ERICK VINICIUS COSTA ANDRADE[1]
(Orientador)
RESUMO: Os crimes contra dignidade sexual são relatados na Bíblia Hebraica e no código de Hamurabi, dois importantes códigos legislativos do Direito civil da história da humanidade. Na Roma antiga também este crime causava repulsa, embora ainda fosse tipificado com base em uma visão extremamente patriarcal da sociedade. Com o final da segunda guerra mundial, os crimes contra a dignidade social sofrem uma mudança de paradigma com a revisão do Direito materialista que até então era praticado no mundo ocidental. Diante dessa temática, este trabalho tem como objetivo fazer uma síntese do ponto de vista histórico dos crimes sexuais na legislação Pátria. Secundariamente foi proposto se relatar os princípios jurídicos existentes da construção com relação a crimes contra dignidade sexual humano; descrever a dignidade sexual humana pela metade a legislação brasileira e por último foi proposto se avaliar a proteção da dignidade sexual humano, diante da cultura do patriarcado. O trabalho foi feito a partir da consulta de fontes bibliográficas de livros de Direito e de artigos voltadas para a temática da proteção dos direitos humanos, e dos crimes contra dignidade sexual em face da cultura patriarcal.
Palavras-Chave: Dignidade. Estupro. Crime. Sexual.
ABSTRACT: The crimes against sexual dignity are reported in the Hebrew Bible and in the Code of Hammurabi, two important legislative codes of civil law in human history. In ancient Rome also this crime caused repulsion, although it was still typified based on an extremely patriarchal view of society. With the end of World War II, the crimes against social dignity suffered a paradigm shift with the revision of the materialistic Law that was practiced until then in the Western world. In view of this theme, this work has as its objective to make a synthesis of the historical point of view of sexual crimes in Brazilian legislation. Secondarily it was proposed to report the existing legal principles of construction in relation to crimes against human sexual dignity; to describe human sexual dignity through Brazilian legislation and finally it was proposed to evaluate the protection of human sexual dignity in the face of the culture of patriarchy. The work was done from the consultation of bibliographic sources of law books and articles focused on the theme of the protection of human rights, and crimes against sexual dignity in the face of patriarchal culture.
Key-words: Dignity. Rape. Crime. Rome.
1 INTRODUÇÃO
Do ponto de vista histórico, a primeira referência com relação aos crimes sexuais é encontrada em Deuteronômio 22:13-29. Essa passagem da Bíblia é notória ao fazer referência a situações nas quais são notados até os dias de hoje. Chama atenção então, a passagem do versículo 25 na qual se lê “Se, contudo, um homem encontrar no campo uma jovem prometida em casamento e a forçar, somente o homem morrerá.”.
Outra passagem também histórica digna de nota é aquele encontro II Sm 13, 10-20. Nessa passagem, Tamar é estuprada pelo seu meio irmão Amnom. No primeiro caso, o livro de Deuteronômio configurava-se como uma espécie de Código Civil do povo hebreu. Na Segunda passagem materializou assim aquilo que era ilustrado em Deuteronômio 22.
Como se verifica os crimes contra dignidade sexual são bastante antigos e já citados na Bíblia Hebraica. Ademais além do Código Mosaico, o Código de Hamurabi e o Direito Romano já condenavam a prática de estupro. Aliás a expressão apareceu primeiramente com o vocábulo estuprum. Nesse sentido se inserem os crimes contra dignidade social sexual, isso a relação com a questão dá proteção as pessoas atendidas por esse crime e a conhecida a cultura patriarcal presente nas sociedades de hoje em dia.
O desrespeito, a dignidade sexual do ser humano continua sendo, bem como a falta de aderência as normas morais e cogentes presentes na legislação constitucional e infraconstitucional podem ser apontados como as causas maiores de ocorrência e crimes contra dignidade sexual. O outro dado importante, é ainda o sentimento de impunidade, que ainda permeia a sociedade apesar das inúmeras iniciativas para se coibir esse tipo de crime.
Para a execução deste trabalho, se propõe como objetivo geral: sintetizar como se deu o desenvolvimento histórico com relação aos crimes sexuais na legislação Brasileira; Para os objetivos secundários propõe-se: relatar os princípios jurídicos presentes da constituição e relacionadas aos crimes contra a dignidade sexual humana; descrever sobre os crimes contra a dignidade sexual com base na legislação aplicada; E finalmente se propõe este trabalho avaliar a proteção da dignidade sexual em face da cultura patriarcal.
