RESUMO: De acordo com a Constituição Federal, a Defensoria Pública é instituição permanente, democrática, essencial à função jurisdicional do Estado, com atribuição de prestar assistência jurídica, integral e gratuita, aos necessitados e promover transformações de ordem social. Este artigo traz uma breve introdução sobre o surgimento da instituição, a amplitude do seu campo de atuação, o acesso à justiça e seus obstáculos, bem como aborda um pouco sobre a atuação da Defensoria Pública no âmbito coletivo. Um avanço altamente significativo para grande parcela da população brasileira, a qual passou a ter seus direitos assegurados constitucionalmente e por uma instituição que zela pelos seus assistidos.
PALAVRAS-CHAVE: Defensoria Pública. Assistência jurídica. Acesso à justiça. Obstáculos; Necessitados;
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O histórico constitucional do desenvolvimento do direito de acesso à justiça; 3. O acesso à justiça; 3.1. As três ondas de Capelletti: assistência judiciária para os necessitados, representação dos interesses difusos e a representação em juízo; 4. Obstáculos do acesso à justiça; 5. Os modelos de prestação da assistência jurídica; 6. Defensoria pública na constituição da república federativa do brasil de 1988; 7. Conclusão; 8. Referências.
1.Introdução
Devido à sua grande contribuição para a população, a Defensoria Pública é elencada como uma instituição com previsão constitucional de função essencial à justiça, responsável por assegurar a assistência jurídica aos necessitados.
No entanto, por um longo período da história brasileira, a assistência aos necessitados não foi vista como algo importante, motivo pelo qual levou anos para conquistar uma posição mais significativa. Mesmo com o avanço obtido em 1988, apenas no ano de 2004, com a Emenda Constitucional nº 45, foi assegurado às defensorias públicas estaduais autonomia administrativa, financeira e orçamentária, conferindo-lhes um tratamento mais próximo ao proporcionado à Magistratura e ao Ministério Público.
Um dos objetivos deste artigo é abordar um pouco da história, sua trajetória de conquistas e retrocessos, a efetivação do acesso à justiça por pessoas necessitadas (vale destacar que a necessidade tratada não se limita apenas ao aspecto econômico) e as perspectivas da Defensoria Pública no Brasil, bem como demonstrar os tão importantes avanços que a instituição obteve para assegurar direitos de origem coletiva, potencializando cada vez o acesso à justiça.
2. O histórico constitucional do desenvolvimento do direito de acesso à justiça
O processo que visa conferir à população vulnerável o acesso à justiça teve início antes mesmo da Constituição de 1988. Ainda no século XVII tem-se o início de uma positivação com vistas a obter esse acesso através das Ordenações Filipinas, as quais atribuíam ao magistrado o dever de indicar o advogado que patrocinaria o indivíduo sem condições financeiras de contratá-lo. Além disso, nesse período o direito de acesso à justiça não era visto como algo importante e seu processo de desenvolvimento foi muito moroso. [1]
Com a Constituição de 1824 é inaugurado um modelo de poder judicial independente, algo próximo ao que hoje temos como trânsito em julgado e a exigência de provocação da autoridade pelas partes envolvidas. Havia também o Poder Moderador, cuja competência era atribuída ao imperador, o qual detinha o poder de suspender juízes, perdoar ou abrandar as penas cominadas aos réus e conceder anistia em caso de humanidade e ao bem do Estado. Observa-se que essa independência jurisdicional acabou sofrendo uma limitação por parte do poder moderador, mas foram incontestáveis os avanços obtidos no campo de direitos e garantias individuais, retratando a inviolabilidade dos direitos civis e políticos e fazendo surgir o embrião do princípio da igualdade.
Mesmo com os relevantes avanços para época, lamentavelmente o direito de acesso à justiça ainda não foi conquistado de modo efetivo na nossa primeira constituição independente.
