RESUMO: Conforme previsto no art. 311 e 312 do Código de Processo Penal, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, preenchidos os requisitos objetivos, como medida de ultima ratio, a prisão preventiva poderá ser decretada pelo Juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, para garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Em razão de se tratar de medida extrema aplicada antes do trânsito em julgado da condenação, que atinge diretamente o direito constitucional à liberdade de locomoção, e a fim de evitar o prolongamento indevido dessa restrição à liberdade quando não mais presentes os pressupostos que fundamentaram sua decretação, a Lei n.º 13.964 de 2019 incluiu o parágrafo único no art. 316 do Código de Processo Penal, para impor ao Órgão do Poder Judiciário o dever de revisar, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a necessidade da referida medida. O presente artigo se propõe a analisar a evolução do entendimento jurisprudencial quanto à abrangência e aplicabilidade da norma em comento.
PALAVRAS-CHAVE: Prisão preventiva. Dever de revisão judicial. Evolução jurisprudencial dos Tribunais Superiores.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da prisão preventiva. 3. O dever de revisão judicial da prisão preventiva e a evolução jurisprudencial. 4. Considerações finais. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com o art. 311 e 312 do Código de Processo Penal, caberá a decretação da prisão preventiva, pelo Juiz, a requerimento do Ministério Público, do Querelante ou do Assistente, ou por representação da autoridade policial, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a fim de garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando for comprovada a materialidade do crime e houver indícios suficientes de autoria (fumus boni iuris), além do perigo gerado pelo estado de liberdade do investigado ou acusado (periculum libertatis).
Além disso, para a imposição da medida extrema, exige-se alternativamente ou cumulativamente, que tenha sido praticado crime doloso com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, a reincidência do Agente, o descumprimento de medida protetiva de urgência e a dúvida no tocante à identidade civil da pessoa.
Tratando-se de medida grave que restringe a liberdade de locomoçã, o Congresso Nacional editou lei prevendo a obrigatoriedade de revisão das prisões preventivas decretadas.
Nessa ordem de ideias, no presente artigo, serão expostos entendimentos doutrinários no tocante à referida medida cautelar e ao dever de revisão, bem como a interpretação dada pelos Tribunais Superiores.
Utilizou-se, como metodologia, as produções doutrinárias relativas ao tema, a legislação correlata e, principalmente, a jurisprudência dos Tribunais Superiores concernentes à matéria.
2. DA PRISÃO PREVENTIVA
Consoante disposições legais do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada com base nas seguintes normas:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º). (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - (revogado). (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Vê-se que a medida cautelar extrema poderá ser imposta nas hipóteses em que tenham sido praticados crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, o Agente for reincidente, for descumprida medida protetiva de urgência e quando houver dúvida quanto à identidade civil da pessoa.
Desse modo, depreende-se que é vedada a decretação da prisão processual nos casos em que tenha sido praticada contravenção penal, o crime for cometido por culpa ou a pena privativa de liberdade máxima prevista para a infração seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos.
Além disso, exige-se que a custódia seja imposta com a finalidade de garantir a ordem pública, a ordem econômica, para assegurar a aplicação da lei penal e por conveniência da instrução criminal.
Também se impõe a presença de prova da materialidade e indícios suficientes de que o indivíduo cometeu o crime (fumus boni iuris) e o perigo no seu estado de liberdade (periculum in mora ou periculum libertatis).
Nesse sentido, Brasileiro (2020, p. 1.056) conceitua essa espécie de prisão cautelar, fazendo, ainda, importante distinção com a prisão temporária:
Cuida-se de espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal (nesta hipótese, também pode ser decretada de ofício pelo magistrado), sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais (CPP, art. 313) e ocorrerem os motivos autorizadores listados no art. 312 do CPP, e desde que se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 319). [...]
