RESUMO: O grande número de princípios constitucionais ostentados pelo ordenamento jurídico brasileiro faz com que eles colidam entre si, resultando em um dilema interpretativo que desponta como uma das mais importantes e inquietantes questões a demandar respostas pelos juristas nos tempos modernos. Na tentativa de solucionar tal problemática, a doutrina introduziu, aos poucos, diversos mecanismos no meio acadêmico, dentre os quais, o mais reconhecido é o do jurista alemão Robert Alexy, que lança sua Teoria dos Princípios com o objetivo de resolver as antinomias através do instituto da ponderação, cominado com o uso do princípio da proporcionalidade. Ocorre que, apesar da reconhecida eficiência e aplicabilidade dessa técnica na praxe judiciária, inúmeras críticas se insurgem contra ela. Nesse sentido, o presente estudo visa analisar, de forma qualitativa e exploratória, os sobreditos mecanismos, com o intuito de explicar sua funcionalidade, indicar as principais críticas que eles vêm recebendo, e elucidar sua aplicabilidade no cenário jurídico, apontando-os como legítimos instrumentos de interpretação do direito.
Palavras-chave: Princípios constitucionais. Colisão. Ponderação. Proporcionalidade.
Sumário: 1. Introdução. 2. Colisão entre princípios. 3. Ponderação: 3.1. Origem da Ponderação; 3.2. Aplicabilidade das Teorias de Robert Alexy; 3.3. Ponderação e proporcionalidade. 4. Críticas à racionalidade da ponderação. 5. Conclusão. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Na praxe judiciária do século XXI, o constitucionalismo vem se materializando no contexto do discurso jurídico como um reflexo da relação entre o Direito e a moral, normatividade da Constituição, força vinculativa dos princípios constitucionais e plena eficácia das normas de direitos fundamentais.
Nesse cenário, os princípios jurídicos dispostos na Carta Magna têm tomado uma relevância muito maior que a de mera fonte normativa subsidiária, pois aproximam o Direito e as questões práticas, tanto nutrindo o sistema com os elementos práticos da realidade social, quanto informando a sociedade a partir das diretrizes normativas que sustentam o ordenamento jurídico.
Ao reforçar ideias de ordem e integração sistemática, os princípios constitucionais se asseguram como sustentáculo lógico de todo o ordenamento, evitando que o Direito se distancie da complexa e dinâmica realidade social, ou que se torne refém das sazonalidades axiológicas da sociedade, e assumem uma posição central e essencial à própria existência do sistema jurídico.
Contudo, o grande número de princípios faz com que eles se choquem constantemente, remetendo o jurista à uma antiga problemática: a colisão entre princípios constitucionais, que desponta como uma das mais importantes e inquietantes questões a demandar respostas pelo jurista nos tempos modernos.
Assim, em ordenamentos como o brasileiro, marcado por uma Constituição analítica, que apresenta um amplo rol de princípios, o fenômeno da colisão entre princípios constitucionais necessita da estruturação de métodos hábeis à resolução dessas contradições normativas, fazendo parte da prática comum do discurso jurídico.
A busca por tais métodos resolutivos têm ocupado, há décadas, o meio acadêmico, especialmente no que diz respeito à argumentação jurídica, já que requer, do intérprete do direito, a escolha de qual norma deve prevalecer no caso concreto.
Emergiram, então, diversos mecanismos para solucionar tal controvérsia, dentre os quais, o mais reconhecido é o constante na doutrina procedimental-discursiva do jurista alemão Robert Alexy, uma teoria da argumentação jurídica que compreende o discurso jurídico como um caso especial do discurso prático geral, visando auferir uma porção de racionalidade justificativa às decisões jurídicas, especialmente no âmbito judicial.
Entre tais ensinamentos, o autor lança uma teoria dos princípios, onde busca resolver as antinomias através do instituto da ponderação, cominado com o uso da proporcionalidade. Ocorre que, apesar da reconhecida eficiência e aplicabilidade dessa técnica na prática judiciária, inúmeras críticas se insurgem contra ela, levantando a dúvida se está ainda é uma solução hábil e eficaz para o problema que propõe resolver.
Logo, o presente artigo busca analisar essa importante teoria no que se refere à solução da colisão entre princípios, sem a pretensão de esgotar o tema ou demonstrar que ela é a única maneira de tratar do assunto, mas, sim, explicar sua funcionalidade, entender as principais críticas que ela vem recebendo, e elucidar sua aplicabilidade no cenário jurídico.
