FABRÍCIO DE FARIAS CARVALHO[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo apresenta um debate teórico e uma reflexão crítica acerca da relativização da admissibilidade da prova ilícita no processo civil brasileiro. Através de pesquisa bibliográfica, por abordagem dedutiva, é percebido que o instituto da prova ilícita, presente no ordenamento jurídico pátrio, poderá ser reconsiderado e reposicionado se tomada a perspectiva do princípio da proporcionalidade. Desse modo, não é definida como absoluta a ideia inferida à categoria da prova ilícita e a teoria dos frutos da árvore envenenada. O desfazimento do rigor atribuído à não aceitação das provas ilícitas no processo civil, confere ao juiz o encargo de arrazoar, em cada caso concreto, os princípios e direitos fundamentais ora conflitantes e os meios utilizados para obtenção das provas na conjuntura específica de cada situação, firmando assim a aceitação ou não da prova ilícita retratada.
Palavras-chave: Princípios Fundamentais, Proporcionalidade, Prova Ilícita, Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Questão Histórica das Provas no Ordenamento Jurídico. 2.1 Conceituação Doutrinária Acerca das Provas no Direito Brasileiro. 2.2 Tipologias de Prova na Teoria Geral das Provas. 3 Meios e Espécies de Provas no Direito Processual Civil Brasileiro. 3.1 Provas Ilícitas. 3.2 Provas Típicas e Atípicas. 3.3 Provas Ilegítimas. 4 Processo Civil Brasileiro e a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. 4.1 Progresso Histórico da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. 4.2 Adequação das Provas Ilícitas ao Processo Civil Brasileiro. 5 Conclusão. Referências.
É de extrema necessidade a validação dos argumentos apresentados pelas partes que compõe um processo, para que seja assim consagrada sua vitória frente a ao objetivo pretendido. Dessa forma, abriu-se caminho para a produção e apuração de provas dos acontecimentos e circunstâncias. Em senso comum, provar nada mais é que demonstrar a veracidade de alguma informação, fornecer os meios que afirmem sua alegação. Como prova é considerado o elemento material dirigido ao juiz para deslindar o que foi exposto pelas partes.
No primeiro capítulo do presente artigo será abordada a questão histórica das provas no ordenamento jurídico, com um enfoque sobre o que diz a doutrina sobre o assunto e a tipologia das provas dada pela Teoria Geral das Provas. Como forma de inserção nesse meio, há por exemplo, a compreensão que como provas ilícitas, entende-se aquelas em que a forma de aquisição viola as normas de direito tanto material como constitucional.
Outrossim, o segundo capítulo trata dos meios e espécies de provas no Direito Processual Civil Brasileiro, demonstrando o que são as provas ilícitas, típicas, atípicas e as provas ilegítimas. O interesse coletivo acerca do tema da aceitação ou não das provas ilícitas em meio a um processo civil surge, principalmente, pela polêmica criada a respeito do assunto. Trata de um dos problemas mais discutidos na atualidade devido ao alto teor de relevância dos elementos envolvidos. Por um lado, é quase que inaceitável, do ponto de vista moral e eticamente aceito, a possibilidade de que alguém tire proveito de uma situação antijurídica para a produção de provas contra outrem. Porém, caso outro ponto de vista seja considerado, para que seja assegurado ao processo um julgamento justo e correto, nada que corrobore para o descobrimento da verdade deverá ser desconsiderado. Logo, é notória a dificuldade de encontrar um ponto comum que atenda às necessidades das duas exigências requeridas.
Surge aí um inegável problema social demonstrado por um conflito de interesses, a necessidade de resguardar o direito de acesso a tutela jurisdicional justa de uma das partes, direito que somente será assegurado por meio da explanação de provas que comprovem de fato o que foi apresentado, e evitar que a salvaguarda do direito citado anteriormente viole garantias, liberdades e direitos a que a parte contrária tem faculdade.
Diante disso, o terceiro capítulo discorre acerca do processo civil e a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, ressaltando o progresso histórico de tal teoria e a adequação atual das provas ilícitas ao processo civil brasileiro. A fruits of the poisonous tree teve doutrina criada e firmada pele Suprema Corte norte-americana no ano de 1920, quando foi adotado o posicionamento de que quando há a permissão de que evidências que tenham sido derivadas de fatos ilegais sejam utilizadas, existe um estímulo a que a polícia descumpra a 4ª Emenda da Constituição norte-americana, a qual faz referência à proteção do cidadão contra buscas e apreensões cometidas de forma arbitrária.
Trazendo o tema para um enfoque nacional, a jurisprudência brasileira ainda não apresenta uma posição pacífica sobre a admissibilidade das provas ilícitas, sendo por derivação ou não, no processo civil. Anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988, não era encontrada no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma referência a uma proibição quanto ao aproveitamento das provas obtidas por meio ilícito.
O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou anteriormente entendimento a respeito da incomunicabilidade da ilicitude das provas, logo, o vício identificado em uma prova tida como ilícita não contaminaria as outras dela decorrentes, que seriam assim, consideradas válidas. Entretanto, houve um entendimento posterior que acabou por alterar a situação da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, assim, o STF dispôs que as provas obtidas por meios ilícitos e aquelas que fossem derivadas da mesma fontes ilícitas deveriam ser consideradas como inaceitáveis ao devido processo legal, por terem sido contaminadas pela prova que lhes originaram.
O presente estudo tratará da extensão que o efeito da ilicitude das provas poderá ou não receber, com uma análise comparativa dos casos de admissibilidade ou não da prova ilícita no processo civil além de uma breve revisão bibliográfica acerca do assunto, se há a possibilidade de que estas afetem o processo como um todo. Mesmo não existindo consenso a respeito da vedação ou aceitação das provas ilícitas dentro do processo no direito norte-americano, este foi precursor quanto ao termo fruits of the poisonous tree, tomando como tradução para a língua portuguesa, a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. Além disso, também é indispensável a discussão acerca da ponderação que pode haver nesses casos de conflito, utilizando-se do princípio da proporcionalidade para a obtenção do devido processo legal, obtendo uma sentença de mérito de maneira justa e digna.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, com a utilização do método dedutivo, pois há considerações doutrinárias e legais com foco nos institutos a que interessam ao assunto e no esclarecimento de demandas pertinentes que contribuam para o entendimento do conhecimento em foco.