Esse trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa qualitativa com fontes bibliográficas sendo utilizadas nas quais se destacam principalmente livros do Código Penal, artigos publicados em meio digital, além de trabalhos de conclusão de curso (TCC).
2 ASPECTOS HISTÓRICOS QUE CULMINARAM COM O ADVENTO DA LEI N. 12.015/09
Prado (2001) afirma que os crimes sexuais sofreram ao longo da história severa repressão por parte de diversos povos da antiguidade. No código mosaico por exemplo, caso um homem tivesse relações como a jovem virgem e que fosse noiva de outro homem, os dois seriam mortos. contudo se um indivíduo tivesse encontrado a jovem, em campo aberto e assim praticasse o estupro, mediante violência física, somente ele seria morto por apedrejamento. Em outra hipótese, caso houvesse emprego de força física para conjunção carnal, o estuprador tinha que se casar com a moça, não podendo se separar dela, e ainda tendo que pagar uma indenização de 50 ciclos luz de prata.
Os povos antigos já́ puniam com grande severidade os crimes sexuais, principalmente os violentos, dentre os quais se destacava o de estupro. Após a lex Julia de adulteris (18 d.C.), no antigo direito romano, procurou-se distinguir adulterius e stuprum, significando o primeiro a união sexual com mulher casada, e o segundo, a união sexual ilícita com viúva. Em sentido estrito, no entanto, considerava-se estupro toda união sexual ilícita com mulher não casada. Contudo, a conjunção carnal violenta, que ora se denomina estupro, estava para os romanos no conceito amplo do crimen vis, com a pena de morte. (BITENCOURT, 2015, p. 48).
No ínterim dessa recapitulação histórica vale citar que no Direito Romano utilizava-se a palavra stuprum que, não obstante, tinha outra conotação, pois alcançava os práticas sexuais e libidinosas, sendo amplamente empregado tanto para mulheres como homens. Vale destacar que nessa situação o homem não poderia estar no polo passivo do delito, algo que é considerado como novo no ordenamento jurídico do Brasil, conforme a lei 12015/2009. que trouxe alterações ao Código Penal. O termo utilizado o direito romano no sentido lato estava relacionado a qualquer manifestação impudica que fosse manifestada por mulher ou por homem envolvendo ainda a pederastia e o adultério (PRADO, 2001).
Estefan (2016) ressalta que do ponto de vista histórico registram-se punições do tipo pecuniárias contra aqueles que praticavam estupro na Roma antiga. Essa punição encontrava-se na Lei Escantinea (Lex scantinia) que é datada de 149 a.C. Essa vertente de entendimento jurídico no Direito Romano trazia a penalização de crimes sexuais, inclusive daqueles crimes sexuais praticados contra vontade pessoas do sexo feminino.
Já no Oriente Médio, se tem o registro do código de Hamurabi, datado de 1700 a.C, na qual tem-se a origem da conhecida expressão presente em nosso cotidiano do olho por olho e dente por dente baseado na lei do talião. Já nesse tempo, a punição para crimes sexuais era bastante dura, principalmente com relação ao crime de estupro. Nesse código, aquele estuprasse uma virgem que vivia com os pais, deveria ser morto.
Como passar do tempo foi feita a diferenciação entre aquilo que são os atos sexuais e os atos libidinosos. Ficou estabelecido que os crimes praticados contra uma viúva, uma criança ou uma mulher virgem se configuravam como stuprum. Caso a mulher fosse casada o crime se configuraria adulterium. A reformulação do pensamento jurídico no mundo romano teve influência do Cristianismo, assim o estupro deixou de ser visto como infração patrimonial para ser tipificada como delito sexual. Apesar disso, no Direito Romano a existia a responsabilização da vítima por conta da violência sofrida.
Decerto, são citados vários outros eventos históricos relacionados à política. Tito Lívio em sua obra Ab Urbe Condita cita que o deus Marte teria estuprado a virgem vestal Rea Silvia e essa teria dado à luz a Romulo, considerado fundador de Roma. Isso já demonstrava que existe uma forte relação entre política e estupro. Um outro episódio citado é o estupro de Lucrécia que resultou na derrubada da monarquia e e que levou ao restabelecimento da República (CANELA, 2012).
