Resumo: Em prol da estabilidade, coerência e uniformização da jurisprudência, o CPC 2015 previu que alguns julgamentos dos Tribunais Superiores e também de tribunais locais deveriam ser observados por todos os juízes, sob pena de cabimento de ação de reclamação. O presente artigo apresenta análise crítica desse Sistema de Precedentes instituído pelo CPC 2015 para demonstrar sua (in)compatibilidade com a garantia da independência judicial no contexto do modelo constitucional de processo.
Palavras-chave: Precedente – eficácia vinculante – tribunal local - independência judicial –- processo democrático
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. O Sistema de Precedentes do CPC 2015: uma visão crítica 3. A independência judicial e o processo democrático 3.1 Precedentes obrigatórios dos tribunais locais e a “magistratura deitada” 3.2 A técnica de ressalva de entendimento como forma de se minimizar o esvaziamento do papel do juiz de primeiro grau na interpretação do direito 3.3. Técnica de utilização do precedente: o distinguishing como forma de incentivo ao debate processual e à interpretação do direito pelo juiz de primeira instância 4. Conclusão. 5. Bibliografia.
1. Introdução:
A enorme quantidade de processos, o aumento da litigiosidade de massa, a demora e a burocracia processuais, além do alto grau de instabilidade jurídica provocada pelos acontecimentos políticos, sociais e econômicos, colocaram na ordem do dia a temática sobre a criação de técnicas processuais e outras medidas que pudessem assegurar a celeridade da uniformização jurisprudencial e, por conseguinte, uma maior previsibilidade decisória.
A tendência de se criar mecanismos de valorização dos julgamentos dos tribunais começou a se destacar nas reformas legislativas implementadas no direito processual brasileiro desde a Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004.
Cita-se, por exemplo, a introdução da “súmula vinculante”, que foi concebida como mecanismo de aceleração dos julgamentos, em decorrência do óbice a demandas fulcradas em teses jurídicas em matéria constitucional já pacificadas na jurisprudência no STF.
A referida reforma constitucional introduziu, ainda, a “repercussão geral” como pressuposto de admissibilidade específico (filtro) para o recurso extraordinário, dando caráter mais objetivo e abstrato ao controle difuso de constitucionalidade pelo STF, possibilitando que os efeitos do julgamento de alguns poucos recursos se irradiassem para outros casos concretos.
O recorrente deve, assim, demonstrar a relevância da matéria sob a ótica econômica, política, social ou jurídica, que transcende o mero interesse subjetivo das partes litigantes. Ao regulamentar o instituto, a Lei 11.418/2006 introduziu o § 5º ao art. 543-A do CPC de 1973, dispondo que, se negada a repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre a mesma matéria, que serão indeferidos liminarmente, ressalvada a hipótese de revisão da tese.
Destaca-se também a criação do regime de julgamento dos recursos especiais repetitivos pela Lei 11.672/2008, aperfeiçoada no CPC/2015, que implementou a técnica processual de “pinçamento” do caso modelo ou causa piloto para a resolução da questão de direito de maneira uniforme para todas as demandas repetitivas. Trata-se de uma técnica pela qual o tribunal de origem seleciona um ou mais recursos representativos da controvérsia dotados de fundamentação mais completa e os encaminha ao STJ, sobrestando os demais recursos sobre a mesma questão jurídica até o pronunciamento da corte superior acerca da definição da tese jurídica.
Seguindo esse mesmo propósito, o legislador do CPC/2015 implementou um sistema próprio de precedentes com eficácia vinculante para o direito processual civil, visando conferir maior coerência, estabilidade e previsibilidade decisória.
A temática é relevante e causa preocupação quando, diante do modelo constitucional de processo, depara-se com o status de precedente vinculante atribuído tanto a julgamentos dos tribunais superiores, mas também julgamentos de tribunais locais ou regionais de segunda instância, melhor conhecidos como “cortes de apelação”, cujo papel não se confunde com o dos tribunais superiores, os quais possuem a competência constitucional de definição de teses jurídicas e uniformização da interpretação do direito.
Nesse contexto de busca a qualquer custo da celeridade processual e da uniformização jurisprudencial, o julgador monocrático poderá se tornar um “juiz eletrônico” que apenas reproduz, de maneira quase que automatizada, a tese jurídica (de caráter vinculante) já definida pelo tribunal local. Sob o mito da igualdade, corre-se extremado risco de asseverar as desigualdades considerando a heterogeneidade existente no Brasil, país de dimensão continental, com nuances regionais acentuadas e elevado número de tribunais locais e/ou regionais.
Com efeito, a verticalização e a vinculação pura e simples a alguns julgamentos dos tribunais, especialmente dos de segundo grau como ocorre no caso do incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR e do incidente de assunção de competência - IAC, podem acarretar precipitação, reduzindo o espaço cognitivo do processo, espaço essencial ao debate público dos fundamentos aduzidos pelas partes.
É justamente diante dessa rígida verticalização estabelecida pelo CPC 2015 que se propõe neste singelo artigo uma análise crítica do sistema de precedentes e da sua compatibilidade com a garantia da independência judicial.
Longe da pretensão de esgotar o tema, objetiva-se apenas instigar o debate, fazendo apontamentos no intuito de trazer aperfeiçoamentos ao sistema.
2. O Sistema de Precedentes do CPC 2015: uma visão crítica
O CPC/2015 intenta aproximar o sistema judicial brasileiro ao sistema de valorização dos precedentes vinculantes.
De acordo com a novel legislação, alguns precedentes judiciais não detém somente a função persuasiva de orientar a interpretação dos dispositivos legais ou constitucionais, mas passam a obrigar o julgador a adotar o mesmo fundamento da decisão proferida anteriormente, aproximando-se o sistema brasileiro da teoria do stare decisis (doutrina característica do common law, decorrente da expressão latina stare decisis et non quieta movere, em uma tradução livre: mantenha-se a decisão e não se mexa no que foi estabelecido) [1].
Segundo Lênio Streck e Georges Abboud, as normas do CPC/2015 se amparam na crença de que os mecanismos vinculantes forjados para funcionar verticalmente assegurariam a concretização da almejada segurança jurídica e acabariam com o fenômeno daquilo que se convencionou chamar de jurisprudência lotérica. [2]
Nesse sentido, o art. 926 do CPC/2015 dispõe que a jurisprudência dos tribunais deve se manter íntegra, coerente e estável, com intuito de que os tribunais respeitem seus próprios precedentes, evitando a oscilação da interpretação jurídica. Uma das formas de se alcançar esse intento, segundo o §1º do referido dispositivo legal, é que os tribunais devem editar súmulas que correspondam à sua jurisprudência dominante.