A prisão preventiva não se confunde com a prisão temporária, pelos seguintes motivos: a) a prisão temporária só pode ser decretada durante a fase pré-processual (Lei nº 7.960/89, art. 1º, incisos I, II e III); a prisão preventiva pode ser decretada tanto durante a fase de investigação policial quanto durante o processo (CPP, art. 311); b) a prisão temporária só é cabível em relação a um rol taxativo de delitos, listados no art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/89, e no art. 2º, § 4º, da Lei nº 8.072/90 (crimes hediondos e equiparados); não há um rol taxativo de delitos em relação aos quais seja cabível a decretação da prisão preventiva, bastando, para tanto, o preenchimento dos pressupostos constantes do art. 313 do CPP; c) a prisão temporária possui prazo pré-determinado: 5 (cinco) dias, prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (Lei nº 7.960/89, art. 2º); 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade, em se tratando de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo (Lei nº 8.072/90, art. 2º, § 4º), findo o qual o preso será colocado imediatamente em liberdade, independentemente da expedição de alvará de soltura pelo juiz, salvo se tiver sido decretada sua prisão preventiva. De seu turno, a prisão preventiva não tem prazo pré-determinado.
3. O DEVER DE REVISÃO JUDICIAL DA PRISÃO PREVENTIVA E A EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL
Foi editada a Lei n.º 13.964/2019, a qual incluiu o parágrafo único no art. 316 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
De início, importante registrar que, diversamente de outras medidas cautelares (a exemplo da prisão temporária), não há previsão legal de prazo para a duração da prisão preventiva.
Nesses termos, leciona NUCCI (2020, p. 1.143):
[...] inexiste um prazo determinado, como ocorre com a prisão temporária, para a duração dessa modalidade de prisão cautelar. A regra é perdurar até quando seja necessária, durante o curso do processo, não podendo, é lógico, ultrapassar eventual decisão absolutória – que faz cessar os motivos determinantes de sua decretação – bem como o trânsito em julgado de decisão condenatória, pois, a partir desse ponto, está-se diante de prisão-pena. A prisão preventiva tem a finalidade de assegurar o bom andamento da instrução criminal, não podendo esta prolongar-se indefinidamente, por culpa do juiz ou por provocação do órgão acusatório. Se assim acontecer, configura constrangimento ilegal. Por outro lado, dentro da razoabilidade, havendo necessidade, não se deve estipular um prazo fixo para o término da instrução, como ocorria no passado, mencionando-se como parâmetro o cômputo de 81 dias, que era a simples somatória dos prazos previstos no Código de Processo Penal para que a colheita da prova se encerrasse.
Não obstante a ausência de prazo para o término dessa modalidade de custódia processual, a fim de evitar o seu prolongamento desarrazoado, os Legisladores editaram a mencionada norma a fim de obrigar o Órgão do Poder Judiciário a reavaliar a necessidade da medida extrema, evitando-se que indivíduos permanecessem no cárcere mesmo quando cessados os requisitos e pressupostos legais que justificaram a sua imposição.
À primeira vista, a literalidade do dispositivo em comento poderia levar à conclusão de que teria sido inaugurado, no ordenamento jurídico, prazo legal para a prisão preventiva, a qual passaria a vigorar por no máximo 90 (noventa) dias, caso não fosse reavaliada pelo Juízo.
O caso judicial emblemático foi o concernente à prisão preventiva do traficante internacional de drogas “André do Rap”. No julgamento do HC n.º 186.144/SP, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio deferiu o pedido liminar e determinou a soltura do Paciente, sob o fundamento de que a norma em comento era expressa ao prever o prazo de até 90 (noventa) dias para que o Magistrado reavaliasse a custódia e, uma vez ultrapassado o lapso temporal sem que fosse proferida decisão, a prisão deveria ser relaxada. A propósito, transcrevo trecho da decisão monocrática:
O parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal dispõe sobre a duração da custódia preventiva, fixando o prazo de 90 dias, com a possibilidade de prorrogação, mediante ato fundamentado. Apresentada motivação suficiente à manutenção da prisão, desde que levado em conta o lapso de 90 dias entre os pronunciamentos judiciais, fica afastado constrangimento ilegal. O paciente está preso, sem culpa formada, desde 15 de setembro de 2019, ou seja, há 10 meses e 21 dias. Uma vez não constatado ato posterior sobre a indispensabilidade da medida, formalizado nos últimos 90 dias, tem-se desrespeitada a previsão legal, surgindo o excesso de prazo. Tem-se demonstrado constrangimento ilegal a viabilizar o deferimento, de ofício, de liminar.
Contudo, posteriormente, o entendimento perfilhado pelo Ministro Marco Aurélio não foi seguido pelo Plenário da Suprema Corte. Com efeito, no julgamento do pedido de suspensão de liminar, os demais Ministros da Corte Suprema suspenderam os efeitos da decisão monocrática e pacificaram o entendimento de que a não observância da reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal após o prazo legal, não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.