A Constituição de 1891, inspirada no modelo norte americano, consagrou a tripartição de poderes, onde deixou de existir a figura do poder moderador e conferiu ao poder judiciário uma maior autonomia. Com vistas a reparar atos de coação ou ilegalidades exaustivamente ocorridos surge o Habeas Corpus, remédio constitucional criado para assegurar a liberdade de locomoção dos indivíduos. Mesmo com essa relevante conquista no campo dos direitos individuais, não foram adotadas medidas facilitadoras para a admissão na justiça, muito menos foi vista alguma inquietude sobre a justiça social.
Além disso, é preciso analisar o momento histórico atravessado pelo país, pois acabara de passar pelo processo de abolição da escravidão. Mesmo tendo um grande peso social, esse fato não despertou o interesse dos líderes em tomar quaisquer atitudes para a integração social da população negra, a qual, repentinamente, passou a ter direitos e deveres perante a sociedade.
Logo depois da revolução ocorrida nos anos 30, a ruptura do estado oligárquico e a inspiração em um governo mais populista, inspirada pela constituição de Weimar de 1919 e pela Constituição do México de 1917, nasce a primeira constituição brasileira a abordar os direitos fundamentais de segunda geração, a Constituição de 1934. Ela elencou um rol de enormes conquistas nos direitos fundamentais individuais, a exemplo da vedação a lei que violasse o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; o princípio da igualdade; comunicação imediata de prisão; instituiu o mandado de segurança; a ação popular, proibiu a pena de caráter perpétuo e a prisão por dívidas, multas ou custas; impediu a extradição por crime político ou de opinião, entre outros.
Uma das mais significativas conquistas se deu na seara da proteção social conferida ao trabalhador, como a vedação de diferença de salarial, o estabelecimento de um salário-mínimo, delimitação de uma carga horária e de idades para o trabalho, férias, direito a saúde e a previdência, entre outros direitos que estão presentes até os dias atuais. [2]
Dentre as tantas novidades trazidas, finalmente há o surgimento do direito de acesso à justiça por meio da criação da assistência judiciária para os necessitados, do mandado de segurança e da ação popular e a criação da justiça do trabalho. Desse modo, o Estado estabelece como um dever se garantir a assistência judiciária aos necessitados, com a opção de advogados a praticarem, por conta própria, com o intuito de caridade. No entanto, essa constituição durou pouco tempo, pois no ano de 1937 foi instituído o autoritarismo do Estado Novo e outorgada a Constituição Polaca.
Esta Constituição fez o país regredir significativamente em seus direitos, suprimindo a ação popular e a assistência judiciária gratuita prevista na Constituição de 1934. Apesar de ter mantido o sistema de tripartição dos poderes, o Executivo, por meio do Presidente da República, era superior autoritariamente aos demais órgãos e poderes. Em meio a tantos retrocessos, vale destacar alguns pontos positivos, a exemplo da Consolidação das Leis do Trabalho e da conciliação extrajudicial como maneira de resolver conflitos, além da ascensão dos sindicatos, os quais passaram a promover acordos e ações coletivas.
A partir do ano de 1939, o Código de Processo Civil trouxe um avanço nesse tema, através da parte que pontuava sobre o benefício da justiça gratuita, instituto restabelecido para possibilitar a parte escolher livremente o seu advogado, e se não o fizesse a incumbência recaía à assistência judiciária, ou sobre advogado nomeado pelo juiz. O fim desse período ocorreu somente após o fim da 2º Guerra Mundial, logo após a promulgação da constituição de 1946, a qual teve a intenção de resgatar as conquistas sociais obtidas em 1934 e devolveu ao povo brasileiro o regime democrático, republicano e o pacto federativo e os partidos políticos conquistaram a liberdade de organização, de caráter nacional, nascendo o pluripartidarismo. O avanço também ocorreu na ordem econômica, a qual passa a ser organizada de acordo com os princípios da justiça social. Foi, ainda, reinstaurado o direito a assistência judiciária aos necessitados.