Em seguida, o art. 927[3] dispõe expressamente que os juízes e tribunais deverão observar nos seus julgados as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmulas vinculantes, das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, os acórdãos proferidos em incidentes de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e de julgamento de recurso extraordinário e especial repetitivo e, por fim, a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
A inclusão como precedente obrigatório dos julgamentos proferidos em recurso especial e extraordinários repetitivos tem, a toda evidência, respaldo no papel constitucional atribuído às Cortes Supremas, o qual não se confunde com a função das instâncias ordinárias. Aliás, Marinoni critica o fato de terem sido considerados como precedentes obrigatórios apenas os julgamentos dos recursos extraordinários e especiais repetitivos, quando deveriam sê-lo também todos os demais julgamentos de recursos relevantes pelo STJ e STF, haja vista o papel jurisdicional desempenhado pelos referidos tribunais superiores:
É um grosso equívoco imaginar que apenas as decisões proferidas em recursos repetitivos têm eficácia obrigatória. A letra do art. 927 parece supor que a função das Cortes Supremas é resolver litígios que podem se repetir em massa para, dessa forma, otimizar a administração da justiça. Ora, isso nada tem a ver com a função das Cortes Supremas, que é de definir, mediante as melhores razões, a norma que deflui do texto legal ou constitucional. O exercício dessa função, por mudar o direito incrementadamente, acrescendo sentido à ordem jurídica vinculante, dá origem a decisões cujas rationes decidendi tem natural eficácia obrigatória. [4]
As demais hipóteses da norma acima referida, como, por exemplo, os acórdãos proferidos no IRDR, no incidente de assunção de competência e pelo órgão especial do tribunal local, adquiriram por lei ordinária o status automático de precedente com eficácia vinculante no âmbito da estrutura hierárquica do Poder Judiciário.
Ou seja, no sistema brasileiro, alguns julgamentos serão considerados, por força de lei ordinária, “precedentes judiciais obrigatórios” ainda que não proferidos pelos Tribunais Superiores.
Atribuiu-se a presunção absoluta de que todas as decisões proferidas nas hipóteses elencadas no referido art. 927 terão relevância e ampla fundamentação para definição de teses jurídicas dotadas de verdadeiro caráter normativo, as quais repercutirão, de forma vinculante, nos casos subsequentes assemelhados. “Pode-se, assim, dizer que no Direito brasileiro, diferentemente do que acontece em outros ordenamentos, o precedente é criado ‘para ser precedente vinculante’. Pode-se mesmo dizer que tais pronunciamentos são ‘precedentes de propósito’” [5].
Nas palavras de Júlio Rossi,
Criamos um precedente à brasileira: uma forma de solucionar os conflitos por meio da jurisprudência (seja ou não reiterada; matéria constitucional ou infraconstitucional) que servirá de parâmetro normativo obrigatório (não indicativo ou persuasivo), para que os órgãos inferiores do Poder Judiciário chancelem, com a mesma decisão padrão, casos aparentemente assemelhados. [6]
Na verdade, o que se instituiu pela letra da lei processual foi o uso obrigatório de determinados julgamentos, especialmente dos proferidos apenas pela instância ordinária, como “padrões decisórios” com o principal objetivo de acelerar o andamento das ações semelhantes e, por conseguinte, diminuir o acervo de processos em tramitação no Poder Judiciário.
Isso vai de encontro à teoria do precedente no common law. Um precedente não surge automaticamente ou recebe tal status antes mesmo que o julgamento aconteça e seja reproduzido em outros casos.
Naquele sistema é muito difícil surgir um precedente (um padrão decisório a ser seguido) a partir de um único julgamento. Conforme destacam Dierle Nunes e Humberto Theodoro Jr. em relação ao common law, “nem todas as decisões se tornam precedentes, mesmo quando proferidas pela Suprema Corte (isso pode ocorrer porque a decisão dividiu o Tribunal ou porque este, de toda sorte, se expressa no sentido de que a decisão não cria precedente)” [7].
Nas palavras de Dierle Nunes, é necessário o esgotamento discursivo de todos os aspectos relevantes para que um precedente seja formado:
(...) ao se proceder à análise de aplicação dos precedentes no common law se percebe ser muito difícil a formação de um precedente (padrão decisório a ser repetido) a partir de único julgado, salvo se em sua análise for procedido um esgotamento discursivo de todos os aspectos relevantes suscitados pelos interessados. Nestes termos, mostra-se estranha a formação de um ‘precedente’ a partir de um julgamento superficial de um (ou poucos) recursos (especiais e/ou extraordinários) pinçados pelos tribunais (de Justiça/regionais ou Superiores). Ou seja, precedente (padrão decisório) dificilmente se forma a partir de um único julgado. [8]
Além disso, no common law, o precedente é apenas um ponto de partida que estabelece um princípio universalizável. Como ponto de partida, o juiz poderá aplicá-lo ao caso subsequente, moldando-o e adaptando-o de forma a alcançar a realidade da decisão ao caso concreto. “O processo de aplicação, quer resulte numa expansão ou numa restrição do princípio, é mais do que apenas um verniz; representa a contribuição do juiz para o desenvolvimento e evolução do direito” [9].
Nesse contexto, o julgamento de um caso específico somente adquire a condição de precedente a partir da participação fundamental dos julgadores dos casos subsequentes, que poderão aplicá-lo e, ainda, moldá-lo, se os conflitos se assemelharem em todos os aspectos e, principalmente, se aquele julgamento precedente realmente for dotado de relevância e ampla fundamentação para legitimar a repetição da ratio decidendi.
Conforme a lição do italiano Michele Taruffo:
O precedente fornece uma regra (universalizável, como já foi dito) que pode ser aplicada como critério de decisão no caso sucessivo em função da identidade ou – como acontece em regra – da analogia entre os fatos do primeiro caso e os fatos do segundo caso. Naturalmente, a analogia das duas fattispecie concretas não é determinada in re ipsa, mas é afirmada ou excluída pelo juiz do caso sucessivo conforme este considere prevalecentes os elementos de identidade ou os elementos de diferença entre os fatos dos dois casos. É, portanto, o juiz do caso sucessivo que estabelece se existe ou não existe o precedente e desta forma – por assim dizer – “cria” o precedente. [10]
Ou seja, de acordo com o processualista italiano, o precedente surge e se funda a partir da analogia que o segundo juiz vê entre os fatos do caso que ele deve decidir e os fatos do caso já decidido, porque somente com essa condição é que se pode aplicar a regra pela qual a mesma ratio decidendi deve ser aplicada a casos idênticos ou ao menos similares. [11]
Em razão da imposição legislativa no Brasil, corre-se o sério risco de que na prática judiciária o rol dos precedentes obrigatórios do CPC/2015 seja aplicado de forma absolutamente mecânica[12], com a repetição acrítica das teses jurídicas, acarretando um verdadeiro engessamento do processo argumentativo, além da restrição da participação democrática dos sujeitos afetados pelo provimento jurisdicional e também do próprio julgador de primeiro grau, cujo papel é fundamental na interpretação do Direito.
Ao contrário do que se passa no common law, a utilização, no Brasil, dos “precedentes de propósito”, vez que nascidos por imposição da lei processual, pode favorecer a sumarização da cognição e a padronização decisória superficial para se alcançar uma justiça de números (eficiência apenas quantitativa), o que acarretará afronta ao modelo constitucional de processo.
O Superior Tribunal Justiça, o qual deverá assumir o papel de “Corte de Precedentes”, já manifestou preocupação sobre a padronização das decisões e o uso desmedido do procedimento de pinçamento de recursos repetitivos representativos de controvérsia.