Nesses termos, transcrevo a ementa do julgado:
PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA. ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PACOTE ANTICRIME (LEI 13.964/2019). COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA CONHECER DE PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. CONTRACAUTELA. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA DEFERIMENTO. RESGUARDO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO AUTOMÁTICA DE PRISÃO PREVENTIVA. NECESSÁRIO EXAME DE LEGALIDADE E DE ATUALIDADE DOS SEUS FUNDAMENTOS. RESGUARDO DA ORDEM PÚBLICA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. SUSPENSÃO REFERENDADA. 1. O incidente de suspensão de liminar é meio autônomo de impugnação de decisões judiciais, de competência do Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso. O deferimento da medida demanda demonstração de que o ato impugnado pode vir a causar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública (art. 4º, caput, da Lei 8.437/1992 c/c art. 15 da Lei 12.016/2009 e art. 297 do RISTF). 2. In casu, tem-se pedido de suspensão ajuizado pela Procuradoria-Geral da República contra medida liminar concedida nos autos do Habeas Corpus 191.836/SP, no qual se determinou a soltura de André Oliveira Macedo (“André do Rap”), líder da organização criminosa Primeira Comando da Capital (PCC). 3. O risco de grave lesão à segurança e à ordem públicas revela-se patente, uma vez que (i) subsistem os motivos concretos que levaram à decretação e à manutenção da prisão preventiva do paciente; (ii) trata-se de agente de altíssima periculosidade comprovada nos autos; (iii) há dupla condenação em segundo grau por tráfico transnacional de drogas; (iv) o investigado compõe o alto nível hierárquico na organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital – PCC; (v) o investigado ostenta histórico de foragido por mais de 5 anos, além de outros atos atentatórios à dignidade da jurisdição. 4. Ex positis, suspendem-se os efeitos da medida liminar proferida nos autos do HC 191.836, até o julgamento do respectivo writ pelo órgão colegiado competente, consectariamente determinando-se a imediata PRISÃO de ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO (“André do Rap”). 5. Tese fixada no julgamento: “A inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90 (dias), não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.” (SL 1395 MC-Ref, Relator(a): LUIZ FUX (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 15/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 03-02-2021 PUBLIC 04-02-2021)
Em seguida, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal julgou o mérito do HC n. 186.144/SP, não conhecendo da impetração. Veja-se a ementa:
Processual Penal. Habeas Corpus substitutivo de agravo regimental. Paciente que ostenta duas condenações pelos crimes de Tráfico e Associação para o Tráfico. Prisão Preventiva. Ausência de teratologia, ilegalidade flagrante ou abuso de poder. Inadequação da via eleita. 1. Do ponto de vista processual, o caso é de habeas corpus substitutivo de agravo regimental (cabível na origem). Nessas condições, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, por inadequação da via eleita (HC 115.659, Rel. Min. Luiz Fux). Inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não compete ao STF examinar a questão de direito discutida na impetração. Precedentes. 2. As peças que instruem os autos não evidenciam situação de teratologia, ilegalidade flagrante ou abuso de poder que justifique a concessão da ordem de ofício. Hipótese, ademais, de paciente que ostenta, pelo menos, duas condenações por crimes graves, com o exaurimento das instâncias ordinárias: i) no processo nº 0000373-08.2015.4.03.6104 (Quinta Vara Federal de Santos/SP), foi condenado a 10 anos, 2 meses e 15 dias de reclusão, por tráfico internacional de drogas (quase 4 toneladas de cocaína) e associação para o tráfico; ii) no processo nº 0012478-85.2013.4.03.6104 (Quinta Vara Federal de Santos/SP), foi condenado a 15 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, por tráfico internacional de drogas e associação para o tráfico. 3. No julgamento do referendo à medida cautelar concedida nos autos da SL 1.395/DF, Rel. Min. Luiz Fux, o Plenário do Supremo Tribunal, na Sessão de 15.10.2020, decidiu que eventual inobservância do prazo de 90 dias, contido no artigo 316 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 13.964/2019, não implica a revogação automática da prisão preventiva. 4. Habeas corpus não conhecido, por inadequação da via eleita, revogada a liminar anteriormente deferida. (HC 186144, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 11-02-2021 PUBLIC 12-02-2021)
No que se refere ao órgão competente, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência consolidada no sentido de que, conforme literalidade do parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal, a exigência de reavaliação é aplicável apenas ao órgão que decretou a prisão preventiva. Assim, caso imposta a medida extrema pelo Juiz de primeira instância, somente para ele há o encargo de revisá-la no prazo máximo de 90 (noventa) dias, não se estendendo a obrigatoriedade ao Tribunal de Justiça. Por outro lado, se o processo for de competência originária do Colegiado ad quem, somente a este seria exigida tal revisão.