Ainda com relação ao Mundo Romano, Canela (2012) em sua obra “O Estupro no Direito Romano”, faz diversas considerações com relação a tipificação do estupro naquela cultura jurídica. O Rapto das sabinas, é um episódio lendário relacionado a fundação da cidade de Roma e no qual Romulo teria autorizado o rapto de mulheres da tribo dos Sabinos. Tal fato foi classificado como uma espécie de estupro coletivo.
Para Estefan (2016) a citação das histórias seja do ponto de vista lendário ou histórico demonstram que para a cultura Romana não havia tolerância para com as práticas de crimes sexuais, isso notadamente, nos casos de estupro. Apesar da legislação Romana prevê a tipificação do crime de estupro, muitas das vítimas não denunciavam os infratores, por conta das exigências da lei e devido também a outros fatores como o medo de retaliação, a vergonha de se expor em público, e por existir ainda uma cultura qual a vítima era em parte culpada.
Já Carvalho (2016) explica que no Brasil colônia existia uma quantidade insuficiente de mulheres de modo que a miscigenação foi tida como uma prática política individual, na qual as mulheres indígenas e negras eram estupradas sendo essa uma prática comum, visto que na época da escravidão as mulheres não eram consideradas como os donos do seu próprio corpo, e não se atentava para as consequências do estupro como a gravidez indesejada.
Assim, a primeira manifestação jurídica com relação à criminalização do estupro no Brasil ocorreu com o primeiro código penal que foi redigido em 1830 e que também leva o nome de Código Criminal do Império do Brasil. Esse códice em seu Art 222 propunha que o estupro era configurado quando havia copulação canal pelo meio de emprego de violência, ou ainda de ameaças contra qualquer mulher dita honesta. Essa foi a primeira vez que se apresenta na legislação pátria, a penalização de crimes sexuais no Brasil.
Já na época republicana, no ano de 1890 foi publicado o código penal onde o crime de estupro tinha a tipificação dada pelos artigos 268 e 269. Nesse momento, o legislador trouxe algumas alterações com relação ao código criminal de 1830, ou seja, de 60 anos antes. Nessa situação, o homem era tido como o polo ativo da prática do crime, e isso incluía na tipificação do estupro tanta a violência física como a mental (BUSATO, 2017).
Passados então 50 anos, na década de 40 foi promulgado o novo Código Penal. Nesse códice, o homem também era tido como polo ativo dos crimes de estupro e a mulher como o polo passivo. Aliás, a partir da Lei Nº 12015 de 7 de agosto de 2009. Isso muda, pois, o delito de estupro passou a ter uma caracterização mais abrangente. No Brasil, os crimes contra a dignidade sexual estão regulamentados no Título VI do Código Penal (MOREIRA FILHO, 2020).
3 PRINCÍPIOS JURÍDICOS PRESENTES NA CONSTITUIÇÃO E DIGNIDADE SEXUAL HUMANA
A partir de um exame da leitura relacionada com relação aos crimes sexuais contra dignidade sexual podem ser elencados pelo menos quatro princípios podem ser aplicados com relação a dignidade da pessoa humana. Estes são o princípio da formação de personalidade, da lesividade e finalmente, o princípio da proporcionalidade.
Monteiro (2013) comenta que o princípio da dignidade humana tem origem na Grécia antiga ainda que de forma incipiente, já existindo um conceito que definia a pessoa humana. Dessa maneira, a dignidade humana na antiguidade clássica era definida com relação com as qualidades externas visíveis do indivíduo, ou seja, a sua posição social. Assim, quanto mais posses aquela pessoa tivesse, mais era considerado como digno. A dignidade humana não era concebida a partir do valor da pessoa em si, mas sim com base no seu poder econômico e no seu status social.
Santos (2018) explica que após a Segunda Guerra Mundial não existia uma proteção de de ordem internacional voltada a defesa dos direitos humanos, dado que nos países participantes do conflito, os nacionais encontravam-se em péssimas condições de vida. A partir desse momento, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da carta Geral das Nações se faz menção à dignidade da pessoa humana que posteriormente, foi consagrada na redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.
Gonçalves (2016) reforça que após o advento das duas grandes guerras mundiais houve necessidade de se buscar uma maior proteção ao ser humano com relação à sua dignidade e de sua própria existência. Logo, ocorreu que o Direito baseado em modelos matemáticos e positivismo jurídico fracassaram. Surge, então a vertente dos direitos humanos e com isso, as Convenções internacionais e tratados que buscam a defesa de direitos fundamentais para todos os indivíduos que vivem em sociedade.
