JÚLIA LEAL MARTINS DIAS[1]
LUIZ CELSO SOARES PINTO[2]
(coautores)
RESUMO: O presente artigo tem por escopo a análise do início de uma crise empregatícia que é o trabalho informal, marcada por incertezas e desconforto pelo lado do empregado. Nesse cenário importante a discussão acerca do instituto da pejotização e das consequências disso para a prestação de serviços. A pesquisa em destaque pretende verificar se a norma do artigo 442-B, CLT, introduzida pela Lei 13.456/2017 está em compasso com o princípio da proteção e da primazia da realidade ou se apenas buscou positivar a pejotização. Por via da pesquisa bibliográfica e do método dedutivo concluiu-se que o legislador infraconstitucional desconsiderou a realidade fática da relação de emprego e colaborou para a ampliação da informalidade.
Palavras-chaves: Pejotização. Princípio da primazia da realidade. Trabalho informal.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Informalidade e precarização do trabalho humano - 3. Emprego: a constatação fática de uma relação jurídica - 4. Positivação da pejotização e ofensa ao princípio da primazia da realidade - 5. Conclusão - 6. Referências
1. INTRODUÇÃO
O trabalho é visto e percebido como uma forma de produtividade, sustento e construção da dignidade do indivíduo. Por meio do emprego garante-se direitos mínimos e fundamentais para a consecução de uma vida digna. Quando se fala sobre informalidade, em uma outra via, normalmente depara-se com a precariedade do trabalho. Essa gera uma dificuldade de um bom labor, pois reduz as possibilidades de proteção daquele que trabalha.
A informalidade é muitas vezes acompanhada pela incerteza no que diz respeito à quantidade de trabalho e continuidade do mesmo. Por isso que muitas vezes fica o trabalhador a mercê de uma incerteza se terá dinheiro para os próximos dias. Certamente não é, por essas razões, situação a ser incentivada e nem mesmo positivada pelo Estado.
Nesse contexto a pesquisa em destaque analisa as questões atuais acerca da informalidade do trabalho e suas consequências para a vida do indivíduo. Fala sobre os desafios para sua eliminação e também sobre as novas formas de precarização da mão de obra humana, como a pejotização. Descreve ainda a relação de emprego e conclui sobre a sua característica básica de ser uma relação fática, ou seja, que não depende de contratos formais para ser verificada.
Em vista disso, questiona se o legislador infraconstitucional está em compasso com a necessidade de proteger os trabalhadores, vencer a informalidade e positivar normas em compasso com os princípios trabalhistas. Especificamente, discute a compatibilidade entre o artigo 442-B, CLT e o princípio da primazia da realidade. Por meio do método dedutivo crítico e da pesquisa bibliográfica, desenvolve a pesquisa com hipótese de clara incompatibilidade entre os institutos mencionados.
2. INFORMALIDADE E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
O trabalho na informalidade tem sido usado como ferramenta para que trabalhadores que se encontram desempregados desenvolvam atividades em vistas da própria manutenção. Sem estabilidade, carteira de trabalho assinada e demais direitos derivados do contrato de trabalho, são submetidos à busca do trabalho informal para garantir sustento familiar. As dificuldades perpassam pela falta de postos de emprego bem como, em inúmeras situações, pela falta de oportunidades de completar a educação básica de forma eficaz. Por tais razões, ficam à mercê da precarização imposta àqueles que se encontram fora da redoma legal.
Através do trabalho, o indivíduo se reconhece no mundo e estabelece uma relação significativa consigo mesmo e com os outros. Na ausência de um trabalho significativo, de uma coletividade que o reconheça e sancione seu engajamento em uma atividade legítima, uma forte precariedade social pode ser ressentida (NORONHA, 2003, p. 115).
Segundo a caracterização de Alves e Tavares (ALVES; TAVARES, 2006, apud ANTUNES, 2011, p. 409), "são trabalhadores que ora estão desempregados, ora são absorvidos pelas formas de trabalho precário, vivendo uma situação que, inicialmente, era provisória e se transformou em permanente [...]”. Normalmente institui-se vendedores, prestadores de serviços gerais, entregadores e demais atividades marcadas pela ocasionalidade.