2 A QUESTÃO HISTÓRICA DAS PROVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Na antiguidade, por não existir qualquer tipo de legislação escrita à disposição, o Direito se perpetuava pela forma verbal, pela tradição. Era papel dos sacerdotes rememorar o que seriam apontadas como as primeiras decisões judiciais. Desse modo, a aplicação continuada de tais decisões acabou por instaurar costumes, que posteriormente seriam transformados em leis e sucessivamente em códigos.
No que tange à evolução do direito positivado, Paulo Dourado Gusmão, (1999, p. 285-286) leciona:
O direito, nos primeiros tempos, manteve-se vigente graças à memória dos sacerdotes, que foram os primeiros juízes, e que guardavam em segredo as regras jurídicas. Depois, vigorou nas decisões do conselho dos mais velhos. Transmitiu-se oralmente a princípio. Era então tradição sagrada. Cada caso rememorava e devia ser decidido fielmente como o antecedente. Nesse tempo, inexistiam códigos ou leis. Segredo era o conhecimento do direito, guardado com muito zelo pelos sacerdotes ou pelos mais velhos, que assim, mantinham as suas posições sociais e privilégios. Com o tempo, o direito tornou-se conjunto de decisões judiciais, casuístico, mantido ainda em segredo. Muito depois, tais decisões, sendo ininterruptamente repetidas, tornaram-se costumeiras. Surge assim da sentença o costume jurídico. Mas em algumas comunidades a indiscrição de uma escriba revela o segredo guardado pelos juízes (sacerdotes), tornando-o público, como ocorreu em Roma com o Lus Flavianun, direito dos Pontífices revelando em 304 a.C. pelo escriba Gneo Flavio. Então, das sentenças surgiu a lei, ou melhor, o código. Finalmente em outras comunidades, reis-legisladores-sacerdotes reduziram a escrito as principais sentenças imemoriais como fizeram Hamurabi e os reis sumerianos anteriores.
Mesmo que de maneira remota e não positivada, as provas sempre estiveram presentes na realidade jurídica do mundo, uma vez que a busca pela justiça era incessante e inesgotável. Tal afirmação é validada pelo que demonstra Theodoro Júnior (2008, p.14):
Após a queda do império Romano, houve, além da dominação militar e política dos povos germânicos, a imposição de seus costumes e de seu direito. Aconteceu, porém, que os germânicos, também chamados de bárbaros, possuíam noções jurídicas muito rudimentares e, com isso, o direito processual europeu sofreu enorme retrocesso na marcha ascensional encetada pela cultura romana. A princípio, nem mesmo uniformidade de critérios existia, pois, entre os dominadores, cada grupo étnico se regia por um rudimento próprio e primitivo de justiça, segundo seus costumes bárbaros. Numa segunda etapa, houve enorme exarcebação do fanatismo religioso, levando os juízes a adotar absurdas práticas na administração da Justiça, como os “juízes de Deus”, os ‘duelos judiciais’, e as ‘ordálias’. Acreditava-se, então, que a divindade participava dos julgamentos e revelava sua vontade por meio do método cabalístico.
Desse modo, é nítido observar que o instituto das provas estava intimamente interligado à religião. Segundo João Batista Lopes (2002, p.13) havia “uma certa invocação para que a divindade guiasse e protegesse a busca pela verdade”. Como anteriormente citado, são exemplos de modos de obtenção da autenticidade genuína as ordálias, os juramentos e os duelos. Ainda em consonância ao apresentado, dispõe João Batista Lopes (2002, p.19):
As ordálias, também denominadas julgamentos ou juízos de Deus, foram utilizadas pelos germanos antigos e tinham por finalidade a descoberta de verdade mediante o emprego de expedientes cruéis e até mortais, como a ‘prova de fogo’, a ‘prova das bebidas amargas’, a ‘prova das serpentes’, a ‘prova da água fria’.
Lopes (2002, p. 20) descreve ainda o modo como ocorriam as provas, demonstrando a baixa probabilidade de absolvição dos casos, já que a forma de revelar e justificar os fatos em nada se relacionava com o real intuito:
Na ‘prova de fogo’ o acusado era obrigado a tocar com a língua um ferro quente ou carregar uma barra de ferro em brasa ou, ainda, caminhar descalço sobre ferros quentes. A ‘prova das bebidas amargas’ consistia em obrigar a mulher acusada de adultério a ingerir bebidas fortes e amargas: se mantivesse a naturalidade, seria considerada inocente; mas culpada, se contraísse o rosto e apresentasse os olhos inchados de sangue. Na ‘prova das serpentes’, o acusado era lançado no meio delas e considerado culpado se fosse mordido pelos répteis. Já na ‘prova da água fria’ atirava-se o acusado num reservatório de água: se afundasse, seria considerado culpado; se flutuasse, como inocente.
Assim, como preceitua Santos (s.d. apud PAULA, 2003, p. 26):
Deve-se notar que, por tradição dos povos antigos e sua vinculação e influência da religião, erigiram-se como meios de Provas as ordálias e o juramento. Justifica-se a admissão desses meios de provas ao fato de a religião explicar o que a razão humana não explicava, pois o homem era impotente para descobrir a verdade por meio do raciocínio. Daí os Juízos de Deus. Assim, acreditava-se que Deus não abandonaria o inocente e ninguém se atreveria a tomar Deus como testemunho de uma falsidade.
Por meio desse modo de concepção ocorriam os julgamentos, de maneira intrinsecamente atrelada ao fanatismo religioso. Ainda no tocante a isso, Theodoro Júnior aduz (2008, p.14):
O processo era extremamente rígido (formal), e os meios de Prova eram restritos às hipóteses legais, nenhuma liberdade cabendo ao Juiz, que tão somente verificava a existência da Prova. O valor de cada Prova e a sua consequência para o pleito já vinham expressamente determinados pelo direito positivo. A Prova, portanto, deixara de ser o meio de convencer o Juiz da realidade dos fatos para transformar-se num meio rígido de fixação da própria sentença. O juiz apenas reconhecia sua existência. [...] Esse sistema processual perdurou por vários séculos, até fase bem adiantada da Idade Média.
Com o decorrer dos séculos e a evolução da história, a questão das provas também galgou novos patamares. A mudança mais significativa ocorreu com o advento da Revolução Francesa, com a qual adveio a adoção dos atuais princípios processuais como o do livre convencimento do juiz para julgar as lides a ele dedicadas. Dessa maneira, foram pouco a pouco extinguidos os resquícios da tarifa legal das provas, inicialmente utilizadas no processo penal e logo após no processo civil (THEODORO JÚNIOR, 2008).
