RESUMO: O presente artigo busca averiguar se o instituto da recuperação judicial, aparentemente voltado apenas para as empresas, pode ser utilizado pelo Terceiro Setor, que é integrado por associações de interesse social e fundações privadas. Ainda que a lei de falências não traga expressamente essa possibilidade, o seu art. 1º poderia ser interpretado ampliativamente, de modo a alcançar essas pessoas jurídicas que, ao colocarem em prática suas ações filantrópicas, desenvolvem atividade econômica organizada e promovem a circulação de bens ou serviços, tal qual fazem os empresários e as sociedades empresárias. Além disso, no rol do art. 2º do diploma falimentar, que traz os entes inaptos a se recuperarem judicialmente, não há menção às associações e fundações. Já o art. 47 explicita que o intuito do sistema da recuperação judicial é proteger a atividade empresária, não especificamente a pessoa jurídica que a empreende. Para confirmar essas premissas, a metodologia aplicada terá uma abordagem qualitativa, com a análise subjetiva dos dados coletados, natureza aplicada, trazendo uma orientação prática para proporcionar às associações e fundações uma alternativa de soerguimento em caso de crise, e objetivos de ordem exploratória, fruto de pesquisas bibliográficas e estudos de casos da jurisprudência nacional.
Palavras-chave: Direito Empresarial; Recuperação Judicial; Terceiro Setor; Fundações; Associações.
ABSTRACT: The purpose of this article is to investigate whether the judicial reorganization institute, apparently directed only at companies, can be used by members of the Third Sector, whose legal form is social interest associations and private foundations. Although the bankruptcy law does not expressly provide this possibility, its article 1st could be interpreted broadly, to reach those legal entities that, while practicing their philanthropic actions, develop organized economic activity and promote the circulation of goods or services, just as entrepreneurs and business societies. Furthermore, in the list of article 2nd of the bankruptcy law, which brings the unfit entities to judicial reorganization, there is no mention of associations and foundations. On the other side, article 47th exposes that the purpose of the system is to protect the business activity, not specifically the legal entity that undertakes it. To confirm these assumptions, the methodology applied will have a qualitative approach, with subjective analysis of the data collected, applied nature, giving practical guidance to afford associations and foundations the alternative to uplift in the event of a crisis, and exploratory objectives, as a result of bibliographical research and case studies of national jurisprudence.
Keywords: Corporate Law; Judicial Reorganization; Third Sector; Foundations; Associations.
Sumário: 1. Introdução – 2. O novo direito falimentar brasileiro e o papel do instituto da recuperação judicial: 2.1 A base principiológica instituída pela nova legislação falimentar – 3. Âmbito de aplicação da lei de falências – 4. Conceitos importantes para análise da possibilidade de submissão dos entes do Terceiro Setor à recuperação judicial: 4.1 Diferença entre empresário e empresa; 4.2 O surgimento da sociedade civil e a caracterização do Terceiro Setor; 4.3 Associações e fundações no direito brasileiro – 5. O entendimento jurisprudencial sobre a recuperação judicial para associações e fundações – 6. Conclusão – 7. Referências.
Em que pese o importante papel que o Terceiro Setor ocupa na sociedade brasileira, o ordenamento jurídico nacional não prevê alternativas específicas de recuperação caso seus integrantes – que juridicamente se constituem na forma de associações ou fundações – enfrentem crises econômico-financeiras, restando a eles tão somente a incerta tentativa de renegociação de dívidas ou uma eventual obtenção de recursos externos. Ocorre que, no geral, os resultados dessas vias são insatisfatórios, tornando inevitável o encerramento das atividades.
Por isso, este trabalho terá como problemática central responder se o procedimento da recuperação judicial previsto na Lei nº 11.101 de 2005, doravante denominada lei de falências[1], pode ser aplicado aos entes do Terceiro Setor, ainda que não exista expressa previsão legislativa acerca dessa hipótese.
Com isso em vista, propõem-se que, muito embora o diploma falimentar não mencione diretamente a utilização do instituto por associações de interesse social e fundações, o seu art. 1º pode ser interpretado ampliativamente, de modo a alcançá-las.
Isso porque apesar da ausência de finalidade lucrativa, os integrantes do Terceiro Setor atuam semelhantemente aos empresários quando desenvolvem atividade econômica organizada e promovem a circulação de bens ou serviços.
Ademais, a lei de falências não traz qualquer óbice a essa possiblidade, pois no rol do art. 2º, que lista os entes inaptos a se recuperarem judicialmente, não há menção às associações e fundações. Ainda, mais adiante, no art. 47, fica claro que o principal objetivo do sistema da recuperação judicial é proteger a atividade empresária, não a pessoa jurídica empresária.
A constatação de que fundações e associações devem ter meios para se reestabelecerem caso encontrem empecilhos de ordem econômico-financeira não é nenhuma novidade.
O Poder Judiciário, isoladamente, já concedeu desde 2005 a recuperação judicial a organizações não empresárias, como: a Universidade de Cruz Alta; o Hospital Casa de Portugal; o produtor rural[2]; a Rede Ulbra de Educação; a Fundação Fucapi; o Hospital Evangélico da Bahia; e a Universidade Cândido Mendes.
Em 2009, o Projeto de Lei do Senado n° 219 sugeriu a alteração do art. 70º da lei de falências a fim de permitir que as associações e fundações pudessem requer um plano especial de recuperação (BRASIL, 2009). Nessa oportunidade, a proposta foi arquivada, porém a discussão continuou em pauta.
Mais recentemente, considerando a crise econômico-financeira oriunda dos impactos do COVID-19, o Projeto de Lei nº 1.397 de 2020[3], propõe a alteração da legislação relacionada para instituir medidas de caráter emergencial e transitório, que somente teriam vigência até a decretação do fim do estado de calamidade pública causado pela Pandemia (BRASIL, 2020a). Entre essas medidas, consta a possibilidade do Terceiro Setor se beneficiar da recuperação judicial.
O desfecho proferido nos julgados e as tentativas de mudança do sistema de insolvência evidenciam que as associações e fundações precisam de um instrumento capaz de evitar o encerramento de suas atividades. Como não há um instituto exclusivamente direcionado para esse fim e a jurisprudência ainda não traz um entendimento uniforme e absoluto a respeito do tema, faz-se necessário um estudo aprofundado do direito das empresas em crise em busca de alternativas.
Assim, o objetivo do presente artigo é analisar a aplicabilidade do art. 1º da lei de falências para os casos relacionados aos entes que constituem o Terceiro Setor.
A metodologia aplicada terá uma abordagem qualitativa, caracterizada primordialmente pela coleta de um referencial teórico e documental, cujos dados serão interpretados subjetivamente para evidenciar os aspectos da recuperação judicial no Brasil, elucidando se as associações e fundações podem se valer desse instituto.
Quanto à natureza, este trabalho desenvolverá uma pesquisa aplicada, cujo intuito é trazer uma orientação prática para a resolução de um problema concreto, qual seja, a inexistência de uma alternativa capaz de proporcionar o soerguimento das associações e fundações.
Por sua vez, os objetivos serão de ordem exploratória, com o levantamento de dados a respeito do sistema da recuperação judicial, mapeando as condições de manifestação desse objeto no que tange às entidades com interesses sociais.
