RESUMO: A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso X, consagrou o Direito à Privacidade do cidadão, nele abrangidos sua intimidade, vida privada, honra e imagem, assegurando, inclusive, indenização por qualquer dano moral ou material decorrentes de sua violação. Com o desenvolvimento da sociedade, a utilização dos dados pessoais teve um grande crescimento, tanto pelo setor público, quanto pelo privado. Entretanto, pode ser observado o aumento de fraudes e crimes virtuais, fazendo surgir a necessidade da criação de uma legislação capaz de garantir certa segurança jurídica e virtual. Deste modo, em síntese, o presente Trabalho de Conclusão de Curso buscará trazer uma análise ampla da Lei Geral de Proteção de Dados e seus impactos, tanto no ordenamento jurídico, quanto na sociedade, sob a perspectiva do Direito à Privacidade.
Palavras-chave: privacidade, LGPD, proteção de dados.
ABSTRACT: The Federal Constitution of 1988, in its article 5, item X, established the Citizen's Right to Privacy, covering their intimacy, private life, honor and image, including assuring indemnity for any moral or material damage resulting from its violation. With the development of society, the use of personal data had a great growth, both in the public and in the private sector. However, an increase in fraud and cyber crimes can be observed, giving rise to the need to create legislation capable of guaranteeing a certain amount of legal and virtual security. Thus, in summary, this Course Conclusion Paper will seek to bring a broad analysis of the General Data Protection Law and its impacts, both in the legal system and in society, from the perspective of the Right to Privacy.
Keywords: privacy, LGPD, data protection.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. PRECEDENTES HISTÓRICOS. 1.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1.2. Constituição Federal de 1988. 1.3. Legislações Pátrias. 1.4. Emenda Constitucional nº 115. 2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS. 2.1. Princípios. 2.1.1. Finalidade. 2.1.2. Adequação. 2.1.3. Necessidade. 2.1.4. Livre Acesso. 2.1.5. Qualidade dos Dados. 2.1.6. Transparência. 2.1.7. Segurança. 2.1.8. Prevenção. 2.1.9. Não Discriminação. 3. IMPACTOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS. 3.1. Responsabilidade Civil. 3.2. Das Penalidades. 3.3. Jurisprudência aplicada. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
A hiperconexão é, sem dúvida, uma das principais características do mundo moderno. Tal fato se torna evidente quando analisada a intensidade com que a sociedade, não só brasileira, mas do mundo como um todo, vem experimentado os avanços tecnológicos e a globalização. Não esquecendo de citar, é claro, o isolamento social provocado pela pandemia do COVID-19 que acelerou as transformações digitais, criando novos comportamentos, hábitos e tendências.
Segundo dados obtidos pela Ebit/Nielsen, especialista em mensuração e análise do comércio eletrônico no país, a necessidade fez com que 7,3 milhões de brasileiros fizessem pela primeira vez compras online durante o primeiro semestre de 2020, e que o faturamento do e-commerce neste mesmo período de 2021 foi de R$53,4 bilhões - crescimento de 31% (trinta e um por cento) em comparação ao ano anterior.
Em contrapartida, uma pesquisa da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) mostra que 86% (oitenta e seis por cento) dos brasileiros entrevistados sentem medo de cair em algum tipo golpe ou de que suas informações pessoais sejam violadas; já os vazamentos de dados tiveram um aumento de 493% (quatrocentos e noventa e três por cento) em 2019 no Brasil, aponta a ACM (Association for Computing Machinery).
Ora, para uma sociedade que tem a dignidade da pessoa humana como pilar estrutural e a proteção da privacidade dos indivíduos como garantia fundamental, faz-se necessária uma análise mais profunda da tutela dada a referido direito, de modo a compreender os avanços legislativos, sendo o meio eficaz de promover segurança jurídica e efetivação das liberdades individuais.
O Brasil está sob um Estado Democrático de Direito, trazendo na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso X, a consagração do Direito à Privacidade, nele abrangidos a intimidade, vida privada, honra e imagem dos cidadãos, assegurando, inclusive, indenização por qualquer dano moral ou material decorrentes de uma possível violação. Proteger tal direito fundamental ao ser humano tem sido um dos maiores desafios do presente século.