Nessa toada, Georges Abboud cita a fala do ministro Napoleão Nunes Maia em debate no Superior Tribunal de Justiça sobre o impacto dos julgamentos dos recursos repetitivos:
‘A nossa paixão pelos recursos repetitivos está nos tornando irracionais. Toda paixão tira a razão’, disse. Segundo o ministro, ‘as decisões tomadas pela sistemática de recursos repetitivos não nos dá o melhor’. Ele recordou que o julgamento nessa modalidade processual ‘gera um efeito cascata. Não sobe mais nada’. Questionando a possibilidade de reverter o leading case, afirmou que ‘mudar o precedente é um tsunami’: ‘São irreversíveis as decisões em recurso repetitivo. São mais veementes do que súmulas’, comentou. Para o ministro, ‘não é possível saber como vamos para o futuro com os repetitivos’. Napoleão Nunes Maia recordou a obra do sociólogo Zygmunt Bauman, ‘Medo Líquido’, que fala sobre os medos contemporâneos que assolam a sociedade: ‘Bauman, em seu livro, não falou dos recursos repetitivos, mas poderia’ – disse, arrematando sua fala com a frase: ‘Eu também tenho medo dos repetitivos!’[13]
Não se pode negar, pois, que o modelo de “precedentes obrigatórios” adotado pelo CPC/2015 representa uma mudança de paradigma não só para a interpretação do direito processual do país, mas na cultura jurídica brasileira, acarretando sérias consequências para a prática judiciária. Talvez por isso tal modelo deveria ter sido implementado mediante uma profunda reforma constitucional condizente com a ruptura do paradigma anterior, já que a novel legislação atribuiu aos tribunais, inclusive àqueles de segundo grau, o poder de definir teses jurídicas dotadas de caráter normativo geral e abstrato.
Nesse sentido, a crítica de José Rogério Cruz e Tucci ao art. 927 do CPC/2015:
Salta aos olhos o lamentável equívoco constante desse dispositivo, uma vez que impõe aos magistrados, de forma cogente – “os tribunais observarão” –, os mencionados precedentes, como se todos aqueles arrolados tivessem a mesma força vinculante vertical. Daí, em princípio, a inconstitucionalidade da regra, visto que a Constituição Federal, como acima referido, reserva efeito vinculante apenas e tão somente às súmulas fixadas pelo Supremo, mediante devido processo e, ainda, aos julgados originados de controle direto de constitucionalidade. À míngua de uma dogmática própria, o legislador pátrio perdeu uma excelente oportunidade para regulamentar um regime adequado da jurisprudência de nossos tribunais, entre as várias espécies de precedente judicial, a partir de sua natureza, considerando a sua respectiva origem. [14]
Júlio Rossi adverte que, a pretexto de intentar resolver o problema da litigiosidade relevante e de massa (constitucional e infraconstitucional), corre-se o risco de se alcançar uma solução meramente estatística e funcionalmente conveniente, em detrimento de “decisões qualitativamente satisfatórias sob o ponto de vista de uma prestação jurisdicional absolutamente legítima e eficiente” [15].
Nesse contexto, a vinculação pura e simples aos julgamentos do IRDR, do IAC e de outros temas pelos tribunais locais ou regionais traz “o risco de que o entendimento jurisprudencial venha a ser fixado de forma prematura, ensejando novos dissensos, num curto lapso temporal, tendo em vista o surgimento de novos argumentos não imaginados ou não trazidos à discussão na época do incidente”[16].
Enfim, sem o esgotamento da temática controversa e o amplo dissenso interpretativo, o status de precedente vinculante conferido de forma automática pelo art. 927 do CPC a alguns julgamentos do Poder Judiciário, especialmente por tribunal de segundo grau, se mostra precipitado e muitas vezes inadequado, sob a ótica da participação e debate processual no processo democrático.
Daí a necessidade de análise sistemática da novel legislação sob a luz da independência judicial e indispensável participação do juiz na construção do provimento jurisdicional.
3. A independência judicial e o processo democrático:
O modelo constitucional de processo concebido pela Carta de 1988 estabelece contornos minuciosos e intangíveis da atividade jurisdicional, assegurando-se um espaço discursivo e amplo para o debate processual e, outrossim, servindo como um norte de fortes limitações ao legislador infraconstitucional.
O CPC/2015 e todas as demais normas processuais infraconstitucionais devem ser aplicados, portanto, à luz das balizas estabelecidas pela ordem constitucional democrática para que, havendo a mitigação de uma garantia, prevaleça “(...) a interpretação que, conforme o caso, restrinja menos o direito fundamental, dê-lhe maior proteção, amplie mais o seu âmbito, satisfaça-o em maior grau” [17].
A independência judicial[18] assegurada pelo art. 95 da Constituição de 1988 constitui, nesse contexto, núcleo intangível do modelo constitucional de processo concebido no Estado Democrático de Direito.
É mais do que uma garantia pessoal do magistrado, é uma garantia da própria sociedade[19], pois possibilita, em qualquer caso, um julgamento imparcial, imune a pressões sociais, políticas, econômicas ou de exigências dos próprios órgãos jurisdicionais.
Com efeito, a independência conferida aos magistrados outorga legitimidade democrática à atuação do Poder Judiciário, possibilitando que a função jurisdicional seja exercida com a responsabilidade, autonomia e a imparcialidade necessárias à adequada resolução dos conflitos sociais. [20]
A propósito, José de Albuquerque Rocha aponta as prerrogativas da independência e imparcialidade como essenciais à função jurisdicional exercida pelos membros do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito:
Do ponto de vista teórico pode-se definir a independência como sendo a capacidade de decidir livre de toda influência interna ou externa. Significa a negação de sujeição a qualquer poder. A finalidade última da independência é de vincular o juiz exclusivamente à lei. O juiz é independente interna e externamente para ser dependente só da lei, ou seja, para que possa julgar com base somente na lei. A independência é, pois, um instrumento de realização do princípio da legalidade. Do ponto de vista político-sociológico, a independência tem por finalidade legitimar o judiciário, dando-lhe, assim, autoridade para impor suas decisões. (...) a imparcialidade, constituindo na posição de terceiro que o magistrado deve observar em relação às partes de um dado processo e aos interesses de que são portadoras, é, efetivamente, uma nota indispensável à configuração do papel do juiz e, por consequência da jurisdição. Independência e imparcialidade, embora conceitos conexos, eis que servem ao mesmo valor de objetividade do julgamento, no entanto têm significações diferentes. Enquanto a imparcialidade é um modelo de conduta relacionado ao momento processual, significando que o juiz deve manter uma postura de terceiro em relação às partes e seus interesses, devendo ser apreciada em cada processo, pois, só então é possível conhecer a identidade do juiz e das partes e suas relações, a independência é uma nota configuradora do estatuto dos membros do Poder Judiciário, referente ao exercício da jurisdição em geral, significando ausência de subordinação a outros órgãos. [21]
Existem diversas formas de independência judicial e todas devem ser igualmente protegidas e respeitadas: a independência substantiva que corresponde à independência funcional ou decisória (as decisões judiciais e o exercício das atribuições de magistrado não estão sujeitas a nenhuma outra autoridade senão a do direito), independência pessoal (garantias individuais da magistratura, como a inamovibilidade e vitaliciedade no cargo), independência coletiva (participação judicial na administração das Cortes), e independência interna (independência de interpretação do direito em relação aos julgamentos dos tribunais). [22]
Os magistrados se distinguem entre si apenas em razão das funções exercidas no âmbito das suas respectivas competências constitucionais.
Assim, no sistema jurídico do Brasil de tradição romano-germânica, o juiz poderá, de forma fundamentada, dar diferente significado à lei nos casos submetidos ao seu julgamento, ainda que exista posicionamento em outro sentido fixado pelo tribunal, especialmente quando se está falando apenas nos tribunais das instâncias ordinárias, que não detém o papel constitucional de fixação de teses jurídicas dotadas de eficácia erga omnes.
É nesse contexto que surge a indagação se a legislação processual que preconiza a instituição de um sistema de precedentes vinculantes restringe ou ofende a independência judicial dos julgadores.