Prendem-se à sobrevivência, à obtenção de renda que permita o seu sustento e de sua família e por vezes não possuem meta explícita referente à acumulação ou a obtenção de uma rentabilidade de mercado. Continuamente laboram em busca de mantença para o dia subsequente. Até o final da década de oitenta a informalidade, também intitulada de subemprego, era percebida como um problema principalmente endêmico. Criando então, um ciclo vicioso no qual vive-se para ter o básico, sem expectativas de crescimento assim vivem grande parte da população que se sustenta do trabalho informal (NORONHA, 2003, p. 115).
Dentre as consequências da informalidade está a inserção em um cenário que colabora para dificuldade de se especializar e conseguir um trabalho formal. Ademais, afora da proteção da relação empregatícia, tais indivíduos perdem direitos previstos constitucionalmente e legalmente, como férias, recolhimento previdenciário, fundo de garantia e outros benefícios dispostos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (CACCIAMALI, 2000, p. 164).
Diante das perspectivas precárias do mercado de trabalho informal, auto empregar-se tem se tornado comum. Com a expectativa de migrar de status social, o indivíduo objetiva gerar lucro a partir do próprio trabalho. Ainda que, em verdade, caiba ao Estado brasileiro, conforme artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, empenhar-se para “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 1988). Nota-se que tal incumbência tem se destinado mais ao indivíduo, que tenta viver a margem sem um positivo panorama sobre o dia que está por vir (CACCIAMALI, 2000, p. 167).
A precariedade do trabalho pode ser vista como imprevisível. Para Marx (MARX, 2004, apud VARGAS, 2016, p.318), essas relações sociais de exploração e dominação, baseadas em uma divisão social do trabalho que implica a produção e o acesso desigual à riqueza socialmente produzida, engendram uma consequência fundamental: a alienação do trabalho e do trabalhador. O trabalhador passa a viver na incerteza, marcada por desigualdades, explorações e dominação. O homem se torna objeto de seu trabalho, tornando-se um ciclo vicioso, já que só se afere bens e valor se trabalhar. Trabalha-se, unicamente, com o propósito de ao final do mês poder receber uma gratificação, denominada salário (VARGAS, 2018, p. 318).
Em vistas da proteção internacional do trabalho e em busca da eliminação das situações de precarização do labor humano, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil veio a participar da OIT em meados de 1950 por meio das questões dos indígenas no Brasil. A Comissão postulou a necessidade de que os Estados implementassem políticas integracionistas para proteger os indígenas contra a exploração laboral e outras formas de opressão (FIGUEROA, 2009, p. 17).
Na tentativa de promover o trabalho decente, a OIT lança em 1969 o Programa Mundial de Emprego que contém entre seus principais objetivos avaliar os efeitos sobre o emprego e a distribuição da renda das estratégias de rápido crescimento econômico empreendidas por países retardatários no processo de industrialização (CACCIAMALI, 2000, p. 154). A partir dessa análise é possível verificar que alguns elementos são condicionantes para a configuração da estrutura produtiva dos mercados de trabalho e do setor informal. Certamente dentre eles estão os processos de reestruturação produtiva, a internacionalização e a expansão dos mercados financeiros, o aprofundamento da internacionalização, a maior abertura comercial das economias e a desregulamentação dos mercados. Esses processos criam um ambiente de maior incerteza nos negócios, com menores taxas de crescimento econômico e do emprego que apresentam impactos distintos em mercados de trabalho com características estruturais diferentes (CACCIAMALI, 2000, p. 158).
Em termos gerais, observa-se a diminuição relativa do emprego industrial, maior expansão do emprego terciário e ampliação do setor não estruturado (OIT, 1997, apud CACCIAMALI, 2000, p. 171). Situações essas que colaboram para o aumento da informalidade porque muitas vezes é a única opção para os trabalhadores recém-desempregados. Incluindo pessoas com experiência e formação superior, o avanço da informalidade é um dos reflexos da crise econômica, fazendo então com que pessoas bem qualificadas aceitem empregos razoáveis para manter uma estabilidade (SAKAMOTO; CABRAL, 2019).