Nesse âmbito, o presente artigo busca discutir os impactos trazidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (nº 13.709/2018) ao direito constitucional à privacidade, e suas implicações aos hábitos e relações dos indivíduos, para tanto serão apresentados seus precedentes históricos, aspectos constitucionais e os instrumentos jurídicos pertinentes à sua defesa e efetivação. Assim, a abordagem aqui discutida surge da necessidade de levar a conhecimento da sociedade o tema, visto não haver cidadania sem privacidade.
1. PRECEDENTES HISTÓRICOS
Antes de adentrar ao estudo da Privacidade em seus aspectos mais práticos e atuais, é importante ressaltar que nem sempre ela se apresentou no ordenamento jurídico nacional da maneira como hoje é conhecida. Suas garantias, e até mesmo seus conceitos e perspectivas, evoluíram com a sociedade.
Para que haja uma maior compreensão dos significativos impactos promovidos pela Lei Geral de Proteção de Dados no atual sistema legal brasileiro, é imprescindível que um retrospecto seja feito acerca de seus precedentes históricos e jurídicos.
1.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos
Como já exposto, nem sempre a Privacidade se apresentou como um direito fundamental. Foi na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, em 1948, que a necessidade de se garantir legalmente o respeito pela intimidade surgiu pela primeira vez: “Artigo V. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos à sua honra, à sua reputação e à sua vida particular e familiar.”.
No mesmo ano, a ONU (Organização das Nações Unidas) proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecendo em seu bojo de garantias o artigo 12 nos seguintes termos:
“Artigo 12° Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.”.
1.2. Constituição Federal de 1988
No âmbito nacional, o primeiro momento em que o Direito à Privacidade ganhou destaque legal foi somente na Constituição Federal de 1988, ao prever em seu artigo 5º, inciso X que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.
Tal proteção é tida como constitucionalmente garantida a todos, em virtude da universalidade dos direitos fundamentais, assegurando que os indivíduos tenham o controle de suas informações pessoais, vez que a privacidade tem íntima ligação com a dignidade da pessoa humana.
“O direito à privacidade fundamenta-se diretamente na dimensão ontológica da dignidade da pessoa humana, sendo um desdobramento lógico da autonomia existencial do indivíduo que, em conjunto com a liberdade e a vida digna, forma o núcleo do livre desenvolvimento da personalidade humana. A privacidade envolve o direito à solidão, o direito de estar só, na sua paz e equilíbrio, o direito de não ser exposto, de não ter sua vida íntima e privada compartilhada, mantendo o controle das informações de sua própria vidam o direito ao segredo e ao sigilo, o direito de ter sua imagem e honra preservados, envolvendo a intimidade e o aconchego do lar e dos locais de descanso da pessoa. ” (DOS SANTOS, pág. 324).
Ao ganhar o status constitucional, a preservação da privacidade das informações pessoais estimulou a criação de instrumentos e legislações capazes de agir neste mesmo sentido, de modo a fortalecer as garantias oferecidas, sanar os vícios observados e gerar novas perspectivas jurídicas, tanto para o ordenamento, quanto para o mercado.
1.3. Legislações Pátrias
A primeira legislação pátria, após a promulgação da Constituição de 1988, a trazer regras específicas com relação a dados pessoais e sua proteção foi o Código de Defesa do Consumidor de 1990 (lei nº 8.078/90), que em seu artigo 43 trouxe a garantia de acesso do usuário às suas informações que estejam sem cadastros, fichas e registros, podendo exigir a imediata correção em caso de inexatidão; estabeleceu, ainda, que os cadastros dos consumidores “devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão” e que a abertura de qualquer destes “deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.”.
No ano de 2011 duas novas legislações surgiram como forma de ampliar o rol de instrumentos legais à disposição dos cidadãos quanto à proteção de sua privacidade. A primeira foi a Lei nº 12.414/11 que “disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito”.
Já a segunda foi a Lei nº 12.527/11, também conhecida como Lei do Acesso à Informações, que, dentre outras medidas, assegurou caber aos órgãos e entidades do poder público uma gestão transparente das informações, suja proteção com garantia de disponibilidade, autenticidade e integridade, além de guardar o sigilo daquelas que assim o exijam, respaldadas na integridade e eventual restrição de acessos.