De modo completamente antidemocrático, no ano de 1964 o Brasil mais uma vez perde sua constituição para um governo autoritário, o que levou os direitos fundamentais individuais a serem relativizados novamente. Em 1967 foi promulgada uma Constituição que focava todo o poder no presidente da república, inclusive possibilitando um alargamento da função legislativa por meio de decretos em questões de segurança nacional e finanças públicas. Por conseguinte, o acesso à justiça foi um dos direitos mais uma vez diminuídos por atos institucionais
O ápice desse período ocorreu com o Ato Institucional n.º 5, em 1969, o qual era visto para diversos autores como uma nova constituição, pois retirava toda a eficácia da Constituição vigente, até mesmo o princípio da independência e da harmonia dos Poderes.
No que se refere à atividade judiciária, o Ato Institucional n.º 5 suspendeu as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade conferidas aos juízes e outros membros do judiciário e caberia ao Presidente da República “mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo”. O AI 5 suspendeu, até mesmo, a garantia do habeas corpus em crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Tornava impossível, ainda, a apreciação judicial por quaisquer atitudes tomadas em decorrência deste ato. Nesse cenário, fica constatado que reiteradamente o direito de acesso à justiça sofria enormes violações, tanto na possibilidade de ingresso, de solicitar os direitos individuais ou de indagar dados estatais, quanto na análise da justiça social e da imparcialidade dos magistrados.
Por oportuno, nota-se que o direito de acesso à justiça está umbilicalmente ligado ao Estado Democrático e do enaltecimento de suas instituições, diante da sua importância para a solidificação para os direitos fundamentais, tanto individuais quanto coletivos. Dessarte, mesmo tendo o seu princípio mais simbólico inaugurado em 1946, apenas houve um avanço efetivo com a universalização da jurisdição com a Constituição da República Federativa do Brasil em 1988.
Somente alguns anos após a edição do AI 1, em 1978, teve início o processo de redemocratização da república brasileira, através da revogação desses atos antidemocráticos. O regime militar inicia, gradualmente, uma abertura com a volta do multipartidarismo e as eleições diretas para o cargo de governador. Em 1984 surge o movimento pelas “Diretas Já”, o qual buscava a aprovação no Congresso Nacional da emenda constitucional que previas as eleições de forma direta para o cargo de Presidente da República. O objetivo se torna constitucionalizar os direitos fundamentais para vedá-los de atitudes arbitrárias ocorridas no período do Regime Militar.
Cabe destaque a mudança da nomenclatura do instituto de assistência judiciária para assistência jurídica, o que demonstra uma amplitude de seu campo de atuação. Não basta proporcionar um direito de assistência judiciária gratuita, pois tem que ser uma prestação da assistência jurídica, integral e gratuita. Esta conquista, sem sombra de dúvidas, pode ser elencada como uma das mais relevantes para a sociedade, a qual conquistou a atuação de um órgão independente para estabelecer uma ligação entre os que necessitam e a prestação jurisdicional.
3.O acesso à justiça
Acerca da definição de justiça, cumpre trazer à tona o entendimento do austríaco Hans Kelsen, segundo o qual não está a cargo da Ciência do Direito conceituar o que é justo ou injusto. Além disso, preconiza que uma teoria sobre a Justiça responde por concepções acerca do justo e do injusto, e o que é justo e injusto nem sempre é claro e unânime, porém, que há um justo e que este justo é um justo relativo. [3]
A sociedade brasileira possui um grau bastante baixo de educação, pois há pouco investimento nesta área por parte do Governo, motivo pelo qual muitas vezes a população vulnerável sequer entende os direitos que possui e como efetivá-los.