2 COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS
Princípios jurídicos, na significação de Robert Alexy[1], seriam normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, atuando como verdadeiros mandamentos de otimização, caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.
Corroborando com tal conceito, o ministro Luis Roberto Barroso os qualifica da seguinte forma:
Já os princípios indicam uma direção, um valor, um fim. Ocorre que, em uma ordem jurídica pluralista, a Constituição abriga princípios que apontam em direções diversas, gerando tensões e eventuais colisões entre eles.
(…)
Como todos esses princípios têm o mesmo valor jurídico, o mesmo status hierárquico, a prevalência de um sobre o outro não pode ser determinada em abstrato; somente à luz dos elementos do caso concreto será possível atribuir maior importância a um do que a outro. Ao contrário das regras, portanto, princípios não são aplicados na modalidade tudo ou nada, mas de acordo com a dimensão de peso que assumem na situação específica. Caberá ao intérprete proceder à ponderação dos princípios e fatos relevante, e não a uma subsunção do fato a uma regra determinada. Por isso se diz que princípios são mandamentos de otimização: devem ser realizados na maior intensidade possível, à vista dos demais elementos jurídicos e fáticos presentes na hipótese. Daí decorre que os direitos neles fundados são direitos prima facie – isto é, poderão ser exercidos em princípio e na medida do possível.[2]
Nota-se que, segundo o ministro, não haveria, do ponto de vista estritamente jurídico (epistemológico), hierarquia entre os princípios. Contudo, em contraposição à Barroso, não podemos deixar de trazer o entendimento referente à existência de hierarquia entre princípios, defendido pelo imortal Geraldo Ataliba. Vejamos:
O sistema jurídico (…) se estabelece mediante uma hierarquia segundo a qual algumas normas descansam em outras, as quais, por sua vez, repousam em princípios que, de seu lado, se assentam em outros princípios mais importantes. Dessa hierarquia decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam os princípios menores. Estes subordinam certas regras que, à sua vez, submetem outras (…).[3]
O professor Ataliba, assim, diverge do entendimento levantado por Alexy e Barroso, considerando que princípios jurídicos são normas, e que as normas são hierarquicamente escalonadas, motivo pelo qual julga que é possível admitir a existência de hierarquia entre os princípios.
Muito embora, nesse trabalho, adotar-se-á a teoria de que os princípios são mandamentos de otimização, e não possuem hierarquia entre si, devendo ser modulados de acordo com as condições fáticas e jurídicas do caso concreto, porque possuem dimensão de peso, conforme defendem Robert Alexy, Luis Roberto Barroso, e Ronald Dworkin.
3 PONDERAÇÃO
Não obstante a existência de divergências quanto à ocorrência ou inocorrência de hierarquia entre princípios constitucionais, a verdade é que eles, eventualmente, vão acabar se chocando, e, nesse caso, vai ficar a cargo do intérprete do direito, a atribuição de resolver as consequentes antinomias, ou seja, essa colisão entre direitos fundamentais expressos na forma de princípios.
Nesses casos, Robert Alexy[4] entende que, em regra, nenhum deles pode ser declarado inválido, bem como não é possível introduzir, em um deles, uma cláusula de exceção, e que não existe uma relação de precedência absoluta ou abstrata entre quaisquer princípios.
Aprofundando essa análise da dinâmica principiológica, Pedro Lenza esmiúça a visão do ministro Barroso, arrematando que:
Cada caso concreto deve ser analisado para que o intérprete dê o exato peso entre os eventuais princípios em choque (colisão). Assim, a aplicação de princípios “não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato”.[5]
Nesse panorama, Alexy propõe o uso da técnica da ponderação e do princípio da proporcionalidade como solução para o problema da colisão entre direitos fundamentais estruturados como princípios. Uma teoria que tem sido amplamente incorporada pela doutrina e pelo Poder Judiciário no Brasil.
3.1 Origem da Ponderação
Para desenvolver a técnica da ponderação, o jurista alemão se pautou na técnica do balanceamento ou do sopesamento, concebida pelo Tribunal Constitucional Alemão, que, por sua vez, entendia que todos os princípios possuem a mesma importância em abstrato, assim, sempre que havia colisão entre eles, avaliava as condições fáticas e jurídicas de cada caso para determinar qual deveria se sobressair.