As respostas acerca da problemática exposta neste estudo refletem no campo econômico, uma vez que o papel exercido pelo Terceiro Setor pode exigir uma longa cadeia produtiva, envolvendo fornecedores e empregados. E para além disso, a submissão da lei de falências a essas entidades filantrópicas representa – talvez – a única alternativa para manutenção de atividades notadamente relevantes para sociedade civil.
A análise histórica do tratamento dispensado às empresas insolventes no ordenamento jurídico nacional revela que, durante muitos anos, os modelos legislativos adotados pelo Brasil instituíram majoritariamente mecanismos voltados à liquidação da empresa em crise em detrimento da sua recuperação (CEREZETTI, 2012).
Contudo, fazendo ainda uma constatação histórica, é possível perceber certa dificuldade em definir isoladamente o escopo do antigo direito concursal brasileiro, pois, dependendo da situação econômica enfrentada, os objetivos oscilavam entre resguardar o interesse pessoal do devedor ou proteger os credores (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018a).
De todo modo, não importando qual fosse a orientação legislativa, inexistiam soluções criadas especificamente para promover o soerguimento e manutenção das atividades da empresa em crise (COMPARATO, 1970).
À época da vigência da antiga lei de falências, positivada pelo Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, Comparato criticou esse panorama, comentando que:
(...) o dualismo no qual se encerrou o nosso direito falimentar – proteger o interesse pessoal do devedor ou interesse dos credores – não é de molde a propiciar soluções harmoniosas no plano geral da economia. O legislador parece desconhecer completamente a realidade da empresa, dos empregados, do Fisco, da região, do mercado em geral – desvinculando-se da pessoa do empresário. De nossa parte, consideramos que uma legislação moderna da falência deveria dar lugar à necessidade econômica de permanência da empresa (...). A vida econômica tem imperativos e dependências que o Direito não pode, nem deve desconhecer. A continuidade e a permanência das empresas são um desses imperativos, por motivos de interesse tanto social quanto econômico (1970, p. 95).
Com inspiração no direito norte-americano e francês, em 2005, a nova lei de falências introduziu no ordenamento jurídico nacional a diretriz de proteção e restruturação da empresa viável, posicionando a dinâmica falimentar em favor de todas as classes que circundam a atividade empresária, inclusive do credor, através do mecanismo da recuperação judicial (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018a).
Apresentando a contraposição entre o sistema anterior e o atual, para Campos Filho:
A recuperação judicial (...) foi concebida para contemplar um feixe de interesses muito mais abrangente que os modestos limites da concordata, fosse ela preventiva ou suspensiva. Basta, para tanto, que se examine o teor do art. 47, que aponta a superação da situação de crise econômico-financeira, com o objetivo de manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, como meio hábil a promover a preservação da empresa, da função social que ela representa e do próprio estímulo à atividade econômica. (2006, p. 84).
Por isso, o art. 47 da lei de falências enuncia que:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (BRASIL, 2005).
O teor desse dispositivo esclarece que a nova legislação está estruturada de forma a privilegiar a manutenção da fonte produtora em detrimento da liquidação judicial, opção que também reconhece os altos custos investidos para que seja moldada a organização da empresa, impedindo, a dissipação das relações jurídicas envolvidas nesse contexto (PATROCÍNIO, 2014).
A introdução do instituto da recuperação foi, sem dúvidas, positiva e de extrema relevância, tendo em vista que impactos de uma crise, notadamente, não se restringem ao empresário e seus credores. Na verdade, as consequências alcançam a esfera dos trabalhadores, dos consumidores, da própria comunidade e do entorno onde a empresa está inserida (REQUIÃO, 1974).
Com base nessa forte ligação de fatores e na extensa gama de interesses que circundam a atividade empresária, Campinho destacou que:
O instituto da recuperação vem desenhado justamente com o objetivo de promover a viabilização da superação desse estado de crise, motivado por um interesse na preservação da empresa desenvolvida pelo devedor. Enfatize-se a figura da empresa sob a ótica de uma unidade econômica que interessa manter, como um centro de equilíbrio econômico-social. É, reconhecidamente, fonte produtora de bens, serviços, empregos e tributos que garantem o desenvolvimento econômico e social de um país. A sua manutenção consiste em conservar o “ativo social” por ela gerado. A empresa não interessa apenas ao seu titular – o empresário –, mas a diversos outros atores do palco econômico, como os trabalhadores, investidores, fornecedores, instituições de crédito, ao Estado, e, em suma, aos agentes econômicos em geral. Por isso é que a solução para a crise da empresa passa por um estágio de equilíbrio dos interesses públicos, coletivos e privados que nela convivem (2015, p. 128).
Ainda, avaliando a questão no âmbito dos investimentos de mercado, o fato da legislação oferecer alternativas para o enfrentamento de eventuais dificuldades econômico-financeiras – que não sejam o imediato encerramento das atividades – é um ponto positivo, pois:
As empresas e seus gestores tomam suas decisões de investimento e produção em função de sua expectativa de lucros futuros. Como as estratégias são traçadas em um ambiente de incerteza, não há a possibilidade de se proteger de todo o risco - pois os contratos são incompletos e há assimetria de informação. Nesse cenário, o marco legal falimentar funciona como um minimizador dos impactos dessa incerteza, pois sinaliza aos agentes a forma como serão resolvidos alguns conflitos quando a empresa é levada a uma situação de insolvência (COSTA; DAMASO; LISBOA; SANTOS, 2005, p. 31-32).
Nesse sentido, o teor das regras que recaem sobre as empresas em crise influencia na prospecção de custos do financiamento empresarial e apresenta-se como mais uma variável na avaliação dos riscos para empreender por parte de potenciais empresários (BUSCHINELLI, 2014).
Ou seja, é inviável ignorar a repercussão abrangente que a manutenção da unidade produtiva promove, de modo que o direito falimentar deve se preocupar em proteger a atividade empresária porque:
(...) o adequado funcionamento do mercado exige a tutela do crédito – sendo que, em uma situação de insolvência, o direito concursal provê mecanismos para satisfação o mais rápido possível de, pelo menos, uma parte dele –, conjugada com a proteção dos interesses das demais agentes, indivíduos e classes afetadas pela crise empresarial (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018a, p. 38).
Não por outro motivo, o grande foco da recuperação é “preservar a empresa, enquanto núcleo de interesses complexos de longo prazo, ante as eventuais disfunções financeiras de curto prazo” (BARRETO; NUNES, 2006, p. 310). Então, “se a empresa é econômica e financeiramente viável e/ou social, política e estrategicamente importante, ela não deve perecer (...)” (LOBO, 1998, p. 6).
A característica mais interessante e benéfica do instituto da recuperação reside no fato de que, através dela, procura-se “atender a um só tempo os direitos e interesses do devedor e de seus credores, mas também, quiçá sobretudo, os interesses coletivos e gerais, públicos e sociais, por ele direta e indiretamente abrangidos” (BARROS NETO, 2011, p. 22).
