VANUZA PIRES DA COSTA[1]
(orientadora)
RESUMO: O referido estudo tem a finalidade de relatar sobre a judicialização do direito a saúde e o direito dos cidadãos brasileiros, e como esse processo de judicialização intensificou ao longo dos anos com a facilidade do acesso à justiça. O objetivo deste artigo e esclarecer sobre o conceito de saúde pública no Brasil, e como esse direito fundamental deveria ser efetivado através de políticas públicas como o SUS. Além disso, realizar apontamentos acerca das falhas da administração do sistema público de saúde e de como o jurídico atua como ferramenta de efetivação dos direitos da população, através do posicionamento jurisprudencial brasileiro. Demonstrar como a urgência em efetivar o acesso à saúde tem aumentado exponencialmente a procura do judiciário a fim de concretizar esse acesso. Foram analisados dados do sistema de atos processuais da justiça do estado, a fim de observar a alta procura por parte da população de demandas da saúde.
Palavras-chave: Judicialização. Direito. Saúde. SUS. Administração.
ABSTRACT: This study aims to report on the judicialization of the right to health and the right of Brazilian citizens, and how this judicialization process has intensified over the years with the ease of access to justice. The purpose of this article is to clarify the concept of public health in Brazil, and how this fundamental right should be implemented through public policies such as the SUS. In addition, make notes about the failures of the administration of the public health system and how the legal acts as a tool for the realization of the rights of the population, through the Brazilian jurisprudential position. Demonstrate how the urgency to effect access to health has exponentially increased the demand for the judiciary in order to achieve this access. Data from the system of procedural acts of the state justice were analyzed in order to observe the high demand by the population for health demands.
Keywords: Judicialization. Right. Health. SUS. Administration.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1.SAÚDE PÚBLICA. 2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, O DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE E SUA CONCRETIZAÇÃO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. 2.1 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). 3. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL BRASILEIRO. 4. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
O fenômeno da judicialização da Saúde é um assunto bem discutido no Brasil, com mais atenção nas últimas décadas, principalmente na crescente demanda por medicamentos e tratamentos médicos específicos. A relação entre direito e saúde pública apresenta inúmeros desafios para o futuro do nosso sistema público de saúde, não só no estado do Tocantins, como também em todo território nacional, principalmente com o surgimento de uma pandemia mundial (Covid-19).
As demandas judiciais que buscam o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, se baseiam na garantia do direito à saúde e principalmente no direito à vida conforme estabelecido em nossa Constituição Federal, bem como, fundamentadas em inúmeras leis, como na Lei nº 8.080/1990, que estabelece no Capítulo I, artigo 6º, a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde.
Esse tema reúne muitos argumentos divergentes sobre essa questão da judicialização do direito à saúde. De um lado, alguns especialistas/ estudiosos defendem que a judicialização é uma maneira legal dos cidadãos mais carentes terem acesso a medicamentos e outros bens de saúde, que fazem parte do rol de serviços já disponíveis no SUS. Por outro lado, outros alegam que a judicialização acaba criando uma porta de entrada ao SUS, favorecendo indivíduos com maior poder econômico, ao pressionar pela incorporação de medicamentos ainda não disponíveis no sistema público de saúde.
Diante do contexto exposto, o objetivo deste artigo é compreender o papel do sistema judiciário na efetivação do acesso ao direito à saúde dos cidadãos brasileiros e analisar como as demandas judiciais por medicamentos e tratamentos médicos movidas, podem intervir no funcionamento das políticas públicas de saúde.
Justifica-se a pertinência da pesquisa em explanar a temática que é tão atual no contexto social e mostrar como as garantias constitucionais servem como meio de amparo para as dificuldades enfrentadas pela sociedade.
A pesquisa se materializa de forma bibliográfica e descritiva, utilizando-se da legislação atual vigente, doutrinas, artigos científicos e teses. Os estudos sobre o tema abordado, possui a intenção de analisar o papel do judiciário em materializar o direito constitucional à saúde e quais as formas que este utiliza para concretizar este acesso por parte da sociedade. Dessa maneira, é importante questionar se essas leis advindas da Constituição federal de 1988 representam garantias eficazes às necessidades enfrentadas por grande parte da população, diante do contexto exposto na pesquisa.