A ampliação do labor desvinculado da figura do empregador possui inúmeras razões. Fazem parte delas a redução dos postos de emprego, ausência de políticas públicas para promoção do trabalho decente e em algumas ocasiões até mesmo a possibilidade de ganhos superiores àqueles ofertados a quem possui baixa qualificação. Também é possível mencionar a ampliação das atividades de prestação de serviços, que se consubstancia em verdadeira forma de garantir um sustento mínimo ainda que exercendo trabalhos de baixa rentabilidade e produtividade econômica (CACCIAMALI, 2000, p. 160).
Na esteira desse conhecimento, a Convenção 168 da Organização Internacional do Trabalho, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho na sua 75.ª sessão, em Genebra, a 21 de junho de 1988 teve por objetivo a proteção contra o desemprego. Conforme se observa no artigo 7º do documento internacional, todos os membros da Organização devem formular políticas destinadas a promover o pleno emprego, sendo esse reconhecido como aquele que é produtivo e assalariado. De acordo com essa asserção, o emprego deve ser produtivo e oportunizar para o empregado uma formação humana e laboral. Tal protesto afasta-se veementemente dos trabalhos informais, já que esses levam à precarização da mão de obra (OIT, 2020, p. 2).
Não há dúvidas de que é preciso considerar que a integração dos indivíduos se configura através de uma complexa articulação entre diversas instituições e esferas da vida social. Nessas tem-se as formas de integração e solidariedade baseadas nas relações de proximidade e na assistência privada. Essas questões podem ter um papel decisivo não só na constituição de suportes para os indivíduos, mas também para contribuir no enfrentamento dos riscos da existência (VARGAS, 2014, p. 326).
No Brasil, diante das mudanças legislativas na seara trabalhista que fragilizam o estatuto salarial, que permanece em grande medida frágil e instável, a precariedade do trabalho progride assumindo espaços consideráveis. Na medida em que a atividade laboral construída na dinâmica social se estrutura de maneira heterogênea, diante da pluralidade de formas e relações de trabalho, a informalidade, em grande parte positivada e reforçada pelo legislador, tem aumentado os cenários de trabalhos indignos (VARGAS, 2014, p. 328).
Levando-se em conta o que foi observado o trabalho informal vem tomando cada vez mais espaço na vida dos brasileiros que de alguma forma estão à procura de um emprego e se sujeitam a qualquer informalidade que os traga uma estabilidade financeira. Diante disto, há de se perceber que a falta de um trabalho formal deixa o indivíduo sem uma garantia legal de seus direitos trabalhistas haja vista a falta de uma carteira assinada e seus demais benefícios. Vale ressaltar que o trabalho informal pode ser considerado como um subemprego já que o mesmo, em razão da falta de um vínculo, não garante qualquer direito ao indivíduo.
3. EMPREGO: A CONSTATAÇÃO FÁTICA DE UMA RELAÇÃO JURÍDICA
Uma relação jurídica para ser firmada precisa preencher determinados requisitos, muitas vezes expostos em etapas. Algumas são naturalmente uma relação fática, ou seja, gera uma totalidade de efeitos jurídicos, como direitos e deveres, a partir da manifestação entre as pessoas envolvidas, mesmo que não haja um contrato previamente estabelecido. Essa relação gera, por vezes, outorga de poderes de um para com o outro, além de subordinação a depender da relação firmada. Nesse cenário pode se enquadrar a relação de emprego. Para que ela se forme e que direitos de deveres sejam estabelecidos não há necessidade de um contrato formal. O mero fato de se verificar a existência dos requisitos da relação de emprego já faz com que o indivíduo desprovido de direitos passa a ser protegido pela Consolidação das Leis do Trabalho nos mostra.
De acordo com a norma legal, a relação de emprego se pauta em cinco requisitos, quais sejam: pessoalidade, subordinação, onerosidade, habitualidade e ser firmada com uma pessoa física. Tais requisitos, como vistos por Godinho (2017, p. 320) indicam que a figura do trabalhador há de ser, sempre, uma pessoa natural. Não é possível que a relação seja firmada com um animal ou pessoa jurídica. A pessoalidade indica que se trata de uma relação “intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, que não poderá, assim, fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados” (GODINHO, 2017, p. 320).