Logo, pode-se dizer que esse método da ponderação, e, anteriormente, do sopesamento ou do balanceamento, foi criado pela Corte Constitucional Alemã, mais especificamente para solucionar um conflito entre direitos fundamentais no peculiar caso Lüth[6], em 1958.
Tal casuística se iniciou, porque o presidente do clube da imprensa de Hamburgo, Erich Lüth, convocou um boicote aos filmes de um famoso diretor do cinema nazista (Van Harlan), produzidos após o fim da segunda guerra mundial em 1945. Em resposta, Van Harlan processou Lüth, que foi condenado pelo Tribunal de Hamburgo a não participar de novas convocações a favor do boicote, além do pagamento de uma multa pecuniária.
Inconformado, Lüth recorreu ao Tribunal Constitucional Alemão que, sopesando os direitos fundamentais em conflito, lhe deu ganho de causa, entendendo que sua incitação ao boicote estava protegida pela liberdade de expressão garantida no art. 5º da Lei Fundamental Alemã.
Assim, a Corte Constitucional Alemã estabeleceu 2 postulados, que são seguidos até hoje: primeiro que a interpretação da legislação ordinária deve ser feita à luz dos direitos fundamentais elencados na Constituição, já que os direitos fundamentais elencados na Carta Magna emanam seus efeitos por todo o ordenamento jurídico, mesmo que se trate de relações jurídicas entre particulares; e segundo que a ponderação se aplica exatamente na complexidade da colisão entre direitos fundamentais expressos na forma de princípios.
3.2 Aplicabilidade das Teorias de Robert Alexy
Do resultado da colisão entre dois princípios, Alexy[7] aponta que nascerá uma regra específica, atinente à aplicação do princípio que prevalecer, designada com base nas condições fáticas do caso concreto. À esta conexão, o eminente jurista põe o nome de lei de colisão, a qual determina que “as condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência”. Assim, a ponderação se apresenta como o procedimento específico para a solução de colisões de princípios, ao que Alexy[8] indica sua aplicação com base no princípio da proporcionalidade.
Ocorre que, apesar dessa técnica ter sido criada para evitar meros subjetivismos do intérprete, muitos julgados se utilizam do princípio da proporcionalidade apenas para justificar uma escolha pessoal por parte do julgador, sem a demonstração completa do raciocínio aplicado.
Nesse sentido, o professor Lênio Streck, ao ponderar sobre os limites da hermenêutica judicial, ressalta que a aplicação dos princípios atinentes ao tema não deve se confundir com aquilo que está na consciência do julgador, explicando que:
Ora, interpretar é dar sentido (Sinngebung). É fundir horizontes. E o direito é composto por regras e princípios, ‘comandados’ por uma Constituição. Assim, afirmar que os textos jurídicos contêm vaguezas e ambiguidades e que os princípios podem ser – e na maior parte das vezes são – mais ‘abertos’ em termos de possibilidades de significado, não constitui novidade.
(...)
O que deve ser entendido é que a realização/concretização desses textos (isto é, a sua transformação em normas) não depende – e não pode depender – de uma subjetividade assujeitadora (esquema S-O), como se os sentidos a serem atribuídos fossem fruto da vontade do intérprete”.[9]
Portanto, é vital que não se trate essa ponderação de princípios como um sinônimo de ponderação de interesses ou valores, porque ponderação de princípios trata de correntes teóricas com bases e propostas completamente diversas à ponderação de valores[10], especialmente no que se refere ao uso da proporcionalidade pra alcançar a respostas.
3.3 Ponderação e proporcionalidade
Compreendida a ideia inicial de Alexy, há de se elucidar a dinâmica entre o instituto da ponderação e o princípio da proporcionalidade, e a maneira como ele se aplica em sua teoria. Porém, como quase tudo no direito, a fundamentação e o conceito desse princípio também não são unânimes na doutrina.
No ordenamento jurídico brasileiro, costuma-se dizer que a proporcionalidade decorre do devido processo legal substantivo, constante no inciso LIV, do artigo 5º, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;[11]
Contudo, parte da doutrina pátria, bem como a doutrina e as decisões da Corte Constitucional Alemã, entendem que a regra da proporcionalidade tem seu fundamento no princípio do Estado de Direito.