A controvérsia se apresenta especificamente em relação ao status de precedente obrigatório conferido pelo CPC 2015 a alguns julgamentos pelos tribunais locais, o que será objeto de análise no tópico a seguir.
3.1 Precedentes obrigatórios dos tribunais locais e a “magistratura deitada”:
É certo que a definição de teses jurídicas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no que se refere à interpretação da Constituição, e do Superior Tribunal de Justiça, acerca da interpretação da legislação federal, privilegia a unidade do direito, devendo sim servir de parâmetro decisório para outras instâncias do Judiciário sem que isso vulnere a garantia da independência judicial.
Eduardo de Albuquerque Parente enfrenta a questão, defendendo que algumas decisões dos Tribunais Superiores deveriam ser realmente seguidas pelos demais juízes, mesmo que com elas discordem. Conclui que:
(...) essa nova realidade pressupõe que o juiz, individualmente, sinta-se parte da estrutura propulsora da interpretação, não seu opositor. Deve ver na decisão uniformizante uma regra de direito para o bem da realidade jurídica e da própria estrutura judicial da qual faz parte, não uma camisa de força. (...) Isso equivale a dizer que o juiz consciente do seu papel deve pautar suas ações de acordo com a cúpula da estrutura judicial como se obrigação houvesse, mesmo que contrário à sua própria convicção. Isso não significa estar tolhido da sua liberdade de decidir, e sim ter noção de que é parte de uma estrutura que deve ter uma visão sobre determinados temas (em que a divergência seja infundada), sob pena de contribuir com a desigualdade e a incerteza jurídica. Esse é um reflexo do caráter público da jurisdição. [23]
O mesmo entendimento não pode se aplicar, contudo, em relação ao julgamento de questões federais e constitucionais submetidos à competência dos tribunais locais e regionais, os quais não se caracterizam como “Cortes de Precedentes” e não constituem a última instância para análise de tais questões.
Ao se atribuir a eficácia vinculante e erga omnes ao julgamento de um mero tribunal local ou regional que não ostenta a função constitucional de uma Corte de Precedente, mas apenas de instância revisora, o CPC/2015 restringiu sobremaneira o debate processual, em prol de uma “falsa” uniformização jurisprudencial. Diga-se falsa, pois o julgamento de um tribunal local não pode vincular outro tribunal local e, no Brasil, a divergência ainda poderá subsistir entre várias cortes de local ou região diferente do país. Esse quadro pode vulnerar, por vias reflexas, a independência do juiz de primeiro grau que é uma garantia inerente ao processo democrático.
Haveria, assim, dois tipos de juízes: aqueles que interpretam a questão de direito, definindo tese jurídica de caráter erga omnes e vinculante, que são alguns julgadores do tribunal ordinário; e aqueles que se limitam a aplicar a decisão padronizada às demandas individuais, repetindo as anteriores, tornando o precedente judicial para as demandas semelhantes algo estático e acabado.
Em destacada passagem, o Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal manifestou seu inconformismo com a eficácia vinculante atribuída por lei ordinária a determinado julgamento do Poder Judiciário:
Não creio que aqueles que têm a função de julgar possam estar submetidos a algo diverso, estranho à própria consciência. Estou certo de que, pelo menos, da parte dos juízes, teremos uma resistência democrática e republicana, porque, se estivesse na primeira instância, trilharia esse caminho. Repito: as decisões do Supremo Tribunal Federal se impõem, não pelo papel, pelo fato de um dispositivo de lei ordinária dizer que essas decisões são obrigatórias, mas pela respeitabilidade, pelo conteúdo dessas mesmas decisões. A adoção da jurisprudência há de ser espontânea; cada processo é um processo, e devemos fugir a tudo que leve à generalização e à tendência do homem de se acomodar e evitar o maior esforço. [24]
O engessamento da função judicante decorrente dessa hermenêutica de submissão faz lembrar uma metáfora crítica em relação aos três tipos de magistraturas na França: a magistratura sentada, porque os juízes trabalham sentados para análise e julgamento dos conflitos; a magistratura de pé, que é o Ministério Público que fala em pé ao nível do chão, e não sobre o estrado ao lado do magistrado (como acontece atualmente), e por isso se chama Parquet; e, por fim, a “magistratura deitada”, que, em uma metáfora, representaria a posição do juiz ao aplicar de forma mecânica a sistemática de precedentes vinculantes tal como preconizado no Brasil. É aquela magistratura, que antes de decidir, deve esperar passivamente a posição do tribunal local para saber como deve aplicar o direito.[25]
A censura realizada pelo tribunal de segundo grau, como corte de revisão na sua essência, deveria situar-se apenas no plano jurisdicional para resolver, em novo julgamento, a causa apresentada, sem interferir na independência do juiz a quo. Ou seja, os tribunais ordinários devem se limitar a dar solução ao caso concreto sem ditar parâmetros obrigatórios de caráter normativo e teses jurídicas para julgamentos futuros.
É bom ressaltar que não se defende a rebeldia judicial e a chamada “jurisprudência lotérica”, mas sim o respeito indispensável ao protagonismo legítimo das partes afetadas e do juiz na interpretação do direito para a construção do provimento jurisdicional no espaço público discursivo e comparticipativo do processo democrático.
Defende-se, na verdade, a rebeldia preconizada por Nalini, que reforça o papel do juiz moderno na interpretação do ordenamento e na busca do direito justo, in verbis:
(...) Um juiz rebelde - leia-se juiz ético - não se conforma com esse estado de coisas. E muitos deles já existem. (...) Para afirmar-se como Poder do Estado, o Judiciário precisa dos bons rebeldes. Aqueles que se não recusem a um plus. Além da produtividade na solução dos problemas, a formulação de soluções novas para a justiça. (...) É por isso que se insiste num juiz rebelde, revoltado, teimoso e desobediente. Rebelde com causa; revoltado com a justiça; teimoso em reformar o mundo; desobediente em relação a regras superadas, formalismos estéreis e preconceitos alimentados pelo arcaísmo. [26]
Ou seja, um juiz que personaliza o modelo constitucionalista de atuação judicial, na visão de Luiz Flávio Gomes. [27]
Com efeito, o juiz de primeiro grau não pode ser visto como um mero aplicador mecânico da letra da lei ou do enunciado da jurisprudência, ou do precedente vinculante, um computador programado para apenas processar a tese jurídica definida pelo tribunal, extraindo uma solução automática ao caso concreto.
Dentro do contexto de uma sociedade globalizada e de uma produção jurídica superlativa e complexa, o juiz contemporâneo deve ser comprometido, antes de tudo, com a completude da decisão do conflito, vista não como ato processual isolado, mas como resultado da efetiva cooperação e do debate processual desenvolvido em contraditório pelas partes no modelo constitucional de processo.
Para tanto, faz mister um juiz pró-ativo e independente, que analise com propriedade direitos e princípios debatidos no processo para que não apresente soluções demasiadamente simplistas frente à complexidade dos fatos ou para que não reproduza mecanicamente a interpretação já dada pelo tribunal sem se debruçar sobre os fundamentos submetidos ao debate processual.