2.1 CONCEITUAÇÃO DOUTRINÁRIA ACERCA DAS PROVAS NO DIREITO BRASILEIRO
O direito à prova integra a grade de princípios constitucionais da garantia de acesso à justiça, mais especificamente no art. 5º, XXXV, CF, juntamente ao direito ao contraditório e à ampla defesa, no também art. 5º, tais direitos são elementos indissociáveis ao processo justo, que constitui toda a estrutura do processo civil (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 260). Segundo entendimento da doutrina moderna, entretanto, o direito fundamental a prova encontra-se revestido de complexidade, uma vez que ele está composto das seguintes situações jurídicas: a) o direito à adequada oportunidade de requerer provas; b) o direito de produzir provas; c) o direito de participar da produção da prova; d) o direito de manifestar-se sobre a prova produzida; e) o direito ao exame, pelo órgão julgador, da prova produzida (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 47). Dessa forma, não somente o direito de alegar determinados fatos como sendo provas é concedido, mas também a garantia aos litigantes ao direito do contraditório e da ampla defesa, com a necessidade de provar as alegações feitas pelos meios devidos.
É notório que a conceituação do termo “prova” não é dada somente pelo âmbito jurídico, é uma noção que pode ser encontrada em todos os ramos da ciência, como validação dos processos empíricos (MARIONI; ARENHART, 2011, p. 57). A palavra advém do latim probatio e significa ensaio, verificação, exame, inspeção, argumento, ação, aprovação ou confirmação. Dela deriva ainda o verbo provar – probare – que tem como significação provar, ensaiar, verificar, examinar, demonstrar ou persuadir alguém a alguma coisa.
No meio jurídico, o vocábulo vincula-se à ação de provar, que o objetivo é tornar claro e nítido ao juiz a realidade de um fato, acontecimento ou episódio (NUCCI, 2015, p. 17). Seguindo por esta linha, para o direito processual prova é “todo meio retórico, regulado pela lei, e dirigido, dentro dos parâmetros fixados pelo direito e de critérios racionais, a convencer o Estado-juiz da validade das proposições, objeto de impugnação, feitas no processo” (DIDIER JR; OLIVEIRA, 2016, p. 59).
O art. 369 do CPC brasileiro (Lei n° 13.105 de 16 de março de 2015) disciplina in verbis:
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
Desse modo, como descrito anteriormente, é direito indeclinável das partes o aproveitamento dos mais diversos meios de prova se estes forem utilizados para demonstrar a veracidade dos fatos ocorridos e infundir beneficamente o entendimento do juiz.
2.2 TIPOLOGIAS DE PROVA NA TEORIA GERAL DAS PROVAS
São ditos como tipos ou formas de provas as variantes pelas quais as mesmas se apresentam em juízo. Consta no Capítulo VI – Das provas, do Código de Processo Civil, em seus artigos 332 a 443 a subdivisão em: depoimento pessoal, confissão, exibição de documento ou coisa, prova testemunhal, documental e pericial e a inspeção judicial, sendo essas consideradas as provas em espécie.
Quando dotado de utilidade, o depoimento é destinado a produção de provas à parte oposta à do depoente, este nasce com um duplo objetivo, seja de provocar certa confissão da parte ou então de meramente esclarecer os fatos apresentados. O primeiro passo para o requerimento de tal instituto pode partir tanto da parte contrária, como aduz o art. 343 do CPC, como do próprio juiz, segundo definição do art. 342 também do CPC. Desse modo, como descreve Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 482) o depoimento é o método probatório designado a realização do interrogatório da parte no andamento do processo, podendo ser aplicado tanto ao autor como ao réu.
De acordo com o artigo 348 do Código de Processo Civil existe confissão a partir do momento em que a parte admite ser verdadeiro determinado fato, sendo este contrário ao seu interesse na causa e favorável à parte oposta, define ainda que pode a confissão ocorrer de forma tanto judicial como extrajudicial. Contudo, Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 485) define:
É a confissão apenas um meio de prova, que, como os demais, se presta a formar a convicção do julgador em torno dos fatos controvertidos na causa. Pode muito bem ocorrer confissão e a ação ser julgada, mesmo assim, em favor do confitente. Basta que o fato confessado não seja causa suficiente, por si só, para justificar o acolhimento do pedido.
Desse modo, é correto afirmar que a confissão meramente feita não apresenta efetividade se não atendidos determinados fundamentos. Ademais, mesmo sendo em regra indivisível, esse caráter poderá ser mitigado como discorre o artigo 354 do Código de Processo Civil, in verbis:
A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que Ihe for desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente-Ihe aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção.
Existe também a possibilidade de o juiz se utilizar de certo tipo de prova em que o fim é uma exposição documentos ou de qualquer outra coisa que se mostre apropriada à instrução processual. Vicente Greco Filho (2009, p. 222) declara a classificação da prova de exibição em três departamentos distintos: a) a exibição como resultante de ação autônoma principal, esgotando-se o interesse material do autor, quando exibida; b) a exibição cautelar preparatória, que pode ter a finalidade de constatação de um fato sobre a coisa, ou com finalidade probatória futura, ou ainda com a finalidade de ensejar outra demanda. Ainda nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior (2012, p. 464) define que este documento ou esta coisa que vier a ser exibida deverá manter algum nexo com a causa, estar interligada de alguma forma ao assunto litigado, e, caso isso não aconteça, a exibição deverá ser contraposta pelo fato de a parte não apresentar interesse em sua postulação.
Seguindo os ensinamentos do Professor Moacyr Amaral Santos (2004, p. 340) a “prova testemunhal, no sentido amplo, é a afirmação pessoal oral. No quadro das provas testemunhais, ou orais, se compreendem as produzidas por testemunha, depoimento da parte, confissão, juramento”.
Segundo Vicente Greco Filho (2009, p. 234), existem determinados elementos que caracterizam uma testemunha. Deve esta ser: a) pessoa natural; b) pessoa estranha à ação; c) pessoa que tem conhecimento sobre o fato litigioso; d) pessoa regularmente convocada para depor em juízo; e e) pessoa capaz de depor e não ser impedida para este fato.
Dessa forma, são incapazes de depor como testemunha: a) o interdito por demência; b) o que não podia depor – por demência ou debilidade mental – ao tempo do fato, por faltar-lhe capacidade de discernir a respeito das questões envolvendo o litígio; c) o menor de 16 anos; d) o cego e o surdo apenas quando a questão fizer necessária a percepção de seus respectivos sentidos que lhes são ausentes. O menor entre 16 e 18 anos é habilitado a depor como testemunha, porém não responde pelo crime de falso testemunho, já que é inimputável.