Não existe uma definição concreta do que é justiça, até mesmo porque no ocidente o significado da palavra justiça é tido como algo em “conformidade com o direito” e que não seja vista como a “primeira virtude das sociedades”. O doutrinador Serge-Christophe Kolm finaliza um de seus trabalhos com a seguinte pontuação:
A justiça, por conseguinte, é apenas a quarta ou a quinta virtude da sociedade. Isso não torna seu estabelecimento menos necessário, a luta por ela menos justificada nem menos importante a sua compreensão. Mesmo o mero valor instrumental da justiça não é uma contribuição pequena. Paz sem justiça é opressão, espoliação e violação da dignidade. A dignidade sem justiça promove guerras pelo que é devido por direito e pela liberdade. Somente a justiça permite o reino da paz e da dignidade. [4]
Dessa forma, se torna clara a importância de proporcionar a uma dada sociedade a efetivação do acesso à justiça, visto que ela é a base que assegura a efetivação de outros direitos básicos e inerentes aos seres humanos, a exemplo da saúde, educação, segurança e o mais relevante de todos: a dignidade da pessoa humana.
Sobre a definição do acesso à justiça, a doutrina ainda não estabeleceu um conceito uniforme, sendo possível encontrar ao menos três expressões com o mesmo significado. Sobre o tema, escreve Barros:
Justiça gratuita x assistência judiciária x assistência jurídica: esses três conceitos não são sinônimos. A justiça gratuita se refere à isenção do pagamento de custas, taxas, emolumentos e despesas processuais. Por sua vez, a assistência judiciária engloba o patrocínio da causa por advogado e pode ser prestada por um órgão estatal ou por entidades não estatais, como os escritórios modelos das faculdades de Direito e ONGs. Esse conceito se limita à defesa dos direitos dos necessitados na esfera judicial. Por fim, o conceito mais amplo é o de assistência jurídica, que envolve não somente patrocínio de demandas perante o judiciário, mas também toda a assessoria fora do processo judicial - o que engloba desde procedimentos administrativos, até consultas pessoais do necessitado sobre contratos (locação, financiamento, consumo). [5]
É preferível utilizar a expressão assistência jurídica, uma vez que é vista pela doutrina como a atuação mais ampla no acesso à justiça, envolvendo o auxílio tanto judicial quanto extrajudicial.
3.1 As três ondas de Capelletti: assistência judiciária para os necessitados, representação dos interesses difusos e a representação em juízo.
Com base nos estudos feitos por Cappelletti, nos países ocidentais a medida preliminar a ser adotada foi a implantação de uma assistência judiciaria para as pessoas carentes de recursos financeiros. Na maior parte das vezes, essas pessoas dependiam dos casos pro bono oferecidos pelos advogados, o que tornava essa prestação jurisdicional falha, pois os melhores advogados do mercado se dedicavam apenas aos casos em que eram remunerados. Dessa forma, a institucionalização estatal de assistência judiciária surgiu na Alemanha, no ano de 1919. Na década de 70 a consciência social começou a ganhar forças para que ocorressem as reformas judiciais por todo o mundo. [6]
Com o desenvolvimento da assistência judiciária, surge no Estados Unidos o modelo Judicare, o qual continua a ser prestado por advogados particulares, mas com o pagamento feito pelo Estado. No entanto, esse modelo não se importa em desenvolver uma conscientização dos direitos nas pessoas, muito menos a representação de tutelas coletivas, somente as individuais, pois depende apenas das ações políticas.
Alguns países, a exemplo da Suécia, obtiveram uma junção do sistema judicare com os advogados pagos pelos cofres públicos, deixando a critério da parte a escolhe de seu representante, tanto individualmente quanto como grupo. Essa forma de assistência judiciária ainda não é efetiva para a promoção do acesso à justiça, seja pela quantidade de advogados, pela insuficiência do apoio estatal ou ainda o descaso com as pequenas causas individuais.
Outro fator de peso para o crescimento do acesso à justiça, intitulado como “segunda onda” por Cappelletti, trata da representação dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, os quais não disponibilizavam de um procedimento adequado para sua concretização. Essa reforma aconteceu por causa de “um desequilíbrio na advocacia, que em muitos casos só pode ser corrigido por advogados pagos pelo governo, para defender os interesses não representados por consumidores, do meio ambiente, dos idosos e de outros interesses não organizados.” [7]
Em um primeiro momento, esses interesses eram incumbência do Ministério Público, mas com a necessidade de especialização e do conflito de interesses públicos, não vingou. Nasceram então as agências públicas especializadas, como por exemplo, a Environmental Proctetion Agency, nos Estados Unidos. As legislações também começaram a estender a chance de participação de defesa destes direitos para associações, sindicatos, partidos políticos, entre outros, além da formação de novas ações.