Por fim, o final do século 20 é marcado pela necessidade de se retornar valores essenciais a dignidade da pessoa humana, onde busca-se a superação da concepção patrimonialista do Direito que teorizava com relação à proteção de ser humano. Essa nova corrente busca renovar o direito civil, que até então tinha como marca a proteção da propriedade privada, da instituição familiar e dos contratos. Portanto, se objetiva a proteção da pessoa humana, com a existência dos institutos jurídicos se dando em função do ser humano, e não mais das coisas em si (ZANIAWSKI, 2002).
Castro (2020) destaca que a partir da obra de Matias Kaufmann é possível entender o princípio da dignidade humana como uma necessidade universal de reconhecimento do homem com relação a ser respeitado, a igualdade de tratamento de modo Independente de etnia, religião e condição socioeconômica. Essa é uma questão histórica de grande importância configurando-se em um desafio para Filosofia e para ciência do Direito.
Silveira (2003) explica que no princípio da lesividade, também conhecido princípio da ofensividade parte do pressuposto que se configura o crime, a partir da lesão ou do perigo de lesão ao bem jurídico de outra pessoa. Sendo assim, se faz necessário configurar o crime, tem que se observar se houve lesão e que este se deu com relação a um bem. Assim, o que se busca no Direito Penal não é apenas se punir a ação, mas sim o resultado desta, ainda que não tenha se produzido os efeitos permanentes. Assim sendo, basta então a ocorrência do fato ou do ato, para a caracterização da infração.
O próximo princípio, de grande importância para essa discussão jurídica, é o princípio da proporcionalidade ao qual se encontrar inserido na constituição federal de 1988, como consequência do Estado de Direito, uma vez que coloca limites para atuação do poder do Estado com relação a restrição de garantias e direitos fundamentais (ARAÚJO, 2009).
No Direito, o princípio da proporcionalidade tem sua origem no direito penal. A ideia básica por trás desse princípio é de que as penas para os crimes cometidos devem ser proporcionais à sua gravidade. Já do ponto de vista doutrinário o princípio da proporcionalidade também conhecido como princípio da vedação, ou ainda como princípio da avaliação de bens jurídicos, e princípio de vedação de excesso. Portanto, este princípio busca colocar limites a liberdade individual mesmo se vivendo em uma democracia. Tal Princípio não busca vedar a manifestação do indivíduo com relação a sua liberdade de opinião ou políticas, mas simplesmente, buscar resguardar o convívio do ser humano em sociedade (BARROS; BARROS, 2006).
Lenza (2012) esclarece que do ponto de vista histórico, o princípio da proporcionalidade surgiu como a tentativa de estabelecer o equilíbrio do exercício do Poder estatal para os particulares. Ou seja, o objetivo é punir o indivíduo na proporção do grau da ofensa. Tal princípio tem sua origem na Carta Magna de 1215, que foi redigida na Inglaterra, e assim preceituava a punição dos Barões pelos seus pares de modo proporcional a gravidade do ato.
Na esteira disso surge Cesare Beccaria, italiano que se insurge contra até então um Direito que pune o transgressor, com suplícios, penas infames, desproporcionalidade entre o castigo e o ato cometido, bem como contra também como contra a pena de morte (GOMES, 2014).
Nisso Beccaria se insurge contra a tradição jurídica, invoca a razão e o sentimento; faz-se porta-voz dos protestos da consciência pública contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios; estabelece limites entre a justiça divina e a justiça humana, entre os pecados e os delitos; condena o direito de vingança e toma por base do direito de punir a utilidade social; declara a pena de morte inútil (GOMES, 2014)
Nisso, o princípio da proporcionalidade se revela de extrema importância no Direito Penal atual pois, a dosagem da pena é baseada no quantum, dado que diferentes penas para diferentes crimes indicam diferentes modos buscar a sentença mais justa a ser aplicada (GONÇALVES, 2018).