São ainda os impedidos de depor como testemunha: a) o cônjuge, bem como o ascendente, descendente em qualquer grau, ou o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes. As exceções relacionadas ao interesse público e caso não haja outro meio de obter a prova, em se tratando de causa relativa ao estado da pessoa; b) quem é parte na causa; c) aquele que intervém na ação em nome de uma das partes, o tutor, o juiz, o advogado ou o representante de pessoa jurídica, entre outros.
Os suspeitos de depor como testemunha são: a) o condenado de crime de falso testemunho (com sentença já transitada em julgado); b) o que não é digno de fé; c) o inimigo/amigo íntimo da parte; ou d) quem tiver qualquer interesse no litígio.
É de inteiro saber que o art. 406 do Código de Processo Civil depreende que a testemunha não é obrigada a depor sobre fatos que lhe tragam grave dano a si mesma ou a pessoas diretamente ligadas a ela, em caso de fatos que é necessário guardar sigilo. Quem está sob sigilo profissional também não poderá ser obrigada a fazer o mesmo, sob pena de incorrer no crime de violação de segredo profissional, estabelecido pelo art. 154 do Código Penal.
Seguindo o princípio da persuasão racional e o disposto no art. 131 do CPC, a lei faz restrições, em determinadas situações, à prova testemunhal, sejam estas quando já estiver provado a demonstração das provas por documento ou confissão. Somada a esta restrição, dispõe o art. 366 do CPC que, se a lei exigir instrumento público para substanciar o ato, nenhuma outra prova poderá suprir sua falta. O juiz então, indeferirá a inquisição de testemunhas sobre fatos já provados por documento ou confissão da parte.
Há cenários em que não são admitidos a prova exclusivamente testemunhal, a exemplo dos contratos, pagamento e remissão de dívida de valor superior a dez vezes ao salário mínimo vigente no país, nesses casos a prova testemunhal age de maneira complementar da prova de começo e da prova por escrito ou ainda admissível caso o credor não possa obter uma prova por escrito.
Ademais, define que “prova documental é a afirmação escrita ou gravada: as escrituras públicas ou particulares, cartas missivas, plantas, projetos, desenhos, fotografias etc.” (SANTOS, 2004, p. 340). As provas documentais compreendem as coisas escritas, desenho, fotografias, gravações sonoras, filmes, entre outros. Todo e qualquer registro físico a respeito de um fato é abarcado pelo conceito de prova documental.
Vicente Greco Filho (2009, p. 223) define que “documento é todo objeto do qual se extraem fatos em virtude da existência de símbolos, ou sinais gráficos, mecânicos, eletromagnéticos etc. É documento, portanto, uma pedra sobre a qual estejam impressos caracteres, símbolos ou letras; é documento a fita magnética para reprodução por meio do aparelho próprio, o filme fotográfico etc.”
Documento, quando utilizado como prova de um negócio jurídico é definido como instrumento. Como narra Humberto Theodoro Júnior (2012, p. 471): “Documento é gênero a que pertencem todos os registros materiais de fatos jurídicos. Instrumento é, apenas, aquela espécie de documento adrede preparado pelas partes, no momento mesmo em que o ato jurídico é praticado, com a finalidade específica de produzir prova futura do acontecimento”. O artigo 364 do CPC define que os documentos públicos podem ser: a) judiciais, quando baseados em peças dos autos e elaborados por escrivão; b) notariais, quando são provenientes de tabeliães ou oficiais de Registros Públicos; ou c) administrativos, quando originários de outras repartições públicas. Pelo fato de nem sempre ser possível a apresentação da documentação original a lei processual, disciplinou sobre as cópias no que define o art. 365 do referido Código.
As provas materiais são, como aduz também o professor, são as provas que consistem “em qualquer materialidade que sirva de prova do fato probando; é a atestação emanada da coisa: o corpo de delito, os exames periciais, os instrumentos do crime etc” (SANTOS, 2004, p. 341).
É nítida a previsão dos referidos tipos probatórios no Código de Processo Civil, em seu capítulo VI do Livro I, porém, com o intuito de trazer mais efetividade e veracidade ao processo, o legislador principia o dito capítulo VI, em seu artigo 332, agregando ao ordenamento jurídico brasileiro a capacidade de reconhecimento de qualquer tipo de prova.
Vale ressaltar que somente o que versa regularmente nos autos pode servir de prova para dirimir a lide. Desse modo, são admitidos meios de prova não especificados, desde que moralmente legítimos.
Assim, Humberto Theodoro Junior (2014, p. 462), aduz que toda prova deve conter um objeto, uma finalidade, um destinatário, e deverá ser obtida mediante meios e métodos determinados. Além disso, define que a prova judiciária tem como objeto os fatos depreendidos pelas partes em juízo. Seu propósito é a estruturação deum entendimento em torno dos mesmos fatos. O alvo recebedor é o juiz, uma vez que este é quem será convencido ou não sobre a verdade dos fatos, afimde, futuramente, dar a solução jurídica de mérito e justa ao litígio em questão.
Já a inspeção judicial é o meio de prova que equivale a percepção do magistrado acerca das coisas ou pessoas que estão envolvidos em determinado litígio. O juiz do caso pode inspecionar coisas, pessoas ou lugares independentemente da fase em que se encontre o processo, tudo isso com o intuito de alcançar um autoconvencimento justo em seu favor. Ademais, é válido ressaltar que a inspeção ocorre a requerimento da parte, mas que esta não pode ser exigida do juiz, existindo a opção tanto de deferimento como de indeferimento. O procedimento de inspeção geralmente ocorre em audiência, porém, a depender do caso, o juiz pode se deslocar ao local necessário.
3 MEIOS E ESPÉCIES DE PROVAS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO
É sabido que o objetivo principal da utilização das provas em um processo como um todo é ajudar na formação da convicção do juiz do caso. Desse modo, são acolhidos como meios de prova legalmente reconhecidos os presentes no Código de Processo Civil, como visto anteriormente.
Além destes, subsistem outros meios que mesmo não estando expressa e legalmente descritos são considerados moralmente legítimos. Outrossim, é importante arrazoar que mesmo os meios sendo ilegítimos ou até mesmo ilícitos não configura situação capaz de declinar o seu caráter probatório.
