ERIC JOSÉ MIGANI[1]
RESUMO: Através de pesquisa teórica fundamentada em levantamento teórico conceitual, buscou o presente artigo abordar os principais efeitos da reforma trabalhista e seus impactos nas relações de trabalho no Brasil. Tal estudo partiu da hipótese de que a reforma trabalhista incorporada pela Lei nº 13.429/2017, tem funcionado como um mecanismo de precarização do trabalho e a sua regulação contribui para a extensão da instabilidade das relações trabalhistas no Brasil, que estimulou à ampliação da flexibilização do trabalho e dos direitos do trabalhador. Constatou-se que, dadas as inúmeras modificações na legislação trabalhista, existe a necessidade da adaptação dos trabalhadores a um mercado de trabalho cada vez mais flexível, o que intensificou a precariedade dos que laboram em jornadas exaustivas, em ambientes mercadológicos cada vez mais disputados, especialmente com a chegada dos ambientes virtuais e plataformas digitais. Assim, a lei passa a formalizar juridicamente a precarização das relações de trabalho, acentuando ainda mais as taxas de informalidade e a desregulamentação dos direitos trabalhistas.
PALAVRAS-CHAVE: Relação de Trabalho. “Pejotização”. Reforma trabalhista.
INTRODUÇÃO
O conteúdo apresentado neste artigo acadêmico científico busca explicitar, de forma analítica, os dispositivos legais que tratam das proteções e garantias jurídicas dispensadas à relação de trabalho bem como suas implicações, em especial no que tange a possibilidade das práticas flexibilizadoras nas relações trabalhistas no cenário socioeconômico brasileiro atual.
Conforme descreve Garcia (2018), a adoção dos elementos de flexibilização nas mais variadas relações de natureza social, se faz um dos fenômenos jurídicos característicos e decorrente do processo evolutivo do percurso jurídico/comercial no período compreendido na pós-modernidade.
O presente artigo aborda a temática da relação de trabalho em geral tendo em vista as grandes discussões existentes em torno da reforma trabalhista especificamente sobre utilização de empresa interposta, destacando-se os pontos positivos e negativos para os trabalhadores e, em paralelo, busca trazer uma abordagem sobre o impacto da informatização na vida social e a precariedade empregatícia decorrente desse processo evolutivo.
O texto resultante do estudo abordará ainda o fenômeno que vem se tornando típico dentro determinadas relações trabalhistas, que é a “pejotização”, ou seja, o ato de se elaborar um contrato de trabalho fraudulento descaracterizando-se a relação de emprego com a finalidade de aumentar os lucros empresariais.
O tema foi escolhido em razão da suma importância diante da relação de labor entre empregado - parte considerada mais fraca da relação -, e o empregador, que nesse aspecto é visto como parte que visa ludibriar a lei trabalhista e consequentemente os direitos do trabalhador.
Diante desses fatos busca-se apresentar a definição e os requisitos de uma relação de emprego, englobando a diferenciação entre relação de trabalho e relação de emprego; quais leis embasam a pejotização como algo lícito e ilícito para a relação de labor; e quais princípios legais guarnecem essa relação, especificamente relacionado ao empregado. Foram estudados ainda, os fatores influenciadores que ensejam a precarização das relações trabalhistas, e as consequências na relação de labor para o empregador e empregado.
O estudo implementado teve como fundamentação metodológica a pesquisa bibliográfica e documental, além da revisão de literatura, necessária para o embasamento teórico e conceitual, tendo como foco de análise a realidade das relações trabalhistas e a incidência do fenômeno da “pejotização”. Dessa forma, tem-se que a presente pesquisa é de cunho bibliográfico, utilizando-se de uma análise doutrinária, buscando estabelecer através da leitura à lei; doutrina; julgados; jurisprudências pertinentes; materiais disponíveis em meios eletrônicos; e outras publicações que versam sobre o assunto em estudo, de maneira a extrair destas fontes, elementos suficientes para teorizar os objetivos citados.
