Resumo: O Estado de Coisas Inconstitucional, fruto de decisão cautelar na ADPF 347/STF, estabelece o retratado dos sistemas penitenciários e prisionais do Brasil que há tempos vivem delicado cenário no que toca à efetividade das normas penais e de execução penal. O estudo traça algumas reflexões sobre elementos propulsores da histórica decisão da Corte Suprema e, igualmente, os efeitos a serem considerados para a boa aplicabilidade de políticas públicas penitenciárias. Para tanto, adota-se pesquisa do tipo bibliográfica, qualitativa e documental. Os resultados obtidos obtemperam a sistematicidade da causa e os desdobramentos necessários de atenção por todos os poderes constituídos na República.
Sumário: 1 - Introdução. 2 - Notas introdutórias à conhecença de pessoa. 3 - Estado de Coisas Inconstitucional – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF N. 347/STF. 4 - Políticas públicas penitenciárias em retórica ao Estado de Coisas Inconstitucional instalado nos cárceres do Brasil. 5 - Considerações finais
1.Introdução
A história da penalização e dos estabelecimentos de cumprimentos de medidas restritivas da liberdade do ser humano é extensa e abundante em elementos e fenômenos de ordens política, humana, social e jurídica observados ao longo da história do mundo e, especialmente, da história do que atualmente se expressa como unidade geopolítica, o Brasil.
Em 1822, registrou-se a declaração de independência do Brasil, à época, mera colônia portuguesa. Seguidamente, viu-se a outorga da Constituição Política do Império do Brasil de 1824 assinada por Dom Pedro Primeiro, então Imperador.
A Carta Política de 1824 é tida como a primeira constituinte nacional, embora tenha se dado sob processo antidemocrático. Inobstante, é marco inicial para se conhecer e analisar elementos e fenômenos influenciadores do “status” da penalização e do “modus operandi” da execução de penas ao longo da história jurídica da nação.
Averiguando-se as bases de instituição e justificação do Direito moderno, observa-se que o direito penal não garantista é retrógrado para a tutela de valores e bens jurídico-sociais ímpares à paz, à ordem e à segurança das relações desenvolvidas na “polis”, sobretudo no atingimento dos fins normativos afeitos à execução penal doravante famosa pela privação da liberdade em espaços imundos e de medidas truculentas sobre vidas humanas massivamente estratificadas social, política e economicamente.
O Brasil conta com histórico de penas de açoites, chibatadas, mortes, mutilações et cetera. Hoje, em corpus de lex, tem-se a proibição de sanções infamantes e desumanas, assistindo-se a penalizações que recaem sobre a “alma” ou psique e sobre os bens das pessoas e não mais sobre o corpo, a estrutura física dos indivíduos transgressores de normas públicas de natureza penal.
Os vetores desses elementos históricos se dão ante diversas fases da vingança humana, espinha dorsal do direito penal, que readequou as punições e seus mecanismos punitivos aos valores político-sociais dos grupos ou das sociedades das diferentes épocas.
De mais a mais, os meios de comunicação de massa periodicamente informam sobre eventos envolvendo a realidade das prisões, ao que se coleta dados que configuram condições humanas preocupantes, portanto, não silenciadas e avessas a tratados, convenções, pactos e normas legais (nacionais e internacionais) em matéria de direitos público-subjetivos asseguradores da dignidade da pessoa humana, muitos já incorporados à legislação pátria.
As situações midiatizadas são das mais aviltantes, pois revelam cenários de ultrajes gerais, continuados e sistêmicos, sobretudo a beneplácitos fundamentais sem os quais a natureza e a condição da espécie humana se perdem, bem como se desestrutura o Estado de Direito alçado à natureza democrática em corpulência estrutural.
Assim sendo, patente é reconhecer que as normas incriminadoras, a penalização e a execução das sanções possuem delicada história e escopo político-jurídico, mantendo sensível quadro de manutenção de estruturas normativas e institucionais legitimadoras da existência dos cárceres e, quiçá, das próprias condições (negativas, especialmente) que lá são observadas.
O locus carcerário, indubitavelmente, é tema do qual a sociedade e os governantes não podem se furtar pelas expressivas marcas e máculas que se exteriorizam e degeneram o espírito da dignidade humana e da estrutura do Estado Democrático de Direito, que, ao tempo presente, se vive e se visa tutelar em prol do bom e sadio desenvolvimento das sociedades modernas.