A partir de uma análise mais detalhada, é possível inferir que o CPC de 1973 é mais liberal, com relação ao tópico que trata das provas, que o anterior. Aquele se apresenta mais congruente com o que vigora na ciência processual moderna, uma vez que triunfa ante o formalismo, a busca pela justiça ideal, alicerçada, sempre que possível, pela busca da verdade material.
Como citado anteriormente, do CPC retira-se como meios de prova expressamente identificados o depoimento, a confissão, a exibição de documento ou coisa, a prova documental, a prova testemunhal, a prova pericial e a inspeção judicial. Ademais, são considerados os meios de prova moralmente legítimos: os indícios, as presunções e as provas emprestadas.
3.1 PROVAS ILÍCITAS
Dentre tantos conceitos gerais acima elencados, o de prova ilícita é sem dúvidas um dos principais para o entendimento do referido projeto. Prova ilícita é aquela afetada pela ilicitude no que diz respeito ao modo de sua obtenção de acordo com José João Abrantes (1986, p. 12). Logo, é uma prova que acaba por violar a ordem jurídica, e por consequência disso não é apta para a formação da convicção do magistrado, a conduta que deu origem ao meio de prova merece reprovação legal, por conseguinte é ilícita.
Ilícita é também a prova colhida com infração a normas ou princípios do direito material, especialmente os de direito constitucional, pois a ilicitude da prova está intimamente vinculada à questão das liberdades públicas, onde há o asseguramento aos direitos e garantias atinentes à intimidade, à liberdade e à dignidade humana (AVOLIO, 2010). Diante disso, são os atos processuais também considerados ilícitos, quando forem contrários aos distames do direito, resultado do descumprimento de um dever.
Define-se como prova típica toda aquela que se encontra prevista em lei, ou seja, regulamentadas pelo Código de Processo Civil, tendo como exemplo as provas periciais, documentais, testemunhais, a confissão, a prova emprestada, a inspeção judicial e o depoimento pessoal. Em contrapartida, as provas atípicas são aquelas não previstas no Código de Processo Civil, podendo ter previsão em outro instituto legal ou até não possuir nenhuma previsão, nessa situação é imprescindível que ela seja lícita e moralmente legítima para ser reconhecida e aceita. Moacyr Amaral Santos (1970, p. 75) dista que “os meios de prova não são criações abstratas da lei, mas generalizações da experiência”, tal afirmação é extremamente necessária no que diz respeito a transformação das provas atípicas em típicas, uma vez que acaba por ocorrer o fenômeno de assimilação. A assimilação ocorre com o passar do tempo, quando em face de necessidades práticas um meio de prova ou determinada forma de apresentação desta ao processo, antes considerado atípico começa a ser aceito pela comunidade jurídica em geral, sendo por conseguinte positivado, o que acaba por torná-lo um meio típico de prova, ou até mesmo uma prova típica propriamente dita. Segundo entendimento de Cassio Scarpinella Bueno (2019, p.218):
A prova atípica deve ser entendida como a que pode ser legitimamente obtida e produzida no processo e, como tal, ser analisada e valorada pelo magistrado, ainda que ela não se amolde a um dos meios de prova regulados pelo ordenamento jurídico nacional. É o que se dá, por exemplo, com o “depoimento por iniciativa da própria parte” [...]
Sendo assim, é massificada a ideia de que a prova atípica pode ser considerada legítima, mesmo que não esteja incluída no rol das provas tipicamente admitidas pelo ordenamento jurídico.
Ainda nesse sentido, como maneira de evitar que haja uma aplicação abusiva da prova atípica, compreende Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p.645) que não seja possível “aceitar como prova atípica as provas típicas consideradas nulas ou inadmissíveis por não respeitarem as regras que disciplinam sua formação ou expressamente excluídas por normas de direito material ou processual”.
É passivo o entendimento de que provas ilegítimas são aquelas derivadas de uma violação nas regras de direito processual (DEZEM, 2008, p.171). É exemplo de uma situação em que ocorre a existência de prova ilegítima aquela em que a prova juntada não foi submetida corretamente ao contraditório ou não respeitou o devido prazo processual. Grinover, Scarance e Magalhães (2006, p. 147) apresentam de maneira mais completa:
a proibição tem natureza exclusivamente processual quando for colocada em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo; tem, pelo contrário, natureza substancial quando, embora servindo imediatamente também a interesses processuais, é colocada essencialmente em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo.
Além do fato de a prova ser considerada ilícita quando em sua produção houver violação de direito material (DEZEM, 2008, p. 121), e de acordo com Aury Lopes Júnior (2009, p. 536) ser “aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento da sua coleta, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre exterior a esse (fora do processo)”. A prova ilícita ainda pode ser diferida da prova ilegítima pelo momento de sua ocorrência, pois enquanto naquela é o fato em si que traz ilicitude à prova, e de um modo geral ocorre em um momento não-coincidente ao processo, podendo ser anterior à ele, nesta a infração da regra processual se dá concomitante ao processo (DEZEM, 2008, p. 123).
Grinover; Fernandes; Gomes Filho (2006, p. 149) elucidam a diferenciação entre as duas espécies de prova apresentadas acima: “quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida”. Tanto as provas ilícitas quanto as ilegítimas são definidas como ilegais, pelo fato de convergirem no que tange a inadmissibilidade jurídico-processual. Como defende Alexandre de Moraes (2016, p.114):
As provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito material, as provas ilegítimas são obtidas com desrespeito ao direito processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois se configuram pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico. (p. 114)
Diante disso, é reiterada a ideia de que provas ilegítimas e ilícitas, apesar de diferirem com relação a ofensa ao direito processual ou material, compõem um mesmo grupo, o das provas ilegais.
4 PROCESSO CIVIL BRASILEIRO E A TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA
São as provas ilícitas definidas como as que contrariam as normas do ordenamento jurídico, especialmente as que protegem direitos individuais e da personalidade, também aquelas cujo processo para obtenção acaba por infringir normas constitucionais. Nessa conjuntura, ocorreu a criação, na Constituição Federal de 1988, da garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, passando a constituir um direito fundamental da parte, com o intuito de garantir a não violação dos direitos acima citados (MENDES, 2014).
Tomando por base o texto do art.5º, LVI, CF, tem-se que a expressão empregada é “provas obtidas por meios ilícitos” em lugar de “provas ilícitas”, promovendo assim interpretação dúbia das duas expressões. Há contradições de entendimento quando é assimilado que as provas ilícitas seriam aquelas com ilicitude em seu conteúdo, enquanto que as obtidas por meios ilícitos seriam as que apresentam tal ilicitude no método de recolhimento. Didier Jr. (2016) considera, no entanto, que em ambas as situações ocorre a abrangência da garantia da inadmissibilidade.