Antes de falar sobe a saúde pública no Brasil precisa-se compreender sobre do que se trata o termo saúde pública. Atualmente é considerado “todo o conjunto de medidas executadas pelo Estado para garantir o bem-estar físico, mental e social da população”, de acordo com o Conselho Nacional de Saúde – Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.
No Estado brasileiro, a saúde pública é prevista na Constituição Federal como um dos deveres do Estado, conforme o artigo 196 da mesma, sendo também um direito social, como disposto no artigo 6º, em outras palavras, é um direito que deve ser garantido de maneira homogênea a todos, com o objetivo de assegurar o exercício dos direitos basilares da nossa Lei Maior.
Dispõe o artigo 6º da Constituição Federal: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Em seus estudos María Pamela Tenreyro (2012. p. 46-47) explica que, na perspectiva do Estado de Direito, as pessoas em suas individualidades convertem-se em cidadãos, e como consequência gera o compromisso e o dever de reconhecimento e garantia de direitos, bem como a corporificação de ferramentas garantidoras deste.
O tema judicialização da saúde pública vem crescendo exponencialmente nos últimos anos no Brasil, diante das dificuldades enfrentadas por parte da população em relação ao acesso a medicações e tratamentos de patologias recorrentes, como a mais recente, a Covid-19, e diante da falha da administração pública em disponibilizar o acesso a saúde a todos, de maneira uniforme, a maneira mais recorrente e efetiva encontrada pela parcela da população mais necessitada, é o judiciário.
Diante da temática, assim pensa o Ministro Celso de Mello (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO):
Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao supremo tribunal federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da ‘reserva do possível’. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo existencial’. Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração).
Nesse sentido, a tutela administrativa pode funcionar como uma proposição para superar o protagonismo judicial, na questão de fornecer medicamentos e também em outros tratamentos necessários, vez que reforça na Administração, responsável pela concretização de políticas públicas, a responsabilidade pela proteção dos direitos fundamentais, principalmente o discutido aqui, que é o direito à saúde e resolução de conflitos deles decorrentes, combatendo de maneira organizada, as situações problemáticas causadas pela atuação judicial, contribuindo dessa maneira para a minimização da judicialização e melhorando a qualidade dos serviços públicos prestados à comunidade.
2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, O DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE E SUA CONCRETIZAÇÃO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.
Antes de mais nada, é imprescindível apontar sobre o surgimento do direito fundamental à saúde com a Constituição Federal de 1988, e como esse direito foi ou deveria ser concretizado pelo Sistema único de Saúde (SUS).
Mas o que é a saúde como direito social?
A carta Magna de 1988, é resultado de um longo processo de lutas enfrentadas pelo povo brasileiro em busca da democracia, e esta é um conjunto quase perfeito de normas fundamentadas na proteção dos direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana. E essa nova modelagem de norma contribuiu efetivamente para a concretização do direito fundamental à saúde, tendo em vista que traz ordem constitucional que assegura o direito à vida e à integridade física, como exemplo.
Dessa forma, o modelo centralizado do sistema de saúde vigente antes da Constituição Federal de 1988, apresentava poucas previsões das constituições sanitárias, que apenas expressavam preocupações organizacionais em estabelecer poderes legislativos e executivos para a matéria em comento, que antes levavam a um quadro claramente oposto de proteção, e que agora contém o direito fundamental à saúde em sentido amplo, em especial nos artigos já mencionados anteriormente, sendo os artigos 6º e 196 da CF.
Portanto, pode -se afirmar que a Constituição vigente foi a primeira a tratar sobre saúde de maneira mais séria e profunda, e relacionar sua proteção com as principais declarações de direitos humanos. Advindo disso, é notório a existência de inúmeros artigos que mencionam expressamente esse direito, fazendo com que através destes artigos dispostos na CF, houvesse uma reforma no sistema de saúde brasileiro.
Neste sentido, os artigos 198º e 200º da Lei Maior, elencam expressamente a estrutura do Sistema Único de Saúde, definindo este sistema de maneira em que prioriza a descentralização, atendimento integralizado com ênfase nas atividades preventivas e inclusão da sociedade por meio de financiamento de recursos da seguridade social e outras diversas fontes.