Outro requisito é que o trabalho prestado tenha caráter de permanência, ou seja, que haja uma expectativa de que o trabalhador vai retornar ao ambiente de trabalho. Não há a necessidade de que seja prestado todos os dias, mas que seja um trabalho desenvolvido com constância e não de forma eventual. A onerosidade manifesta-se pelo pagamento realizado pelo empregador de parcelas dirigidas a remunerar o empregado. Dentre todos os requisitos mencionados talvez o mais significativo seja a subordinação. Essa indica que o empregado se compromete a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços (GODINHO, 2017, p. 320).
Os requisitos mencionados normalmente estão expressos dentre as cláusulas contratuais, mas para que a relação de emprego seja firmada não há necessariamente essa obrigatoriedade. Isso porque a relação de emprego é uma relação fática. A constatação fática no direito refere-se a uma situação de fato, visando que o contrato pode ser verbal, tácita, expresso ou escrito e ainda assim poderá ser verificado o vínculo empregatício. A constatação pode ser verificada também na relação de emprego, por ser fática, garantindo o diálogo entre o empregado e a lei, assim é o princípio da primazia da realidade. O princípio da primazia da realidade indica que, na relação de emprego, deve prevalecer a efetiva realidade dos fatos e não eventual forma construída em desacordo com a verdade (GARCIA, 2017, p. 59).
No que diz respeito aos princípios, vale mencionar os estudos de Alexy sobre o tema. De acordo com o autor, considera-se regras como mandamentos definitivos, em oposição aos princípios, que são mandamentos de otimização, sendo assim as regras são cumpridas com base no tudo ou nada, quanto os princípios são gradualmente ponderados (ALEXY, 2019 apud Bäcker, 2000, p. 59). As normas trabalhistas nasceram amparadas por princípios, que visam o protecionismo da classe trabalhadora. O princípio protetor norteia todo o ordenamento jurídico do direito do trabalho (BOAVENTURA, 2013, p. 188), visando igualar partes que estão naturalmente em situação de desigualdade.
Tal desigualdade é histórica, vez que “o direito do trabalho nasce como reação ao cenário que se apresentou com a revolução industrial, com a crescente e incontrolável exploração desumana do trabalhador” (CASSAR, 2009, p. 10). Diante da luta de classes, no contexto de desigualdade econômica e social, o Estado passou a intervir nas relações de trabalho trazendo normas imperativas. Essas impõem-se à vontade dos destinatários, estabelecendo direitos indisponíveis e irrenunciáveis e reduzindo a autonomia da vontade e fortalecendo os direitos trabalhistas (BOAVENTURA, 2013, p. 191).
As normas trabalhistas surgem embasadas por princípios que visam dar proteção ao empregado hipossuficiente, fazendo justiça social e tendo por finalidade um maior aproveitamento do trabalhador com condições dignas para realizar um trabalho produtivo e eficiente. Por essa razão esse princípio é um alicerce para corrigir falhas do passado, trazendo soluções para embasar a criação de novas normas que garantam a estabilidade do trabalhador. Nessa esfera é que se percebe que o princípio protetor é tão importante para a ciência trabalhista, já que “é a proteção jurídica do trabalhador, compensadora da inferioridade em que se encontra no contrato de trabalho […]” (NASCIMENTO, 2009, p. 388).
O princípio da proteção traz sustentáculo para os demais princípios trabalhistas. “Por exemplo, é com base no princípio da primazia da realidade, que um empregado consegue provar um salário pago de forma ociosa, bem como horas extras” (MONTEIRO, 2010, p. 32). Nota-se que por se considerar a necessidade de proteger o empregado é que se entende que a realidade é mais importante do que os documentos. Para Souto (2018) esse princípio é muito aplicado no âmbito laboral, principalmente para impedir procedimentos fraudatórios praticados pelo empregador no sentido de tentar mascarar o vínculo de emprego existente. Portanto, a realidade sobressai o âmbito formal para o princípio da primazia da realidade, sendo importante mais a realidade do que o pacto entre empregado e empregador.
“Em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos” (MONTEIRO, 2010 apud DAMASCENO, 2010, p. 34). Percebe-se então que para tal princípio o que prevalece é o mundo fático e não o que está firmado como um documento. Devendo ele ser aplicado independente da parte que será beneficiada. Vale ressaltar que o princípio da primazia da realidade se destina mais à relação de emprego do que aos seus participantes (MONTEIRO, 2010 apud DAMASCENO, 2010, p. 36).
