...)
Veja abaixo a íntegra do artigo 144-B aprovado pelo Conselho Pleno:
Art. 144B. Não se pode decidir, em grau algum de julgamento, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar anteriormente, ainda que se trate de matéria sobre a qual se deva decidir de ofício, salvo quanto às medidas de urgência previstas no Estatuto. (Disponivel em: https://www.oab.org.br/noticia/57449/pleno-aprova-principio-da-nao-surpresa-para-processos-administrativos-na-oab. Acesso em 12/12/2019).
A Ordem dos Advogados do Brasil inova no campo administrativo ao trazer regra contida no estatuto processual, visando sobretudo o estabelecimento do prévio contraditório e ampla defesa, situação esta que deferia também ser observada pelo legislador pátrio, sobretudo com vistas a combater o afastamento dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa como por inúmeras vezes vem fazendo o próprio poder judiciário.
Por depender da vontade legislativa, a aplicação do princípio da não surpresa no âmbito administrativo será por muito tempo apenas teses a serem defendidas com louvor por profissionais do direito, mormente nos casos em que o judiciário possui entendimento firmado no sentido de afastar o direito da parte ao prévio contraditório e ampla defesa.
Portanto, ante as recentes decisões judiciais, que por vezes chancelam decisões administrativas proferidas sem o estabelecimento do prévio contraditório e ampla defesa, a necessidade da utilização subsidiária do princípio da não surpresa, no âmbito administrativo, seria uma situação viável para a total observância aos princípios do contraditório e ampla defesa, entretanto, em razão do engessamento da jurisprudência pátria, decorrente de súmulas vinculantes e decisões em casos repetitivos, a verdadeira e total observância aos princípios constitucionais mencionados depende, lamentavelmente, do pouco produtivo poder legislativo, deixando ao cidadão, além de clara insegurança, um mero desejo de que o interprete de seu caso concreto seja adepto ao princípio da não surpresa no âmbito administrativo.
7 - CONCLUSÃO
Como se infere, o princípio da não surpresa, em que pese possuir sua aplicação a princípio apenas ao direito processual civil, sua aplicação ao processo administrativo restaria de substancial importância para garantir a efetividade de direitos e garantias previstas constitucionalmente, mormente o contraditório, ampla defesa, devido processo legal e segurança jurídica.
No âmbito administrativo, diariamente inúmeras são as decisões proferidas sem que antes seja oportunizado a parte a prévia e necessária manifestação, decisões estas que por muitas vezes tem sido validadas pelo Poder Judiciário, conforme destacado anteriormente.
Ademais, o lamentável engessamento da jurisprudência pátria, em razão da edição de súmulas vinculantes, decisões em sede de recursos repetitivos e repercussões gerais, acabam por tornar difícil e, em alguns casos até mesmo impossível, a aplicação subsidiária do princípio processual da não surpresa no âmbito administrativo, demandando pois uma conduta positiva do legislador ordinário.
É certo que, a necessidade de edição de norma para fins de obediência a garantias constitucionais mostra-se lamentável e reflete, sobretudo, fraqueza ao Estado Democrático de Direito, entretanto, para uma plena e total observância aos referidos princípios constitucionais esta é a única solução viável, a exemplo da recém aprovação do princípio pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Ante o exposto, e ainda, tendo em vista as recentes decisões judiciais, que chancelam decisões administrativas proferidas sem o estabelecimento do prévio contraditório e ampla defesa, apesar de possível a utilização subsidiária do referido princípio processual no âmbito administrativo, a sua plena observância restaria viável apenas com a atuação positiva do legislador ordinário.
REFERÊNCIAS
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MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo, 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2012.
MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2008
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo. Princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
REISDORFER, Guilherme F. Dias. Processo e Administração. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, São Paulo, Vol. 25. 23 fev 2017. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDAdmCont_n.25.06.PDF. Acesso em 05 dez. 2019.
STF. RE 594.296, Rel. Min. Dias Toffoli, P, j. 21-9-2011, DJE 30 de 13-2-2012, Tema 138.
[1] Advogada. Pesquisadora da área de Educação em Direitos Humanos e da área de Direito Administrativo. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela UFT e ESMAT. Especialista em Direito e Processo Constitucional pela UFT. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Tocantins
Pós graduando em Direito e Processo Administrativo; Especialista em Direito e Processo Civil; Advogado.
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