Nucci (2014) declara que o respeito à dignidade sexual está no fato de que respeita se, as manifestações de indivíduo adulto, seja, aquele com maioridade civil (maior de 18 anos) sem lhe causar constrangimento. Em contrapartida tal indivíduo também deve respeitar a dignidade sexual de parceiros e a parceiras sem o emprego de ameaça ou violência física ou psicológica. Além disso, a divindade social não se lastra em fundamentos religiosos ou moralistas com muito menos conservadores
Do ponto de vista histórico é possível afirmar que a partir das últimas legislações que foram promulgadas sobre os crimes contra dignidade sexual, se demonstra que no direito penal brasileiro tem-se partido de uma ótica fundamentada no patriarcado onde as mulheres eram inferiorizadas para uma ótica na qual busca além da igualdade de gênero também se promove a proteção com relação a dignidade sexual do gênero feminino (BALBINOTTI, 2018).
A partir da Constituição de 1988 foi reconhecido de dignidade humana da sociedade brasileira sendo este um princípio basilar e que trouxe um Norte dentro dos institutos jurídicos adotados no Brasil e que vieram fazer parte da acabou-se social político. ficou entendido que é sexualidade é inerente ao ser humano, cabendo assim a proteção desta. Ademais, o Brasil é um país ao qual os seus princípios constitucionais se regem pelos princípios dos direitos humanos consagrados em nível internacional, e a partir da carta redigida pela ONU em 1948. Isso tem por objetivo trazer proteção para as pessoas vulneráveis (OLIVEIRA, 2016).
Com o advento da Constituição de 1988, o Brasil se adéqua não somente a legislação sobre direitos humanos em nível internacional, mas também busca aplicar políticas públicas em cima desses fundamentos. importante também citar conferência do Cairo E na qual todos os países firmaram compromisso para criação de um sistema de proteção dos direitos humanos e onde teria que ser abandonado a visão patriarcal com relação a Sexualidade do gênero feminino (MORAES, 2021).
Deste modo, cabia ao Brasil adaptar a sua legislação e as suas políticas públicas a esses princípios. Aliás, não se olvide que, na (1994), ficou afirmado o compromisso do Brasil no tocante aos Direitos Humanos com a necessidade do abandono da concepção patriarcal de controle da sexualidade das mulheres (MORAES, 2021).
4 OS CRIMES CONTRA DIGNIDADE SEXUAL
Os crimes praticados contra dignidade sexual podem ser encontrados no título VI do novel Código Penal. O assunto é bastante extenso e existem diversas tipificações de crime contra de dignidade sexual. Contudo, estes podem ser resumidos em crimes contra a autonomia sexual, crime sexual cometido contra vulnerável, e ainda o lenocínio e o tráfico de pessoas. Nesse último crime, existe um verdadeiro submundo da prostituição, onde mulheres de origem social menos abastada são levadas para a exploração sexual (CAPEZ, 2012)
Assim, o primeiro crime configurado na lei é o de estupro e que tem sua redação prevista no artigo 213 ao qual pode-se ler “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”: Nessa situação a pena varia entre 6 e 10 anos de reclusão. A configuração do crime de estupro se faz mediante constrangimento, ou seja, a vítima é coagida pelo uso de violência onde o agressor emprega a força física ou ainda a tortura psicológica. Pode-se configurar também mediante grave ameaça. O crime tem como polo ativo, homens ou mulheres e como polo passivo, indivíduos acima de 14 anos com capacidade de discernimento (BITENCOURT, 2020).
A conduta típica consiste em constranger (forçar, obrigar, coagir) alguém a conjunção carnal mediante violência (vis corporais, força física) ou grave ameaça (vis compulsiva, força moral) ou a praticar (fazer, executar, realizar) ou permitir (consentir, dar liberdade, tolerar) quem com ele se pratique outro ato libidinoso. Dessa forma, a conjunção carnal e os atos libidinosos praticados contra a mesma vítima e ocorridos num mesmo contexto fático constituem crime único, adotando-se o denominado princípio da alternatividade (MOREIRA FILHO, 2020, p. 606).
Como se ver no estupro, a vítima é constrangida, ou seja, obrigada a consumação de um ato contra sua a própria vontade. Assim, a força física é utilizada ou ainda a vítima pode estar sobre ameaça de uma arma de fogo, por exemplo. Comete crime também aquele que permite a ocorrência de tal ato seja pelo consentimento, ou pela tolerância. Isso pode ser aplicado àqueles casos que ocorrem na família onde, a mãe tem conhecimento de que o pai cometer atos ilícitos libidinosos com a filha.