Percorrido todo este caminho, no ano de 2014 foi aprovado o Marco Civil da Internet estabelecendo os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, tais como a proteção da privacidade e dos dados pessoais, a inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações, e a inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas.
1.4. Emenda Constitucional nº 115
Uma recente, e importante atualização legislativa que corrobora com a demonstração de importância desta temática, foi a aprovação da PEC 17/2019 que incluiu a proteção dos dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal.
Dentre as alterações trazidas, está a inclusão do inciso LXXIX no artigo 5º com a seguinte redação: “é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.”. Incluiu, ainda, o inciso XXVI ao artigo 21, e o inciso XXX ao artigo 22, ambos da CF, fixando a competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais.
Observa-se, assim, a tendência legislativa no sentido de aumentar os instrumentos normativos de proteção e fiscalização dos dados dos cidadãos.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
Após análise da evolução do Direito à Privacidade no ordenamento pátrio, incluindo as influências recebidas de legislações internacionais, surge a necessidade de abordar com minuciosa atenção os principais aspectos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e os impactos por ela trazidos ao estudo em tela.
2.1. Princípios
Tratar dos princípios é extremamente fundamental para o direito, em qualquer que seja a área, são como pilares que fundamentam toda uma estrutura jurídica. Neste sentido leciona Poletti (2009, p. 319):
“Não basta conhecer leis, nem a doutrina, os julgados e as interpretações dos tribunais. E? preciso ter a chave da lógica jurídica que se resume nos princípios gerais do direito. Deles tudo decorre. Quem os conhece, melhor penetrara? no universo jurídico e estará? apto a resolver os problemas teóricos e práticos.”
A LGPD traz um enfoque muito grande nos princípios e fundamentos que devem ser observados quando da aplicação de seus dispositivos, servindo como uma base ampla e geral de interpretação norteadora.
Seu artigo 6º apresenta um rol com tais pilares, sendo a boa-fé prevista no próprio caput, além dos seguintes: I – Finalidade; II- Adequação; III – Necessidade; IV – Livre Acesso; V – Qualidade dos Dados; VI – Transparência; VII – Segurança; VII – Prevenção; IX – Não Discriminação; e X – Responsabilização e Prestação de Contas.
Para uma melhor compreensão do tratamento que a LGPD busca dar às relações, importante que uma análise pontual de cada um dos princípios seja feita.
2.1.1. Finalidade
O Princípio da Finalidade busca realizar o tratamento dos dados para propósitos que sejam legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular. Desta forma, garante que a prerrogativa de análise e concessão dos dados é do titular, que autorizará a coleta tendo ciência da finalidade que atenderão.
Garante, ainda, que, uma vez coletados com determinado propósito, não poderá haver o desvirtuamento da finalidade inicialmente pactuada.
Portanto, desde o início do projeto, as finalidades de tratamento dos dados pessoais deverão ser claras e precisas, para que o titular faça uma avaliação consciente antes de anuir com a operação.
2.1.2. Adequação
O Princípio da Adequação vem ao encontro do Princípio da Finalidade no sentido de garantir que o tratamento dos dados seja compatível com as finalidades inicialmente informadas ao titular no momento da anuência.
2.1.3. Necessidade
O Princípio da Necessidade estabelece que devem ser coletados o mínimo possível de dados para uma determinada finalidade, ou seja, só se coletam as informações pessoais estritamente necessárias para que a finalidade buscada seja satisfeita.
Ao tratar deste princípio, Oliveira assevera que:
“Um possível exemplo de utilização que viola o princípio da necessidade seria um aplicativo de mapa, que depende apenas do sinal de localização do aparelho, solicitar acesso ao microfone, com a autorização para gravação inclusive. A não ser que haja a função de ativação por comando de voz, não há necessidade de o aplicativo do caso hipotético ter acesso ao microfone.” (OLIVEIRA, 2019, p. 19).
2.1.4. Livre Acesso
O Princípio do Livre Acesso busca a transparência, vez que o cidadão, ainda que consinta com a coleta de seus dados, continua sendo o titular dos mesmos, logo, precisa ter a garantida a possibilidade de acessá-los para acompanhar se os princípios da finalidade e adequação estão sendo seguidos e respeitados em sua plenitude.