Portanto, o artigo tem como principal finalidade, demonstrar as principais modificações com relação aos elementos das relações trabalhistas e o seu controle efetivo por parte das instituições garantidoras da preservação dos direitos do trabalhador diante dessa nova realidade trabalhista, que se mostra cada vez mais forte e usual, e que pode afetar diretamente a esfera dos direitos fundamentais existentes na esfera trabalhista.
1 DA VALORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO
Com o surgimento da Constituição Federal Brasileira em 1988, houve uma transição democrática do Direito do Trabalho Brasileiro, deixando para trás o antigo modelo corporativo. A Constituição de 1988 avançou no aspecto trabalhista, onde os artigos 6º, 7º ao 11º, dispõem respectivamente sobre o direito social do cidadão ao trabalho e os principais direitos para os trabalhadores regidos sob as leis brasileiras.
Os direitos sociais estão dentro da segunda dimensão dos Direitos Fundamentais –a igualdade -, ligado ao valor da igualdade material, sendo estes efetivados por ações diretas do Estado - as políticas públicas -, tendo os indivíduos o direito de exigir a prestação concreta desses direitos, no caso aqui o direito ao trabalho.
As regras de direito do trabalho, em rigor, surgem da convivência social e da necessidade natural do homem de um ordenamento jurídico para regular tal convívio. Dessa forma, as normas trabalhistas assumem um caráter instrumental na busca de determinados valores idealizados pela sociedade.
Segundo a ampla doutrina existente acerca do direito do trabalho, os princípios podem exercer uma tripla função, sendo a função informativa, que tem por objetivo nortear o legislador na elaboração das normas, a função normativa ou integrativa do ordenamento jurídico, que supre, por exemplo, as suas lacunas e, a função interpretativa que auxilia na compreensão das normas jurídicas.
Evaristo de Moraes Filho leciona que “as fontes reais ou primárias do direito do trabalho originam-se do mesmo húmus social como as outras espécies jurídicas...”. E as fontes formais do direito do trabalho seriam heterônomas (lei, regulamento, sentença normativa, regulamento de empresa, quando unilateral) e autônomas (costume, regulamento de empresa, quando bilateral, e a convenção coletiva). (apud MARANHÃO, 1991, p. 151).
As fontes por sua vez, podem ser classificadas em primárias, ou seja, as leis e, secundárias, o costume, a jurisprudência e doutrina. Contudo, também podem ser classificadas como fontes materiais e formais. Veja-se:
As fontes materiais são as fontes primordiais do direito e compreendem o conjunto dos fenômenos sociais, políticos, econômicos, históricos, religiosos, a cultura, a ideologia, e a necessidade de harmonização da conduta humana. (LEITE, 2018, p.74).
Carlos Henrique Bezerra Leite (2018), assevera que as fontes formais são as que instrumentalizam as fontes materiais, conferindo-lhes o caráter de direito positivo, e dividem-se em: fontes formais diretas, sendo estas, as leis, em sentido genérico e os costumes, as fontes formais indiretas, doutrina e jurisprudência e as fontes formais de explicitação analógica, princípios gerais de direito e equidade.
Além disso, Antônio Ferreira Cesarino Júnior explica que o Direito do Trabalho pode ser dividido em direito individual e direito coletivo, sendo aquele o conjunto de leis que consideram individualmente o empregado e o empregador, unidos numa relação contratual e este, o conjunto de normas que consideram os empregados e empregadores coletivamente reunidos, principalmente na forma de entidades sindicais. (CESARINO JÚNIOR, 2018).
A análise parte do surgimento do Direito do trabalho, e assim, a formação do ambiente da relação trabalhista com direitos e garantias jurídicas, e discorre acerca desse ângulo, para a assimilação de como se processaram os movimentos do trabalho e suas implicações político-sociais e jurídicas nos diferentes sistemas de produção, anteriores a contemporaneidade e as tecnologias do mundo moderno.