Conforme dispõe o texto do artigo 198, caput, incisos I, II e III da Constituição Federal:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - Descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Parágrafo único renumerado para § 1º pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000). (BRASIL, 1988)
2.1 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
O sistema Único de Saúde (SUS), foi criado pela Constituição Brasileira de 1988, como visto anteriormente. A Constituição estabelece a obrigação do Estado de garantir a saúde de toda a população brasileira. Ela remota às décadas de 1970 e 1980, quando diversos grupos se envolveram no movimento sanitário, com o objetivo de pensar um sistema estatal que resolvesse os problemas de atendimento da população protegendo o direito universal à saúde.
Em 1990, o Congresso Nacional sancionou a Lei Orgânica da Saúde, que descrevia o correto funcionamento do sistema e estabelecia as normas que permanecem até os dias de hoje. Desde então, a população brasileira tem direito a seguro saúde universal e assistência médica gratuita.
LEI Nº 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990.
Vide Lei nº 8.689, de 1993
Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências.
Mas na prática não é bem assim que acontece. Apesar de ser um direito do cidadão brasileiro, o sistema apresenta diversas dificuldades de execução do direito à saúde, por diversos motivos, mas o mais evidente e a falta de administração pública dos órgãos de saúde, que por apresentar essa falha a única maneira que resta para se efetivar esse direito é por meio de ingresso de ações judiciais.
E diante disso que surgem muitos argumentos divergentes sobre essa questão da judicialização do direito à saúde. De um lado, podemos dizer que a judicialização é uma maneira legal dos cidadãos mais carentes terem acesso a medicamentos e outros bens de saúde, como tratamentos, leitos e até mesmo insumos para garantir a vida com dignidade, que fazem parte do rol de serviços já disponíveis no SUS.
Por outro lado, podemos dizer que a judicialização acaba criando uma porta de entrada ao SUS, favorecendo as vezes indivíduos com maior poder econômico, ao pressionar pela incorporação de medicamentos ainda não disponíveis no sistema público de saúde.
Partindo deste quesito econômico, é importante mencionar que, desde setembro de 2000, quando foi sancionada a Emenda Constitucional 29 (EC-29), a gestão do SUS é tripartite, com recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Os gerentes são responsáveis pela gestão de recursos, implementação e qualidade.
Pode-se dizer que o SUS vem enfrentando um problema duplo, entre o que está na legislação e o que está sendo executado. A falta de credibilidade por parte dos cidadãos brasileiros em um sistema de saúde para todos faz com que milhões de pessoas busquem serviços de saúde privados, operadores de planos de saúde ou seguradoras e, por isso, pagam valores desarrazoados, prejudicando principalmente a população idosa que, devido ao aumento da esperança de vida e doenças que a terceira idade enfrenta, é a classe que mais precisa.
No entanto, o sistema de saúde complementar é importante em um país com acentuadas desigualdades sociais, como o Brasil, onde há grande concentração de renda, o que obriga a utilização do sistema privado por aqueles que podem, que estabeleceram maiores alianças com o SUS., complementares às ações, devido à insuficiente disponibilidade e oferta de determinados serviços públicos. O envolvimento do setor privado no SUS será mais evidente na assistência hospitalar e na prestação de serviços especializados caros e tecnologicamente sofisticados que os sistemas públicos não podem fornecer devido ao investimento insuficiente (VASCONCELOS E PASCHE, 2006).
A complexidade do Sistema de Saúde, os desafios regionais, a fragmentação política de programas de saúde, a qualificação da gestão e do controle social e a organização das redes regionais hierarquizadas de condutas e serviços de saúde são desafios persistentes na integração do SUS.
Existem dificuldades dos gestores em facilitar a integração entre estados, municípios e redes assistenciais estaduais com serviços em nível nacional, o que tem levado a problemas de acesso aos serviços e compromisso com a universalidade e integralidade (Vasconcelos, 2005).
Nesse sentido, o aprimoramento da gestão se reflete consequentemente em um melhor aporte financeiro do setor, com repasse justo de recursos, melhor aproveitamento e execução desse investimento, maiores salários para os profissionais de saúde, sem dúvidas são possíveis soluções para um dos sistemas de saúde mais promissores do mundo.