Desse modo, aproximar-se de fatores de ordens múltiplas e tocantes ao Sistema Penitenciário e Prisional nacional, considerando-se importantes caracteres e valores normativos da primeira carta magna e demais textos constitucionais entre 1824 e 1988 (subjacentes discursivamente), é buscar compreender as raízes e os condicionadores da estrutura formal e legal assumida pelos estabelecimentos penais que, hoje, encontram-se reconhecidamente como “Estado de Coisas Inconstitucional” em razão de decisão, no ano de 2020, em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 347 na Excelsa Corte da República Federativa do Brasil.
Frente ao reconhecimento do “Estado de Coisas Inconstitucional”, tem-se preocupante cenário que requer imediata e guiada (re) discussão quanto ao status fulminante do boni juris em matéria de dignidade humana, direitos fundamentais e execução de sanção penal, quando observada em estabelecimentos penais brasileiros.
O tema chama à averiguação científica ante a monta expressiva de desnaturação da instituição da penalização e do locus carcerário historicamente de insucessos de natureza sistêmica e efeitos prejudiciais a toda a malha social.
Ante tudo, cá tem-se pesquisa bibliográfica (apoiando-se em literatura de políticos e jurídicos, v.g., Immanuel Kant, Norberto Bobbio), documental (v.g. Constituições de 1824 e 1988, angular e subjacente apoiadas) e jurisprudencial (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 347 sustentada em construto jusfilosófico de númerus clusus decisões da Corte Constitucional Colombiana – CCC), de enfoque qualitativo e interdisciplinar, sobre o reconhecimento do “Estado de Coisas Inconstitucional”a recair sobre o Sistema Carcerário do Brasil com vistas a compreender crítica e reflexivamente o ambiente carcerário e os vetores que afirma o “estado de coisas”.
2.Notas introdutórias à conhecença de pessoa
Espia-se, à sorte da literatura jurídica, que a terminologia pessoa, muito explorada, defensivamente implícita ou explicitamente neste estudo, se empresta a incitações ou provocações várias que importantemente enveredam-se pela busca da transcrição apta de ser possuída, por ímpeto da gnose, por todo e qualquer ser humano com um mínimo grau de capacidade de abstração do mundo e dos fenômenos de ocorrência na sociedade.
A nomenclatura supra se processa a informar e modelar visões e comportamentos da vida pública (sujeitos e instituições) que não venham a avançar às zonas conhecidas de conflitos ou, ainda, de aparentes para a incidência e aplicabilidade normativas (territórios etimológicos inferidos pela cultura, história, pelo sistema jurídico, pelos valores e costumes do direito doméstico ou internacional incorporados à Ordem Constitucional- Positiva e sob vigor) e não patrocinadores do uso da força ou do exercício do poder que se volte ao legitimar “verdades”, virtudes ou interesses lançados ao reconfigurar de outras pessoas ou instituições (cognitiva e comportamentalmente ou redefinições dos estatutos sociais ou das concepções envoltas à ética institucional, respetivamente) e territórios (etimológicos ou físicos) a arquitetar o mundo, conhecidamente, de múltiplos significados e possibilidades narrativas.
Chega-se, ritmadamente, ao âmago desta seção, que se volta ao acautelar da pessoa humana na expressão e detenção da dignidade que lhe incorpora por exigência natural e jus ficcional, a ancorar a própria noção de direitos (lato sensu), desmerecidas situações de localização espacial do ser humano (in divisões de setores jurídicos com tratamentos particulares), se em cárcere ou alheio a este.
Sem mais prolação, à indagação de ponto. O que é pessoa para o universo jurídico? Quiçá objetar alguma redução conceitual possa se confirmar confluente ao explorar guiado, o revés se mostraria relutante ou não contributivo ao que se espera nesta excursão. Pois bem, compulsando a literatura ius, destacam-se três vocábulos que bem exteriorizam a ideia chave para o termo ora investigado, quais sejam: a) Phersu, b) prosopon e c) persona.
O vocábulo Phersu, de origem etrusco arcaico, significa máscara e faz tributo a uma deusa (Perséfone) quando dos festivos dias dedicados à tal personagem (CASTAÑEDA, 1989). Observe-se que, nesse primeiro momento, obtém-se que pessoa e máscara possuem correlação semântica.