Apesar da nítida vedação a utilização dessa modalidade de prova trazida pela legislação brasileira, encontra-se na doutrina parecer favorável a flexibilização, levando em consideração o uso do princípio da proporcionalidade, em casos extraordinários em que se atinja uma incompatibilidade entre os princípios constitucionais. Gilmar Mendes (2014) assinala que a garantia da inadmissibilidade da prova ilícita estabelece estreito vínculo com outros direitos e garantias fundamentais, sendo estes o direito à intimidade e à privacidade (art.5º, X, CF), à inviolabilidade do domicílio (art.5º, XI, CF), ao sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art.5º, XII, CF).
No entanto, a aquisição de provas ao está em desacordo com as garantias previstas constitucionalmente, definem uma inegável afronta ao princípio do devido processo legal. Acerca da aplicação do princípio da proporcionalidade, Mendes (2014, p. 520), dista:
Quando a prova obtida ilicitamente for indispensável para o exercício do direito fundamental à ampla defesa pelo acusado [...], não há por que se negar a sua produção no processo. O devido processo legal atua, nesses casos, com dupla função: a de proibição de provas ilícitas e a de garantia da ampla defesa do acusado. Na solução dos casos concretos, há que se estar atento, portanto, para a ponderação entre ambas as garantias constitucionais. A regra da inadmissibilidade de provas ilícitas não deve preponderar quando possa suprimir o exercício da ampla defesa pelo acusado, sob pena de se produzir um verdadeiro paradoxo: a violação ao devido processo legal (ampla defesa) com o fundamento de proteção do próprio devido processo legal (inadmissibilidade de provas ilícitas).
Alexandre de Moraes (2016, p. 87) também se apresenta entusiasta a aplicação da proporcionalidade em casos extravagantes:
Saliente-se, porém, que a doutrina constitucional passou a atenuar a vedação das provas ilícitas, visando corrigir distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Esta atenuação prevê, com base no Princípio da Proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, [...] havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização.
Diante do cenário acima explicitado, onde há a defesa da utilização do princípio da proporcionalidade em determinados casos concretos, Fredie Didier Jr. (2016) defende que este seja operado apenas em casos excepcionais, e não de maneira confusa e desordenada. Dessa maneira, Didier propõe a adoção de certos critérios de aplicabilidade, sendo eles: a imprescindibilidade, a prova ilícita será unicamente aceita se for certificado que não existia outro modo de atestar o seu objeto, ou existindo o outro modo, este seja excessivamente gravoso à parte; a proporcionalidade, sendo aceita quando o objeto tutelado pela prova ilícita, se apresentar em determinado caso concreto, mais digno de proteção que o bem violado pela ilicitude da prova; além desses, a punibilidade, que determina que o juiz tomará as medidas corretas para que a parte que se valeu da utilização da prova ilícita cometendo uma conduta antijurídica, seja adequadamente punida. Como enfatiza ainda Didier Júnior; Braga; Oliveira, (2008, p. 39):
Os que admitem sempre a prova ilícita, ou não admitem nunca, pecam por considerar de modo absoluto e apriorístico os direitos fundamentais em jogo. Aqueles que entendem que a prova ilícita somente é admissível excepcionalmente, e apenas no processo penal, pecam por dois motivos: primeiro, por entender que sempre, no processo penal, há discussão em torno do direito à liberdade [...], segundo, por entender que nenhum outro direito fundamental, a não ser o direito à liberdade, pode ser mais relevante que o direito fundamental à vedação da prova ilícita, o que também é indefensável à luz da teoria dos direitos fundamentais.
Ao coadunar com a ideia de que os parâmetros norteadores para aplicação do princípio da proporcionalidade são: necessidade, adequação e proporcionalidade aplicados ao caso concreto Moreira (1996, p.13) enfatiza ainda que:
Cabe verificar se a transgressão se explicava por autêntica necessidade, suficiente para tornar escusável o comportamento da parte, e se esta se manteve nos limites determinados pela necessidade; ou se, ao contrário, existia a possibilidade de provar a alegação por meios regulares, ou se a infração gerou dano superior ao benefício trazido à instrução do processo. Em suma: averiguar se, dos dois males, se escolheu realmente o menor.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através de julgamento de apelação cível, se manifestou pela concordância da admissibilidade de prova ilícita, levando em consideração a aplicação do princípio da proporcionalidade e tendo em conta a comunicação estabelecida entre o juízo cível e penal. Logo:
PROVA ILÍCITA. INTERCEPTAÇÃO, ESCUTA E GRAVAÇÃO, TELEFÔNICAS E AMBIENTAIS. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ENCOBRIMENTO DA PRÓPRIA TORPEZA. COMPRA E VENDA COM DAÇÃO EM PAGAMENTO. VERDADE PROCESSUALIZADA. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 1 - Prova ilícita é a que viola normas de direito material ou os direitos fundamentais, verificável no momento de sua obtenção. Prova ilegítima é a que viola as normas instrumentais, verificável no momento de sua processualização. Enquanto a ilegalidade advinda da ilegitimidade produz a nulidade do ato e a ineficácia da decisão, a ilicitude comporta um importante dissídio acerca de sua admissibilidade ou não, o que vai desde a sua inadmissibilidade, passando da admissibilidade à utilização do princípio da proporcionalidade. 2 - O princípio da proporcionalidade, que se extrai dos artigos 1º e 5º da Constituição Federal, se aplica quando duas garantias se contrapõem. A Lei 9.296/96veda, sem autorização judicial, a interceptação e a escuta telefônica, mas não a gravação, ou seja, quando um dos interlocutores grava a própria conversa. A aplicação há de ser uniforme ao processo civil, em face da comunicação entre os dois ramos processuais, mormente dos efeitos de uma sentença penal condenatória no juízo cível e da prova emprestada. 3 - A garantia da intimidade, de forte conteúdo ético, não se destina à proteção da torpeza, da ilicitude, mesmo que se trate de um ilícito civil. Na medida em que o requerido, deliberadamente, confessa ao autor o negócio realizado, mas diz que este não conseguiria prová-lo, pretende acobertar-se sob o manto da torpeza, com a inadmissibilidade da gravação. A conduta do autor manteve-se dentro dos estritos limites da justa causa, da necessidade de reaver seu crédito, sem interferência ou divulgação para terceiros. (Apelação Cível nº 70004590683, TJRS, 2ª Câmara Especial Cível, Relator: NEREU JOSÉ GIACOMOLLI, Data do Julgamento: 09/12/2002).