3.POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL BRASILEIRO
Nesse sentido, também se faz necessário analisar a judicialização da saúde sob a ótica dos atos jurídicos assinados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com repercussão geral, sistematizando-os por meio de assuntos isolados, uma vez que a mesma decisão (sentença) pode contém mais de uma tese que merece destaque em uma revisão específica.
De acordo com Lenir santos (2021), uma das principais teses a ser comentada é a de que “Há responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde, (Decisão na STA nº 175, de 2009, reitera da no julgamento do RE 855178.)”.
Essa decisão é clara quanto ao direcionamento das demandas da saúde, visto que o ente federativo estado, por exemplo, usar o argumento de que o município é quem possui responsabilidade para fornecer o procedimento cirúrgico e tratamento necessário aos requerentes, demonstra mais uma vez que o estado busca de todas as formas se esquivar da obrigação para com a saúde de seus administrados.
Insta destacar que quando a responsabilidade é direcionada ao município este na pessoa dos seus procuradores afirma que é responsabilidade do estado e vice e versa, dessa forma resta clarividente que os pacientes ficam desamparados, pois os entes ficam se esquivando e redirecionando a responsabilidade uma para o outro enquanto isso a saúde da população se desgasta, tornando mais difícil o acesso a saúde consequentemente aos tratamentos e medicamentos necessários.
A Constituição federal é clara quando afirma que a competência para prestar saúde à população é comum a todos os entes da federação, conforme verifica seu artigo 23. Vejamos:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
II - Cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
As diversas ações judiciais para o fornecimento de medicamentos estão baseadas na garantia do direito à saúde e à vida, conforme estabelecido na Constituição Federal, bem como fundamentadas na Lei nº 8.080/1990, que estabelece, no Capítulo I, artigo 6º, a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, no campo de atuação do Sistema de Saúde Pública.
Nesse sentido também é o que versa jurisprudência, vejamos:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO CULPOSA CONFIGURADA. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS DEMONSTRADOS. PATAMAR INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. 1 - A responsabilidade civil estatal, no caso de omissão da Administração, é subjetiva, demandando a comprovação da culpa. 2 - No caso dos autos, houve negligência por parte da Administração Pública Distrital, decorrente da má-administração do Hospital Regional de Santa Maria, pois que, embora se estivesse ciente dos riscos de sequelas decorrentes do retardamento da submissão da paciente ao tratamento definitivo necessário - amplamente reportados no respectivo prontuário -, omitiu-se, durante os quase oitenta dias de internação, em providenciar vaga em procedimento cirúrgico em tempo e modos devidos, isto é, antes da ultimação da calcificação deformada do joelho direito da paciente. 3 - Na espécie, a parte sofreu significativo abalo de ordem extrapatrimonial, em flagrante afronta aos seus direitos da personalidade - não confundível com mero aborrecimento -, ao ser submetida, com uma de suas pernas imobilizada e em desprezo à sua condição de pessoa idosa, a uma espera deveras alargada - que contou com 72 dias de internação - por uma cirurgia - há mais de dois meses prescrita - que jamais viria a ser fornecida em razão da negligência omissiva estatal, num processo que lhe fez desenvolver transtorno psicótico adaptativo, bem como lhe acarretou a consolidação da fratura com desvio (sequela). 4 - No caso, todos os elementos da responsabilidade civil subjetiva do ente estatal encontram-se preenchidos, haja vista que, em decorrência de (nexo de causalidade) uma omissão estatal (conduta negativa) qualificada pela culpa negligente (elemento subjetivo), a parte sofreu danos de ordem extrapatrimonial (prejuízo). Por tal razão, sobressai imperioso o dever de o Distrito Federal indenizar a parte pelos danos que sofrera. 5 - O valor arbitrado a título de dano moral não deve ser minorado nem majorado quando for fixado mediante prudente arbítrio do Juiz, de acordo com as máximas da razoabilidade e da proporcionalidade, observadas a finalidade compensatória, a extensão do dano e a capacidade econômica das partes. No caso em tela, o valor de indenização por dano moral está em sintonia com o que foi arbitrado em casos análogos por este Tribunal, o que apenas reforça a manutenção da sentença. Apelações Cíveis desprovidas. (TJ-DF 07084970920188070018 DF 0708497-09.2018.8.07.0018, Relator: ANGELO PASSARELI, Data de Julgamento: 09/10/2019, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 24/10/2019 .