Nessa linha, conclui-se que o atual regime falimentar preza, em primeiro lugar, pela recuperação da empresa viável, considerando a sua função social e estímulo à atividade econômica, mas faz isso sem esquecer do adequado equilíbrio entre os interesses do devedor e dos credores (FERNANDES, 2011).
De todo modo, se a empresa tem condições de manter as suas atividades e promover a circulação de bens e serviços, o direito brasileiro, desde 2005, traz os mecanismos necessários à superação da crise e preservação das atividades.
2.1 A base principiológica instituída pela nova legislação falimentar
As inovações trazidas pela lei de falências provocaram a necessária redefinição dos princípios que norteiam o direito falimentar brasileiro.
Em linhas gerais, apesar de algumas variações, pode-se afirmar que a base principiológica apontada pela doutrina impreterivelmente serve ao objetivo primordial de garantir a continuidade das empresas viáveis e proteger os setores e grupos que se beneficiam – direta ou indiretamente – da atividade empresarial (TOMAZETTE, 2018).
Tratando da lei de falências em sua integralidade, Santos (2008) indica como princípios constituidores do sistema falimentar a igualdade entre os credores[4], a celeridade, a publicidade, a preservação da empresa, a viabilidade e a maximização do valor dos ativos do falido.
Para Fazzio Júnior (2005), o regime da insolvência é regido pelos princípios da viabilidade da empresa, da igualdade entre credores, da maximização de ativos e da preservação da empresa.
Salomão e Santos (2012) citam a preservação da empresa, a separação do conceito de empresa e empresário, a recuperação das sociedades viáveis e liquidação das não recuperáveis, a proteção aos trabalhadores, a redução do custo e do crédito; a celeridade e eficiência do processo, a segurança jurídica, a participação ativa dos credores, a maximização do valor dos ativos do falido, a desburocratização da recuperação quanto ao micro e pequeno empresário e o rigor na punição dos crimes.
Scalzilli, Spinelli e Tellechea (2018a), destacam de maneira detalhada a preservação da empresa, a separação da sorte da empresa e do empresário, a retirada da empresa inviável do mercado, a igualdade entre credores, o interesse e participação ativa dos credores, a redução do custo do crédito, a proteção ao trabalhador, a preservação e maximização dos ativos do falido, a celeridade eficiência e economia processual e, por fim, o favorecimento das empresas de menor porte.
Concentrando-se somente na recuperação judicial, Lobo (2005) afirma que a ela se aplicam os princípios da conservação e função social da empresa, da dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho e da segurança jurídica e da efetividade do direito.
Já Domingos (2009), elenca os princípios da preservação da empresa, da função social, da participação ativa dos credores, da igualdade entre credores, da proteção ao trabalhador e da publicidade como orientadores do processo recuperacional.
Entre os diversos princípios enumerados, tanto no âmbito geral da legislação falimentar, quanto na esfera específica da recuperação, a função social da empresa e a preservação da empresa têm um papel central e acabam por se destacar (TOMAZETTE, 2018).
Então, conferindo a esses princípios a ênfase necessária, sobre a função social da empresa, comenta-se que:
Curioso é que essa função social da empresa nada tem a ver com a prática de atos de caridade ou de cunho social, como em um primeiro momento pode parecer. Efetivamente, a empresa não cumpre função social ao doar itens aos desabrigados de uma enchente ou ao plantar árvores em áreas ambientalmente degradadas. Claro que essas são práticas louváveis, mas não se relacionam com a função das empresas (...).
A função da empresa se revela com o exercício de uma atividade lucrativa. Isso porque, ao perseguir o lucro, ela produz ou coloca ao alcance das pessoas a maior parte dos bens e serviços consumidos. Ao explorar a sua atividade, promove interações econômicas com outras empresas, movimentando a economia; compra, vende, paga salários e tributos, ajudando no desenvolvimento da comunidade em que está inserida; cria e, ao seu modo, distribui riqueza, é exatamente assim que a empresa cumpre função social (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018a, p. 124-125).
Quanto à preservação da empresa, Coelho (2016) o conceitua esse princípio como aquele cujo foco é a proteção da atividade econômica, valorizando-a como um objeto de direito de existência e desenvolvimento que ultrapassam os interesses pessoais do empresário ou dos sócios da sociedade empresária. Na verdade, o que se busca é a preservação da atividade, do empreendimento de caráter empresarial.
3 ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI DE FALÊNCIAS
A lei de falências, em seu art. 1º, institui que os institutos da recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência se aplica aos empresários e sociedades empresárias (BRASIL, 2005).
A redação do art. 1º enseja uma interpretação restritiva, levando à conclusão de que “as disposições da LREF aplicam-se ao empresário individual e à sociedade empresária, de modo que somente esses podem falir ou valer-se dos regimes recuperatórios (LREF, art. 1º) (...) ” (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018a, p. 141).
Tomazette (2018, p. 40) esclarece que “tais sujeitos, empresário individual, EIRELI e sociedade empresária, são espécies do gênero empresário e delimitam o âmbito de incidência da falência, da recuperação judicial e da recuperação extrajudicial, os quais não se aplicam a todos indistintamente, mas apenas a eles”[5].
A parte final do raciocínio de Tomazette é melhor compreendida quando verificado o art. 2º segundo da lei de falências, que lista os sujeitos que não podem se submeter aos institutos previstos no diploma falimentar. São eles: a empresa pública; a sociedade de economia mista; a instituição financeira pública ou privada, a cooperativa de crédito; a consórcio; a entidade de previdência complementar; a sociedade operadora de plano de assistência à saúde; a sociedade seguradora; a sociedade de capitalização e; entidades legalmente equiparadas às anteriores (BRASIL, 2005).
Ou seja, apesar do conceito de empresário, em boa medida, definir quem pode ter acesso aos institutos previstos no diploma falimentar, nem todas as pessoas jurídicas de natureza jurídica empresária foram abrangidas. Isso porque:
Por política legislativa (...) a LREF exclui alguns empresários de seu âmbito de incidência. É o caso das empresas estatais, excluídas por razões de interesse público no exercício de determinada atividade econômica, e daqueles agentes cuja crise econômica tem o condão de gerar risco sistêmico ou grave repercussão na economia, como é o caso das instituições financeiras e das operadoras de plano de saúde, dentre outros (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018a, p. 141).
De todo modo, a exposição dos critérios que definem a atividade empresária é importante para visualização concreta da esfera de incidência da recuperação judicial, extrajudicial e falência.
Nos termos do Código Civil:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (BRASIL, 2002).
Ainda, o art. 972 da mesma lei ressalta que “podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos” (BRASIL, 2002).
Da interpretação desses dois artigos, Gusmão (2005) conclui que os requisitos caracterizadores da figura do empresário são a capacidade para o exercício de atividade empresarial, o efetivo exercício de atividade econômica organizada, em caráter profissional e habitual.
Para Restiffe (2008) os elementos dos empresários podem ser expressos pelo binômio produção-intermediação e pela organização e profissionalidade.
Verçosa (2005) indica como requisitos o exercício de uma atividade de natureza econômica e organizada, a profissionalidade, e a finalidade de produção ou troca de bens ou serviços.