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de decisão monocrática de Recurso Especial, posicionou-se da maneira a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
APLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE COMBATE A FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS DO ACÓRDÃO. APLICAÇÃO DO ÓBICE DA SÚMULA N. 283/STF. INDEFERIMENTO DE PROVAS ILÍCITAS, IMPERTINENTES, DESNECESSÁRIAS OU PROTELATÓRIAS.
POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
[...] III - O acórdão recorrido encontra-se em harmonia coma a jurisprudência desta Corte, no sentido de que não implica cerceamento de defesa o indeferimento de provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.
(AgInt no RMS 50.735/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/02/2020, PJe 12/02/2020)
Desse modo, resta claro e cristalino a falta de consenso quanto ao assunto abordado, tanto em questões doutrinárias como na seara jurisprudencial.
4.1 PROGRESSO HISTÓRICO DA TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA
A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (Fruit of the poisonous tree doctrine) teve sua origem no direito norte-americano, firmando entendimento na ideia de que qualquer prova que seja produzida a partir de uma revelação atingida por meios ilícitos, estará igualmente contaminada e dotada de ilicitude. Logo, partindo de tal pressuposto, todas as provas das quais a conquista derivar de prova ilícita anterior, serão admitidas como ilícitas por derivação e deverão ser excluídas do processo. A dissipação dessa convicção sustentada pelos Estados Unidos da América (EUA) acabou por insuflar o legislador brasileiro pela essencialidade da criação de legislação específica que tratasse do tema assim como a necessidade de um direcionamento sobre a situação pelo ordenamento jurídico. Dezem (2008, p.134) faz referência aos frutos da árvore envenenada da seguinte maneira: “as provas ilícitas acabam por contaminar todas as demais provas que dela sejam consequências”.
Cabral (2009, p. 1), em reflexão acertada sobre o surgimento da teoria supracitada, relata:
A Doutrina dos frutos da árvore envenenada "fruits of the poisonous tree" foi criada e aperfeiçoada pela Suprema Corte Norte-Americana a partir do julgamento do caso Silverthorne Lumber Co v. United States (1920), em que a empresa Silverthorne Lumber tentou sonegar o pagamento de tributos federais. No combate à fraude, agentes federais copiaram de forma irregular os livros fiscais da referida empresa. A questão chegou ao conhecimento da Suprema Corte e se questionou, em síntese, se as provas derivadas de atos ilegais poderiam ser admitidas em juízo.
A Suprema Corte, ao analisar o caso Silverthorne Lumber Co v. United States (1920) formou o posicionamento no sentido de que, ao se permitir a utilização de evidências derivadas de atos ilegais, o Tribunal estaria encorajando os órgãos policiais a desrespeitar a Constituição norte-americana. Dessa forma, o Tribunal decidiu pela inadmissibilidade das provas derivadas de provas obtidas ilicitamente.
Foi por volta da década de 1920 que surgiu a teoria norte-americana, que é denominada de fruits of the poisonous tree, ou seja, a teoria dos frutos da árvore envenenada. Essa teoria teve como nascedouro o caso Silverthorne l & Co v.United States, mas só veio a ser colocada em prática, em 1937, pelo Ministro Franckfurter, da Suprema Corte, por ocasião do julgamento do caso Nardone v. United States.
No caso em análise, a Suprema Corte Norte-Americana considerou inválida uma intimação que tinha sido expedida com base em uma informação obtida por meio de uma busca ilegal. Dessa forma, a acusação não poderia usar no processo a prova obtida diretamente da busca ilegal, nem a obtida indiretamente por meio da intimação baseada nessa busca e apreensão.
A linha que divide a análise da contaminação ou não da prova é muito tênue. É imprescindível que seja provado, sem resquícios de dúvidas, que houve ou não determinada vinculação. A respeito disso, Rangel, Braga e Machado (2014, p. 1) declaram:
O que resta saber é quando uma prova está ligada a outra, de modo a se contaminar por sua ilicitude. A prova ilícita não contamina todo o material probatório, pois nada impede que o fato seja provado por meio de provas licitas. A prova obtida de modo ilícito pode propiciar outra prova que então estará contaminada. Desse modo, para saber se uma prova foi contaminada pela prova ilícita é necessário saber se a prova questionada como derivada teria sido produzida ainda que a prova ilícita não tivesse sido obtida. Faz-se necessário uma conexão mais que natural, é preciso uma conexão jurídica. Assim, o problema passa a ser o da identificação da conexão da antijuridicidade entre as provas. É preciso verificar se há algum elemento capaz de romper juridicamente a relação de causalidade e, sobretudo, analisar se a admissão da segunda prova como ilícita contribui para defesa dos direitos que se objetiva proteger através da proibição da prova ilícita. Ou seja, a teoria em questão somente tem sentido quando a eliminação da segunda prova traz efetividade à tutela dos direitos fundamentais. Conforme as correntes estudadas acerca da prova ilícita, a corrente obstativa, que considera inadmissível a prova obtida por meio ilícito, deriva da teoria do fruto da arvore envenenada, pois considera que o ilícito na obtenção da prova contamina não apenas o resultado havido, mas até as provas subsequentes que só puderam ser produzidas graças a obtenção da prova ilícita.
Por fim, assim como a questão da aplicabilidade do princípio da proporcionalidade no julgamento de casos que abrigam em seu teor as provas ilícitas ou ilicitamente adquiridas, a Teoria dos Frutos da Árvore envenenada também não é unanimidade entre os doutrinadores. É aceita a ideia de que o legislador constituinte utilizou um termo que nitidamente indica a vedação não somente da prova ilícita, mas igualmente das provas que sejam obtidas por meios ilícitos, ou seja, uma prova que seja lícita, mas que tenha sido conseguida por meios ilícitos, estará acolhida da mesma forma pela inadmissibilidade processual, havendo por parte do constituinte, uma concordância explícita com a teoria dos frutos da árvore proibida (KNIJNIK, 1996). Além disso, também é admitida a ideia de que o uso do princípio da proporcionalidade em determinados casos, traria uma solução mais justa pois a admissão das provas mesmo que ilicitamente obtidas se daria para a proteção de direitos superiores (BOHRER, 2003).
