Resumo Considerando a diversidade de religiões existentes no mundo contemporâneo e a liberdade de manifestação e de crença assegurada constitucionalmente, questões envolvendo o exercício dessa liberdade no ambiente de trabalho têm sido comumente objeto de discussões, inclusive judiciais, nas quais o debate abrange a ponderação entre a garantia de liberdade de crença e de religião e o poder de direção atribuído ao empregador como decorrência do direito de propriedade e de livre iniciativa, sendo necessário, muitas vezes, valer-se da ponderação de princípios para solução dos casos concretos. Como acomodar a liberdade religiosa dos empregados nos limites do contrato de trabalho e do poder de direção do empregador é o que se discute no presente artigo.
Palavras-chave Religião; Ambiente de trabalho; Direitos fundamentais; Poder diretivo do empregador; Ponderação.
Sumário 1. Liberdade de crença e de religião – noções introdutórias; 2. Liberdade de crença e de religião no ambiente de trabalho; 3. Liberdade de crença e de religião – posicionamento da jurisprudência; 4. Conclusão.
1.Liberdade de crença e de religião – noções introdutórias
O Estado Democrático de Direito Brasileiro, por meio da Constituição Federal de 1988, consagrou o direito à liberdade religiosa como corolário do princípio da laicidade do estado, demonstrando a força que o indivíduo possui de praticar e realizar o culto religioso ao qual se filia, de forma totalmente livre e independente do Estado.
A liberdade de crença e de religião é, portanto, garantia constitucional prevista no art. 5º, VI, que prevê: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Trata-se de garantia diretamente aplicável e com força vinculativa tanto para entidades públicas, como para entidades privadas. Portanto, trata-se de comando ao Estado, assegurando aos cidadãos uma plena e ampla liberdade de crença e de religião, seja no contexto de convicção pessoal, como no exercício concreto dela (profissão de fé, participação e realização de cultos, ou seja, a demonstração pública de sua consciência e de sua crença), mas também de definição também em relação aos particulares de respeito à essa liberdade.
Ampliando o espectro da liberdade de crença e de religião, a Constituição Federal assegura, como direito fundamental, a garantia de que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se a invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”
No entanto, é preciso ter claro que “o sistema dos direitos fundamentais forma uma unidade de sentido que visa a defesa e promoção da dignidade das pessoas enquanto homens livres – mas é intrinsecamente conflitual e a afirmação plena dos direitos fundamentais de uns não podem fazer-se, as mais das vezes, sem prejuízo dos direitos dos outros ou de valores comunitários essenciais, o que, somado à inevitável indeterminação normativa dos respectivos preceitos, justifica ou impõe a intervenção dos diversos poderes públicos para a solução desses conflitos.”[1]
No âmbito das relações de emprego esse conflito decorrente do exercício da liberdade de crença e de religião no ambiente de trabalho é bastante comum e, exatamente por isso, pretende-se através do presente artigo discutir-se a questão, o que será feito nos itens a seguir.
Antes disso, porém, necessário ressaltar que a importância de se assegurar a liberdade de crença e de religião é reconhecida internacionalmente, sendo prevista expressamente no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou particular”.
No âmbito internacional destaca-se, ainda, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose de Costa Rica) que, em seu artigo 12 prevê: “Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.”
Ambos os tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, confirmam o direito de cada indivíduo professar sua fé e crença sem interferência de medidas que possam restringi-las. A liberdade religiosa reconhecida como direito humano fundamental abrange, portanto, a liberdade de crença (e de não crença)[2], a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa.
Como já ressaltado acima, a ideia de justiça e de liberdade espiritual como resultado evolutivo do indivíduo muitas vezes acaba por gerar conflitos quando colocadas frente aos mais variados interesses da sociedade.
E esse conflito também se verifica nas relações trabalhistas em meio ao exercício da liberdade religiosa dentro do espaço laboral, onde se faz presente o exercício da atividade econômica e da direção do trabalho, de um lado, e a força da subordinação, de outro lado, que é característica principal do contrato de trabalho (art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas). A direção dos negócios e o estabelecimento das regras a serem seguidas pelos trabalhadores decorrem do direito de propriedade, também garantia fundamental (art. 5º, XXII, CF), e da livre iniciativa, um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, CF).