APELAÇÃO CÍVEL. JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE. ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. RITUXIMAB. MEDICAMENTO PADRONIZADO. FÁRMACO INDISPENSÁVEL PARA O QUADRO DE SAÚDE. DEVER DE FORNECIMENTO. CONFIGURAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE OFÍCIO. 1. O direito à saúde insere-se no rol dos direitos sociais - direitos fundamentais de segunda geração - apresentando uma dupla vertente: de um lado, consubstanciam-se em mandamentos de natureza negativa, impondo à coletividade o dever de abstenção de atos que frustrem sua efetivação; por outro, apresentam-se como exortação a um Estado prestacionista para fomentar a implementação de prestações positivas. 2. Se há comprovação da necessidade e imprescindibilidade do medicamento já disponibilizado no âmbito do SUS e registrado pela ANVISA, e o ente não produz qualquer prova séria quanto à impossibilidade de fornecimento, impõe-se analisar a questão sob a vertente positiva do direito à saúde. (TJ-MG - AC: 10400180038764001 MG, Relator: Bitencourt Marcondes, Data de Julgamento: 23/01/2020, Data de Publicação: 30/01/2020)
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE. MENOR. ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA. INSUMO ALIMENTAR. FÓRMULA INFANTIL EXTENSAMENTE HIDROLISADA. PADRONIZAÇÃO PELA PORTARIA Nº 67/2018, DA SECRETARIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INSUMOS ESTRATÉGICOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. NECESSIDADE COMPROVADA. DEVER DE FORNECIMENTO. CONFIGURAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A saúde é direito fundamental que se concretiza por meio de prestações estatais que assegurem o acesso de todos à assistência farmacêutica, médica e hospitalar, bem como às políticas públicas voltadas para esse fim. 2. A eficácia desse serviço público, notadamente de assistência farmacêutica, depende da seleção e distribuição à população, para atingir o maior número possível de pessoas. Para esse desiderato, o estabelecimento de diretrizes e critérios de aquisição de medicamentos, norteados pelos princípios da seletividade e distributividade, requer padronização, muitas vezes incompatível com a especificidade do caso. 3. Se há comprovação da necessidade e imprescindibilidade do insumo pleiteado pelo infante, que se encontra inclusive contemplado pela política pública de saúde (Portaria nº 67/2018, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde) e o Poder Público não ter apresentado alternativas terapêuticas para o tratamento da moléstia, impõe-se analisar a questão sob a vertente positiva do direito à saúde. (TJ-MG - AC: 10145190037005001 Juiz de Fora, Relator: Bitencourt Marcondes, Data de Julgamento: 10/06/2021, Câmaras Cíveis / 19ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/06/2021)
O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito à saúde, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão, imputável ao Poder Público, ainda mais se tiver presente que a Carta de outubro de 1988 tratou, nessa matéria, um nítido programa a ser necessariamente implementado mediante adoção de políticas públicas consequentes e responsáveis, a fim de efetivar o direito do cidadão brasileiro.
Não obstante, é importante salientar que essas soluções individuais buscadas, com o intuito de ter o direito a saúde garantido, por demandar o uso de medicamentos e tratamentos de maneira desorganizada, mesmo que seja no âmbito judicial, poderiam causar um desequilíbrio no orçamento no Estado, comprometendo a assistência dos demais necessitados.
Nesse sentido, são preciosas as lições de Gustavo Amaral (2010. p. 17).
As decisões judiciais tomadas no âmbito da micro justiça podem potencialmente comprometer o orçamento na medida em que, ao exceder os limites estruturais do sistema jurídico, passam, na prática, a alocar recursos, determinando de que maneira eles devem ser gastos.
4.JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL
O Brasil tem um dos sistemas públicos de saúde mais avançados do mundo, porém, a alta demanda, a falta de recursos e à má administração pública dificulta seu acesso por parte da grande maioria da população brasileira. Diante disso, essas pessoas recorrem à justiça para que consigam assim ter acesso à saúde, tendo em vista que este é um direito previsto na Constituição Federal de 88. Porém, o sistema judiciário é lento, tendo em vista seus trâmites e etapas que devem ser seguidas para o bom andamento processual, o que acaba indo de encontro com a vida, observando que esta não espera.