2.1.5. Qualidade dos Dados
O Princípio da Qualidade dos Dados garante que os dados serão coletados com exatidão, clareza e sempre atualizados.
Maldonado e Blum, citados por Oliveira, alertam sobre o perigo que a desatualização ou a imprecisão podem causar ao titular:
Qualquer imprecisão, seja um dado pessoal equivocado, seja desatualizado, pode ser catastrófico ao titular, como ocasionar um erro de tratamento médico, recusa de crédito, vedação de participação em concursos públicos, eliminação em processo seletivo, ou, até mesmo, uma prisão injusta (OLIVEIRA, 2019, p. 20).
2.1.6. Transparência
O Princípio da Transparência busca assegurar que o titular do consentimento esteja inteiramente informado sobre todo o ciclo de processamento dos dados coletados, garantindo a efetividade de toda a lei, já que o próprio cidadão será o fiscal das práticas realizadas com as informações – verificando, inclusive, se as finalidades foram atendidas, as adequações obedecidas e as necessidades satisfeitas.
2.1.7. Segurança
A segurança deve ser uma das primeiras preocupações dos agentes de tratamento de dados, já que toda a ideia da LGPD ira em torno da proteção das informações dos titulares. Assim, devem ser empregados todos os meios possíveis para que os dados sejam armazenados de maneira segura de modo a evitar vazamentos, falhas ou violações.
2.1.8. Prevenção
O Princípio da Prevenção vem ao encontro, e como um complemento, ao Princípio da Segurança já que todas as medidas de proteção devem ser elaboradas e implementadas desde a concepção do projeto de coleta dos dados.
Logo, a segurança deve ser observada não apenas no ciclo e durante o tratamento, mas desde o momento em que as finalidades e dados essenciais estão sendo apresentados ao titular para que este consinta.
2.1.9. Não Discriminação
Como já dito no início do presente artigo, na atual sociedade em que vivemos os dados são extremamente úteis, possibilitando a identificação de padrões, um aumento de produtividade, uma análise de corte e diminuição de despesas, uma agilidade da divulgação de ideias, dentre outros. Mas com os benefícios, há também aqueles que buscam utilizar estas facilidades para atingir fins considerados ilícitos, abusivos ou discriminatórios.
Por isso a transparência se torna tão importante, já que a apresentação das finalidades, justificativas e forma como os dados estão sendo utilizados devem sempre estar à disposição dos titulares.
2.1.10. Responsabilização e Prestação de Contas
Mas e se algum dos princípios aqui apresentados e analisados forem desrespeitados? Surge então a possibilidade de cobrar a prestação de contas e uma possível responsabilização daqueles que descumprirem a lei e causarem danos aos titulares.
3. IMPACTOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
Superados os conceitos iniciais acerca dos fundamentos protecionistas trazidos pela LGPD ao ordenamento, e a segurança garantida aos cidadãos, surge a necessidade de abordar os impactos que ela ocasionará em outros ramos do direito e para os titulares, além das empresas e controladores.
3.1. Responsabilidade Civil
A responsabilização dos agentes é um dos pontos centrais da LGPD, buscando, ao máximo, coibir eventuais danos que os titulares possam sofrer com a exposição ou o mau tratamento de seus dados e informações pessoais
A LGPD disciplina a responsabilidade de dois agentes por ela criados em seu bojo – o controlador e o operador, quais sejam: “controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais;” e “operador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador”.
Importante ressaltar que nem todos os casos são passíveis de aplicação das normas da LGPD; há relações jurídicas, como as de consumo (CDC), em que normas específicas serão adotadas.
O artigo 42 da LGPD contém uma cláusula geral de responsabilidade, imputando a obrigação solidária de indenizar aos agentes de tratamento que, descumprindo a legislação de proteção de dados, causarem dano patrimonial ou extrapatrimonial aos titulares dos dados:
Art. 42. O controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo.
Mas a responsabilidade não decorre apenas da violação do microssistema jurídico de proteção de dados. É preciso interpretar o artigo 42 em conjunto com o artigo 44, parágrafo único, que assim estabelece: “Responde pelos danos decorrentes da violação da segurança dos dados o controlador ou o operador que, ao deixar de adotar as medidas de segurança previstas no art. 46 desta Lei, der causa ao dano.”.