Virgílio Afonso da Silva[12], porém, destaca que essa corrente não se justifica, pois a regra da proporcionalidade não tem seu fundamento no princípio do Estado de Direito, haja vista que diversos países, onde já existia um Estado de Direito, não se utilizam da regra da proporcionalidade. E arremata a questão, explicando que a exigibilidade da regra da proporcionalidade para a solução de colisões entre direitos fundamentais decorre da própria estrutura dos direitos fundamentais, e não de dispositivo constitucional.
O presente estudo concorda com o entendimento dado por da Silva, de que a fundamentação da proporcionalidade está na própria estrutura dos direitos fundamentais, porém, isso não elucida, por completo, tal instituto.
Um bom início para tal compreensão, seria o conceito adotado por Humberto Avila[13], que entende o dever de proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo, e não uma regra ou princípio. Assim, ela determinará condições para a correta aplicação do Direito.
Por sua vez, outro conceito muito utilizado na definição de proporcionalidade é o adotado pelo, já citado, Virgílio Afonso da Silva[14], que a entende como uma regra de interpretação e aplicação do direito, designada especialmente nos casos em que um ato estatal, destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrição de outro ou outros direitos fundamentais. Assim, seu propósito é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais.
O referido autor também elenca a existência de 3 (três) correntes em relação à estrutura do princípio da proporcionalidade. Uma primeira, defendida por Alexy, que abrange a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; outra preconizada por Böckenförde e Schlink, que compreende apenas a adequação e a necessidade; e uma terceira, adotada pela Corte Europeia de Direitos Humanos, que envolve a adequação, necessidade, proporcionalidade em sentido estrito e legitimidade dos fins que a medida questionada pretende atingir.
Apesar da importância dessas três teorias, o presente trabalho vai focar no conceito de proporcionalidade majoritariamente aceito na doutrina e na jurisprudência pátrias, que é o proposto por Robert Alexy[15], segundo o qual, afirmar que a natureza dos princípios acarreta a máxima da proporcionalidade é o mesmo que dizer que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza, ou seja, que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), deriva logicamente da natureza dos princípios.
Partindo dessa premissa, Diego Brito Cardoso[16] destaca alguns aspectos de fundamental importância para a teoria dos princípios desenvolvida por Alexy.
Primeiramente que a aplicação do princípio da proporcionalidade deve sempre seguir a ordem de seus 3 (três) subprincípios: primeiro a adequação, depois a necessidade, e, por fim, a proporcionalidade em sentido estrito, porque a análise de determinada medida através de todos os subprincípios não é sempre obrigatória, ou seja, a relação entre eles é subsidiária, logo, só se segue para a análise do próximo subprincípio caso o ato analisado seja considerado proporcional. Em termos práticos, é somente após a verificação da adequação da medida, que o intérprete do direito examinará sua necessidade, haja vista que, se ela for inadequada, já será tida como desproporcional, e, consequentemente, não haverá mais necessidade de analisá-la frente o subprincípio da necessidade, que seria o próximo.
Por sua vez, para a apreciação do subprincípio da adequação, o jurista realizará uma análise do meio escolhido por determinado ato para alcançar seu objetivo, sem, contudo, compará-la com outras hipóteses. Nesse sentido, o ato será tido como adequado quando o meio escolhido por ele alcançar ou promover o objetivo pretendido, assim, a medida só será dada como inadequada se não contribuir em nada para o objetivo auferido.
Seria o caso de uma norma que obriga o uso de capacete para todos os motociclistas, visando salvaguardar a integridade física deles. Nesse caso, nota-se que o uso de capacete é uma medida abstratamente eficiente para a finalidade de proteção da integridade física do motociclista. Logo, ela deve ser tida como adequada, e, em seguida, analisada através dos subprincípios da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, para, só então, concluir se ela é, ou não, proporcional.
Já o subprincípio da necessidade demanda uma análise comparativa, cotejando-se a gravidade do meio em questão com o objetivo pretendido, de modo que a medida será considerada necessária se não houver outro meio menos gravoso para atingir o mesmo objetivo, ou seja, o intérprete vai avaliar se a realização do objetivo não pode ser promovida de outra maneira que limite menos o direito fundamental atingido, verificando qual é o direito que está sendo restringido, e, em seguida, ponderando se não haveria outra medida dotada de eficácia similar, mas menos gravosa.