4.2 ADEQUAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS AO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Em um primeiro momento a ideologia doutrinária e jurisprudencial dos mais variados países do mundo divergiram acerca da admissibilidade das provas ilícitas no processo (GRINOVER, 1998).
A priori, houve a permissão para utilização apenas se esse tipo probatório fosse realmente relevante, porém, ainda assim ocorreria a punição do responsável pelo ilícito a que deu origem. A posteriori, foi decretado o banimento desse tipo probatório do processo como um todo, não sendo considerada a expressividade dos fatos apreciados, pois seriam estas provas irremediavelmente inconstitucionais.
No contexto brasileiro a situação não é oposta, existe uma grande divergência acerca da admissibilidade das provas ilícitas no processo. Até o instituto da Constituição Federal de 1988, havia preponderância apenas da admissibilidade das provas ilícitas no direito de família. Outrossim, mesmo em outras searas do direito ainda “há quem se manifeste a favor da admissibilidade processual das provas colhidas com infração a normas de direito material, preconizando apenas a punição do infrator pelo ilícito cometido no momento da obtenção da prova” (GRINOVER, 1998).
Frente a isso, é possível destacar a existência de três correntes que divergem sobre o tema. A primeira delas é chamada Obstativa e julga como inaceitáveis as provas conquistadas por meios ilícitos, sob qualquer que seja a hipótese ou o argumento apresentado. A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, amplamente difundida pela Suprema Corte Brasileira, advém desta corrente. A segunda vertente, dá-se o nome Permissiva, esta acolhe a prova alcançada por meio ilícito, pois defende que a ilicitude está presente apenas na forma de arrecadação da prova, e não no seu conteúdo como um todo. Desse modo, defende que o produtor da prova ilícita deve ser punido, e, o seu teor utilizado. Já a terceira perspectiva é definida como Intermediária, esta defende que a prova ilícita deve ser reconhecida de acordo com os valores jurídicos e morais da situação, sendo assim empregado o princípio da proporcionalidade (WAMBIER, 2007).
O artigo 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988 define que provas obtidas por meios ilícitos não serão admitidas no processo. Desta maneira, a validação dos fatos apresentados pelas partes de um processo somente poderá ocorrer por meios admitidos ou impostos pela lei, sendo defesos os meios de prova contrários as disposições legais (RIBEIRO, 1998, p. 65).
Entretanto, é notório que com a proibição do aproveitamento das provas ilícitas foi concebida uma maior valoração ao direito material, conferindo certa desvantagem à busca incessante pela verdade.
Destarte, é observada uma situação de choque entre princípios, em que um deve ceder ao outro dependendo da situação concreta a que ambos estejam inseridos. Assim declara Marioni (2007, p.53) “de modo que não há como se declarar a invalidade do princípio de menor peso, uma vez, que ele prossegue íntegro e válido no ordenamento, podendo merecer prevalência, em face do mesmo princípio que o precedeu, diante de outra situação concreta”.
É condição existencial de uma sociedade pluralista, entretanto, a convivência pacífica dos princípios, sem hierarquização, uns não podem se sobrepor aos outros. Visto isso mostra-se necessária a implementação de determinada metodologia que possibilite essa aplicação a um caso factual.
Assim sendo, para possibilitar a utilização de variados princípios, faz-se referência à ponderação dos princípios ou a aplicação da proporcionalidade à situação definida. Portanto, aduz Marioni (2007, p.52): “fazer prevalecer um princípio diante de outro sem que um deles tenha que ser eliminado em abstrato, ou sem que o princípio não preferido em determinada situação tenha que ser negado como capaz de aplicação em outro caso concreto”.
Igualmente, quando há o conflito de normas jusfundamentais, como definem Didier; Braga e Oliveira (2008, p. 38), como é o caso do direito às provas oposto à vedação das provas ilícitas, a solvência da situação deve ocorrer casuisticamente, com uma análise sobre a ponderação dos interesses do ocorrido frente ao princípio da proporcionalidade. Desse modo, é errôneo sempre admitir a prova ilícita no processo, bem como nunca admiti-la, por desconsiderar a relação dos direitos fundamentais em questão. A análise ponderada, caso a caso, é a direção correta a ser seguida, sem considerações absolutas ou preexistentes aferidas de situações anteriores.
Mesmo com a inexistência de qualquer tipo de legislação formal ou escrita, o Direito já se perpetuava. Era por meio da tradição oral, através dos sacerdotes, que a busca incessante pela justiça se concretizava. A aplicação reiterada de certas decisões conferiu uma valoração a estas, sendo assim instauradas como costumes, e, por conseguinte, transformadas em leis.
Nesse período o instituto das provas já estava presente. De maneira precária para os dias atuais, porém extremamente adequado à época, a questão probatória estava estreitamente ligada à religiosidade. Com baixos índices de absolvição do acusado, pelo simples fato de a validação de sua inocência depender de uma invocação divina, a justiça não seria efetivamente alcançada.
Entretanto, com a chegada da Revolução Francesa tudo mudou. Iniciou-se a adoção dos atuais princípios processuais, sendo por exemplo o do livre convencimento do juiz. Dessa forma, a tarifa legal foi desaparecendo do modo de proceder adotado no processo penal e posteriormente civil.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe um denso rol de direitos e garantias fundamentais, dentre estes o direito à prova. Contudo, a polêmica se deu pelo fato de mesmo com a previsão de garantia às provas e à ampla defesa, a Constituição vedar a utilização das provas ilícitas. Todavia, não há que se falar em hierarquia com relação aos princípios constitucionais, dessa forma, também não existe regra constitucional absoluta, uma vez que deva esta interagir pacificamente com as demais regras e princípios constitucionais.
À vista disso, é necessário, no processo civil, o duelo dos bens constitucionalmente garantidos, com o intuito de examinar a conveniência da aplicabilidade da prova ilícita, uma vez que pode ser esta a maneira una de comprovação da veracidade dos fatos alegados. Para tanto, é indispensável o emprego da ponderação de interesses, alicerçado intimamente pelo princípio da proporcionalidade.
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[1]Coordenador Adjunto e Professor do Centro Universitário Santo Agostinho. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/MG. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCRS. Doutor em Direito Processual Civil pela UNESA (RJ), [email protected].
Graduanda em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAIKI, Laíne Kayele Melo de Moura. Admissibilidade da prova ilícita no processo civil e a teoria dos frutos da árvore envenenada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58531/admissibilidade-da-prova-ilcita-no-processo-civil-e-a-teoria-dos-frutos-da-rvore-envenenada. Acesso em: 23 dez 2024.
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