Situações concretas em que se verifica colisão entre o direito à liberdade religiosa do trabalhador, de um lado, e o direito de propriedade, a livre iniciativa e o corolário do poder de direção do empregador, de outro lado, são bastante comuns, como, por exemplo, hipóteses em que o trabalhador visa uma acomodação de seus dias de trabalho e de folga de acordo com os preceitos de sua religião, ou pretende ter intervalos ou pausas do trabalho específicos para fazer orações, guardar os feriados religiosos específicos, utilizar vestimentas ou símbolos religiosos juntamente com o uniforme, ou em substituição a este, ou, ainda, quando se recusa a realizar exames médicos obrigatórios invocando preceitos religiosos. Outra questão sensível é a pretensão do trabalhador de fazer pregação religiosa para seus colegas de trabalho. Todas as circunstâncias que, além da colisão de direitos fundamentais, resvala na discriminação a que o trabalhador pode ser submetido em razão de sua religião ou crenças.
Assim, muitas vezes os direitos de crença e de religião do empregado são repelidos pelo empregador, que se utiliza do poder diretivo para impor condutas no ambiente de trabalho que decorrem das decisões pelo mesmo tomadas na condução dos seus negócios e do seu poder de direção, sob o argumento de que o espaço laboral é, na verdade, espaço privado e que determinadas práticas poderiam prejudicar o bom andamento das atividades econômicas ali desenvolvidas, independentemente dessa posição ser justa, ou de ferir princípios básicos do homem.
Por outro lado, há que se considerar também a colisão de direitos que decorre de situações em que o empregador pretende exercer sua liberdade religiosa e de crença e o faz de forma impositiva porque é o detentor da propriedade e o exercente do poder de direção, mas esbarra no legítimo direito de resistência do empregado, como limite à subordinação decorrente do contrato de trabalho. São hipóteses em que o empregador contrata apenas empregados que professem a mesma fé que ele (por exemplo, somente católicos, ou só evangélicos), ou em que pretende exigir que todos os dias em determinado horário os empregados façam uma oração ou entoem hinos religiosos.
Então, a questão jurídica que se coloca é a seguinte: há uma colisão de direitos, ou ela é apenas aparente? Havendo a colisão, como resolver?
Embora o direito à religião exprima uma garantia constitucional do homem, trata-se de um direito que ultrapassa o íntimo do próprio indivíduo, já que ele encara a sua existência a partir da sua fé, não apenas como uma doutrina, um conteúdo no qual se crê, mas como fonte de energia da qual se alimenta a vida[3].
Segundo Fábio Comparato, pode-se concluir que a compreensão do mundo antigo até os dias de hoje passa pela religião, pois foi ela que sempre comandou a vida inteira das pessoas, do nascimento à morte[4].
Notório, portanto, que a crença em determinada religião se manifesta na vida do cidadão como um todo, não se restringindo aos momentos da prática religiosa ou no estrito exercício da sua fé.
E esse conceito de religião, permite identificar as características dos praticantes de cada seita pela simples análise de seus adereços religiosos, roupas ou vestimentas características, além das mais diversas práticas ou costumes exercidos por um sem-número de segmentos religiosos no Brasil e no mundo.
Não há como, em um Estado Democrático de Direito, pensar em dignidade sem se assegurar a liberdade de crença ou de religião. A democracia pressupõe uma neutralidade ética do Estado quanto às visões de mundo, principalmente para que seja assegurada uma participação igualitária dos cidadãos no procedimento discursivo das decisões políticas e sociais.
Já a liberdade de culto, traduzida pela prática de ritos e cerimônias é característica básica da manifestação religiosa, já que a liberdade religiosa não se esgota no direito de crença, mas requer uma prática de culto como um de seus elementos fundamentais para a sua constituição e a sua validade. O livre exercício dos cultos demanda não apenas a não intervenção estatal aos locais de culto, mas que o Estado assegure a sua proteção contra terceiros ou contra aqueles que não professam a mesma fé.
Mas e no ambiente de trabalho, essa liberdade constitucional é plena ou encontra certas limitações? Pode o poder diretivo do empregador (baseado na subordinação dos seus empregados) impor ou restringir o exercício do direito à religião no ambiente de trabalho? É justo que o faça sob o argumento de potencial prejudicialidade das práticas religiosas no resultado das atividades econômicas ali desenvolvidas ou do respeito aos demais credos e religiões dos outros empregados (e do próprio empregador)?
As perguntas acima ficam ainda mais difíceis de serem respondidas quando se avalia o conflito entre direito à religião e direito à propriedade pelo prisma da subordinação tão importante para o direito do trabalho.