Contextualizando com o exemplo passado, se aquela lei que exigia capacete para motociclistas, o fizesse quanto aos motoristas de automóvel, visando proteger a integridade física deles, teríamos, como direito fundamental restringido, a liberdade de escolha. Realizando a análise da necessidade, constata-se que o capacete é um meio abstratamente eficiente para a finalidade de proteção da integridade física dos motoristas, assim, reputa-se que tal medida seria adequada. Contudo, ao seguir para a verificação do subprincípio da necessidade, contata-se que o cinto de segurança é um meio mais eficaz do que o capacete para manter a integridade física dos motoristas de automóveis. Logo, constata-se a existência de outra medida, menos gravosa, para conseguir o mesmo objetivo, fazendo, da obrigatoriedade do uso de capacete para motoristas, uma medida desnecessária, e, consequentemente, desproporcional.
Por fim, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito ou lei do sopesamento, nas palavras de Alexy[17], seria aquele em que "quanto maior o grau de não-satisfação ou de detrimento de um princípio, maior a importância de se satisfazer o outro". Sua análise consistiria, portanto, na verificação da amplitude da restrição ao direito atingido, e da importância da realização do direito fundamental colidente. Desse modo, buscar-se-ia apontar qual direito, frente às especificidades do caso concreto, deve ser resguardado: se é o direito atingido pela medida ou o direito que ela pretende aclamar.
Nesse sentido, a análise do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito deve ser escalonada em 3 (três) etapas: primeiro deve-se determinar o grau de restrição ou de não-satisfação do direito atingido, ou seja, a amplitude da intervenção; em seguida, deve-se examinar a importância de satisfazer o direito concorrente, ou seja, a relevância das razões que justificam tal intervenção; e, por fim, deve-se ponderar as respostas das 2 (duas) etapas anteriores, decidindo se a importância de se satisfazer ou não o princípio concorrente justifica a restrição do direito atingido. Nota-se, assim, que uma medida não passará nesta avaliação se os motivos que a fundamentem não tiverem peso suficiente para fundamentar uma restrição ao direito fundamental atingido.
Por todo o exposto, conclui-se que o instituto da proporcionalidade tem uma importância vital para a funcionalidade da teoria dos princípios defendida por Alexy, já que, conforme aponta Cardoso[18], sua verificação vai abranger tanto aspectos fáticos (na análise da adequação e da necessidade), quanto aspectos jurídicos (na análise da proporcionalidade em sentido estrito) da aplicação dos princípios no caso concreto, permitindo, assim, uma ponderação mais acertada, e, consequentemente, um melhor aproveitamento do ordenamento jurídico que se norteia por tais mandamentos de otimização.
4 CRÍTICAS À RACIONALIDADE DA PONDERAÇÃO
Apesar do grande sucesso e acolhimento em modelos judiciários de várias partes do mundo, a proposição de Robert Alexy, desde sua origem, tem sofrido inúmeras críticas. Analisado o conteúdo da sua técnica da ponderação, é importante expor tais objeções como forma de melhor compreender a colisão entre direitos fundamentais estruturados como princípios.
Inicialmente, cabe destacar a discordância levantada por Günter[19], o qual defende que a diferença entre regras e princípios não é uma diferença estrutural, mas uma “diferença de tipos de uso”, assim, entende que princípios não existem, mas apenas normas que são usadas de diferentes maneiras. Contudo, o próprio Alexy[20] elucida a referida discordância ao apontar que não é fácil decidir se a norma deve ser tratada como regra ou como princípio, mas que essa é uma questão de interpretação, e pode acontecer de não haver um critério para suprir de maneira simples e clara respostas a esses casos, apontando que essa não é uma objeção que destrua sua teoria estrutural dos princípios.
Já Tugendhat[21], defende que a justificação dos enunciados práticos não demanda, necessariamente, um procedimento comunicativo, podendo ser monológico, incidindo, assim, na esfera pessoal do próprio indivíduo. Nesse sentido, Alexy não teria levado em conta essa distinção, pois teria se utilizado tanto de regras semânticas quanto pragmáticas em sua teoria do discurso prático.