O fundamento do princípio ora em estudo pode ser encontrado não só na necessidade de proteção do trabalhador, mas também na exigência de boa-fé, da qual necessariamente decorre a prevalência da verdade. Busca a realidade dos fatos, mesmo que um documento prove ao contrário (ROMAR, 2018, p. 71). Na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pode-se observar a incidência do princípio da primazia da realidade em seu no artigo 9º da CLT, o qual preceitua que "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação" (BRASIL, 1943).
Em virtude dos princípios os legisladores passam cada vez mais a usá-los em suas decisões como também para criar normas:
SALÁRIO CONTRATUAL. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. Havendo prova nos autos de que o salário efetivamente recebido pelo trabalhador é diverso daquele anotado em CTPS, está perfeitamente correta a sentença que reconheceu o verdadeiro salário contratual, por força do princípio da primazia da realidade [...] (BRASIL, 2011).
Nota-se que, em que pese a CTPS do empregado apresente um valor anotado como aquele referente ao seu salário, a instrução processual demonstrou que esta não era a quantia efetivamente recebida por este, razão pela qual houve a correta aplicação do princípio da primazia da realidade para reconhecer o valor comprovado nos autos como o verdadeiro salário do trabalhador. O princípio mencionado pode ser usado tanto para aplicação direta no caso concreto quando na sua função integrativa e informadora. Isso porque não apenas como tipo de norma ele se faz necessário.
Os princípios possuem funções, dentre elas possui a função interpretativa que é destinada ao legislador, que lhe confere a atividade legislativa em consonância com os princípios e valores políticos, sociais, éticos e econômicos do ordenamento. A função interpretativa é vinculada ao aplicador do direito, já que prestam a compreensão dos significados contidos na norma que compõe o ordenamento jurídico. No que tange a função normativa, a mesma também é destinada ao aplicado do direito, decorre na possibilidade da aplicação do princípio tanto na forma direta, ou quanto a forma indireta por meio de uma lacuna. (GAVIÃO BASTOS apud LEITE).
Sendo assim, o legislador deve estar sempre atento aos princípios e suas interpretações no direito. Principalmente no que tange à criação de outras normas. Para que o ordenamento jurídico permaneça coeso é preciso que as normas criadas continuem atentas aos princípios já existentes. Conforme visto anteriormente, decisões sendo tomadas diante do uso de um princípio, cujo juiz teve que se atentar para dar sua decisão coerente, identifica também a função normativa dos princípios. Isso decorre do fato de que ele também compõe o ordenamento jurídico, podendo ser usado diretamente ou indiretamente. Isso equivale ao momento em que “(...) o jurista se eleva ao plano teórico dos princípios e conceitos gerais indispensáveis à interpretação, construção e sistematização dos preceitos e institutos de que se compõe” (BOAVENTURA apud REALE, 2003, p. 322).
Conforme o princípio da primazia o contrato de trabalho não se delimita ao que se está escrito ou formalizado no mesmo, devendo ser também considerado os fatos ocorridos durante a prestação de serviço, em seu dia a dia, auferindo, desta feita, a verdadeira intenção de vontade das partes (SANTANA, 2014, p. 27). Por essa razão é que em tantas vezes pode-se identificar formalidade onde se insiste dizer viger a informalidade. Esse princípio “assegura a prevalência na ordem jurídica trabalhista, da realidade objetiva dos fatos sobre a formalidade inerente a documentos ou acordos” (CABRERA apud VILLELA, 2010, p. 26), assegura ainda proteção ao trabalhador envolto de relações informais derivadas de fraudes.
Trata-se, de conferir uma credibilidade maior a realidade fática da relação de emprego, ainda que tenha divergências com aquilo que foi pactuado ou documentado no contrato (SCHNEIDER, 2010, p. 32). O princípio da primazia da realidade sobre a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real de uma situação de litígio trabalhista (CABRERA apud GODINHO, 2014, p. 206).
Conforme exposto, é notória a importância do princípio da primazia da realidade, já que por meio dele observa-se que a realidade trabalhista conta mais do que o que foi acordado em um documento. Assim ele tem por finalidade desmascarar hipóteses fraudulentas contra o trabalhador, principalmente quando se diz existir uma relação de trabalho informal precário. Para este princípio a realidade sobressai o âmbito formal, caso haja conflitos dar-se-á prioridade ao que realmente aconteceu de fato e não aquilo que está escrito em forma de um documento.