Com o advento do capitalismo, surgiram várias formas de adaptação no mercado de trabalho, tanto para interesses do empregador como para do empregado. Em meio a crises econômicas versus busca de vantagens econômicas, houve a flexibilização dos direitos trabalhistas, que segundo Mauricio Godinho Delgado é:
Por flexibilização trabalhista entende-se a possibilidade jurídica, estipulada por norma estatal ou norma coletiva negociada, de atenuação de força imperativa das normas componentes do Direito do Trabalho, de modo a mitigar a amplitude de seus comandos e/ou os parâmetros próprios para a sua incidência. Ou seja, trata-se da diminuição da imperatividade das normas justrabalhistas ou da amplitude de seus efeitos, em conformidade com autorização fixada por norma heterônoma estatal e por norma coletiva negociada (DELGADO, 2016, p. 63)
Percebe-se que a flexibilização está relacionada ao que se tem em acordos, convenções coletivas, de modo que há um condensamento das normas positivas, fugindo da rigidez destas, mas que ainda sim não fogem da legalidade e quando se leva em consideração que o empregado é a parte mais frágil da relação trabalhista, é necessário que haja mais atenção e atuação legislativa em prol do trabalhador.
Com as evoluções econômicas, alterações jurídicas, e fatos jurídicos inerentes à sociedade ao longo das décadas, fez com que houvesse a flexibilização de relações trabalhistas para melhor adaptação no mercado de trabalho. Flexibilização esta que, não pode ser vista apenas como algo benéfico, mas também como algo prejudicial a curto e longo prazo à determinada parte da relação, neste caso o empregado (LENZA, 2018).
Dentro dessas mudanças socioeconômicas, há também a desregulamentação trabalhista, e Mauricio Godinho Delgado distingue:
A desregulamentação trabalhista consiste na retirada, por lei, do manto normativo trabalhista clássico sobre determinada relação socioeconômica ou segmento das relações de trabalho, de maneira a permitir o império de outro tipo de regência normativa. Em contraponto ao conhecido expansionismo do Direito do Trabalho, que preponderou ao longo da história desse ramo jurídico no Ocidente, a desregulamentação trabalhista aponta no sentindo de alargar espaços para fórmulas jurídicas novas de contratação do labor na vida econômica e social, naturalmente menos interventistas e menos protecionistas. Nessa medida a ideia de regulamentação, é mais extremada do que a ideia de flexibilização, pretendendo afastar a incidência do Direito do Trabalho sobre certas relações socioeconômicas de prestação de labor. (DELGADO, 2016, p.65)
A desregulamentação trabalhista, já tem a característica de afastar-se de fato do que está tipicamente normatizado, sendo mais ampla e radical que a flexibilização, pois há uma supressão da norma.
Como elucida Amauri Mascaro:
O direito do trabalho vive atualmente um conflito entre as suas concepções, a protecionista, acusada de hipergarantista, de afetar o desenvolvimento econômico e a livre iniciativa, e a reformista que defende a flexibilização das leis e a reavaliação, no plano teórico, dos seus princípios e funções, pondo-se a flexibilização como uma polêmica reação contrária à rigidez da legislação tutelar do trabalhador. (MASCARO, 2011, p. 68)
É notório que as relações trabalhistas evoluem para a satisfação de interesses, o que leva a adaptação do direito do trabalho à situação jurídica existente das relações.
Como consequência dessas flexibilizações, partes do contrato passaram a ceder em alguns aspectos, via de regra, fazendo surgir assim, o fenômeno da “pejotização”. A pejotização se resume a uma relação de labor, em que há um contrato de emprego de forma “mascarada” da realidade, onde ao invés de contratar como pessoa física contrata-se como pessoa jurídica, para que o empregador se abstenha de pagar alguns tributos e direitos do empregado contratado, o que é só vantajoso para aquele, ficando o empregado, parte hipossuficiente, prejudicada em seus direitos.
Conforme descreve Pereira (2013):
Em consequências dessas flexibilizações e desregulamentações, vem acontecendo em muitas relações laborais o fenômeno da “pejotização”, que nada mais é que a contratação de um trabalhador, na condição de pessoa jurídica, para prestação de serviço intelectual (PEREIRA, 2013, p.58).