Por sua vez, Atienza[22] critica Alexy por sua ambiguidade quanto à argumentação jurídica, já que o alemão sustenta que o discurso jurídico em sentido estrito seria, de certa forma, um procedimento não regulado por normas jurídicas que garantam um resultado definitivo e obrigatório, porém, quando contrapõe o discurso jurídico stricto sensu ao discurso no processo judicial, acaba por abranger as argumentações das partes, sendo que a argumentação justificatória do juiz pertenceria ao âmbito do procedimento não-institucionalizado. Assim, considerando que as especificidades da argumentação jurídica e o déficit de racionalidade variam em cada argumentação, sua teoria ficaria prejudicada.
Seguindo essa linha de raciocínio, quem também se insurge quanto ao déficit de racionalidade da ponderação é Carlos Bernal Pulido[23], que levanta algumas objeções ao uso da ponderação. Primeiramente, quanto à indeterminação da ponderação, uma vez que não há um parâmetro jurídico objetivo que vincule o magistrado, permitindo que a ponderação abrace o subjetivismo do juiz. Outro ponto seria a incomensurabilidade da ponderação, já que, em uma sociedade pluralista, não é possível admitir a existência de hierarquia entre princípios, pois isso refletiria uma predefinição de uma hierarquia entre os valores existentes na sociedade, e o autor entende ser impossível contrapor dois objetos que, devido a suas diferenças radicais, não são comparáveis. E sua última objeção seria quanto à impossibilidade de se predizer os resultados da ponderação, uma vez que, ao fugir de critérios gerais, sacrificando a segurança jurídica, ela acaba permitindo resultados variados em cada caso concreto.
Tais críticas induzem à crença de que a ponderação acabaria sendo, tão somente, a valoração que melhor agrada aos anseios de cada Tribunal, já que não goza de uma vantagem epistêmica, mas apenas prática. Contudo, o próprio Carlos Bernal Pulido[24], respondendo a tais críticas, arremata que a busca por uma “hiperracionalidade” acaba sendo uma busca irracional, e que a subsunção, tal qual a ponderação, depende da interpretação da norma, e, assim, também pode se sujeitar aos subjetivismos do juiz.
Desse modo, a objetividade acaba sendo um objetivo inatingível em qualquer ordenamento jurídico, especialmente em relação a princípios. Até porque, essa incerteza quanto aos princípios é essencial para a manutenção do próprio ordenamento jurídico frente à evolução das sociedades, já que evita a necessidade de reiteradas emendas no texto constitucional.
Nesse sentido, Diego Brito Cardoso[25] constata que um entendimento racional acerca da colisão entre direitos fundamentais deve se pautar em termos claros e consistentes, além de premissas completas, atentando-se para as regras da argumentação, da lógica, e da coerência.
Assim, por mais que a técnica da ponderação não garanta uma uniformidade nas decisões, ela tem um papel singular quanto à legitimação das decisões, haja vista sua inegável importância para a justificação da posição tomada pelo operador do direito.
Portanto, em concordância com as considerações de Pulido e Cardoso, conclui-se que a ponderação pode ter tanto um viés positivo, quanto negativo, a depender da abrangência dos elementos analisados para a tomada da decisão: se o operador do direito fundamentou sua ponderação na análise de todos os argumentos atinentes ao caso, expondo e valorando os motivos que o orbitam, ela teria um viés racional, logo, seria positiva; contudo, se o intérprete do direito a utilizou com base em suas próprias convicções, como forma de legitimá-las na apreciação do caso concreto, a ponderação seria irracional, e, nesse sentido, teria um viés negativo.
5 CONCLUSÃO
O presente artigo buscou analisar a teoria de Robert Alexy no que se refere à solução da colisão entre princípios, sem a pretensão de esgotar o tema ou demonstrar que tal teoria é a única maneira de tratar do assunto.
Conforme demonstrado, os princípios têm ocupado um lugar de destaque dentro do ordenamento jurídico brasileiro, e isto se deve, em parte, à interpretação dada pelo referido doutrinador, que os considera como mandamentos de otimização, não possuindo hierarquia entre si, motivo pelo qual devem ser modulados de acordo com as condições do caso concreto quando em situação de colisão.
Voltando-se a tais casos (de antinomia), constatou-se que o autor alemão propõe, como solução, o uso da técnica da ponderação aliada ao princípio da proporcionalidade, o que tem sido amplamente incorporado pela doutrina e jurisprudência pátrias.