A propósito, colaciono a ementa do julgado proferido no HC n.º 589.544/SC:
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. EXTORSÃO. ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OBRIGAÇÃO DE REVISAR, A CADA 90 (NOVENTA) DIAS, A NECESSIDADE DE SE MANTER A CUSTÓDIA CAUTELAR. TAREFA IMPOSTA APENAS AO JUIZ OU TRIBUNAL QUE DECRETAR A PRISÃO PREVENTIVA. REAVALIAÇÃO PELOS TRIBUNAIS, QUANDO EM ATUAÇÃO COMO ÓRGÃO REVISOR. INAPLICABILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. A obrigação de revisar, a cada 90 (noventa) dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva. Com efeito, a Lei nova atribui ao "órgão emissor da decisão"– em referência expressa à decisão que decreta a prisão preventiva – o dever de reavaliá-la. 2. Encerrada a instrução criminal, e prolatada a sentença ou acórdão condenatórios, a impugnação à custódia cautelar – decorrente, a partir daí, de novo título judicial a justificá-la – continua sendo feita pelas vias ordinárias recursais, sem prejuízo do manejo da ação constitucional de habeas corpusa qualquer tempo.
3. Pretender o intérprete da Lei nova que essa obrigação – de revisar, de ofício, os fundamentos da prisão preventiva, no exíguo prazo de noventa dias, e em períodos sucessivos – seja estendida por toda a cadeia recursal, impondo aos tribunais (todos abarrotados de recursos e de habeas corpus) tarefa desarrazoada ou, quiçá, inexequível, sob pena de tornar a prisão preventiva "ilegal", data maxima venia, é o mesmo que permitir uma contracautela, de modo indiscriminado, impedindo o Poder Judiciário de zelar pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade.
4. Esse mesmo entendimento, a propósito, foi adotado pela QUINTA TURMA deste Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do AgRg no HC 569.701/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 09/06/2020, DJe 17/06/2020: "Nos termos do parágrafo único do art. 316 do CPP, a revisão, de ofício, da necessidade de manutenção da prisão cautelar, a cada 90 dias, cabe tão somente ao órgão emissor da decisão (ou seja, ao julgador que a decretou inicialmente) [...] Portanto, a norma contida no parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal não se aplica aos Tribunais de Justiça e Federais, quando em atuação como órgão revisor." 5. Na hipótese dos autos, em sessão realizada em 24 de março de 2020, o Tribunal de origem julgou as apelações (da Defesa e da Acusação) e impôs ao Réu, ora Paciente, pena mais alta, fixada em mais de 15 (quinze) anos de reclusão – o Magistrado singular havia estabelecido a pena em mais de 13 (treze) anos de reclusão.
6. No acórdão que julgou as apelações, nada foi decidido acerca da situação prisional do ora Paciente, até porque a Defesa nada requereu nesse sentido. Assim, considerando que inexiste obrigação legal imposta à Corte de origem de revisar, de ofício, a necessidade da manutenção da custódia cautelar reafirmada pelo juízo sentenciante, não há nenhuma ilegalidade a ensejar a ingerência deste Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
7. Ademais, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de origem, vê-se que o recurso especial e o recurso extraordinário interpostos pela Defesa do Paciente foram inadmitidos em 03/07/2020; em 13/07/2020 foi interposto agravo em recurso especial e eventual juízo de retratação ainda não foi realizado. Desse modo, os autos ainda não foram encaminhados a esta Corte Superior.
8. Ordem de habeas corpus denegada." (HC 589.544/SC, Relatora Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020)
No âmbito da ADI n.º 6.581, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre a constitucionalidade do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, tendo julgado parcialmente procedente a ação direta a fim de dar interpretação conforme a Constituição da República para reafirmar o entendimento de que referido dispositivo não implica a revogação automática da prisão processual, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos; que o dever de revisar aplica-se até o final do processo de conhecimento, quando há o encerramento da cognição plena pelo Tribunal de segundo grau de jurisdição, não se aplicando às prisões cautelares decorrentes de sentença condenatória de segunda instância ainda não transitada em julgado; e que referido dever incide também nos processos onde houver previsão de prerrogativa de foro.