Muitas das vezes em que se proíbe a prática religiosa dentro do espaço laboral sob o argumento de que atrapalharia os resultados ou a própria comunidade de empregados que não são adeptos daquele tipo de culto religioso, acaba-se escondendo, na verdade, a própria intenção do empregador de inibir determinadas condutas, ferindo diretamente o direito à liberdade religiosa do trabalhador.
E isso se verifica nos tempos atuais quando empresas divulgam para seus clientes e parceiros o respeito à diversidade (seja ela religiosa ou não), mas, no fundo, na prática, no dia a dia, não garantem efetiva diversidade e respeito que tanto pregam, fomentando, infelizmente, uma política discriminatória em relação às crenças e práticas religiosas.
O respeito à individualidade religiosa do trabalhador beneficiará a comunidade em que ele se encontra, inclusive no próprio ambiente de trabalho, já que permitirá a convivência de ideologias e ideais diferentes no mesmo ambiente, criando-se laços para além da esfera profissional, permitindo a harmonia e a construção de uma sociedade mais justa, mais equilibrada e, principalmente, mais tolerante.
Afinal, não seria esse o conceito de função social da empresa?
A Constituição Federal prevê em seu artigo 5º, XXIII que a propriedade atenderá a sua função social, o que é absorvido pelo legislador infraconstitucional que, no artigo 1.228, § 1º, do Código Civil dispõe que“(...) o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais (...)”
Ou seja, qualquer ação ou omissão contrária aos interesses sociais será considerada abuso do direito de propriedade, na medida em que viola o princípio da função social da propriedade.
E partindo da ideia de mundo ideal dentro do espaço laboral, é que analisamos que a subordinação não deveria ser a precursora de qualquer imposição negativa praticada por determinados empregadores em razão das práticas religiosas de seus empregados no ambiente de trabalho.
Subordinação “é a sujeição do empregado a ordens do empregador, é o estado de dependência do trabalhador em relação ao seu empregador”, sendo que a mesma “deriva da própria estrutura da relação jurídica de emprego, que se baseia na transferência pelo empregado ao empregador do poder de direção sobre o seu trabalho.”[5]
No entanto, importante destacar que essa subordinação tem limites e não pode ser confundida com desrespeito ou preconceito, tampouco imposição do mais forte em relação ao mais fraco, ainda mais no ambiente laboral, onde o trabalhador é, de fato, hipossuficiente em relação ao empregador.
A fronteira entre licitude e ilicitude dos atos do empregador no exercício do poder de direção muitas vezes é tênue, sendo que a baliza é definida pelo respeito à dignidade e aos direitos fundamentais do trabalhador, podendo este, caso sejam ultrapassados os limites, validamente exercer o seu direito de resistência.
Nesse sentido, embora a subordinação seja uma das marcas mais fortes da relação de emprego, jamais poderá ser utilizada como ferramenta de discriminação ou perseguição daqueles que professam fé ou praticam atos específicos das suas religiões dentro e fora do ambiente de trabalho.
Na sociedade atual as pessoas dedicam parte substancial de suas vidas ao trabalho, tornando o ambiente laboral fundamental na vida do trabalhador. Como seres sociais, não vivemos isolados e, portanto, levamos nossa vivência religiosa para o ambiente de trabalho, o que, muitas vezes, causa alguns desentendimentos. Necessário, portanto, que, como ocorre no âmbito social em geral, no contexto da empresa também incorpore não apenas a tolerância religiosa, mas a convivência religiosa.
Não se pode deixar de reconhecer que a liberdade religiosa é uma conquista para a própria humanidade, que está consagrada em nosso ordenamento jurídico e nos pactos internacionais que o Brasil ratificou nas últimas décadas. Contudo, na relação trabalhista, também temos a garantia constitucional à propriedade, proveniente do movimento liberal, tratando-se de um dos pilares do sistema capitalista atual. E é diante destes dois direitos máximos que precisamos resolver a tensão entre o empregado e o empregador quando ambos possuem dogmas religiosos diferentes.
Inevitável, portanto, a busca por uma solução do conflito entre direito de propriedade e liberdade de religião.
Segundo Robert Alexy, a diferença primordial entre regra e princípio é um critério qualitativo[6], onde as regras são normas que são sempre satisfeitas (ou não) e os princípios são mandamentos de otimização, podendo ser realizados na maior medida possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas, podendo ser satisfeitas em graus variados, levando em conta sempre um dever prima facie.