A pejotização é um neologismo derivado do termo “PJ” – pessoa jurídica -, em que se caracteriza pela transformação do empregado pessoa física em pessoa jurídica e resume-se a um contrato de trabalho fraudulento, no qual o empregador por seu induzimento ou coação, faz com que o empregado crie uma pessoa jurídica, esta arcando sozinha com os custos da abertura da empresa, e tendo apenas a promessa de lhe ser pago um “bom salário”, para que assim seja contratada pelo empregador.
De fato, seria um vínculo empregatício, já que possui todos os requisitos que dispõe a Consolidação das Normas Trabalhistas em seu artigo 3º: “Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”, mas há previsão legal que viabiliza a pejotização, como no artigo 129 º da Lei 11.196/2005 (Lei do Bem):
Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. (BRASIL, 2005)
É nítido a tendência de que, esta norma foi uma escora criada para a proteção dos empregadores, como forma de se garantirem legalmente na prática da pejotização, contratando mão de obra para a prestação de serviços intelectuais, através de pessoas jurídicas mascaradas no contrato, caracterizando uma relação civil.
A pejotização existe para trazer vantagem econômica ao empregador, em que premedita não pagar tributos e os direitos do trabalhador ao longo e ao término do contrato, como as contribuições previdenciárias, férias, 13º, FGTS, seguro desemprego, gratificações, entre outros, cometendo de fato uma sonegação de impostos, e diante de uma crise econômica mundial e a globalização é previsível que isto aconteça.
Visto que as normas da CLT são de natureza cogente e de ordem pública, ou seja, abrange-se compulsoriamente à todos os cidadãos na mesma situação jurídica, e não é passível de ajuste em contrário pelas partes, assim dispõe o artigo 9º da CLT: “Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. ”,
Todavia, não se pode considerar legal um contrato atípico, uma vez que seus elementos já são legalmente típicos de um contrato, quando se tem presentes os elementos da pessoa física, onerosidade, não eventualidade, pessoalidade e subordinação, previstos no artigo 3º da CLT.
No direito do trabalho existem princípios que asseguram o direito do trabalhador, um deles é o Principio da Primazia da Realidade, em que consiste importar mais o que acontece na prática, a realidade dos fatos, que o é pactuado em um contrato, mas não é seguido de fato, e em contradição desses dois aspectos, leva-se em consideração a “vida real” da relação trabalhista.
Alice Monteiro define o anterior princípio como:
O princípio da primazia da realidade significa que as relações jurídico-trabalhistas se definem pela situação de fato, isto é, pela forma como se realizou a prestação de serviços, pouco importando o nome que lhes foi atribuído pelas partes. Despreza-se a ficção jurídica. É sabido que muitas vezes a prestação de trabalho subordinado está encoberta por meio de contratos de pronunciar sobre o caso concreto, retirar essa roupagem e atribuir-lhe o enquadramento adequado, nos moldes traçados pelos arts. 2º e 3º da CLT. Esse princípio manifesta-se em todas as fases da relação de emprego. (MONTEIRO, 2011, p.146)
Há também o princípio da proteção do trabalhador:
O princípio da proteção é consubstanciado na norma e na condição mais favorável, cujo fundamento se subsume à essência do Direito do Trabalho. Seu propósito consiste em tentar corrigir desigualdades, criando uma superioridade jurídica em favor do empregado, diante da sua condição de hipossuficiente. (MONTEIRO, 2011, p. 142)
Quando ao princípio da irrenunciabilidade:
O princípio da irrenunciabilidade possui uma coligação com o princípio da primazia da realidade. Embora atenuado pela negociação coletiva (art. 7º, incisos VI, XIII, XIV da Constituição vigente) está vinculado à ideia de imperatividade, isto é, de indisponibilidade de direitos. Seu objetivo é limitar a autonomia da vontade das partes, pois não seria viável que o ordenamento jurídico, impregnado de normas de tutela do trabalhador, permitisse que o empregado se despojasse desses direitos, presumivelmente pressionado pelo temor reverencial de não obter o emprego ou perdê-lo, caso não formalizasse a renúncia. Maiores considerações sobre esse princípio serão tecidas em capítulo próprio. (MONTEIRO, 2011, p. 146)
Delgado (2016), explica que uma corrente ideológica critica o Direito de superproteger o empregado, mas isso chegou-se devido a um consenso cultural, desde a antiguidade, o empregado é visto como a parte mais fraca e explorada. Esta diferença entre as partes se dá especialmente porque o empregador possui o poder de dirigir o empregado, não poderia o direito tratar igualmente aqueles que notoriamente são desiguais, tem que se exercer a isonomia nesses casos, sendo necessário o Estado intervir para garantir segurança aos obreiros.