Assim, os agentes econômicos que não detém essas características são considerados não empresários, e, portanto, estão impossibilitados de recorrer à lei de falências. Citando expressamente, esse é o caso dos profissionais liberais, agentes autônomos dos ofícios, sociedades não empresárias e pessoas jurídicas de direito privado sem finalidade lucrativa (associações e fundações) (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018a).
A hipótese do produtor rural merece atenção. O art. 971 do código Civil instituiu que “o empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode (...) requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro” (BRASIL, 2002).
O Enunciado nº 202 da III Jornada de Direito Civil salienta que “o registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção” (BRASÍLIA, 2005, p. 62).
Desse modo, para se submeter ao regime da recuperação e falência, o produtor rural deveria proceder à competente inscrição na Junta Comercial. E não somente isso, segundo o art. 48 da lei de falências, o registro como empresário também deveria existir há mais de dois anos (BRASIL, 2005).
As exigências mudaram a partir de 2020, com a edição da Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020, que alterou a lei de falências para, entre outras modificações, permitir a contabilização do tempo anterior ao registro a fim de atender os dois anos que prevê a lei, além de conferir, expressamente, ao produtor rural a possibilidade de se recuperar judicialmente[6] (BRASIL, 2020c)[7].
Uma vez assimilado o atual escopo do sistema falimentar, as variáveis que circundam a chamada “atividade empresária” merecem destaque, a fim de viabilizar a constatação das pessoas jurídicas que, mesmos não sendo empresas propriamente ditas, promovem a circulação de bens e serviços de maneira organizada.
No mais, a apuração dos eventos instituidores do Terceiro Setor e suas características centrais, bem como o tratamento jurídico dispensado às associações e fundações, trará as diretrizes necessárias para que se compreenda a possibilidade de aplicação da recuperação judicial a esses entes.
4.1 Diferença entre empresário e empresa
Partindo do princípio de que o conceito de empresário é indispensável à identificação dos sujeitos abarcados pela lei de falências, faz-se necessário apurar precisamente quais as diferenças entre ele e a empresa propriamente dita.
Sobre o empresário, conforme já visto, o art. 966 do Código Civil e a doutrina (sem variações discrepantes) o caracterizam basicamente como aquele que exerce atividade econômica organizada voltada para circulação de bens ou serviços.
A empresa, por sua vez, foi descrita por Asquini (1996) como um fenômeno poliédrico de diversos significados. Nesse sentido, no perfil funcional, empresa é a atividade empresária; no perfil subjetivo, é entendida como o sujeito que exerce a atividade empresária; pelo perfil objetivo, é o estabelecimento utilizado para o exercício da sua atividade empresária.
Na mesma linha, traçando diferentes perfis para a empresa, Pimenta observa:
(...) a definição jurídica de empresa é obtida a partir de quatro características a ela inerentes:
1 – quanto ao objeto – trata-se de um gênero de atividades humanas. São atos e relações jurídicas habitualmente realizados com vistas à produção, à intermediação/circulação de bens ou, ainda, à prestação de serviços.
O objeto da empresa é o exercício habitual da produção ou distribuição de bens ou da prestação de serviços. Vale lembrar, porém, que, quanto à prestação destes serviços, estão excluídas aquelas atividades que denotem nítido vínculo personalíssimo entre o prestador e o tomador do serviço.
2 - quanto à finalidade – para o Direito, só há empresa quando a atividade por ela desenvolvida (produção ou distribuição de bens, prestação de serviços sem caráter personalíssimo) se efetua com intuito lucrativo. As atividades exercidas sem finalidade de ganho pecuniário estão apartadas da ideia jurídica de empresa e, logicamente, as pessoas que a elas se dedicam não são empresários.
3- quanto à forma – Economicamente a empresa se ampara sobre o modo pela qual são agrupados os fatores de produção. Em função disso também só se pode pensar em empresa, para o Direito, quando se encontram economicamente organizados os quatro fatores de produção fundamentais: capital, recursos naturais, trabalho e tecnologia. A empresa é exercida como finalidade lucrativa e de forma economicamente organizada.
4 – risco – A atividade empresarial implica na assunção maciça de obrigações de ordem patrimonial, obrigações estas que recairão sobre o patrimônio do sujeito de direito que a exerça (o empresário) (2012, p. 4932-4933).
Lima assevera que ''(...) no campo do Direito Comercial, a empresa é considerada do ponto de vista objetivo, como atividade de uma pessoa, física ou jurídica, que é o empresário'' (1991, p. 15).
Nas palavras de Salomão e Santos (2012, p. 17) “a empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou a circulação de bens ou serviços”.
Uma vez conhecendo os respectivos conceitos de empresário e empresa isoladamente, a diferenciação entre eles pode ser sintetizada da seguinte forma:
(...) tecnicamente, “empresa” significa a atividade (econômica e organizada, exercida profissionalmente para a produção ou circulação de bens ou de serviços), enquanto que “empresário” é quem exerce a atividade empresária (seja um empresário individual, seja uma sociedade empresária ou uma empresa individual de responsabilidade limitada), por meio do “estabelecimento” (entendido como complexo de bens organizados para o exercício da empresa por empresário individual ou por sociedade empresária) (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018a, p. 129).
Esse ponto é de extrema relevância para o objeto de estudo deste trabalho, haja vista que o objeto central da lei de falências não é o empresário individual ou a sociedade empresária, mas sim os fatores de produção devidamente organizados e voltados para circulação de bens e serviços (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018b, p. 229-230). Em outras palavras, o foco é a atividade, não necessariamente quem a exerce.
4.2 O surgimento da sociedade civil e a caracterização do Terceiro Setor
Antes de tratar especificamente sobre o Terceiro Setor, é preciso discorrer acerca do ambiente onde ele está incurso: a sociedade civil.
Em meados da década de 70, o modelo de Estado assistencial[8], voltado precipuamente à organização da economia e à garantia de acesso a serviços básicos, passou a apresentar falhas (SARMENTO, 2004). Isso porque o Poder Público se mostrou insuficiente para promover, por si só, o bem-estar social, fomentar o progresso econômico, resguardar o meio ambiente e, de modo geral, melhorar a qualidade de vida da população (DIAS, 2008).
Nesse cenário, a sociedade civil ganhou força, estabelecendo um canal de interlocução entre as demandas sociais e o Estado (PAES, 2020).
Em síntese, pode-se dizer que esse é o lugar onde surgem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de solucionar. Entre seus sujeitos estão as classes sociais, os movimentos, as associações de vários gêneros com fins sociais, os movimentos de emancipação de grupos étnicos de defesa dos direitos civis, de libertação da mulher e os movimentos de jovens, por exemplo (BOBBIO, 1987).
No Brasil, a princípio, esse setor ajudou no combate à ditadura militar e na luta pela redemocratização. Posteriormente, quando a Constituição Federal de 1988 atendeu à boa parte das reivindicações populares, as entidades sociais centraram seus esforços na consecução de atividades de interesse coletivo classificadas como filantrópicas (SOUZA, 2004). Nos dizeres de Justen Filho:
A sociedade tornou-se muito mais complexa para que suas necessidades sejam satisfeitas exclusivamente por parte do Estado. A cidadania impõe que os indivíduos e as empresas se organizem e atuem concretamente para minorar os problemas e combater as carências. A dignidade humana e a solidariedade são compromissos da Nação consigo mesma, e não um fardo a ser carregado apenas pelas instituições financeiras governamentais (2005, p. 30).