4. POSITIVAÇÃO DA PEJOTIZAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE
Os princípios pertinentes às relações trabalhistas precisam ser observados, conforme visto, nas suas funções normativas, informadoras e interpretativas. Para a pesquisa em destaque a função informadora relava-se pertinente à medida em que indica a necessidade de que o legislador na construção da norma jurídica continue por manter a integridade do sistema principiológico. Nesse sentido, a Lei n. 13.456/2017, denominada reforma trabalhista, foi vista como a esperança de que trabalhadores conseguissem mais empregos, estabelecesse planos de carreira, melhora na remuneração e disseminação de acordos coletivos. Ocorre que, na construção de inúmeras normas verificou-se que o legislador ordinário não se atentou aos princípios já pertinentes às relações de trabalho.
Nota-se tal questão, por exemplo, na ampliação da autonomia da vontade das partes, já que em inúmeros dispositivos foi permitido que o trabalhador negociasse questões pertinentes ao seu contrato de trabalho de forma individual. O princípio da primazia da realidade, nesse caso, diante da reforma trabalhista de 2017, passou a ser questionado. Por esse ter como objetivo observar a realidade do empregado e a autonomia da vontade permitir que ele dialogue com o empregador de forma direta, dúvidas pode-se surgir sobre a sua aplicabilidade. “Em virtude da sua inferioridade jurídica [...] seu empregador poderia, com relativa facilidade, obrigá-lo a assinar documentos contrários aos fatos e aos seus interesses” (COELHO apud CASSAR, 2019, p.26).
Delgado pontua também que “o princípio do contrato autoriza, assim, por exemplo, a descaracterização de uma pactuada relação civil de prestação de serviços, desde que no cumprimento do contrato despontem [...]” requisito da relação de emprego (COELHO apud DELGADO, 2019, p.28). Assim não cabe falar de trabalho autônomo ou mero prestador de serviços quando faticamente vê-se que a relação de trabalho informal na verdade reveste-se de formalidade. “O referido princípio é amplamente utilizado na prática trabalhista, pois ocorre várias tentativas de criar uma realidade irreal, sobre a não existência de vínculo de emprego” (KASSIN apud RESENDE, 2018, p. 29).
Desde a criação do texto legal, informa-se sobre o direito tentando ajudar àqueles que trabalham para realizar melhorias à fim de um bom alcance para uma regra equilibrada, sendo extremamente fundamental ser observado tais princípios para a proteção dos trabalhadores que muitas vezes desconhecem de seus direitos (KASSIN, 2018, p. 22). Em descompasso com essa premissa e também com os princípios mencionados o legislador reformista positivou na norma do artigo 442-B, CLT a contrariedade em face da primazia da realidade. De acordo com o dispositivo, “a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação (BRASIL, 2017).
Se o trabalhador é autônomo não é empregado. Portanto, a sua inclusão na CLT mais parece uma tentativa de burlar a relação de emprego, que de reconhecer que o autônomo não é empregado. O fato de existir contrato de prestação de serviços escrito ou com as formalidades legais não afasta, por si só, o liame empregatício (BONFIM, 2017 p. 20).
Como visto anteriormente, a existência da relação de emprego não depende das partes nem mesmo do contrato firmado. Será observada a relação jurídica diante a análise da realidade, importando a prática além daquilo que foi pactuado entre as partes de forma solene. Vale ressaltar que, em uma audiência, vale mais o depoimento de testemunhas do que um mero documento, ressaltando o princípio da primazia da realidade por aferir elemento fático-jurídico da subordinação (PARAHYBA, 2019, p. 01).
Na ciência trabalhista atenta-se para a prática concreta da prestação de serviço. O princípio da primazia da realidade sobre a forma torna-se um poderoso instrumento para confrontar a verdade real em uma situação de litígio trabalhista (GODOY apud DELGADO, 2017). Logo não é possível sustentar uma relação de informalidade, inúmeras vezes precária, pela simples positivação do legislador.