Outro crime tipificado contra a dignidade sexual é o da violência sexual mediante emprego de fraude. Esse crime está tipificado no artigo 215, na qual o ofensor tem relações sexuais ou pratica ato libidinoso, com alguém por meio de manipulação ou qualquer outro meio que impeça ou dificulte a livre expressão da vontade da pessoa lesada. A pena também varia entre 2 a 6 anos de reclusão (CUNHA, 2016).
Este crime também é chamado de “estelionato sexual” (fraude no ato sexual), uma vez que o ofensor induz a vítima ao engano com o objetivo de cometer abuso sexual. Nesse caso, não se utiliza a violência, mas sim de artifícios, que induzem a vítima a uma certa conduta tida como necessária. Isso pode ser exemplificado, naqueles casos em que o médico por exemplo, abusa de uma paciente ao relatar que tal procedimento faz parte na prática clínica. Isso também pode ser aplicado a dirigente religioso que ao tocar o corpo da vítima, ao dizer que tal ato faz parte das práticas religiosas (GONÇALVES, 2020).
É preciso destacar que caso a vítima esteja sobre efeito de drogas, álcool ou de medicamentos, o crime não se configura como estelionato sexual, mas será tipificado como estupro de vulnerável. Esse crime pode ter como sujeito ativo tanto o homem como a mulher. Com relação ao passivo, tanto homens como mulheres também podem sofrer esse tipo de crime, que tem a consumação se dando no momento que é praticado o ato libidinoso ou a conjunção carnal (JESUS, 2020).
Outro crime bastante comentado é assédio sexual conforme o artigo 206 a do Código Penal, uma vez que embaraçar alguém com a intenção de auferir favores ou vantagens sexuais, com o agente se aproveitando de sua condição de superior hierárquico ou de supremacia inerente ao desempenho de um posto de trabalho, cargo ou função. O crime realiza-se a partir da intenção do agente em assediar a vítima e assim obter vantagem sexual (CUNHA, 2016).
O crime tem pena de detenção de 1 a 2 anos conforme a gravidade e em contrapartida ao crime de estupro, o constrangimento sexual está relacionado a condutas ou propostas de natureza sexual feitas pelo agente a vítima. Esse crime sexual, se configura quando a agente importuna sua vítima valendo-se de uma posição superior hierárquica. É tipificado mesmo havendo o consentimento da vítima (BITENCOURT, 2020.)
Nesse tipo de crime, o sujeito ativo é aquela pessoa que está em posição superior e quanto ao sujeito passivo, este é a pessoa que se enquadra na hipótese de ser assediada sexualmente. A consumação do crime de assédio efetua-se mesmo que, não seja obtida nenhuma vantagem sexual, por parte do agente. É prevista um aumento da pena, de um terço caso a vítima do crime sexual, seja menor do que 18 anos de idade (BITENCOURT, 2020.)
Dentre os crimes sexuais praticados contra a dignidade sexual, chama atenção aquele praticado contra vulnerável. O código penal prevê que o estupro de vulnerável tipificado pela prática ou pela conjunção carnal de ato libidinoso com menor de 14 anos de idade. A pena varia de 8 a 15 anos de reclusão, sendo ainda equivalente a este crime quando é cometido contra deficientes mentais ou pessoas enfermas que não podem oferecer resistência ao ato sexual ou libidinoso (NUCCI, 2005).
O sujeito nesse crime, pode ser qualquer pessoa, enquanto que no polo passivo encontra-se um indivíduo vulnerável, como a consumação ocorrendo no momento em que o ato é realizado. A pena é aplicada, inobstante, a vítima tenha consentido e o crime passa a ser qualificado quando há como resultado a lesão corporal grave, com pena de reclusão variando de 10 e 20 anos. Na ocorrência de morte, a pena pode variar entre 12 a 30 anos (SALIM; AZEVEDO, 2017).
5 PROTEÇÃO DA DIGNIDADE SEXUAL EM FACE DA CULTURA PATRIARCAL
Do ponto de vista histórico, as mulheres têm uma trajetória delineada pela percepção de diferentes estereótipos ligados a sua biologia e que colocavam a mulher uma posição em uma posição desconfortável dentro de uma estrutura na qual foram vistas como “virgens” ou ora sendo tratadas como prostitutas ou meretrizes, com termos que pretendiam defender a dignidade sexual das mulheres. Isso começa a mudar com os primeiros movimentos feministas, já no final do século 18 e início do século 19 (MICHEL, 1982).