No que lhe toca, o vocábulo prosopon, de origem grega, se informa como sinônimo de face ou rosto. Igualmente, se aperfeiçoou na ideia de máscara, pois de uso em momentos festivos dedicados a Dionísio (CASTAÑEDA, 1989).
Excogita-se que, nesse segundo momento, granjeia-se que pessoa, face ou rosto e máscara correlacionam-se para a semântica de intento conceitual.
Acerca do vocábulo persona, oriundo do latim, compreende-se que tem sofrido transferência ao plano do sentido contemporâneo, vindo a significar personagem (GOGLIANO, 1982). Não obstante, durante a Antiguidade, era tomado como máscara. Examine-se que, nesse terceiro momento, pessoa, personagem e máscara se imbricam de modo a ofertar semântica e sentido côngruos.
Feito isso, obtempera-se que o termo pessoa se lança à incorporação da conhecença de apreensão possível, pela tradição jurídica que se espelha no social e público, como atributo externo ao ser humano, mas a ele incorporado quando do hábito de se apresentar em contextos de revelada constatação e interação sociais ou grupais ou, puramente, quando se expressa de qualquer forma na vida comum. Serve-se como vestimenta social, pública e, porque não, legal, ao afincar-se, estabelecer-se, desdobrar-se e desenvolver-se na vida em societas.
Ante o digladiado, a pessoa, nas Ciências Jurídicas titular de direitos e flectida ao cumprir de deveres, aprimora-se no sujeito, sendo-o por herança natural e, também, constructo ius ficcional ao toar da cultura de sinas morais e éticas, ao que esbanja respetiva condição de posse e monta tutelar externas ao ser, mas a ele indissociáveis para que se apresente e se afigure socialmente sem dispensa de reconhecimento e trato nobilante ou não desnaturador de bens cingidos à figura da pessoa detentora de natureza humana.
Ainda por cima, estaria a pessoa, sob relações sociais e públicas, dando vida a um personagem que a aproxima do ser político e racional esperado de coexistência na polis, distanciando-a da condição exclusivamente natural e animal e inferida pelas mais asselvajadas conduções emotivas ou instintivas despertas no atendimento de rubricas meramente cifradas pela individualidade.
Os limites impostos pelas normas dentro do Estado visam, maiormente, à não confusão por alguns sujeitos políticos do poder que lhes é conferido em razão da representatividade popular. Dessa forma, o poder não deve ser evocado para limitar as garantias naturais, senão coordená-las a bem do interesse comum.
Mais à frente, observando as normas aplicadas a determinado povo, alcança-se o prelúdio para a compreensão de sujeito de direito, haja vista que determinado povo é constituído logicamente por indivíduos ou, numa visão jurídica, por sujeitos de direito (e deveres). A análise do sujeito de direito proposta é visceral à abordagem de cunho filosófico, cá representada por estudos como os de Immanuel Kant.
Veja-se em Immanuel Kant a busca pela conceituação de sujeito. Inicialmente, cumpre dizer que não se apercebe objetivamente nos estudos desenvolvidos por Kant um conceito explícito de sujeito.
O sujeito de direito aparece em Kant essencialmente vinculado à tomada de posse do mundo exterior. É o sujeito que integra os objetos exteriores ao juridicamente meu por meio da ocupação e que, nesse sentido, identifica-se, na sua matriz mesmo, como um proprietário (JUNIOR, 2012, p. 40).
Note-se, de pronto, que a ideia de sujeito em Kant tem relação com o mundo exterior, isto é, com as coisas do mundo. E, na autodeterminação moral sobre a propriedade das coisas, o conceito se assenta. Em outras palavras, Kant traz uma idealização de sujeito, ligando-o à racionalidade da autonomia que subjaz na qualidade de liberdade do ser sobre as coisas.
[...] o sujeito não é senão aquele núcleo de autonomia moral, razão que se autodetermina, pura inteligibilidade desprovida por completo de qualquer empiria. Exatamente no direito, no limite entre interior e exterior, quando o interior se projeta para fora na forma da liberdade exterior, o que se realiza pela ação humana de tomada de posse do mundo fenomênico, a relação mesma que aquele núcleo da moralidade pode estabelecer com os objetos não pode ser outra, senão a de um vínculo com algo que lhe é exterior. (JUNIOR, 2012, p. 41).