Tanto sucesso se deve ao fato de que o mecanismo proposto abrange tanto aspectos fáticos quanto aspectos jurídicos, atribuindo, através da proporcionalidade, uma porção maior de racionalidade na seleção de qual direito deve predominar no caso concreto, evitando que essa escolha seja feita exclusivamente com as convicções pessoais do julgador ou outra forma arbitrária.
Isto tem se refletido em decisões mais acertadas, e, consequentemente, em uma melhor aplicação dos princípios, que, na qualidade de mandamentos de otimização, norteiam todo o ordenamento jurídico.
Ocorre que inúmeras críticas, expostas no decorrer do presente artigo, se insurgiram, evidenciando uma insatisfação no que se refere ao déficit de racionalidade da ponderação, e sua precariedade quanto à uniformidade nas decisões, e descortinando um viés negativo, que pode ser utilizado pelo intérprete do direito como uma maneira de legitimar suas próprias convicções na apreciação do caso concreto.
Muito embora, esse uso irracional da ponderação não deve ser tomado como regra, mas, tão somente, evitado, uma vez que a ponderação também assume um viés positivo (quando dotada de racionalidade), que possui um papel singular quanto à legitimação das decisões, haja vista sua inegável importância para a justificação da posição tomada pelo operador do direito, quando fundamentada na análise de todos os argumentos atinentes ao caso.
Logo, conclui-se que a teoria dos princípios de Alexy, especialmente no que se refere ao uso da ponderação para resolução da colisão de direitos fundamentais, tem um lugar especial na praxe judiciária hodierna, devendo, cada vez mais, ser fomentada e racionalmente aplicada, para que frutifique, garantindo o máximo de eficácia ao ordenamento jurídico.
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[3] ATALIBA apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 165.
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[9] STRECK, Lênio Luiz. O que é isto: decido conforme a minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 87.
[11] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 06 abr. 2021.
[12] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798, 2002. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1495/1179>. Acesso em: 06 de abril de 2021.
[13] ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 4, julho, 2001. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-HUMBERTO-AVILA.pdf >. Acesso em: 06 de abril de 2021.
[14] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798, 2002. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1495/1179>. Acesso em: 06 de abril de 2021.
[16] CARDOSO, Diego Brito. Colisão de direitos fundamentais, ponderação e proporcionalidade na visão de Robert Alexy. Revista Constituição e Garantia de Direitos, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 137-155, 2016. ISSN 1982-310X.
[18] CARDOSO, Diego Brito. Colisão de direitos fundamentais, ponderação e proporcionalidade na visão de Robert Alexy. Revista Constituição e Garantia de Direitos, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 137-155, 2016. ISSN 1982-310X.
[19] ALEXY, Robert. On the structure of legal principles. Ratio Juris, Bologna, v. 13, n. 3, p. 231-345, set. 2000. ISSN 1467-9337.
[20] ALEXY, Robert. On the structure of legal principles. Ratio Juris, Bologna, v. 13, n. 3, p. 231-345, set. 2000. ISSN 1467-9337.
[21] ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2000, p. 275.
[22] ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2000, p. 289.
[23] PULIDO, Carlos Bernal. La racionalidad de la ponderación. In "El principio de proporcionalidad en el Estado constitucional". Miguel Carbonell (Coordenador). Universidad Externado de Colombia. p. 51-55.
[24] PULIDO, Carlos Bernal. La racionalidad de la ponderación. In "El principio de proporcionalidad en el Estado constitucional". Miguel Carbonell (Coordenador). Universidad Externado de Colombia. p. 56-62.
[25] CARDOSO, Diego Brito. Colisão de direitos fundamentais, ponderação e proporcionalidade na visão de Robert Alexy. Revista Constituição e Garantia de Direitos, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 137-155, 2016. ISSN 1982-310X.
Mestrando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2020), pós-graduado em Direito Público (2014) e Direito Privado (2015) pela Universidade Federal do Piauí. Foi professor do Curso de Pós-graduação em "Direito Médico e Proteção Jurídica à Saúde" da Escola do Legislativo do Estado do Piauí (2020), membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-PI, e atualmente é advogado do Sindicato dos Médicos do Estado do Piauí. Endereço eletrônico: [email protected].
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Gilvan Carneiro de Andrade. Colisões entre princípios: uma análise da Teoria de Robert Alexy Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2022, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58151/colises-entre-princpios-uma-anlise-da-teoria-de-robert-alexy. Acesso em: 23 dez 2024.
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