Calamandrei explica muito bem o dilema vivido pelo magistrado. O risco das causas se encontra no antagonismo: “entre o juiz lógico e o juiz sensível; entre o juiz consequencial e o juiz precursor; entre o juiz que para não cometer uma injustiça está disposto a se rebelar contra a tirania da jurisprudência e o juiz que, para salvar a jurisprudência, está disposto a deixar esmagar nas inexoráveis engrenagens da sua lógica um homem vivo”. [28]
Desse modo, manejando a lei no caso concreto, o juiz também a enriquece e contribui para o desenvolvimento do direito e o alcance da interpretação mais justa e adequada para aquele tipo de conflito. Isso é verdade tanto para os países da common law quanto para os países da tradição romano-germânica.[29]
Esse papel fundamental do magistrado, especialmente daquele atuante no primeiro grau, somente poderá se efetivar se respeitada a garantia constitucional da independência judicial, o que foi restringido sobremaneira pela força normativa e vinculante de julgamentos pelos tribunais locais, cortes de mera revisão.
A questão merece ser analisada ainda sob o viés do pensamento de Ronald Dworkin acerca da teoria da integridade do direito e sua aplicação no common law, que também deve ser considerada para o melhor entendimento do Sistema de Precedentes concebido pelo CPC/2015 e, especialmente, para a definição do papel do juiz de primeiro grau.
Com efeito, a criação de técnicas processuais, voltadas primordialmente à aceleração da prestação jurisdicional e à concentração da proteção jurídica no âmbito da segunda instância da jurisdição ordinária, possui tão somente a capacidade de conduzir a uma justiça pronta e padronizada, sem espaço para o debate e a interpretação do direito.
Para Dworkin, por sua vez, embora o direito deva ser analisado como um todo, evitando-se julgamentos isolados do contexto geral e da história institucional, o juiz não pode agir de maneira mecanizada, simplesmente reproduzindo decisões prontas.
O referido autor americano se utiliza de uma metáfora, “o romance em cadeia”, ao comparar o juiz a um crítico responsável por interpretar as variadas dimensões e sentidos possíveis de uma peça ou poema complexo. [30]
Em outras palavras, a história do Direito, da atividade legislativa e da interpretação judicial pode ser comparada a um romance redigido de modo coerente e continuado, em que cada romancista posterior, desprovido de liberdade plena, escreve sua parte da obra em continuação ao que já havia sido escrito pelos anteriores.
Cada juiz agiria, segundo o autor americano, como um verdadeiro romancista em um grupo encarregado da construção de um capítulo de uma obra, devendo, assim como num romance, preocupar-se em manter uma lógica evolutiva desse novo capítulo com toda a obra que já fora escrita, sem, contudo, encerrá-lo, de forma a permitir que outro romancista possa dar continuidade à obra com um novo capítulo. Cada um deve escrever o capítulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração, assegurando sua evolução. [31]
O Direito também é assim, um produto coletivo de uma sociedade não estática, mas em permanente evolução. Ao proferir um julgamento, os juízes devem se voltar para os julgados do tribunal e chegar a um posicionamento sobre o que os demais julgadores decidiram, de forma coletiva, sobre aquele caso semelhante. Ao agir dessa forma, esse juiz atuará como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, sem desprezar o que tem em mãos a partir de uma nova decisão.
Enfim, o juiz, ao decidir um caso, não pode considerá-lo como um caso isolado, mas inserido em um todo (integridade), num processo construtivo a que o julgador dá necessária continuidade.
Isso não significa que o juiz tenha de repetir mecanicamente a mesma decisão passada quando está diante de um caso similar, pois que o juiz, ao mesmo tempo em que aplica o direito, é também autor (pois acrescenta algo ao edifício jurídico) e crítico do passado (pois que o interpreta).[32] O juiz não é um mero repetidor, mas, ao mesmo tempo, intérprete e criador da decisão.
Nesse sentido, a advertência de Maurício Ramires:
(...) quando se diz que o juiz tem uma obrigação de respeitar a integridade e a coerência do direito, não significa que ele deve ser “a boca da jurisprudência”. Menos ainda se quer dizer que lhe bastará, para resolver um caso, repetir ementas e trechos de julgados anteriores, como se só lhe fosse exigido seguir uma “corrente jurisprudencial”. A integridade não traz semelhantes facilidades e, ao contrário, traduz-se em um ônus adicional. [33]
A racionalidade e objetividade do conteúdo da decisão judicial, que deve respeitar a integridade do direito, estão presentes na sua coerência e conexão com a evolução histórica, as necessidades, tendências e ideais da sociedade em determinado tempo refletidos na Constituição. Em razão disso, “ao juiz cabe exercer a jurisdição como um participante que dialoga com a sociedade mediante a reinterpretação construtiva do Direito, o respeito à Constituição e a aplicação dos princípios jurídicos adquiridos ao longo da tradição histórico-institucional da comunidade onde está imerso”. [34]
A força vinculante atribuída pelo CPC/2015 a alguns julgados dos tribunais locais apresenta-se como nociva ao sistema jurídico, pois implica, em prol apenas da celeridade, que o direito se limitará ao que já foi decidido no passado, não havendo mais espaço para reinterpretação, mas apenas para se aplicar mecanicamente o que definido pelo tribunal local como uma fórmula padronizada e fechada, presumindo-se que nela conterá absolutamente toda a solução da questão jurídica conflituosa. Tanto é assim que o CPC/2015 possibilita a reclamação direta ao tribunal local, caso o juiz da demanda não reproduza a tese jurídica padrão ao caso.
3.2 A técnica de ressalva de entendimento como forma de se minimizar o esvaziamento do papel do juiz de primeiro grau na interpretação do direito
Para além da crítica ao sistema de precedentes adotado pelo CPC/2015, especialmente em relação à força vinculante de julgamentos dos tribunais locais, é necessário indagar se é possível vislumbrar uma forma de atuação do juiz de primeira instância que amenize o esvaziamento de sua atuação na interpretação do direito e, principalmente, permita-lhe influir concretamente na formação e superação de precedentes.
Mesmo em um sistema de precedentes obrigatórios, a primeira instância deve ser valorizada. É a porta de entrada da grande massa dos jurisdicionados no Brasil, estando em contato direto com os fatos do caso concreto e com o cidadão que intenta uma prestação jurisdicional rápida, efetiva, mas principalmente qualificada, que analise as questões relevantes debatidas no processo, sem causar surpresa ou perplexidade.
Já advertia o mestre Carlos Maximiliano sobre a importância da atuação do magistrado de primeiro grau:
(...) veem estes de mais perto os interesses e os desejos dos que recorrem à justiça: uma jurisdição demasiado elevada não é apta a perceber rápida e nitidamente a corrente das realidades sociais. A nova lei vem de cima; as boas jurisprudências fazem-se embaixo. [35]
Com efeito, se o modelo de precedentes instituído pelo CPC/2015 se presta a reforçar o poder dever do Judiciário na solução de litígios, deve partir de uma reestruturação na forma de conceber as decisões de primeira instância, sob pena de assumir o risco de cometer os mesmos equívocos de outrora: “estabelecer um plano estratégico a partir de cima com a massificação irrefletida de baixo”. [36]
Nesse contexto, a aplicação dos precedentes, ainda que se admita a força vinculativa para alguns julgados tal como preconizada pela novel legislação e combatida neste artigo, não deve ocorrer de modo mecânico, impossibilitando que o juiz prolator da decisão promova a possibilidade de melhoria do sistema, sob pena de reduzi-lo a um mero autômato, um juiz eletrônico.
Visto o juiz de primeiro grau como um dos sujeitos do contraditório substancial no modelo constitucional do processo democrático, cuja participação é fundamental para assegurar a legitimidade do provimento jurisdicional, ele também deve ter o poder de auxiliar na formação dos precedentes, seja concordando com sua aplicação, seja distinguindo em virtude de especificidades do caso, seja sustentando contrapontos para que o tribunal leve em consideração novos argumentos, mesmo que seja instado a aplicar o padrão decisório do tribunal.