A doutrina e a jurisprudência trabalhista majoritária entende que seja uma fraude a legislação trabalhista, previdenciária e tributária, não trazendo só prejuízo ao trabalhador como também ao erário.
O ministro relator Mauricio Godinho Delgado negou provimento pelo TST de um agravo de instrumento, reconhecendo o vínculo empregatício de uma relação de labor “pejotizada”, diante das provas e conforme os artigos 2º e 3º e 9º da CLT:
A criação de pessoa jurídica, desse modo (usualmente apelidada de pejotização), seja por meio da fórmula do art. 593 do Código Civil, seja por meio da fórmula do art. 129 da Lei Tributária nº 11.196/2005, não produz qualquer repercussão na área trabalhista, caso não envolva efetivo, real e indubitável trabalhador autônomo. Configurada a subordinação do prestador de serviços, em qualquer de suas dimensões (a tradicional, pela intensidade de ordens; a objetiva, pela vinculação do labor aos fins empresariais; ou a subordinação estrutural, pela inserção significativa do obreiro na estrutura e dinâmica da entidade tomadora de serviços), reconhece-se o vínculo empregatício com o empregador dissimulado, restaurando-se o império da Constituição da República e do Direito do Trabalho. (PROCESSO Nº TST-AIRR-981-61.2010.5.10.0006 [grifo nosso]
O teor da ementa do referido acórdão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. 1) NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. 2) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. MULTA. 3) VERBAS RESCISÓRIAS. 4) RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. TRABALHO EMPREGATÍCIO DISSIMULADO EM PESSOA JURÍDICA. FENÔMENO DA PEJOTIZAÇÃO. PREVALÊNCIA DO IMPÉRIO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ART. 7º, CF/88). MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126/TST. A Constituição da República busca garantir, como pilar estruturante do Estado Democrático de Direito, a pessoa humana e sua dignidade (art. 1º, caput e III, CF), fazendo-o, entre outros meios, mediante a valorização do trabalho e do emprego (art. 1º, IV, in fine; Capítulo II do Título II; art. 170, caput e VIII; art. 193), da subordinação da propriedade à sua função social (art. 5º, XXIII) e da busca do bem-estar e da justiça sociais (Preâmbulo; art. 3º, I, III e IV, ab initio; art. 170, caput; art. 193). Com sabedoria, incentiva a generalização da relação empregatícia no meio socioeconômico, por reconhecer ser esta modalidade de vínculo o patamar mais alto e seguro de contratação do trabalho humano na competitiva sociedade capitalista, referindo-se sugestivamente a trabalhadores urbanos e rurais quando normatiza direitos tipicamente empregatícios (art. 7º, caput e seus 34 incisos). Nessa medida incorporou a Constituição os clássicos incentivos e presunção trabalhistas atávicos ao Direito do Trabalho e que tornam excetivos modelos e fórmulas não empregatícias de contratação do labor pelas empresas (Súmula 212, TST). São excepcionais, portanto, fórmulas que tangenciem a relação de emprego, solapem a fruição de direitos sociais fundamentais e se anteponham ao império do Texto Máximo da República Brasileira. Sejam criativas ou toscas, tais fórmulas têm de ser suficientemente provadas, não podendo prevalecer caso não estampem, na substância, a real ausência dos elementos da relação de emprego (caput dos artigos 2º e 3º da CLT). A criação de pessoa jurídica, desse modo (usualmente apelidada de pejotização), seja por meio da fórmula do art. 593 do Código Civil, seja por meio da fórmula do art. 129 da Lei Tributária nº 11.196/2005, não produz qualquer repercussão na área trabalhista, caso não envolva efetivo, real e indubitável trabalhador autônomo. Configurada a subordinação do prestador de serviços, em qualquer de suas dimensões (a tradicional, pela intensidade de ordens; a objetiva, pela vinculação do labor aos fins empresariais; ou a subordinação estrutural, pela inserção significativa do obreiro na estrutura e dinâmica da entidade tomadora de serviços), reconhece-se o vínculo empregatício com o empregador dissimulado, restaurando-se o império da Constituição da República e do Direito do Trabalho. Por tais fundamentos, que se somam aos bem lançados pelo consistente acórdão regional, não há como se alterar a decisão recorrida. Agravo de instrumento desprovido. [grifei]
Ao reconhecer o vínculo empregatício da relação de labor “pejotização”, em lide, é possível inferir que, o texto constitucional contido no Art. 5, XXXVI da C.F., que diz que á lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, foi invocado ainda que indiretamente, pois ficou garantido o direito fundamental da segurança jurídica, assegurando que, situações disciplinadas por uma lei continuarão pretegidas mesmo que essa lei seja revogada ou substituída por outra.