Desse modo, observa-se que foi superada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça mencionada anteriormente, porquanto, no âmbito da referida Ação Direta, a qual tem eficácia vinculante, pacificou-se o entendimento no sentido de que o encargo de revisar a custódia incide para os Órgãos Judiciários até o final do processo de conhecimento e não somente perante o Órgão prolator da decisão de decretação da medida extrema.
Por fim, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n.º 153.528, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu não ser aplicável o art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, na hipótese de o indivíduo encontrar-se foragido, em razão da ausência de razoabilidade e proporcionalidade, porquanto, em diversas ocasiões, a fuga permanece durante vários anos, sendo que, por exemplo, se alguém continuar foragido pelo período de 15 anos, o Juízo seria obrigado a reexaminar a custódia por quase 60 (sessenta) vez. Outro fundamento para a inaplicabilidade da norma nessas ocasiões se dá pelo fato de a condição de foragido justificar a necessidade da segregação a fim de assegurar a aplicação da lei penal e a garantia da instrução criminal.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prisão preventiva é modalidade de medida cautelar extrema e de aplicabilidade subsidiária, ou seja, apenas quando as demais medidas não sejam suficientes e proporcionais às circunstâncias do caso concreto.
Em razão de se tratar de medida que atinge o direito fundamental à liberdade de locomoção, foi editada a Lei n.º 13.964/2019, a qual incluiu o parágrafo único no art. 316 do Código de Processo Penal, a fim de obrigar os Órgãos Judiciários a reavaliar a necessidade da custódia no prazo máximo de 90 (noventa) dias.
De início, entendeu-se, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que o transcurso do referido prazo sem a prolação de decisão de reavaliação acarretava a ilegalidade da custódia, impondo-se sua revogação. Contudo, posteriormente, o Plenário da Corte Suprema pacificou o entendimento no sentido de que o prazo apenas obriga o Juiz a reexaminar os pressupostos da custódia e, no caso de inércia judicial, não deve ser determinada o relaxamento automático da prisão.
No que se refere ao órgão competente para reavaliar a prisão, o Superior Tribunal de Justiça detinha pacífica jurisprudência no sentido de que a exigência seria aplicável apenas ao órgão que decretou a prisão preventiva. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de ação abstrata de constitucionalidade, sedimentou a orientação de que todos os Juízos (de primeira e segunda instâncias) devem revisar a legalidade da segregação até o final do processo de conhecimento, quando há o encerramento da cognição plena.
Por fim, o Superior Tribunal de Justiça entende que a mencionada norma é inaplicável quando o acusado se encontra foragido, em razão dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como pelo fato de que a condição de foragido justifica a necessidade da segregação para assegurar a aplicação da lei penal e a garantia da instrução criminal.
4. REFERÊNCIAS
BRASIL, Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm>. Acesso em: 13 abr. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 186.144/SP. Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 11-02-2021 PUBLIC 12-02-2021. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur440297/false>. Acesso em: 13 abr.2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. SL 1395 MC-Ref, Relator(a): LUIZ FUX (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 15/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 03-02-2021 PUBLIC 04-02-2021. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur439615/false>. Acesso em: 13 abr. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6581. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6027154>. Acesso em: 13 abr. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 589.544/SC, Relatora Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1238714976/habeas-corpus-hc-589544-sc-2020-0144047-4/inteiro-teor-1238714978>. Acesso em: 13 abr. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC n.º 153.528. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/08042022-Para-Quinta-Turma--nao-se-exige-revisao-periodica-da-prisao-preventiva-de-reu-foragido.aspx>. Acesso em: 13 abr. 2022.
NUCCI, Guilherme De Souza. Código de Processo Penal Comentado. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2020, v. único.
Servidor Público Federal, Bacharel em direito na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), pós-graduado em Direito Administrativo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIRES, Lucas Maia. A evolução jurisprudencial quanto ao dever de revisão periódica da prisão preventiva previsto no art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2022, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58264/a-evoluo-jurisprudencial-quanto-ao-dever-de-reviso-peridica-da-priso-preventiva-previsto-no-art-316-pargrafo-nico-do-cdigo-de-processo-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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