Nesse sentido, ao comentar o sistema inglês, Thomas Bustamante leciona que o caráter vinculante do precedente não induz à impossibilidade do juiz ou tribunal dialogar com a corte que formou o precedente:
Fora da House of Lords, aliás, a prática de rever os próprios precedentes é ainda considerada expressamente proibida, de sorte que, se uma corte inglesa de apelação tiver posicionamento contrário ao seu próprio precedente, deve, ao invés de revê-lo, conceder leave to appeal e remeter o processo para a corte superior. Esse é, com efeito, o entendimento reiterado por Lord Bingham em um caso de discrepância entre os tribunais ingleses acerca da aplicação da Convenção Européia de Direitos Humanos: “Como Lord Hailsham observou, ‘em questões jurídicas, um certo grau de certeza é ao menos tão valioso quanto uma parte de justiça ou perfeição’. Esse grau de certeza é mais bem alcançado ao se aderir, mesmo no contexto convencional, a nossas regras sobre precedentes judiciais. Será com certeza ônus dos juízes revisar os argumentos convencionais dirigidos a eles, e se eles considerarem um precedente vinculante inconsistente, ou possivelmente inconsistente, com as authorities de Strasbourg, eles podem expressar suas opiniões e dar trânsito à apelação [leave to appeal], como a Court of Appeal fez aqui. Leap-frog appeals podem ser apropriados. Nesse sentido, na minha opinião, eles se desincumbem de seu dever estabelecido pelo Act de 1998. Mas eles devem seguir o precedente vinculante, como também fez a Court of Appeal nesse caso. [37]
Assim, para possibilitar o referido diálogo com a Corte, ganha relevância a “técnica da ressalva de entendimento” (disapproval precedent).
Ou seja, constatada, em primeira instância a partir do debate processual, alguma interpretação mais adequada à Constituição e à legislação infraconstitucional, que contrarie um precedente obrigatório, o julgador aplicará o precedente vinculante, mas deverá fazer referência ao seu entendimento divergente com ampla fundamentação, dando a oportunidade para que as demais instâncias possam superar a interpretação firmada.
Nas palavras de Mayara de Carvalho e Juliana Coelho Tavares:
(...) vale ressaltar que a ressalva de entendimento a que se refere nesse tópico é, como dito, a técnica específica de decisão, na qual o dispositivo está em conformidade com o precedente, mas a fundamentação é realizada segundo o entendimento que pretende influir para revertê-lo. Difere, portanto, do sentido majoritariamente atribuído à expressão no Brasil em que é empregada para designar que dado julgamento colegiado não foi unânime, sem referir-se a divergência específica quanto aos elementos condicionantes da ratio de dado precedente. (...) A técnica não é voltada especificamente para a primeira instância, ressalta-se, antes, constitui método de decisão estratégica no sistema de precedentes. Tem aptidão, assim, para influir concretamente na reformulação de entendimentos sem interferir negativamente na segurança jurídica e na expectativa das partes. [38]
Importante ressaltar que a decisão que aplica o precedente vinculante, com a técnica de ressalva de entendimento do julgador para ‘dialogar’ com a corte superior e influenciar eventual alteração ou superação do precedente, não é contraditória em sua fundamentação, de modo que não seriam cabíveis os embargos de declaração.[39] A fundamentação apresentada pelo juiz é apenas uma técnica para marcar seu posicionamento, permitindo que as instâncias superiores tenham ciência daqueles argumentos.
Eventual recurso da parte interessada, em tais casos, devolverá o conhecimento ao tribunal da importância dos argumentos propostos em instância inferior que se contrapõem ao precedente, o que pode convencer o tribunal sobre a necessidade de modificar ou superar a interpretação do direito até então definida.
O uso da referida técnica encontra respaldo no CPC/2015, que permite a alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e demais Tribunais Superiores, bem como a alteração de enunciado de súmula e de tese jurídica adotada em julgamento de casos repetitivos desde que amplamente fundamentada, observando-se a segurança jurídica, a proteção da confiança e a isonomia (§4º do art. 927). Ademais, inclusive deixa aberta a possibilidade da modulação temporal da alteração atendidos os interesses sociais e a segurança jurídica (§3º do art. 927).
Ou seja, o overrruling pode ser reconhecido tanto em relação às súmulas quanto em relação aos precedentes. Poderá o Tribunal, impulsionado pela técnica da ressalva de entendimento, decidir que houve modificação substancial do entendimento acerca de determinada norma (decorrente de "alteração econômica, política ou social referente à matéria") ou, mais formalmente, que a própria norma foi alterada, havendo a necessidade de "superação".
Desse modo, a técnica da ressalva de entendimento, possibilita a aplicação do precedente, respeitando a expectativa das partes, mas ao mesmo tempo, pelo menos na teoria, valoriza a primeira instância quanto à possibilidade de construção e aperfeiçoamento da interpretação do direito, já que pode influenciar novos debates e a reformulação da tese jurídica já definida pela Corte Superior.
A referida técnica é, sem dúvida, importante para a oxigenação do direito jurisprudencial, mas somente terá utilidade prática no sistema de precedentes adotado no Brasil se ocorrer uma drástica mudança quanto à forma atualmente existente de julgamento pelos tribunais.
3.3 Técnica de utilização do precedente: o distinguishing como forma de incentivo ao debate processual e à interpretação do juiz de primeira instância
Para se evitar o esvaziamento do papel do juiz da primeira instância e do próprio contraditório substancial – elementos intangíveis do modelo constitucional de processo, o precedente vinculante jamais poderá ser visto como um esgotamento argumentativo que deve ser aplicado de modo automático para as causas repetitivas, especialmente quando emanado dos tribunais locais da instância ordinária (os quais, ressalta-se, não possuem o papel constitucional de Corte de Precedentes).
É preciso assegurar que, diante do caso subsequente (e das especificidades deste), o juiz terá o poder de analisar, de modo discursivo, amplo e profundo se o precedente obrigatório deverá ou não ser repetido como fundamento determinante daquele julgamento.
Por isso, segundo Guilherme Bacelar, a aplicação subsuntiva da tese obtida a partir da ratio decidendi de um precedente ao caso subsequente depende da demonstração não apenas das semelhanças fáticas, mas principalmente da identidade substancial das questões de direito debatidas no processo. Se, no caso posterior, existir algum outro ponto controvertido, além daqueles analisados no precedent case, o julgador deverá resolvê-lo no caso concreto, podendo ampliar ou reduzir o campo de incidência da tese firmada, e faz com nítido respaldo na sua independência judicial. Pode ocorrer, inclusive, o afastamento justificado do precedente – judicial departures. [40]
Fala-se em distinguishing quando houver distinção entre o caso concreto em julgamento e o caso paradigma que deu origem ao precedente, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante do precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação da orientação vinculante.
Trata-se, enfim, de uma técnica, típica do common law, consistente em não se aplicar o precedente quando o caso subsequente a ser decidido apresenta alguma peculiaridade, que autoriza o afastamento da tese jurídica, possibilitando que a nova decisão seja tomada independentemente daquela.[41] A referida técnica não implica a revogação ou abandono do precedente – sua validade como norma universal não é infirmada – mas apenas permite sua não aplicação a determinado caso considerado distinto.