Nesse viés e em decorrência da busca de maior produtividade e lucro por parte das empresas surge o fenômeno da pejotização. Atualmente pode ser considerada uma nova modalidade fraudulenta ao sistema jurídico. Isso porque fere o vínculo empregatício e futuros direitos do empregado (COSTA; TERNUS, 2012, p. 201-202). Em tese, parte-se da ideia de que o trabalhador é a figura hipossuficiente na relação empregatícia, sendo o lado mais fraco, por isso vê-se muitas vezes obrigado a ceder a pedidos do empregador para garantir-se economicamente. A pejotização significa exigir que o trabalhador abra uma empresa, sob qualquer modalidade, para que de forma fática ele deixe de ser uma pessoa natural prestando serviços e assim perca-se um dos requisitos do vínculo empregatício.
O princípio da primazia da realidade, todavia, aplica-se diante dessas situações. Como significa que as relações jurídico-trabalhistas se definem pela situação de fato, isto é, pela forma como se realizou a prestação de serviços (MELO apud BARROS, 2015), não é possível que a simples abertura de uma empresa seja capaz de afastar a formação do vínculo. A pejotização não permite que o trabalhador tenha seus direitos garantidos por isso deve ser entendida como um instituto que viola a boa-fé e por isso não deve ser admitido. A situação fática da pejotização deve ser comprovada como fraude pela análise do princípio da primazia da realidade (MELO, 2015, p. 10).
Importante que, no âmbito trabalhista, a pejotização aparece para minimizar os custos decorrentes de encargos trabalhistas e eventuais rescisões (RODRIGUES, 2015, p. 10-16). A “pejotização” configura o oposto dos direitos alcançados pelos trabalhadores, como a ausência de uma segurança que as leis trabalhistas garantem. Deve-se expor que o indivíduo que a pratica comete ilícito contra as leis trabalhistas e é devidamente punido. Por essa razão é que a positivação prevista no artigo 442-B, CLT não pode ser mantida, já que visa estabelecer que a realidade não valerá sobre os documentos. Trata-se, em suma, de positivar a pejotização.
Desenlace para tanto que a reforma trabalhista trouxe inúmeras mudanças notadamente prejudiciais ao trabalhador. Dentre elas a citada. Ao invés de trazer normas que visassem reduzir os casos de informalidade, positivou o dispositivo discutido na pesquisa como forma de incentivá-la. Nota-se uma ofensa ao princípio da primazia da realidade. Diante da nova era da pejotização, no qual realiza-se a contratação de pessoa física constituindo a pessoa jurídica para a realização do serviço, a previsão legal camufla a subordinação, item essencial para a relação de emprego. A propósito, em tal caso, encobre todo direito em que o empregado tem pela pejotização, já que o mesmo, exclui futuros direitos, aparecendo ai, o princípio norteador para tais problemas, pois é por meio dele em que consegue analisar diante de fatos expostos ao invés de fatos documentados.
5. CONCLUSÃO
A informalidade tem ganhado espaço porque o avanço do mercado tem impulsionado maiores desejos por lucro e redução de custos. Ocorre que a sua positivação por parte do legislador ofende a Constituição Federal no que diz respeito à valorização do trabalho humano e os princípios da ciência trabalhista. A pejotização é uma forma de incentivo à informalidade, já que é um fenômeno que visa redução e precarização do trabalho humano.
A pesquisa buscou verificar se o legislador trabalhista infraconstitucional se preocupou com o princípio da proteção e da primazia da realidade ao positivar a norma do artigo 442-B, CLT. Apontou-se como hipótese que não, já que o dispositivo positiva a relação trabalhista como uma mera relação documental e não uma relação devidamente fática como ela é. Ademais, porque incentiva a pejotização acaba por precarizar o trabalho.
A pejotização camufla a subordinação, por consequência, mascara a relação de emprego do prestador de serviço. Por essa razão é que o dispositivo claramente ofende o princípio da primazia da realidade, cabendo aos juristas mostrar que através dele valida-se os fatos e não o que está documentado e acordado entre as partes. Levando em consideração esses aspectos é evidente a importância do uso e conhecimento dos princípios no Direito do Trabalho para a criação e aplicação das normas.
6. REFERÊNCIAS
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Advogada. Graduação pela Universidade Estadual de Londrina. Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Damásio de Jesus e em Direito Constitucional pela LFG.
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