Exatamente por essa peculiaridade qualitativa dos princípios, que quando esses entram em colidência, utiliza-se a técnica da ponderação para apurar qual irá ceder em razão do outro. Assim, a ponderação deverá ser aplicada sempre que existir o conflito entre empregado e empregador envolvendo os direitos – princípios – à liberdade religiosa e à propriedade.
Importante colacionar a lição de Weingartner sob o dever de acomodação e a liberdade religiosa na seara trabalhista, ao defender que diante das diversas crenças dos trabalhadores, a empresa tem o dever de acomodação, que também decorre do seu dever de tolerância e não discriminação – e o Estado tem que assegurar as garantias institucionais da liberdade religiosa individual, do princípio da igualdade e da diversidade/pluralidade religiosa.[7]
Ora, a empresa é, antes de negócio, comunidade altamente heterogênea, mais ainda quando formada por diversas categorias profissionais. A heterogeneidade latente no corpo de trabalhadores também impõe o respeito entre eles acerca da escolha que fizeram em relação a religião ou não-religião que adotaram.
Portanto, pode-se concluir que a liberdade religiosa também alcança riscos de ofensa de interesses transindividuais dos trabalhadores, no caso a liberdade de crença dos demais que ali se encontram, ainda quando se está diante da prática proselitista que, em muitas situações, gera mal-estar e pode ensejar a rescisão do contrato de trabalho, tanto pelo empregador quanto pelo empregado (rescisão indireta).
Portanto, ainda que o conflito seja inevitável, o bom senso e o respeito ao “diferente” devem prevalecer diante das contraposições caracterizadas entre empregado x empregador e entre liberdade/justiça/respeito x capital/individualismo.
3. Liberdade de crença e de religião – posicionamento da jurisprudência
Diversos são os casos em que se discute questões envolvendo liberdade religiosa que chegam aos tribunais trabalhistas.
A Justiça do Trabalho tem, como regra, se posicionado no sentido de reconhecer o dever de respeito às diversas formas de expressão religiosa como forma de tornar o ambiente de trabalho mais saudável e propício à qualidade de vida dos trabalhadores.
Discussões sobre a exigência do empregador de cumprimento de jornada de trabalho aos sábados e a incompatibilidade dessa exigência com empregados que professam a religião adventista, que tem como preceito a proibição de trabalho aos sábados, são comuns na Justiça do Trabalho, que vem adotando entendimento no sentido de garantir a liberdade religiosa do trabalhador e determinar que o empregador faça a adequação da escala de trabalho com as necessidades específicas do primeiro, impostas pela religião do mesmo.
Condenações por danos morais, inclusive coletivos, decorrentes de discriminação fundada em crença religiosa também têm sido frequentes. Em reclamações trabalhistas ou em ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho em que haja comprovação de discriminação do empregador em relação à religião do(s) trabalhador(es), a Justiça do Trabalho tem ressaltado a liberdade de religião e a não discriminação como direitos fundamentais a serem respeitados, sendo passível de condenação prática agressora aos mesmos por parte do empregador.
Também a questão da compensação de folgas decorrentes de feriados previstos por outras religiões que possuem um calendário diferente do que os brasileiros em geral estão acostumados a usar, é tema constantemente discutido. O judaísmo, por exemplo, segue o calendário lunar, que possui meses mais curtos do que o solar, que é o calendário utilizado oficialmente no Brasil. Com isso, alguns feriados judeus acabam caindo em dias de trabalho para outras religiões. A Justiça do Trabalho tem entendido que, embora não haja uma lei que obrigue o empregador a conceder ou respeitar esta distinção que a religião do empregado propõe, caracteriza discriminação e desrespeito à liberdade de religião considerar como falta injustificada a ausência do empregado nesses dias.
Como se vê, a Justiça do Trabalho, em todas as instâncias e, em especial o Tribunal Superior do Trabalho, tem se posicionado firmemente no sentido de que, seja qual for a orientação religiosa do empregado, as empresas devem zelar para que não ocorram atos de discriminação no ambiente de trabalho, sob pena de serem condenadas ao pagamento de danos morais.
Sobre práticas religiosas no ambiente de trabalho, como, por exemplo, a realização diária de orações, seja por parte do empregador, por algum gestor, ou por um grupo de trabalhadores, os Tribunais trabalhistas têm entendido que ainda que o ambiente de empresa não seja apropriado para liturgias e cultos, a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença religiosa deve ser respeitada e não configura ofensa a direitos da personalidade, nem constrangimento ilegal para os praticantes de outras confissões religiosas.