Essa atuação paralela em relação às atribuições do Estado criou as bases para sedimentação do que hoje é conhecido como Terceiro Setor, que conceitualmente pode ser caracterizado pela reunião de entidades de natureza privada sem fins lucrativos, voltadas ao interesse social e constituídas juridicamente na forma de associações ou fundações (PAES, 2020).
Em complemento, de acordo com Fernandes e Tavares Neto (2010, p. 373) o Terceiro Setor é um “(...) conjunto de iniciativas privadas, de caráter público, sem fins econômicos que funcionam estruturalmente como associações e fundações destinadas diretamente ao atendimento do interesse público”.
Santos (2001, p. 13) enxerga o Terceiro Setor como um “conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo privadas, não visam a fins lucrativos, e, por outro lado, sendo animadas por objetivos sociais, públicos ou coletivos, não são estatais”.
Delgado (2005, p. 9) acrescenta que o Terceiro Setor é desenvolvido “(...) por instituições com preocupações voltadas para a execução de práticas sociais, sem fins lucrativos, gerando, direta ou indiretamente, bens e serviços que se assemelham aos prestados pelo Poder Público”.
O levantamento mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre as organizações da sociedade civil aponta que em 2016, no Brasil, havia 237 mil fundações privadas e associações de interesse social. Esse quantitativo representa 4,3% das 5,5 milhões de entidades públicas e privadas, lucrativas e não-lucrativas do Cempre (Cadastro Central de Empresas) naquele ano (IBGE, 2019).
E a tendência é que a sociedade civil se fortaleça cada vez mais, uma vez que:
No Brasil e no mundo, é cada dia mais evidente que o Estado não é o proprietário exclusivo do interesse público, do altruísmo social. Não somente porque muitas vezes alguns setores estatais são indevidamente tomados por interesses corporativos, se sobrepondo ao interesse público a que estariam destinados por institucionalização, como também porque, na sociedade liberal capitalista democrática, o interesse privado, mais do que um motor, é um valor a ser protegido e estimulado. É um valor de interesse público. Sem a defesa da pessoa, da propriedade, da liberdade, inexistem mercado e voto. Mais ainda, os cidadãos e empresas não agem exclusivamente movidos pelo interesse privado. Muitas vezes agem privadamente para concretizar o interesse público (FALCÃO, 2006, p. 97).
Dito isso, inobstante a execução de atividades de interesse social, as entidades do Terceiro Setor definitivamente não detêm natureza pública, haja vista que, embora atuem onde o Poder Público falha, não se confundem com o Estado ou com o seu regime (TOMAZETTE, 2005).
Hudson (2004) lembra que os objetivos principais dessas organizações são sociais, não econômicos, envolvendo empreendimentos como instituições de caridade, organizações religiosas, entidades voltadas para as artes, organizações comunitárias, sindicatos, associações profissionais e outras organizações voluntárias, criadas e mantidas por pessoas que identificam a necessidade de mudanças e se propõem a tomar as providências quanto a isso por seus próprios meios.
Mas nem por isso o Terceiro Setor opera as suas iniciativas em concorrência com movimentos estatais, tentando substitui-lo. O que ele busca é tão somente uma autuação subsidiária, visando apoiar iniciativas sociais (PAES, 2020, p. 84).
Durante muitos anos, seus integrantes foram conhecidos pela nomenclatura “organizações não governamentais” (ONGs). Isso por influência do sistema de representação da Organização das Nações Unidas (ONU), que assim designava os entes que, apesar de não representarem governos, tinham sólidos fundamentos para justificar sua presença formal junto à entidade (FERNANDES, 1997).
A popularização do termo ONG no Brasil ocorreu a partir da década de 70, contudo, hoje em dia, há uma preferência pelo emprego da expressão “organização da sociedade civil” (OSC), a fim de valorizar os verdadeiros protagonistas desses entes, quais sejam, os cidadãos, membros da sociedade. Nesse sentido, Fernandes observa:
Fala-se hoje das “organizações da sociedade civil” (OSC) como um conjunto que, por suas características, distingue-se não apenas do Estado, mas também do mercado. Recuperada no contexto das lutas pela democratização, a ideia de “sociedade civil” serviu para destacar um espaço próprio, não governamental, de participação nas causas coletivas. Nela e por ela, indivíduos e instituições particulares exerceriam a sua cidadania de forma direta e autônoma (1997, p. 27).
Outras nomenclaturas utilizadas para fazer referência às organizações do Terceiro Setor são: Organização Social (OS) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
Em conformidade com as estipulações da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998 (lei das OSs), a OS é uma qualificação que pode ser concedida pelo Poder Executivo às pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, destinadas ao exercício de atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura ou à saúde (BRASIL, 1998).
A OSCIP, por sua vez, é regulada pela Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999 (lei das OCIPs), e também é uma qualificação, só que conferida às pessoas jurídicas de direito privado sem objetivos econômicos que possuem como finalidade um – ou mais – dos seguintes objetivos: assistência social, cultura, educação, saúde, segurança alimentar e nutricional, voluntariado, desenvolvimento econômico e social, combate à pobreza, geração de emprego, promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros direitos universais (BRASIL, 1999).
As leis das OCs e OCIPs apenas instituem classificações que podem ser requeridas pelas organizações de interesse social de maneira voluntária, mas que não representam uma regulamentação direta do Terceiro Setor.
Inclusive, a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que foi apelidada de “Marco Regulatório do Terceiro Setor” também não cumpre esse papel. Na verdade, essa lei se restringe a estabelecer o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as entidades sem fins lucrativos, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco (BRASIL, 2014).
Ou seja, é fato que “não existe ainda no âmbito do sistema normativo brasileiro, uma definição jurídica do que será esse Terceiro Setor, ou uma qualificação de entidades jurídicas já existentes para as tarefas concernentes àquele” (PAES, 2020, p. 93). Portanto, é necessária a edição de uma legislação específica que o regulamente como um todo, inclusive abarcando hipóteses sem a participação do Poder Público.
4.3 Associações e fundações no direito brasileiro
As entidades do Terceiro Setor se constituem na forma jurídica de associações de finalidade social e fundações privadas.
Para adequada compreensão do tema deste trabalho, cada uma dessas pessoas jurídicas será abordada separadamente.
Iniciando pelas associações, o art. 53 do Código Civil enuncia que a sua constituição é fruto da união de pessoas que se organizam para fins não econômicos (BRASIL, 2002). E mais:
Associação, de acordo com as lições de Maria Helena Diniz, é a forma pela qual certo número de pessoas, ao se congregarem, coloca, em comum, serviços, atividades e conhecimentos em prol de um mesmo ideal, objetivando a consecução de determinado fim, com ou sem capital sem intuitos lucrativos. Poderá ter finalidade: a) altruística (associação beneficente); b) egoística (associação literária, esportiva ou recreativa); e c) econômica não lucrativa (associação de socorro mútuo) (PAES, 2020, p. 10).