Percebe-se que nessa ocasião a preocupação com o acesso à justiça estava vinculada aos direitos sociais da população, não importando a situação econômica da parte, como se observou na primeira fase. “O progresso na obtenção de reformas na assistência jurídica e da busca de mecanismos para a representação dos interesses públicos é essencial para proporcionar um significativo acesso à justiça.” [8]
Nessa perspectiva, emerge uma terceira onda muito mais extensa com a consolidação de programas de assistência judiciária e o êxito nas reivindicações dos interesses coletivos e individuais dos hipossuficientes, com o intuito de destruir os obstáculos processuais existentes. O enfoque dado ao acesso à justiça é tanto na assistência jurídica judicial e extrajudicial, por meio de advogados privados e públicos, quanto na concretização dos direitos individuais e coletivos, através de sistemas procedimentais, estrutura dos tribunais e outras maneiras de resolução de conflitos.
4. Obstáculos do acesso à justiça
É bastante comum a busca por efetivação do acesso à justiça, visto ser um direito essencial do cidadão e estar dentre os princípios base de um Estado Democrático. No entanto, essa efetivação não se concretizou de modo efetivo por causa de diversos obstáculos, tornando a igualdade almejada uma verdadeira utopia.
O preâmbulo da Carta Magna trouxe como enunciado esta instituição de um Estado Democrático, o qual possui o dever de efetivar o exercício dos direitos sociais e individuais, tendo a igualdade e a justiça como valores soberanos desta, que deve ser uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, baseada na harmonia social e empenhada em obter soluções pacíficas dos conflitos existentes.
Nessa seara, Mauro Cappelletti e Bryant Garth são firmes ao dizer que “As diferenças entre as partes não podem jamais ser completamente erradicadas” [9] o que não tem a força de legitimar a desistência da procura pelos direitos previstos.
No entanto, vale aqui trazer alguns dos percalços vistos pelo caminho. É possível conceituar desigualdade como o desnível econômico percebido entre as pessoas dentro de uma mesma sociedade. Essa desigualdade surge a partir do início de uma vida em comunidade, quando os indivíduos sobrevivem com diferentes fontes de recursos e os que possuem mais condições começam a subjugar os outros. Surge aqui uma relevante obrigação do Estado, ao qual cabe balancear as relações e permitir a elevação de uma justiça social.
Ainda na obra de Cappelletti e Garth, importantíssimos autores sobre o tema, surge o conceito de custas judiciais, senão vejamos:
Nesse caso, a menos que o litigante em potencial esteja certo de vencer – o que é de fato extremamente raro, dadas as normais incertezas do processo – ele deve enfrentar um risco ainda maior do que o verificado nos Estados Unidos. A penalidade para o vencido em países que adotam o princípio da sucumbência é aproximadamente duas vezes maior – ele pagará os custos de ambas as partes. [10]
Observa-se que o aspecto econômico se torna uma enorme barreira para a efetivação do acesso à justiça. Quanto ao sentido cultural, existe uma inclinação das pessoas mais humildes em não confiar nos advogados, pode ser porque é preciso desembolsar o pagamento pelos serviços, dinheiro fruto de bastante esforço, ou até mesmo pelo fato de que a resposta dada pelo judiciário não corresponde aos seus anseios, o que nos faz esbarrar mais uma vez na questão da falta de educação em direitos para a população de baixa renda.
Esses entraves não são de fácil resolução, mas esta não deve cessar e deve ser feita ininterruptamente, buscando cada vez mais progressos.