Guilherme Bacelar enfatiza a existência de dois momentos na aplicação da técnica de distinção de casos: a distinção operada dentro do próprio precedente pela qual se identifica a ratio decidendi (a tese jurídica), distinguindo-a da parte da sua fundamentação que constitui apenas obter dictum, de modo a separar os fatos materialmente relevantes daqueles irrelevantes para o resultado da decisão; e, no segundo momento, a distinção entre casos, pela qual se demonstra as diferenças relevantes entre o caso anterior e o presente, mostrando racionalmente que a tese jurídica do precedente não se aplica ou se adéqua ao processo presente. Os dois momentos são essenciais para a correta realização da distinção e para o afastamento racional do precedente pelo julgador do caso subsequente. [42]
Percebe-se, nesse contexto, que a distinção é fundamental para a participação do juiz e dos demais sujeitos processuais na interpretação e construção do direito, contribuindo para a evolução do ordenamento. Na lição de Dierle Nunes e André Horta:
É a partir das distinções, das ampliações e das reduções que os precedentes são dinamicamente refinados pelo Judiciário (sempre a partir das contribuições de todos os sujeitos processuais), à luz de novas situações e contextos, a fim de se delimitar a abrangência da norma extraída do precedente. Se, de um lado, é verdade que o precedente originário estabelece o primeiro material jurisprudencial (não se ignora o texto legal e a doutrina) sobre o qual se debruçarão os intérpretes dos casos subsequentes, com o passar do tempo, uma linha de precedentes se formará a partir daquele primeiro precedente, confirmando-o, especificando-o e conferindo-lhe estabilidade, e a técnica da distinção (distinguishing) desempenha importante função nesse processo de maturação do direito jurisprudencial. [43]
O distinguishing qualifica-se, no contexto do sistema de precedentes obrigatórios, como instrumento indispensável para a ruptura do engessamento jurisprudencial e tanto maior será sua importância e necessidade no ordenamento jurídico quanto maior for a autoridade conferida aos precedentes judiciais, assegurando o espaço argumentativo e discursivo em que poderão transitar os sujeitos processuais – partes e o juiz – na construção em contraditório do provimento jurisdicional a ser dado ao caso concreto.[44]
O CPC/2015 adotou a técnica da distinção, prevendo que a decisão não será considerada fundamentada se o julgador deixar de seguir precedente vinculante sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento (inciso VI, § 1º do art. 489). As diferenças que serão ou não relevantes para a adoção da técnica da distinção deverão ser avaliadas pelo juiz caso a caso.
Deve-se valorizar o distinguishing no sistema brasileiro, sob pena do total engessamento e mecanização da prática judicial.
Defende-se que, para se assegurar a ampla participação das partes e do juiz na construção do provimento jurisdicional, a técnica da distinção deve ser utilizada sem restrições, bastando que haja qualquer diferença relevante capaz de alterar a interpretação do direito no caso em julgamento. Ou seja, a diferença que justifica a adoção da técnica pode ser tanto de substrato fático quanto de fundamento jurídico.
Com efeito, muitas vezes se depara com demandas repetitivas, que apresentam fundamentos jurídicos distintos, uns de natureza constitucional e outros, infraconstitucional, por exemplo, de modo que se o julgamento paradigma que deu origem ao precedente não tiver analisado todos aqueles fundamentos, caberá ao juiz do caso concreto proceder à nova interpretação do direito a partir daqueles argumentos ainda não analisados, à luz da sua independência judicial e sem que haja violação à força vinculante do precedente.
Se, de um lado, a formulação de teses jurídicas e de enunciados de súmulas pelas Cortes de Precedentes podem favorecer a uniformidade do direito e a previsibilidade das decisões, de outro, não deve servir como engessamento da interpretação jurídica, devendo o juiz, em qualquer caso, analisar, de forma racional e discursiva, os casos que lhe são submetidos, aplicando ou deixando de aplicar o precedente judicial com base em razões de fato e de direito construídas e debatidas em contraditório substancial pelos sujeitos processuais.
O que é essencial na utilização da referida técnica é que haja, em qualquer hipótese, a motivação, conforme preconiza o art. 93, inciso IX, da Constituição de 1988, assegurando a participação do juiz na interpretação do direito a partir do contraditório desenvolvido no processo.
4. Conclusão:
Conforme se expôs no presente ensaio, de acordo com o sistema processual brasileiro, alguns julgamentos serão considerados, por força de lei, “precedentes judiciais obrigatórios” ainda que não proferidos pelos Tribunais Superiores.
Atribuiu-se a presunção absoluta de que todas as decisões proferidas nas hipóteses elencadas no art. 927 do CPC/2015 terão relevância e ampla fundamentação para definição de teses jurídicas dotadas de verdadeiro caráter normativo, as quais repercutirão, de forma vinculante, nos casos subsequentes.
Esses julgamentos-paradigma formam o que se pode chamar de “padronização decisória preventiva”, servindo como um perigoso instrumento centralizador, de natureza presumidamente fechada e estática, que poderá engessar a interpretação do direito por outros órgãos jurisdicionais.
É por isso que o juiz de primeiro grau não pode ser visto como um mero aplicador mecânico da letra da lei ou do enunciado da jurisprudência, um computador programado para apenas processar a tese jurídica definida pelo tribunal, extraindo uma solução automática ao caso concreto.
No processo democrático, o juiz deve ser comprometido, antes de tudo, com a completude da decisão do conflito, vista não como ato processual isolado, mas como resultado da cooperação e do debate processual desenvolvido em contraditório pelas partes.
Esse papel fundamental do magistrado, especialmente daquele atuante no primeiro grau, somente poderá se efetivar se for respeitada a garantia constitucional da independência judicial, evitando-se o engessamento do debate e interpretação do direito controvertido.
Nesse contexto, entende-se que a atuação proativa ou prospectiva na construção e interpretação do direito deve ficar restrita às modernas cortes supremas, que assumem posição como vértice da organização hierárquica jurisdicional.
Ou seja, somente ao órgão do Judiciário que desempenha a função constitucional de uma verdadeira “Corte Suprema” é que se deve outorgar a função de definir teses jurídicas, com eficácia erga omnes e vinculante, para uniformização do direito, assegurando a coerência, previsibilidade e segurança jurídica ao sistema.
No Brasil, defende-se que somente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça desempenham o papel constitucional de “Cortes Supremas”, permitindo que suas decisões assumam a qualidade de precedentes.
Os tribunais locais e regionais, por sua vez, integram apenas a instância ordinária, cujo papel é apenas de corte de revisão das decisões proferidas pela primeira instância. Ao contrário do previsto para as Cortes Supremas, cabem aos órgãos jurisdicionais ordinários – juízes de primeira instância e aos tribunais locais ou regionais – cuidarem da solução das controvérsias, realizando a devida apuração dos fatos e a aplicação do direito aos casos concretos para tutelar o direito das partes. Não agem com caráter prospectivo e para construção de teses jurídicas. Mesmo porque também não deteriam a última palavra sobre a questão constitucional ou federal, que ficará sujeita aos meios impugnativos endereçados às Cortes Supremas.
Enfim, eventuais divergências jurisprudenciais no âmbito das instâncias ordinárias não podem ser vistas como um mal para o Sistema de Justiça, pois elas enriquecem o debate, de maneira que as Cortes Supremas poderão desempenhar seu papel com maior segurança, no tempo próprio e pelos meios processuais constitucionalmente previstos, valendo-se da maior quantidade e, principalmente, qualidade dos fundamentos jurídicos apresentados em prol ou contra determinada interpretação do direito.