Segundo os entendimentos jurisprudenciais:
VÍNCULO DE EMPREGO. PEJOTIZAÇÃO. A prova produzida no autos demonstra que o Autor era efetivamente empregado da Ré em período anterior ao anotado em sua CTPS. No presente caso, evidencia-se a chamada "pejotização-, fenômeno em que a criação de pessoas jurídicas é fomentada pelo tomador de serviços a fim de evitar os encargos trabalhistas. Contudo, vigora no Direito do Trabalho o princípio da irrenunciabilidade, mediante o qual não é permitido às partes, ainda que por vontade própria, renunciar aos direitos trabalhistas inerentes à relação de emprego existente. Recorrentes: João Ricardo Correa Ramos Globo Comunicações e Participações S/A Recorridos: Os mesmos Relatora: Giselle Bondim Lopes Ribeiro. (TRT-1 - RO: 00014409520115010065 RJ, Relator: Giselle Bondim Lopes Ribeiro, Data de Julgamento: 27/04/2015, Sétima Turma, Data de Publicação: 21/05/2015)
RECURSO ORDINÁRIO. -PEJOTIZAÇÃO- CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. -PEJOTIZAÇÃO- CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. -PEJOTIZAÇÃO- CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. -PEJOTIZAÇÃO-. CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. O ordenamento jurídico pátrio veda que empresas, ao invés de contratarem empregados para a realização de sua atividade-fim, terceirizem esta atividade, que passa a ser prestada aos seus clientes através de outras pessoas jurídicas, frequentemente constituídas por antigos empregados. Tal prática constitui-se no fenômeno conhecido como -pejotização-, repudiado por esta Justiça Especializada, de forma que, restando evidenciada tal prática, deve ser reconhecido o vínculo de emprego. (TRT-1 - RO: 00004219620125010072 RJ, Relator: Relator, Data de Julgamento: 02/03/2016, Sexta Turma, Data de Publicação: 21/03/2016)
Contudo, em meio a Revolução Tecnológica que culminou com a globalização, em meio às crises econômicas que se fortalecem, que influenciaram e influenciam na empregabilidade, consequentemente trouxeram e trazem fatores que precarizam as relações trabalhistas, como diminuição dos salários mediante acordos coletivos, insegurança na estabilidade, aumento de contrato por prazos determinados, que não precariza somente as relações de labor, mas também as relações sociais e humanas.
Entretanto, com tanta flexibilização que acaba gerando a desregulamentação dos direitos trabalhistas, a pejotização é um produto disso, e espera-se deve haver uma fiscalização mais acentuada sobre essa prática que vem cada vez mais fortalecendo esse fenômeno, e que seja necessariamente aplicada sanções mais rígidas e impactantes, além da simples indenização das verbas trabalhistas.