Analisando os objetivos para os quais as associações podem se destinar, percebe-se que não necessariamente o seu intuito será social. Por isso, é importante deixar claro que integram o Terceiro Setor apenas as associações que atendem a demandas socialmente relevantes[9].
Outrossim, elas não se confundem com as sociedades por uma característica principal: a ausência de finalidade lucrativa.
Segundo Sidou (2004), no caso das sociedades, os fins econômicos reservam-se aos sócios que se obrigam a contribuir para o exercício de uma atividade econômica e a partilhar, entre si, os resultados (lucros) obtidos. O que evidentemente não ocorre nas associações, de tal maneira que os recursos obtidos por ela são revertidos unicamente na manutenção de suas atividades (PAES, 2020).
Quanto às fundações, sua previsão consta no art. 62 do Código Civil, que restringe a sua instituição para fins de: assistência social; cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; educação; saúde; segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; atividades religiosas (BRASIL, 2002). Ou seja, também não podem ter fins lucrativos.
Nery e Nery Júnior complementam a caracterização das fundações:
As fundações são pessoas jurídicas de direito privado (CC, 44, III), instituídas formalmente, por escritura pública ou por testamento, mediante dotação especial de bens livres, visando atingir determinado fim (CC, 62). (...) São três os elementos essenciais da fundação: complexo de bens (collegium bonorum), personalização e finalidade. A fundação é patrimônio personalizado dirigido a um fim (2011, p. 276).
Diferentemente do que ocorre com as associações, as fundações sempre têm fins sociais (PAES, 2020). Então, para estarem inseridas no âmbito do Terceiro Setor, o requisito básico é que elas sejam instituídas sob a égide do direito privado, em contraposição às fundações públicas, previstas no art. 37 da Constituição Federal[10].
Após expor as particularidades das associações e fundações, um ponto de distinção entre essas pessoas jurídicas merece ser ressaltado:
A diferença entre as associações e fundações é capital. Enquanto naquelas, as associações, predomina o elemento pessoal – quer dizer, a pessoa jurídica que se organiza em torno de um elemento fundamental, que é o agrupamento das pessoas físicas que a compõe –, nas fundações a pessoa jurídica se organiza em torno de outro elemento fundamental, que é o patrimônio destinado à consecução dos fins sociais (PAES, 2020, p. 16).
Em concordância com esse entendimento, Dantas diz:
Na fundação, o que avulta é o patrimônio. O patrimônio se destina àquele fim e as pessoas se reúnem apenas para pôr em atividade aquele patrimônio, para fazê-la funcionar; as pessoas passam, não tem importância; o que tem importância é o patrimônio. Pelo contrário, nas associações, o interesse fundamental está nas pessoas, são as pessoas o que importa, o patrimônio, não há dúvida, mas é um aspecto secundário (1977, p. 215).
Outra questão determinante para as conclusões desta pesquisa é a possibilidade que as associações e fundações têm de atuarem como agentes econômicos, ainda que, por imposição legal, não lhes seja permitido ter finalidade lucrativa.
Sobre essa hipótese, tem-se que:
A lei brasileira não veda o exercício de atividades comerciais ou industriais pelas fundações ou pelas associações. Ela condiciona, apenas, que as atividades não tenham fins lucrativos e que sejam realizadas no estrito cumprimento das finalidades estatutárias da entidade.
O importante é sabermos e identificarmos se o exercício de uma atividade empresarial por uma fundação ou associação desnatura sua essência e se choca com o seu caráter altruísta, se esta atuação é legal e ética.
Tradicionalmente, tende-se a negar a possibilidade de que as fundações e as associações possam intervir na distribuição de bens e serviços de forma empresarial. Suas receitas deveriam proceder unicamente dos rendimentos de seu patrimônio ou de doações e subvenções, e sua atividade deveria ser limitada a um âmbito meramente de prestação de serviços de caráter gratuito.
Na atualidade, evidencia-se a necessidade de que as fundações e as associações devem intervir no mercado, para obtenção de recursos que possibilitem o cumprimento efetivo de seus fins (PAES, 2020, p. 412).
Desse modo, o exercício de atividades comerciais e industriais por parte das associações e fundações não é absolutamente proibido, sendo muitas vezes indispensável para sobrevivência da entidade.
Retomando as disposições da lei de falências, art. 1º direciona seu escopo de aplicação ao empresário e à sociedade empresária (BRASIL, 2005). Ocorre que os Tribunais brasileiros têm relativizado esse comando legal para conferir às associações e fundações a possibilidade de se recuperarem judicialmente através de uma interpretação finalística, focada primordialmente nos princípios da preservação da empresa e de sua função social, os grandes informadores do direito falimentar.
Entretanto, muito além da aplicação desses princípios, as decisões têm por base dois argumentos principais: primeiro, a conclusão de que o art. 1º da lei de falências não deve ser interpretado restritivamente, pois o que o instituto da recuperação busca proteger é a atividade empresária, não o empresário; segundo, a constatação de que as fundações e associações não foram listadas no rol do art. 2º que define os sujeitos terminantemente proibidos de se submeterem à lei de falências.
Em uma abordagem cronológica, a evolução desse entendimento jurisprudencial começou a se desenvolver com o caso da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), instituição de ensino superior da região noroeste do Rio Grande do Sul, constituída sob a forma jurídica de fundação. Em 2005, o Ministério Público Estadual interveio na UNICRUZ para combater a grave crise política e os problemas de desequilíbrio financeiro instaurados na instituição. O pedido pelo deferimento do processo recuperacional ocorreu no seguinte contexto:
Em 2005, houve a destituição da Reitoria, através da operação TOGA. No dia 07 de novembro de 2005, os então administradores foram afastados das funções a pedido do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e deferido pelo Poder Judiciário, sob suspeição e indícios de gestão temerária, conforme autos do Processo nº 1.050005014-6. Na sequência, foi nomeado um Administrador Judicial pelo mesmo poder.
No momento da intervenção, a Instituição encontrava-se em situação caótica: endividamento fiscal, a maior soma correspondente a Imposto de Renda retido e não recolhido aos cofres públicos; dívidas com fornecedores até mesmo de energia elétrica e telefonia; salários atrasados; dívida bancária muito significativa; falta de regularidade fiscal até mesmo na esfera municipal; a maioria dos cursos sem renovação de reconhecimento e um enorme passivo trabalhista.
No período de novembro de 2005 a abril de 2008, tempo da gestão judicial, buscou-se resolver as questões da dívida, através de parcelamentos, estruturou-se a dívida trabalhista e implementaram-se medidas que viessem permitir a obtenção de regularidade fiscal. Os dezessete cursos com reconhecimento por renovar, ou até mesmo dois sem reconhecimento, foram avaliados por comissões externas do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação e Cultura – INEP/MEC (UNICRUZ, 2017, p. 23-24).
Indubitavelmente, a concessão da recuperação judicial à UNICRUZ tem a sua relevância, no entanto a construção dos argumentos que evidenciam a possibilidade de aplicação do instituto a entes não empresários ganhou mais forma e clareza em outras oportunidades.