O mero vínculo entre o sujeito e o mundo externo é a propriedade fenomênica que assegura a autonomia do ser sobre a coisa, revelando-se assim na expressão moral de um possuidor inteligível e nada além do valor expresso sobre um corpo externo impossível de ser possuído verdadeiramente.
Essa vinculação do sujeito ao mundo exterior cria um estado intermediário que pode ser entendido como o campo de trocas e fluxos de experiências corpóreas que definem uma forma de relação reafirmada numa espécie de contrato ou lei de posse contínua (KANT, 2004).
A manutenção desse estado resulta, por assim dizer, na qualidade de sujeito de direito. Isto é, na qualidade de um ser na interação com o mundo externo ser capaz de adquirir abstratamente a possibilidade de manter com esse estado externo um vínculo a se firmar num determinado tempo (e espaço). Pelo todo dito, o sujeito é conhecido a partir da autonomia exercitada sobre o mundo externo.
3. Estado de Coisas Inconstitucional – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF N. 347/STF
O sistema prisional e penitenciário nacional, explícito em razão de gritantes violências a direitos e a pessoas, alcança, no atual marco de 33 (trinta e três) anos de Estado democrático de Direito, a declaração, o reconhecimento de Estado de Coisas Inconstitucional – o que fez a Suprema Corte em recente julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental em sede cautelar (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF n. º 347/PSOL).
O Estado de Coisas Inconstitucional, reconhecido parcialmente em sede cautelar pela Excelsa Corte do Brasil, visa promover a adoção prática de medidas, por todos os entes do Estado, convergentes a sanar lesões a bens fundamentais de extremada violação em cárceres brasileiros.
No bojo, a ação pede o reconhecimento acerca da nítida violação de mandamentos legais e fundamentais à população presa, bem como a determinação de providências diversas aos sistemas punitivos dirigidos pelo Poder Público (Poder Executivo), pois, entende-se pela existência de leis protetivas e pela inexistência de interesse político em executá-las eficiente e eficazmente (ANDRADE, 2016).
O Estado de Coisas Inconstitucional, brevemente, se faz no excesso de registros negativos e graves de violações a direitos mínimos, às normas básicas subjetivas, públicas e fundamentais (direitos e garantais fundamentais de esfera constitucional ou infra), em determinados setores sociais, in casu, defende-se, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental referenciada, que as violações de direitos no sistema carcerário são insustentáveis no Estado Democrático de Direito.
São muitas as implicações de ordem vilipendiadora da condição humana em ambiente de execução das penas, não sendo objeto mor do debate abordar e esmiuçar todos os vetores e elementos reflexos, senão os de âmago basilar que irradiam efeitos a toda à estrutura física e simbólica do encarceramento nacional de histórico tenebroso e sensíveis normas humanas.
Não devem, as explanações cá avançadas, serem tomadas como defesa da impunidade do fato considerado ilícito penal, da conduta criminosa, delituosa ou do ilícito genérico (comum a todos os ramos jurídicos) que macula a ordem e a paz sociais; tampouco a defesa das práticas imorais, arbitrárias e atentatórias aos valores democráticos, republicanos e aos bons costumes nacionais. Defendem-se todos os elementos de órbita da causa de fundo como apontadores de reflexões e críticas à perda do bom zelo à natureza humana e ao deszelo à aplicabilidade devida das normas constitucionais e legais, muito ignoradas relativa ou absolutamente em determinados contextos concretos (v.g. o cárcere), independentemente de qualquer sobrepeso de conduta avaliada negativamente pelo corpo político.
Não se olvide que o ambiente carcerário sob as condições conhecidas largamente se destina ao recolhimento de qualquer pessoa, quando da violação a um bem penal tutelado ou à falta de dever alimentar (prisão de natureza civil de devedor de alimentos inadimplente).
Assim sendo, qualquer indivíduo está apto a cometer infrações penais, que sujeitam à privação da liberdade, podendo lançar-se aos tratamentos carcerários aos moldes dos dispensados aos que se encontram recolhidos no flagelo.