Acrescente-se que a cultura patriarcal baseada em uma moral ultrapassada e baseada na concepção do homem como ser dominante nas relações sociais entre homem e mulher levou a dominação do homem sobre a mulher, ou em certas situações a desigualdade social, entre os sexos. Isso pode ser visto na parte especial do Código Penal Brasileiro editado em 1940, na qual diversos dispositivos dessa lei traziam em suas definições de crimes contra família e os costumes, arquétipos nos quais, a mulher era fragilizada por conta de sua natureza (JAGGAR; BORDO, 1997).
Ainda com relação à questão histórica, as mulheres nem sempre foram elementos de consideração no tocante à temática dos direitos humanos. Como exemplo disso, pode-se citar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que seu título já utiliza o termo “homem” para designar o gênero humano incluindo assim, as mulheres. Até mesmo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, redigida em 1948 que embora traga a universalização de direitos humanos, não especifica um capítulo com relação as mulheres (HUNT, 2009).
Todavia, no final da década de 1970, Almeida (2017) afirma que surge no Direito internacional dos direitos humanos, a necessidade de reconhecimento a temática de gênero dentro do contexto da Justiça. Esse movimento busca o reconhecimento dos Direitos Humanos da mulher em específico, o que leva ao fortalecimento do debate com relação a parte dos direitos sexuais, bem como também da subjetividade com relação a necessidade de reconhecimento da dignidade sexual de gênero feminino (PRÁ; EPPING, 2012).
No caso do Brasil, com relação ao histórico do Direito Penal pode-se perceber que a moral patriarcal estava inserida quando se faz uma análise de dispositivos relacionados aos crimes sexuais. No caso do crime de estupro O legislador pátrio por exemplo bem como os juros filósofos e o próprio judiciário colocava uma mulher em uma situação de inferioridade ao utilizar termos como “mulher honesta” ou ainda “prostituta”, dependendo da tipificação do crime sexual (COMPARATO, 2008).
6 CONCLUSÃO
Como se percebe os crimes contra dignidade humana são bastante antigos em sua manifestação, sendo que a Bíblia Hebraica é apenas um dos poucos registros históricos que chegaram até os dias de hoje. Já na Roma antiga o crime de estupro já era punido, embora nessa sociedade prevalecesse aspecto patriarcal das relações de poder entre homens e mulheres.
A dignidade humana é um princípio consagrado na constituição federal brasileira e faz parte do rol das garantias essenciais se constituindo também e um dos fundamentos do moderno estado democrático de direito conforme pode-se lei no artigo 1º, inciso III.
Pode-se dizer que o princípio da dignidade humana remete à questões filosóficas e históricas estão intrinsecamente ligadas a moral, a religiosidade e inerentemente a honra do ser humano, qualquer que seja a sua classe social, religião raça ou cor. A origem de tal princípio remonta aos filósofos iluministas, da França do final do século 18, sendo que tal princípio, ficou arraigado na cultura filosófica e assim também influenciou a constituição de países como os Estados Unidos e a França, no contexto das revoluções burguesas.
A história recente do direito internacional pós-segunda Guerra Mundial, registrou grandes avanços em relação ao respeito aos direitos humanos e a dignidade humana de diversos grupos sociais, dentre os quais a mulher faz parte. Isso se refletiu na legislação penal brasileira, bem como na mudança da terminologia que fazia referência as vítimas de crimes sexuais, e ampliou a abrangência da proteção dos direitos fundamentais e primordiais e com relação, a tipificação de crimes contra dignidade sexual.
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[1] Orientador: Advogado desde 2015; Professor do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão - IESMA/UNISULMA. (2021 - Atual); Professor da Faculdade de Educação Santa Terezinha - FEST. (2021 - Atual); Professor de Direito Constitucional e Direito Penal CERS IMPERATRIZ e CURSO CHRONUS. (2018 - Atual)
Graduanda do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ABREU, Larisse da Costa de. Dos crimes contra a dignidade sexual: a (in)compatibilidade entre a proteção da dignidade sexual e a cultura patriarcal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 mar 2024, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58251/dos-crimes-contra-a-dignidade-sexual-a-in-compatibilidade-entre-a-proteo-da-dignidade-sexual-e-a-cultura-patriarcal. Acesso em: 23 dez 2024.
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