Em 2008, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.004.910, confirmou a recuperação judicial deferida em primeira instância ao Hospital Casa de Portugal, uma associação civil sem fins lucrativos instalada na cidade do Rio de Janeiro. Apesar da Corte não ter enfrentado diretamente o ponto que diz respeito à legitimidade que as associações têm de requerer a recuperação, ainda assim a decisão da 4ª Turma do STJ destacou que o principal objetivo da lei de falências é a preservação da atividade econômica:
Nesta conformidade, lembrando ainda que a finalidade maior da recuperação judicial é a preservação da atividade econômica e dos postos de trabalho, creio deva ser aplicada a teoria do fato consumado à espécie, sob pena de extinção da recorrente, entidade fundada há quase oitenta anos (BRASIL, 2008, p. 12).
Outro julgado que merece destaque é o Recurso Especial nº 1.193.115, julgado em 2013. Ali foi discutida a possibilidade da recuperação judicial para os produtores rurais sem inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Embora não tenha enfrentado as condições de admissibilidade do pedido de recuperação nessas circunstâncias, a decisão consignou que a concessão do benefício está atrelada à devida comprovação documental da qualidade de empresário (BRASIL, 2013), isto é, ao registro na respectiva Junta Comercial, nos termos do art. 971 do Código Civil[11].
Ainda tratando sobre o produtor rural, mas rompendo brevemente a linha do tempo traçada até então, destaca-se que em 2020 o STJ definiu nos autos do Recurso Especial nº 1.800.032 que não obstante o produtor rural precise do registro para requerer a recuperação judicial, a comprovação do prazo mínimo de dois anos de atividade exigido pelo art. 48 da lei de falências pode incluir o período anterior à formalização na Junta Comercial:
Sob a ótica da recuperação judicial, o art. 48 da Lei 11.101/2005 expõe as condições de admissibilidade ao requerimento da recuperação judicial, nos seguintes termos:
"Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: (...)."
Aplicando-se a norma acima ao produtor rural, tem-se que, após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), obtém condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial bastando que comprove, no momento do pedido de recuperação, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, computar, para efeito de perfazer os mais de dois anos exigidos por lei, aquele período anterior ao registro, quando exercia regularmente sua atividade rural sob o regime do Código Civil. Note-se que, aqui, o exercício regular de suas atividades comporta o cômputo do período anterior ao registro, pois, como se viu, tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade (BRASIL, 2020b, p. 8-9).
Retornando à ordem cronológica, em 2019 o Tribunal de Justiça do Amazonas deferiu a recuperação judicial da fundação Fucapi, por considerar a função social empreendida pela instituição e também por entender que a lei de falências não traz qualquer vedação à hipótese:
Conforme exposto na referida decisão, no caso específico da Fundação Centro de Análises, Pesquisa e Inovação Tecnológica – FUCAPI, não podemos fechar os olhos e tratá-la tão somente como uma fundação, hipótese que, a princípio, não caberia RJ. Diante de suas especificidades, é cabível recorrer ao Instituto da Recuperação Judicial por desenvolver atividade educacional, captando lucros e gerando empregos. Ademais, repito que não há vedação legal a tanto e o Poder Judiciário deve reconhecer a real importância da recuperanda no nosso Estado, sendo um polo de referência na área de pesquisa e ensino (AMAZONAS, 2019, p. 322).
No final do mesmo ano, a Ulbra, por meio da Apelação nº 5000461-37.2019.8.21.0008, recorreu de decisão que negou o seu pedido de recuperação judicial. Em primeiro grau, o juízo da 4ª Vara Cível do Foro da Comarca de Canoas, Rio Grande do Sul, entendeu que a apesar da Ulbra ter comprovado a modificação de sua forma jurídica de associação civil para sociedade empresária, os requisitos do art. 48 da lei de falências não estariam preenchidos, pois, até aquele momento, o exercício regular de atividade empresária por mais de dois anos era inexistente (RIO GRANDE DO SUL, 2019).
Na mesma linha do que foi decidido no caso do produtor rural em 2020, o recurso foi provido para reconhecer que antes da modificação societária, a Ulbra já atuava como agente econômico e, portanto, poderia passar pelo processo recuperacional:
A devedora exercia inescondível atividade de ensino privado, de natureza empresária, tanto que arregimentou gigantesco patrimônio, superior a 2 bilhões de reais, situação já destacada no voto. Logo, como instituição de ensino privado, auferia lucro, modo inescondível. A situação de ter gozado de filantropia nada muda a essência do caráter
empresarial.
Não há exigência legal de que a atividade seja exercida há mais de dois anos após o registro na Junta Comercial, como empresário ou comerciante, outro argumento surrado no voto. Na verdade, e retomo o ponto apenas para esclarecer, se é que alguma
dúvida pode ter existido, os dois anos referidos no art.48 da Lei de Regência é de exercício de regular atividade, requisito que a devedora desempenha com sobras, pois exerce regularmente a mesma atividade há mais de 40 anos. Não há uma linha sequer no referido artigo que leve à conclusão de que os dois anos de exercícios tenha que ser após o registro na Junta Comercial (...). (RIO GRANDE DO SUL, 2019, p. 32).
No ano de 2020 a 1ª Vara empresarial de Salvador deferiu o processamento da recuperação judicial da associação civil sem fins lucrativos Hospital Evangélico da Bahia, explicitando que:
(...) verifica-se que a Requerente se constitui de uma associação civil sem fins lucrativos e que desenvolve suas atividades no ramo hospitalar, atividade essa considerada econômica, sendo de fácil constatação pela documentação que instrui a inicial, que sua organização é equiparada a de empresa, e que coloca bens e serviços no mercado, buscando superávit, sustentabilidade econômica e crescimento patrimonial, onde a única diferença é que o "lucro" aferido é direcionado ao incremento da própria atividade, ou seja, não há divisão de lucros.
5. A controvérsia surge quando da interpretação literal do art. 1º da Lei 11.101/2005, que reza o instrumento recuperacional somente está disponível a empresários e sociedades empresárias, e, nessa óptica, estariam excluídas as associações, cooperativas, fundações e demais agentes econômicos. Essa controvérsia, todavia, passa a sucumbir quando analisamos a norma esculpida já no artigo seguinte - 2º-,
que, de forma taxativa, estabelece os excluídos, sem citar, por exemplo, as associações sem fins lucrativos. É um indicativo clássico de omissão da norma, e que exige uma interpretação extensiva, sob pena de excluirmos da possibilidade de recuperação entidades que embora não se traduzam no conceito clássico de empresária, pratica atividade econômica só diferenciada pela não divisão de lucro. A esse raciocínio, imprescindível acrescentar que, exercendo todas as atividades econômicas similares e não poder buscar um plano de equilíbrio econômico de suas atividades, somente lhe restará a quebra através da insolvência (...) (BAHIA, 2020, p. 2).
Por fim, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu também em 2020 à associação civil Instituto Cândido Mendes o direito de se recuperar judicialmente. O Acórdão do Agravo de instrumento nº 0031515-53.2020.8.19.0000 dá ênfase ao fato de que – mais uma vez – o art. 2º da lei de falências não menciona as associações e, além disso, as atividades do instituto têm impacto social e econômico:
Note-se que, na norma contida no art. 2º da LFRJ, diz-se que esta lei não se aplica a:
I - empresa pública e sociedade de economia mista; e
II - instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
Não se extrai do dispositivo legal estejam incluídas nesse rol as associações sem fins lucrativos, não se podendo dar interpretação extensiva à referida norma.