Ao cabo, a adequada percepção do Estado Democrático de Direito em ambiente de cumprimento de pena ou de medidas provisórias de cerceamento da liberdade prescinde de maior respeito às balizas da atuação estatal. Dado que, em se observando o Estado divorciado das normas públicas [fala-se frontalmente daquelas que, ainda que promulgadas, existentes, vigentes e a surtir efeitos legais, possuam conteúdo efetivamente compatibilizado com as normas constitucionais (do “tudo ou nada” e principiológicas), infraconstitucionais (se normas infralegais, também devem considerar aquelas de posição topográfica piramidal superior – v.g. norma de direito penitenciário estadual deve simetria à norma de direito penitenciário federal e à Magna Carta), étnicas, morais, proporcionais, justas et cetera], não estará para a tutela dos interesses do povo que, por vezes, se encontra, também, no cárcere.
Frente a tudo, perceber-se como pessoa em constantes trocas político-sociais é entender-se como indivíduo que manterá (direta ou indiretamente) futuras relações com os pares da polis, pares que podem eventualmente estar privados de liberdade ou não. Na vez de pessoas privadas de liberdade, sabe-se que elas poderão retornar ao convívio social em oportuno momento de relaxamento ou revogação da prisão, execução da sanção ou condições outras que abrandam o cumprimento de pena (BOBBIO, 1992; CANOTILHO, 1999).
4. Políticas públicas penitenciárias em retórica ao Estado de Coisas Inconstitucional instalado nos cárceres do Brasil
Sabe-se que as políticas públicas penitenciárias se guiam pelos vetores da dignidade humana, custódia, vigilância, segurança, ordem e reeducação, merecendo apreço os vetores a) dignidade humana e b) reeducação, de pouca ou nenhuma expressão, quando se trata dos fins atuacionais das políticas públicas em espaço carcerário.
A dignidade humana e a reeducação surgem, maiormente, nas discussões que tratam das funções da execução penal, mas não exatamente como vetor mor ao lado de outros espécimes afamados nitidamente pelo cunho aflitivo ou punitivo, herança do retrógrado espírito criminal investido em matéria penal que demonstra distanciamento aos postulados humanos mais límpidos à natureza garantista humano-penal.
Observa-se a existência de inúmeros documentos que tratam de potenciais políticas públicas penitenciárias, muitas idealizadas, a nível nacional, pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, a Polícia Penal Federal (novo órgão de segurança pública no Brasil, advento da Emenda Constitucional 104/2019, responsável pela segurança dos estabelecimentos penais); a nível estadual, secretarias de estado responsáveis pela gestão dos cárceres circunscritos às suas áreas territoriais; departamentos estaduais penitenciários e prisionais; a Polícia Penal estadual ou distrital (novo órgão de segurança pública no Brasil, advento da Emenda Constitucional 104/2019, responsável pela segurança dos estabelecimentos penais).
Não obstante, sabe-se da dificuldade, da resistência e até mesmo da falta de conhecimento técnico de gestores, ou nos discretos resultados obtidos das poucas políticas aplicadas em cárceres, sendo diversos os elementos que aclaram os problemas de imperfectividade ou não efetividade dos instrumentos (v.g. dificuldade de acesso a recursos financeiros de fundos penitenciários, penas pecuniárias ou como condição de suspensão condicional do processo et cetera; adequada idealização e disposição escrita de projetos por corpo técnico, que venham a ser aprovados e executados, respeitando-se o cronograma executivo; possíveis desvios de verbas, corrupção, favorecimento et cetera; especialização de setores e servidores para fiscalizar a destinação e fiel percepção de resultados dos projetos aprovados e executados, dentre tantos outros elementos internos à gestão do estabelecimento penal e externos ao ambiente de cárcere).
Frisa-se que as políticas públicas penitenciárias devem ser percebidas para que se faça valer, em especial, a assistência à pessoa presa ou internada, para que disponha de condições preventivas da infração penal e orientadoras ao retorno à convivência social, sob confirmada dignidade.
Consideram-se, pelo Estatuto Executório Penal (Lei Ordinária Federal 7.210/84), seis espécies de assistência à pessoa presa: a) material – alimentação, vestuário e higiene, b) à saúde – atendimento médico, farmacêutico e odontológico, c) jurídica – assistência jurídica pela Defensoria Pública, c) educacional – instrução escolar e profissional, d) social – acompanhamento e amparo em matérias diversas e e) religiosa – liberdade de culto sem caráter obrigatório. Portanto, são essas espécies de assistência a serem especialmente atendidas em políticas, planos e programas de percepção em locus carcerário.