É notório que a sociedade brasileira enfrenta muitos problemas, e o acesso à saúde é sem dúvidas um dos maiores deles. A adequação da administração para a melhor execução das políticas públicas de Saúde é uma notória e exponencial maneira de solução, porém, isso não é tão simples de se concretizar. Contudo, é o caminho mais fácil de se chegar lá, tendo em vista que o entendimento jurisprudencial já vem se solidificando nesse sentido.
Por oportuno transcrever o seguinte julgado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE. MENOR. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. TUTELA DE URGÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. NECESSIDADE DO TRATAMENTO PLEITEADO. PLAUSIBILIDADE. PERIGO DE DANO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A competência absoluta para conhecer e julgar as demandas que envolvem a tutela do direito à saúde de menor, na forma do art. 148, IV, c/c art. 208, I, e 209, todos do ECA, é da justiça da infância e juventude, não havendo que se falar em tramitação perante o Juizado Especial da Fazenda Pública. 2. A saúde é direito fundamental, de cunho social, que se concretiza por meio de prestações estatais que assegurem o acesso de todos à assistência farmacêutica, médica e hospitalar, bem como às políticas públicas voltadas para esse fim. 3. Considerando que, no caso em apreço, a necessidade e urgência do tratamento foram atestadas pelo médico que acompanha o agravado, aliado à ausência de demonstração de que o custeio do tratamento prescrito comprometeria as finanças públicas e, ainda, que existem alternativas terapêuticas eficazes, impõe-se analisar a questão sob a vertente positiva do direito à saúde, sendo caso de confirmar a tutela deferida pelo juízo a quo. (TJ-MG - AI: 10145180003421001 MG, Relator: Bitencourt Marcondes, Data de Julgamento: 06/11/2018, Data de Publicação: 14/11/2018)
Considerando-se a autoaplicabilidade dos regramentos projetivos ditados pela Constituição Federal, o comando advindo de expressas e claras disposições de normas infraconstitucionais, conclui-se que falhando o Poder Público na prestação dos serviços assistenciais que lhe compete, haverá de se garantir a efetivação daquele direito mediante o instrumento jurídico alçado do Poder Judiciário.
Ao observar o sistema de saúde público do país, pode se notar que o que falta não são verbas, mas sim uma administração efetiva, para que assim coordene a distribuição de recursos para os seus devidos fins, que é atender a população. Como isso não ocorre, recorrer à judicialização é a priori o caminho mais certo de se percorrer, com ânsia de ter seu direito efetivado, buscando a implementação de políticas públicas de saúde mais efetivas para que assim tenha êxito em alcançar o pleito requerido e necessário.
Desta forma, o presente artigo visou relacionar os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito com as Políticas Públicas de Inclusão Social e Saúde destinada à população que carece do sistema público de saúde, e por isso recorre ao judiciário, por isso se fez tão importante a interpretação do conjunto legal de leis que abrange o sistema judiciário e o direito à saúde e sua real aplicabilidade na sociedade.
Diante do apresentado, pode-se entender como surgiu e qual a finalidade do Sistema público de Saúde (SUS), como esse foi implementado e as dificuldades que enfrenta para sua execução. Além disso, observamos que a jurisprudência vem se solidificando no sentido de amenizar o sofrimento causado pela falta de acesso a saúde, que muitas vezes e dificultado pela falta de políticas públicas de saúde de fato eficazes.
Portanto, o aumento da visibilidade do tema em específico, gera assim, uma noção mais ampla quanto a essa problemática e uma reflexão acerca da necessidade de adoção de medidas mais eficazes no sentido de garantir o direito a todos, para um desfecho mais rápido e eficaz, levando assim a um tratamento adequado que ajudará a incluir a justiça de forma mais acessível e branda a sociedade brasileira.
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VASCONCELOS, C. M.; PASCHE, D. F. O Sistema Único de Saúde. In: CAMPOS, G. W. S. et al. (Org.). Tratado de saúde coletiva São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. p. 531-562.
Bacharelanda do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – Unirg.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Estela Ferreira de. A judicialização do direito a saúde e o direito dos cidadãos brasileiros. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58381/a-judicializao-do-direito-a-sade-e-o-direito-dos-cidados-brasileiros. Acesso em: 23 dez 2024.
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