Há ainda uma previsão quanto a exclusão da responsabilidade civil dos agentes de tratamento de dados quando o nexo entre a conduta e o dano for rompido, previsão expressa no artigo 43:
“Art. 43. Os agentes de tratamento só não serão responsabilizados quando provarem:
I - que não realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído;
II - que, embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído, não houve violação à legislação de proteção de dados; ou
III - que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro.”
3.2. Das Penalidades
Uma vez tratada a forma de análise da responsabilização dos agentes no tratamento dos dados, um dos mais severos impactos trazidos pela LGPD diz respeito às sanções e penalidades a serem suportadas, quando da violação dos princípios estabelecidos.
O não cumprimento das determinações pode resultar nas mais diversas sanções administrativas, podendo aqui citar advertência, multa simples, multa diária, publicização da infração, bloqueio dos dados pessoais e eliminação dos dados pessoais.
Apesar de aparentemente simples, tais sanções podem representar desfalques altíssimos para o capital das empresas ou grupos. No tocante às penalidades pecuniárias, a multa simples poderá ser calculada no montante de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica, limitada a cinquenta milhões de reais por infração; valor limite também aplicado à multa diária.
Por mais que as multas de forma direta possam representar um prejuízo financeiro para as pessoas jurídicas infratoras, todas as outras medidas sancionadoras, ainda que indiretamente, geram perdas para a mesma. No caso da publicização da infração, a imagem da empresa sofrerá certo desgaste com os seus consumidores/usuários; já o bloqueio e eliminação dos bancos dedados impede a identificação dos padrões, análises dos consumos e acesso aos dados autorizados de seus clientes, dificultando sua publicidade, produtividade e eficiência produtiva.
3.3. Jurisprudência aplicada
Por ser uma legislação relativamente recente, grande parte de seus julgados ainda são de primeira instância, mas os casos que chegam aos Tribunais já começam a explicitar como o Poder Judiciário tratará a LGPD quando de sua aplicação a casos concretos.
Um relatório elaborado pelo escritório OPICE BLUM, BRUNO E VAINZOF, após análise de 1.265 decisões judiciais sobre a LGPD em cortes superiores, tribunais de sete estados e três tribunais regionais federais no período de 01/01/2021 e 06/12/2021, trouxe importantes números e perspectivas.
A primeira, e que merece grande destaque, é o fato de que aproximadamente “70% das decisões em processos que trataram da matéria trazida pela Lei Geral de Proteção de Dados não resultaram em qualquer condenação” (OPICE BLUM, BRUNO E VAINZOF ADVOGADOS ASSOCIADOS, 2021), sendo extintas ou julgadas improcedentes.
Já em se tratando das decisões condenatórias, em “20% dos casos, as condenações somente geraram indenização pecuniária, em outros “53% dos casos, as condenações somente geraram obrigações de fazer ou não fazer” (OPICE BLUM, BRUNO E VAINZOF ADVOGADOS ASSOCIADOS, 2021).
Uma certa tendência que tem se verificado é a de maior vigilância do Judiciário na busca por não legitimar processos indevidos, visto que a ampla maioria das decisões (90%) exigiram comprovação do dano moral, indicando que não há natureza in re ipsa (OPICE BLUM, BRUNO E VAINZOF ADVOGADOS ASSOCIADOS, 2021), como pode-se notar por meio da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo que já concentra a maior parte dos processos nesta questão:
RECURSO INOMINADO RESPONSABILIDADE CIVIL ELEMENTOS – DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZAÇÃO VAZAMENTO DE DADOS AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DANOS – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LGPD) – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO.
(TJ-SP – RI 1000654-84.2021.8.26.0405 SP, Relator: JOSÉ MARIA ALVES DE AGUIAR JÚNIOR, Data do Julgamento: 04/03/2022, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 11/03/2022).