A tudo isso, observa-se que há constructos ideários, políticos, culturais e sociais que, movimentados planejadamente para o plano concreto (passível de percepção prática pela população presa e pelo corpo social), são capazes de resultar em transformações de espaço, estruturas e condições dignas à execução penal, à repressão da criminalidade e ao atendimento aos efeitos do modelo penal ressocializador.
5.Considerações finais
O Estado de Coisas Inconstitucional é estrutura formal para o reconhecimento da sempre notória imperfectibilidade dos confins prisionais e das políticas públicas lá operadas (leis, projetos, programas, ações, medidas et cetera). Inobstante, mero ato formal não é capaz, de per si, de determinar e informar convicentemente os indivíduos (a título simples de pessoa humana, ignorando-se território político de pertença) da coisa pública e do acertado marco inicial de um problema milenar e sistêmico das sociedades modernas a reviver projeto executivo penal (leia-se legislação penal e de execução penal) de sociedade longeva no plano histórico assistido em valores e ideais outros.
Ato estatal tardio, mas ainda esperado, é o reconhecimento material e formal dos insucessos dos ambientes de cumprimentos de pena, esse representado pelo Poder Judiciário (Teoria de Separação dos Poderes de Montesquieu).
Com isso, ganham-se os espaços científico, governamental e social organizada liberdade para tratar, com mais proximidade e maior afinco, dirimentes dos vetores desestruturantes, incapacitantes, inoperantes, ineficientes e ineficazes fomentadores de um projeto de execução penal não capaz, até os dias atuais, de atender aos fins sociais e normativos afincados no Estado Democrático de Direitos e bens iluministas afamados no Mundo Ocidental ventilados para a reeducação do transgressor das normas públicas.
O fervor discursivo alinhavado à abertura de espaços físicos possibilita mais e melhor controle público/social/popular/nacional/internacional, todos potencialmente transformadores da realidade assistida e criticada.
Não se nega, vigilantemente à cédula racional que enlaça este estudo, a grandeza e a complexidade da temática, não se exigindo, cá, desdobres que se atestam pela suficiência discursiva (afunilamentos conclusivos de causa), senão pela instigação teórica apta a conduzir ações correntes ao locus carcerário enquanto estrutura e projeto político-legal.
Referências
ANDRADE, B. A. de & TEIXEIRA, M. C. (2016) O estado de coisas inconstitucional: uma análise da ADPF 347. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, 13 (13), p. 85-121.
BOBBIO, N. (1992). Dicionário de Política. Brasília: UnB, 1992.
Lei 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília. Recuperado em 01 de agosto de 202, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%207
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Lei%20de%20Execu%C3%A7%C3%A3o%20Penal.&text=Art.,do%20condenado%20 e%20do%20internado.
CANOTILHO, J. J. G. (1999). Estado de Direito. Fundação Mário Soares. Lisboa: Radiva Produções, Ida, 1. Ed.
CASTEÑEDA, I. M. H. (1989). El concepto jurídico de persona. Pamplona: Ediciones, Universidad de Navarra.
JUNIOR, C. N. K. (2012). Sujeito de Direito e Capitalismo. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, São Paulo.
KANT, E. (2004). Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 117 p. (Textos Filosóficos).
GOGLIANO, D. (1982). Direitos privados da personalidade. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Doutorando em Desenvolvimento Regional (PPGDR – UFT). Mestre comunicacional e societário (PPGCOM-UFT). Aluno Especial em Doutorado (USP e UNICAMP, Brasil). Criminologista. Penalista. Processualista Penal. Trabalhista. Processualista do Trabalho. Jurista (UFT, Brasil). Tributarista. Processualista Tributário. Docente do Curso de Direito da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS, Brasil). Pesquisador em direitos humanos e fundamentais e jurisdição para a educação no Mercosul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GAMA, Giliarde Benavinuto Albuquerque Cavalcante Virgulino Ribeiro Nascimento e. Reflexões sobre políticas públicas penitenciárias em retórica ao estado de coisas inconstitucional instalado nos cárceres do Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58143/reflexes-sobre-polticas-pblicas-penitencirias-em-retrica-ao-estado-de-coisas-inconstitucional-instalado-nos-crceres-do-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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