4. Conclusão
Todos os conceitos tratados nesse artigo levam à conclusão de que, ainda hoje, existem situações em que o desrespeito ao individualismo do homem, dos seus ideais, das suas vontades, não é, necessariamente, exercido pelo Estado, mas podem ocorrer nas relações privadas, por exemplo, no âmbito das empresas, públicas ou privadas, e da relação entre empregados e empregadores.
A liberdade religiosa, quando exercida no ambiente laboral, não está afastada de certos limites ou, em determinadas situações, não deixa de poder ser colocada à prova da ponderação pela colisão com outros direitos constitucionais. O exercício da liberdade de religião alcança os seus limites quando esbarra nas liberdades de escolha do outro em aderir ou não às práticas ou costumes religiosos daquele local ou grupo de pessoas.
Porém, quando se utiliza do poder diretivo para invalidar a liberdade de religião do empregado, reconhece-se, inclusive, a validade da rescisão indireta do contrato de trabalho pleiteada pelo empregado, com o consequente pagamento de indenização pelo empregador em razão de preconceito ou violação de direito fundamental, considerando-se uma interpretação extensiva do art. 483, b e e, da CLT[8], que abarca não somente a violação à honra e à boa fama, mas, também, a violação aos direitos da personalidade de forma mais ampla.
Noutro bordo, sobre essas mesmas providências, constatada a atividade irregular ou constrangedora (muitas vezes em razão do proselitismo religioso inadequado no ambiente profissional) causado pelo empregado em relação aos demais colegas, são relevantes os argumentos que justificariam uma demissão do empregado, com base no art. 482, b, j e k, da CLT. [9]
Porém, em qualquer uma das situações acima mencionadas, forçoso concluir que, independentemente do poder diretivo do empregador; da condição de subordinação do empregado; ou qualquer outra força exercida de um em relação ao outro, há que se preservar o direito de religião dentro ou fora do local de trabalho, sempre com vistas ao respeito entre os demais indivíduos que ali se encontram.
E esse conceito se mostra ainda mais válido quando visa a harmonia entre os cidadãos, o respeito ao “diferente” dentro das suas individualidades e o respeito aos direitos individuais e humanos.
REFERÊNCIAS
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CANTISTA, M.J. O Político e o Filosófico no pensamento de Hannah Arendt, Revista de Filosofia, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, II serie Volume XV-XVI Porto 1998-99.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 2006.
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GUGEL, Maria Aparecida. Pessoas com Deficiência e o Direito do Trabalho. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007.
HABERMAS, Jürgen. Entre Naturalismo e Religião. Estudos filosóficos. SIEBENEICHLER, Flávio, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007.
MELO, Sandro Nahmias. Princípios de direito ambiental do trabalho. São Paulo: LTr, 2013.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho. Coleção Esquematizado. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
WEINGARTNER NETO, J. Liberdade religiosa na Constituição. Porto Alegre, 2007.
[1] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 4. ed., Coimbra: Almedina, 2009, p. 193.
[2] A liberdade de crença é o direito que a pessoa tem de crer e professar sua crença e a liberdade de não crença é o direito da pessoa não crer e professar a sua descrença. Portanto, da mesma forma que deve se assegurar a crença, o respeito à não crença também se insere no contexto da liberdade religiosa.
[3]HABERMAS, Jürgen. Entre Naturalismo e Religião. Estudos filosóficos. Trad. Flávio Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007;
[4]COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
[5] ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho. Coleção Esquematizado. 7. ed., São Paulo: Saraiva, 2021, p. 123.
[6] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, Pg. 90
[7] WEINGARTNER NETO, J. Liberdade religiosa na Constituição. Porto Alegre, 2007, p. 232
10 Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
(...)
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
11 Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
(...)
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas; nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
Mestrando em Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela mesma instituição. Advogado responsável pela área contenciosa Cível e Trabalhista de escritório full service em São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIA, Marcos D´Angelo. Liberdade religiosa e ambiente de trabalho – É possível uma convivência harmônica entre eles? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 abr 2022, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58229/liberdade-religiosa-e-ambiente-de-trabalho-possvel-uma-convivncia-harmnica-entre-eles. Acesso em: 23 dez 2024.
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