Apelação. Responsabilidade civil. Prestação de serviços. Energia elétrica. Vazamento de dados do sistema da prestadora do serviço. Ação de reparação por danos morais. Sentença de improcedência. Invasão de sistema da concessionária. Responsabilidade objetiva da empresa no tratamento de dados (art. 42 da LGPD). Falha na prestação de serviços (art. 14 do CDC). Dados que não se relacionam à intimidade e não envolve dado pessoal sensível (art. 5º, II, da LGPD). Dados básicos informados com frequência em diversas situações, muitos constantes em simples folha de cheque. Ausente utilização dos dados vazados e efetivo dano. Impossibilidade de indenizar expectativa de dano. Sentença mantida. Honorários majorados. RECURSO DESPROVIDO.
(TJ-SP – AC 1024481-61.2020.8.26.0405 SP, Relator: L.G. COSTA WAGNER, Data do Julgamento: 23/08/2021, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/08/2021).
Há, ainda, jurisprudência do mesmo Tribunal demonstrando que a comprovação do dano tem sido fundamental para uma possível condenação ao pagamento de indenização:
Apelação. Ação de indenização por danos morais. Prestação de serviço de telefonia. Direito do Consumidor. Responsabilidade civil. Sentença de improcedência. Recurso do Autor. Ré que confirmou dados do Autor à pessoa estranha não titular da linha telefônica. Conduta perpetrada pela Ré que violou seu dever de sigilo de dados. Ofensa aos ditames da Lei 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Falha na prestação de serviço verificada. Responsabilidade objetiva do prestador de serviço. Risco da atividade que não pode ser transferido ao consumidor. Situação que levou ao fim do noivado do Autor. Indenização por danos morais no importe de R$10.000,00 (dez mil reais). Sentença reformada. Litigância de má-fé afastada. Sucumbência invertida. RECURSO PROVIDO.
(TJ-SP – AC 1065936-51.2020.8.26.0002 SP, Relator: L.G. COSTA WAGNER, Data do Julgamento: 20/02/2022, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/02/2022).
Ademais, cabe aqui ressaltar que as jurisprudências apresentadas tratam de decisões proferidas pelo Judiciário no âmbito da responsabilização civil dos agentes quando da violação à LGPD. Mas podem ocorrer situações em que a punição gerada seja meramente administrativa, já que a própria legislação em comento, em seu artigo 55-A, trata da criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) que tem por finalidade “fiscalizar e aplicar sanções em caso de tratamento de dados realizado em descumprimento à legislação, mediante processo administrativo que assegure o contraditório, a ampla defesa e o direito de recurso”. Tal diferenciação se torna importante, tanto em relação a gravidade e consequências de uma violação, quanto ao procedimento a ser instaurado para responsabilização da empresa.
CONCLUSÃO
A Lei Geral de Proteção de Dados representa uma grande conquista para a população brasileira, visto que a proteção à privacidade evoluiu com a própria sociedade sofrendo grandes impactos dos avanços tecnológicos e informacionais, trazendo um novo modo de ver a privacidade e como ela afeta a construção da identidade humana. Sem tal garantia, por meio da proteção dos dados pessoais, não se pode falar em dignidade humana ou em exercício pleno de cidadania.
A LGPD estabeleceu um amparo legal para o tratamento de dados pessoais, trazendo uma série de direitos aos titulares dos dados e consequentemente obrigações às empresas que coletam e tratam esses dados. Tal legislação pode ser vista como um produto direto da necessidade de um ramo do Direito ainda recente, mas essencial para a construção do respeito à identidade e privacidade dos indivíduos.
Nota-se, também, a importância da urgente adequação das empresas, e o preparo de profissionais que ofereçam tal análise e implementação de maneira eficiente, evitando prejuízos, não só financeiros à empresa, como também de imagem.
A proteção, transparência e qualidade no tratamento dos dados pessoais, além da responsabilização daqueles que causarem dano aos titulares, são práticas de cidadania. Somente assim pode-se dizer que o país está caminhando em busca da concretização do Estado Democrático de Direito.
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86% dos brasileiros têm medo de fraudes ou violação de dados pessoais. In: CNN Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/86-dos-brasileiros-tem-medo-de-fraudes-ou-violacao-de-dados-pessoais/. Acesso em: 26/09/2021.
Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil, campus Fernandópolis/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, SAMUEL MARIANO. Direito à privacidade e os impactos da Lei Geral de Proteção de Dados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58371/direito-privacidade-e-os-impactos-da-lei-geral-de-proteo-de-dados. Acesso em: 23 dez 2024.
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