(...)
O cerne da questão não está, pois, na natureza jurídica do agente econômico, mas no impacto da atividade econômica por ele empreendida, na economia e na sociedade.
Ainda que formalmente registrada como associação civil, a entidade de ensino, instituída em 1902, no início do século XX, em que predominava o laisser faire, o laisser passer, que tout le monde va bien, a toda evidência, desempenha atividade econômica lucrativa, que repercute jurídica e economicamente (RIO DE JANEIRO, 2020, p. 1831).
Todo esse cenário indica uma tendência da jurisprudência pátria em consolidar esse entendimento pela interpretação ampliativa da lei de falências, de forma a proporcionar para os integrantes Terceiro Setor uma alternativa de soerguimento.
6 CONCLUSÃO
Em 2005, a instituição da atual lei de falências trouxe uma importante mudança de paradigma, em substituição ao regime da concordata. O direito falimentar, que antes tinha uma visão eminentemente liquidatária, passou a valorizar a função social da empresa e a sua preservação, assumindo um caráter recuperacional.
Em termos práticos, isso significa que a empresa em crise pôde contar a partir de então com uma alternativa voltada especificamente ao seu soerguimento: a recuperação judicial.
Para um país como o Brasil, que constantemente enfrenta cenários de instabilidade econômica e convive com altos índices de desemprego, essa reestruturação foi adequada e bem-vinda. A atividade empresarial cria empregos, promove a circulação de bens e serviços e gera renda, de modo que é benéfico ao próprio Estado criar mecanismos a fim de protegê-la.
A atual legislação é, em linhas gerais, bem-sucedida nesse ponto. Contudo, os seus impactos positivos poderiam ser ampliados.
O art. 1º da lei de falências enuncia que estão sujeitos à recuperação judicial especificamente o empresário e a sociedade empresária.
Na sequência, o art. 2º lista aqueles que não têm direito ao instituto: empresas públicas; sociedades de economia mista; instituições financeiras públicas ou privadas; cooperativas de crédito; consórcios; entidades de previdência complementar; planos de assistência à saúde; sociedades seguradoras; sociedades de capitalização e equiparadas.
Inexiste qualquer menção às figuras jurídicas das associações de interesse social e fundações no texto legal. Seja para conferir a prerrogativa de se recuperar judicialmente ou para proibir essa possibilidade, nada é dito sobre as organizações do Terceiro Setor.
Ocorre que, apesar da ausência de fins lucrativos, esses entes podem exercer atividade empresarial, desde que os recursos conquistados sejam destinados exclusivamente à consecução dos objetivos que motivaram a criação da pessoa jurídica.
As associações e fundações, quando atuam como agentes econômicos, organizam fatores de produção e colocam bens e serviços no mercado, portanto, há necessariamente uma busca pelo equilíbrio econômico e crescimento patrimonial. Porém, diferentemente do que ocorre nas empresas, os lucros não são distribuídos entre os associados ou instituidores, mas sim aplicados na promoção das ações filantrópicas.
Analisando pela ótica do exercício de uma atividade empresarial, não seria nenhum absurdo equiparar os empresários aos membros do Terceiro Setor. Com base nesse critério, fundações e associações com fins sociais, consequentemente, deveriam ter direito ao processo de recuperação, até porque a lei não proíbe expressamente essa hipótese.
Pelo contrário, o art. 47 do diploma falimentar, ao estabelecer seus princípios norteadores, evidencia que o objetivo do instituto não é preservar o empresário em si, mas sim a fonte produtora e a atividade econômica desempenhada.
Reconhecendo essa lógica, tribunais de todo o país já deferiram o processamento da recuperação judicial a entidades constituídas na forma de associações e fundações.
Constata-se, portanto, o início da adequada e pertinente consolidação do entendimento de que o diploma falimentar pode ser interpretado ampliativamente, conferindo ao Terceiro Setor o mecanismo da recuperação judicial.
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Agravante: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Agravado: Associação Sociedade Brasileira de Instrução. Rel. Des. Nagib Slaibi. Rio de Janeiro, RJ, 02 de setembro de 2020. Diário de Justiça, Rio de Janeiro-DF, 15 de outubro de 2020. Disponível em: https://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/TJ-RJ/attachments/TJ-RJ_AI_00315155320208190000_ac539.pdf?AWSAccessKeyId=AKIARMMD5JEAO67SMCVA&Expires=1643485276&Signature=StAboDm0zGH3iZqEvBeTFK6I5rI%3D. Acesso em 29 jan. 2022.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 5000461-37.2019.8.21.0008. Apelação cível. Recuperação judicial. Exercício regular de atividades comerciais há mais de dois anos. Pressuposto processual de legalidade estrita. Realidade material que infirma a presença superior do biênio exigido em lei. Preponderância dos princípios assecuratórios de superação da situação de crise. Manutenção da fonte produtora, do emprego e dos interesses dos credores. Situação excepcional. Apelante: Aelbra Educacao Superior - Graduação e Pós-graduação S.A. Apelado: Export Import Bank of The United States e Fazenda Nacional. Rel. Des. Niwton Carpes da Silva. Porto Alegre, RS, 13 de dezembro de 2019. Diário de Justiça, Porto Algre-RS, 13 de dezembro de 2019. Disponível em: https://www.ulbra.br/upload/fd0bd5890c87640531e530820beb03b2.pdf. Acesso em 29 jan. 2022.
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[1] Também conhecida como “atual lei de falências”, “diploma falimentar”, “legislação falimentar”, “LRF” e “LREF”.
[2] A atual lei de falências, em seu art. 48, §2º, prevê a possibilidade da recuperação judicial para os produtores rurais (BRASIL, 2005), no entanto, antes mesmo da expressa autorização legislativa, os Tribunais já concediam o benefício, conforme será exposto adiante. Ressalta-se que a mudança legal ocorreu recentemente, por meio da Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020.
[3] Projeto já aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado ao Senado Federal, onde tramita atualmente.
[4] Também chamada de “par conditio creditorum”.
[5] Em que pese o autor fazer menção à EIRELI, destaca-se que, com a publicação da Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021, essa forma jurídica foi extinta e substituída pela atual Sociedade Limitada Unipessoal, nos termos do art. 41 do referido diploma legal (BRASIL, 2021).
[6] Art. 1º A Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, passa a vigorar com as seguintes alterações: (...)
Art. 48 (...) § 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente. § 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
[7] As mudanças na legislação falimentar no que concerne ao produtor rural estão em plena consonância com a jurisprudência acerca do tema, cujo entendimento será detalhado no decorrer deste trabalho.
[8] Também conhecido como “Estado de bem-estar social” e “Welfare State”.
[9] A conclusão é extraída da própria conceituação do Terceiro Setor, detalhada anteriormente. As organizações integrantes dessa classificação devem ter finalidade social.
[10] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação
[11] Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Carla Pinheiro. Recuperação judicial para os entes do terceiro setor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2022, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58076/recuperao-judicial-para-os-entes-do-terceiro-setor. Acesso em: 23 dez 2024.
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