Da mesma forma Cappelletti e Garth concluem:
Como fator complicador dos esforços para atacar as barreiras ao acesso, deve-se enfatizar que esses obstáculos não podem simplesmente ser eliminados um por um. Muitos problemas são inter-relacionados, e as mudanças tendentes a melhorar o acesso por um lado podem exacerbar as barreiras por outro. Por exemplo, uma tentativa de reduzir custos é simplesmente eliminara representação por advogado em certos procedimentos. Com certeza, no entanto, uma vez que litigantes de baixo nível econômico e educacional provavelmente não terão a capacidade de apresentar seus próprios casos, de modo eficiente, eles serão mais prejudicados que beneficiados por tal “reforma”. Sem alguns fatores de compensação, tais como um juiz muito ativo ou outras formas de assistência jurídica, os autores indigentes poderiam agora intentar uma demanda, mas lhes faltaria uma espécie de auxílio que lhes pode ser essencial para que sejam bem-sucedidos. Um estudo sério do acesso à Justiça não pode negligenciar o inter-relacionamento entre as barreiras existentes. [11]
5. Os Modelos De Prestação Da Assistência Jurídica
É possível encontrar na doutrina 5 (cinco) modelos de assistência jurídica: o pro bono; o sistema judicare; o salaried staff model; o sistema misto; e o socialista.
a) Pro Bono: aqui a assistência jurídica é prestada por advogados provados sem qualquer contraprestação, nem da parte nem do Estado.
b) Sistema judicare: os advogados são pagos pelo Estado para prestarem assistência judiciária aos desfavorecidos. Trata-se de sistema eficaz para causas individuais, mas não contribui para efetivação dos direitos coletivos.
c) Salaried staff model: nesse modelo, há profissionais do direito que atuam de forma exclusiva na assistência jurídica e são remunerados pelo estado, como servidores públicos. O maior exemplo é a Defensoria Pública.
d) Sistema misto: é a junção dos outros sistemas com vistas à fornecer a assistência jurídica, ainda que um se sobressaia sobre os outros.
e) Socialista: como a advocacia privada não é permitida nos países que adotam o socialismo, os serviços são prestados por escritórios coletivos, os quais possuem honorários tabelados e são pagos pelo cliente.
6. Defensoria Pública na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
O modelo de assistência jurídica adotado pela Constituição Federal de 1988 foi o sistema público, conhecido como Salaried Staff Model. A assistência jurídica oferecida à população não ocorre apenas nos aspectos estritamente processuais, mas também fora deles.
O artigo 5º, LXXIV da Lei Maior, estabeleceu que “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Contudo, a Defensoria Pública só surgiu constitucionalmente com artigo 134:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. [12][1]
A defensoria pública alcança um novo perfil constitucional, por meio da EC 80/2014. É por meio dessa emenda, dentre outras mudanças, que são constitucionalizados os princípios institucionais da Defensoria Pública. A autonomia dessa instituição também foi conferida por meio de emendas, as quais conferiram autonomia funcional e administrativa, além da iniciativa de sua proposta orçamentária.
A autonomia funcional diz respeito às funções existentes na Defensoria Pública, as quais podem emergir de acordo com as necessidades da instituição, levando-se em consideração a conveniência e a oportunidade, com vistas a atender da melhor forma seus assistidos. A autonomia administrativa se refere a autonomia para organizar-se da forma que melhor se adequar à instituição. Cabe ao Defensor Público Geral tomar as decisões a respeito das prioridades financeiras, bem como do funcionamento das unidades, entre outras coisas.
7. Conclusão
Ao longo da história, uma parcela significativa da população teve seus direitos suprimidos por falta de uma representação e educação adequadas. A carência de recursos os impedia de pagar um bom advogado, ao passo que ao governo não se mostrava interessante informar esses indivíduos de todos os seus direitos.