A busca pelo delineamento de um modelo justo para alicerçar a relação trabalhista deve ser constante, apontando os possíveis danos que recaem ao trabalhador com a flexibilização do trabalho, e as implicações decorrente da reforma trabalhista que, por sua vez, objetiva conduzir tal movimento sinérgico ao consenso necessário para que a precarização das relações de trabalho deixe de ser a regra, usando como justificativas o atual cenário da globalização e da terceirização, que tendem a pressionar pela “modernização” de alguns direitos sociais.
Leite (2019), aponta a necessidade de verificação das consideráveis alterações na histórica Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), e como essas transformações podem induzir a uma precarização do ramo do direito do trabalho. Ou seja, o tema ganha mais destaque em uma época em que só se fala em globalização, terceirização, crise econômica e uma competitividade acirrada por parte da sociedade que busca uma forma de sustento. Existe uma pressão muito grande para que os Estados, adotem medidas flexibilizadoras de direitos trabalhistas e possam assim sobreviver ao mercado global, cada vez mais tecnológico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em busca de maiores lucros, produtividade, e driblar as crises econômicas, muitas empresas usam de má fé contratos de trabalhos fraudulentos, isto sendo denominado de “pejotização”.
Este fenômeno é um neologismo relacionado à pessoa jurídica –PJ -, de forma que, o empregador induz ou coage o empregado a criar um CNPJ, para que assim seja feito o contrato como o de pessoa jurídica e não de pessoa física, de forma a camuflar o verdadeiro vínculo empregatício, e exteriorizando apenas uma prestação de serviço por uma empresa à uma tomadora.
O intuito desse contrato visto como irregular é de burlar as leis trabalhistas, de modo a privar-se o empregador de cumprir com suas obrigações de pagar os tributos e direitos devidos ao trabalhador, prejudicando não só o trabalhador como também o fisco.
Todavia, sendo o trabalho um direito social e fundamental assegurado pelo Estado, é mister que ele tenha uma proteção legal para que seja exercido na sua integralidade, e em comunhão com os princípios que resguardam esses direitos.
Os direitos sociais são aqueles que têm por objetivo garantir a todos os indivíduos as condições materiais consideradas substanciais para o devido gozo dos seus direitos, sempre buscando a qualidade de vida destes. Estando previstos esses direitos na Lei Maior como direitos e garantias fundamentais, sabe-se, pois, que são imprescindíveis à dignidade humana.
Em paridade com a Constituição Federal, existem a base de criação e força de todas as leis, que são os princípios jurídicos. No âmbito trabalhista, têm-se os princípios como o da Proteção do Trabalhador, da Primazia da Realidade, da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas, In Dubio Pro Operário, entre outros, que servem como fundamento nesse tipo de relação viciada juridicamente.
A pejotização é considerada uma problemática atual no ramo trabalhista e traz polêmicas que permeiam os tribunais brasileiros. Mas há lei que viabilize esse fenômeno, denominada Lei do Bem nº 11.196/05, que prevê a contratação de trabalhador intelectual por meio de pessoa jurídica, mas há previsões normativas que justificam contra a esse uso de contrato, todavia a doutrina e a jurisprudência assumiram a tutela desse fenômeno.
Partindo da analogia referente aos cenários relativos as relações de trabalho formados antes e depois da reforma trabalhista, é importante que se faça também um comparativo das alterações advindas da reforma trabalhista e análise dos aspectos mais relevantes que sofreram mudanças, como por exemplo, a alternação do regime presencial para o chamado “tele trabalho”.
Portanto, faz-se necessário conhecer como e por que acontece a contratação de pessoas jurídicas com o viés de burlar o direito do trabalhador. Fazendo, para tanto, um estudo prévio desse fenômeno, e de que forma ele afeta a relação laboral, usurpando-a e burlando as leis trabalhistas de forma a precarizar essas relações.
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[1] Mestre em Acesso à Justiça pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP. Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
Bacharel em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal do Tocantins – UFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FURUKAWA, VIVIAN MEGUMI. A precarização das relações de trabalho decorrente do fenômeno da pejotização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 fev 2022, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58095/a-precarizao-das-relaes-de-trabalho-decorrente-do-fenmeno-da-pejotizao. Acesso em: 23 dez 2024.
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