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[1] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 23.
[2] STRECK, Lênio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 100.
[3] Em razão da importância do referido dispositivo legal para o sistema de precedentes adotado pelo NCPC, oportuno destacar alguns enunciados interpretativos do Fórum Permanente dos Processualistas Civis: Enunciado 170 - “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos do jurisdicionais a eles submetidos”; Enunciado n. 173 – “Cada fundamento determinante adotado na decisão capaz de resolver de forma suficiente a questão jurídica induz os efeitos de precedente vinculante, nos termos do Código de Processo Civil”; Enunciado n. 318 – “Os fundamentos prescindíveis para o alcance do resultado fixado no dispositivo da decisão (obter dicta), ainda que nela presentes, não possuem efeito de precedente vinculante”; Enunciado n. 460 – “O microssistema de aplicação e formação dos precedentes deverá respeitar as técnicas de ampliação do contraditório para amadurecimento da tese, como a realização de audiências públicas previas e participação de amicus curiae”. (NUNES, Dierle; SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015. Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 363-365)
[4]MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 22.
[5] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 437.
[6] ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 206.
[7] THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle José Coelho; BAHIA, Alexandre Melo Franco Bahia; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC. Fundamentos e sistematização. Lei 13.105, de 16.03.2015. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 358.
[8] NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva. A litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisão. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 189, set. 2011, p. 38.
[9] RE, Edward D. Stare Decisis. Trad. Elle Gracie Northfleet. Revista Forense, v. 327, 1990, p. 38.
[10]TARUFFO, Michele. Precedentes e Jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 199, 2011, p. 142-143.
[11] TARUFFO, Michele. Processo civil comparado. Ensaios. Trad. Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013, p. 131.
[12] NERY JR., Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs direito jurisprudencial. In: FREIRE, Alexandre et al.(orgs.) Novas tendências do processo civil. Vol. I. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 497-498.
[13] ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e Judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014, p. 402-403.
[14] TUCCI, José Rogério Cruz e. O regime do precedente judicial no novo CPC. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; MACÊDO, Lucas Buril de; ATAIDE JR., Jaldemiro R. de (coords). Precedentes. Salvador: JusPodivm, p. 445/458, 2015, p. 454.
[15] ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 204.
[16] ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: Os Precedentes dos Tribunais Superiores e sua Eficácia Temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.130.
[17] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. (org.) Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 09.
[18] Para Guilherme Botelho, a independência judicial não estaria incluída entre os direitos informativos do processo civil, indo além de seus princípios e garantias. O referido autor considera que a independência do juiz é fenômeno que pressupõe a própria existência da jurisdição. “Vale dizer, onde inexiste julgador independente e imparcial, sequer existe jurisdição”. (BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo qualificado: o processo civil na perspectiva do Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 100-101)
[19] A independência do julgador depende da conjugação de outras cinco garantias que devem ser observadas em prol do juiz, mas que indiretamente também resguardam à própria sociedade no Estado de Direito: inamovibilidade; dignidade da profissão judicial, mediante instituição de carreira; independência econômica (remuneração condizente ao cargo e a garantia da sua irredutibilidade); execução de suas decisões (autoridade); e um órgão adequado para assegurar a realização das condições anteriores. (FIX-ZAMUDIO, Hector. Constituición y Proceso Civil en Latinoamérica. México: Instituto de Investigaciones Juridicas, 1974, p. 35-53)
[20] FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2016, p. 9-11.
[21] ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 28-30.
[22] DAKOLIAS, Maria. O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Tradução de Sandro Eduardo Sardá. Banco Mundial. Documento Técnico n. 319. 1996, p. 20-21. Disponível em: www.anamatra.org.br. Acesso em: maio 2016.
[23] PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Jurisprudência – da divergência à uniformização. São Paulo: Atlas, 2006, p. 21.
[24] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ag. Reg. na Reclamação n. 1880-6, DJ 19/03/2004, p. 72. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: maio 2016.
[25] GONÇALVES, Marcelo Barbi. O incidente de resolução de demandas repetitivas e a magistratura deitada. Revista de Processo. Volume 222. São Paulo: RT, ago/2013, p. 235-236.
[26] NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 154-158.
[27] Luiz Flávio Gomes elabora, de forma crítica, cinco modelos de atuação judicial. O juiz adstrito exclusivamente à lei representa o modelo “positivista-legalista”; o que coloca, de acordo com seus critérios pessoais, o valor “justiça” acima de tudo, inclusive da lei, retrata o modelo “alternativista extremado”; o que aceita a súmula vinculante, espelha o modelo opressivo hierárquico; por último, o que tem por base o “direito” (globalmente considerado – interno e internacional) personaliza o modelo constitucionalista de atuação judicial. Um “quinto” modelo de atuação judicial que, na verdade, não é nenhum modelo, senão uma aberração, não se vale de nenhum dos referenciais até aqui mencionados: consiste no juiz politicamente engajado com o Estado “autoritário” (...) Cuida-se de “modelo” que nem sequer alcança o nível mínimo da legalidade (exercita-se, destarte, na sublegalidade) (GOMES, Luiz Flávio. A dimensão da magistratura: no estado constitucional e democrático de direito: independência judicial, controle judiciário, legitimação da jurisdição, politização e responsabilização do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 128-129)
[28] CALAMANDREI, Pietro. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 185.
[29] VILELA, Hugo Otávio Tavares. Além do Direito: o que o juiz deve saber. A formação multidisciplinar do juiz. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2015, p. 18.
[30] DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 275.
[31] DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 276.
[32] NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Tendências de padronização decisória no PLS n. 166/2010: o Brasil entre o Civil Law e o Common Law e os problemas na utilização do “Marco Zero Interpretativo”. In: MAGALHÃES, Flaviane Barros; BOLZAN, José Luiz (Coord.). Reforma de processo civil: perspectivas Constitucionais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 86.
[33] RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação dos precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 104.
[34]FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2016, p. 74.
[35] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 180.
[36] CARVALHO, Mayara de; SILVA, Juliana Coelho Tavares da. Ressalva de entendimento e valorização da primeira instância no sistema de precedentes brasileiro. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 744.
[37] BUSTAMANTE, Thomas. Teoria do Precedente Judicial: A justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 425-426.
[38] CARVALHO, Mayara de; SILVA, Juliana Coelho Tavares da. Ressalva de entendimento e valorização da primeira instância no sistema de precedentes brasileiro. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 745.
[39] Nesse sentido é o enunciado n. 172 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis: “a decisão que aplica precedentes, com a ressalva de entendimento do julgador, não é contraditória”. (NUNES, Dierle; SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015. Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 365)
[40] ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. Precedentes vinculantes em recursos extraordinários e especial repetitivos. 2016, 296f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Direito. Belo Horizonte, 2016, p. 57-58.
[41]NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 212.
[42]ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. Precedentes vinculantes em recursos extraordinários e especial repetitivos. 2016, 296f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Direito. Belo Horizonte, 2016, p. 61.
[43] NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015: Uma breve introdução. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 309.
[44]NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015: Uma breve introdução. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 332-333.
Juiz Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais. Doutor em Direito Processual pela UFMG (2016) e Mestre em Direito Processual pela PUC Minas (2004). Professor titular do curso de graduação em Direito do Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte, MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Daniel Carneiro. O sistema de precedentes do CPC 2015 e a independência judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 mar 2022, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58160/o-sistema-de-precedentes-do-cpc-2015-e-a-independncia-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
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