No entanto, com o passar dos anos foi surgindo a necessidade de se cobrar do Estado o cumprimento desse dever essencial, ao qual disponibilizou, em passos lentos, um sistema que conferia o acesso da população hipossuficiente ao judiciário. Após muitas lutas, entre avanços e retrocessos, se conquistou o modelo adotado hoje, com defensores públicos atuando em causa dos necessitados. Vale ressaltar ainda que, apesar dessas vitórias, existe muito caminho a se percorrer, pois a defensoria é uma instituição em extensão, a qual luta para chegar próximo das prerrogativas conferidas aos membros do poder judiciário e do ministério público.
No Brasil, o legislador conferiu aos necessitados a assistência jurídica gratuita por meio do sistema público, designando a Defensoria Pública para tal atribuição. Função essencial à justiça conferida pela Carta Magna de 1988, a Defensoria Pública é uma instituição permanente, expressão e instrumento do regime democrático, à qual cabe a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados.
A Defensoria Pública ganha cada vez mais força, demonstrando de maneira eficaz a relevância de sua atuação para a sociedade, mas mesmo com todas as conquistas históricas para a concretização do acesso à justiça, não se pode esquecer que ainda existe muita coisa a melhorar.
Dentre as soluções demonstradas pelo estudo de Cappelletti denota-se a necessidade de reorganizar os procedimentos em geral, com vistas a garantir mais facilitação e agilidade dos feitos e, consequentemente, atingir de forma mais eficaz a parcela da sociedade que muito tempo foi privada de seus direitos por falta de um mecanismo protetivo de seus direitos.
8.Referências
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, disponível em: Constituicao-Compilado (planalto.gov.br). Acesso em: 05 de setembro de 2021.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.
CAPEPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfeet. Porto Alegre, Fabris, 1988. Edição 2015.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000. Apud. BEDIN, Gabriel de Lima. SPENGLER, Fabiana Marion. “O direito de acesso à justiça e as constituições brasileiras: aspectos históricos.” Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 135-146, julho/dezembro de 2013.
GROFF, Paulo Vargas. Direitos Fundamentais nas Constituições brasileiras. Brasília a. 45 n. 178 abr./jun. 2008.
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no Estado Contemporâneo: concepção e principais entraves. In: SALES, Lília Maia de Morais; LIMA, Martonio Mont’Alveme Barreto (Org). Constituição, Democracia, Poder Judiciário e Desenvolvimento – Estudos em homenagem a José de Albuquerque Rocha. Florianópolis: Conceito, 2008. p. 237-276
Notas
[1] CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000. Apud. BEDIN, Gabriel de Lima. SPENGLER, Fabiana Marion. “O direito de acesso à justiça e as constituições brasileiras: aspectos históricos.” Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 135-146, julho/dezembro de 2013.
[2] GROFF, Paulo Vargas. Direitos Fundamentais nas Constituições brasileiras. Brasília a. 45 n. 178 abr./jun. 2008.
[3] BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. A justiça kelseniana, p. 20. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67517/70127/88939. Acesso em: 05 de abril 2022.
[4] KOLM, Serge-Christophe. Teorias Modernas da Justiça. [Trad.] Jefferson Luiz Camargo, Luiz Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 583-584.
[5] BARROS, Guilherme Freire de Melo. Defensoria Pública. Salvador: 2012, p. 29.
[6] CAPEPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfeet. Porto Alegre, Fabris, 1988. Edição 2015. página 32-47.
[7] CAPEPELLETTI, Op.cit. pag 54.
[8] CAPEPELLETTI, Ibidem, pag 67.
[9] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.10-12.
[10] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant op. cit., p.17.
[11] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant op. cit., p. 28-29.
[12] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, disponível em: Constituicao-Compilado (planalto.gov.br). Acesso em: 05 de setembro de 2021.
[1] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, disponível em: Constituicao-Compilado (planalto.gov.br). Acesso em: 05 de setembro de 2021.
Analista Judiciário. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário Maurício de Nassau e em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MURILO CALLOU TAVARES DE SÁ, . Defensoria Pública e Assistência Jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 abr 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58235/defensoria-pblica-e-assistncia-jurdica. Acesso em: 23 dez 2024.
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