ANTÔNIO DE LUCENA BITTENCOURT NETO
(orientador)
Resumo: Em 1988, a Constituição Federal permitiu com que houvesse outras configurações de casamento, ampliando a proteção para outras demais formas como discriminado dentro do art. 226, § 3º. No entanto, a maior problemática voltada para os regimes está na concorrência sucessória entre o cônjuge e os descendentes, dentro de um regime que foi pactuado entre os cônjuges de separação convencional de bens. O presente trabalho tem como principal objetivo analisar como ocorre a concorrência sucessória entre o cônjuge e os descendentes no regime de separação convencional de bens tendo em vista que o dispositivo legal que trata da matéria estabeleceu uma comunhão forçada com os herdeiros após a morte. Justifica-se esta pesquisa como relevante para toda a comunidade acadêmica e para a sociedade por ser uma temática atual e que leva a conhecimento de todos as particularidades que precisam ser respeitadas. Trata-se, portanto, de uma contradição ao pacto antenupcial, ora pois se o cônjuge em vida usufruiu do princípio da liberdade, onde escolheu em concordância com o outro cônjuge o regime de separação convencional de bens, pode-se indagar por que post mortem o cônjuge sobrevivente concorreria aos bens do de cujus.
Palavras-Chave: Herança. Concorrência. Jurisprudência.
Abstract: Before the 1988 Federal Constitution, the patriarchal model of family constitution existed, which in turn deprived of jurisdictional protection the other species of family entities and the children who were not conceived within the structure of marriage. On the other hand, the 1916 Civil Code discriminated against the family as something established only by marriage. This established that marriages were only between men and women, with a community property system, making distinctions between its members and bringing qualifications considered discriminatory to people who had unions without marriage and the children of this union. In this same period, marriage in Brazil was considered so rigid that those who married remained legally bound for the rest of their lives. The stable union brought a path towards equal rights between spouses and partners. However, with the Civil Code of 2002, more precisely in art. 1790, the succession of the companion of stable union did not have the same treatment as a surviving spouse, who in turn began to be inserted into the list of necessary heirs, as discriminates in art. 1845 of the Civil Code of 2002, having a greater share in the inheritance than the companion of stable union. What can be understood is that it came to be placed the companion in a degree of inferiority compared to the spouse, resulting in an unconstitutionality, hurting to death the 1988 Federal Constitution, which states that all are equal. the general objective of the work, that is, to analyze the problem raised, has the academic purpose to highlight the constitutional and social importance of the issue. This is a bibliographical research carried out in books, articles and legal journals on the subject.
Keywords: Inheritance. Competition. Jurisprudence.
Sumário: 1. Introdução; 2. Cônjuge supérstite em concorrência mortis causa; 2.2 Do regime de separação convencional de bens; 2.3 Direito à herança e a sucessão; 2.3.1 Princípio da vedação ao retrocesso e post mortem; 2.4 Análise das controvérsias na jurisprudência; 3 Considerações finais; 4 Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como tema concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente, consequentemente, consiste na análise do dispositivo legal que trata da matéria, qual seja o inciso primeiro do art. 1.829 do Código Civil de 2002. O citado artigo, no entanto, possui péssima redação, fazendo surgir vários debates doutrinários e divergências jurisprudenciais acerca da melhor interpretação a ser aplicada ao dispositivo. Assim, é possível demonstrar a tendência, não só brasileira, mas mundial de proteção ao cônjuge. No Brasil, o cônjuge possuía um quase inexistente direito sucessório, na época das Ordenações Filipinas, figurando na quarta classe da ordem sucessória, após os colaterais até o 10º grau, e, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, passou a figurar nas duas primeiras classes, em concorrência com os descendentes e ascendentes, sucessivamente, e na terceira classe, isoladamente. Isso mostra que a comunhão de vida entre os cônjuges foi privilegiada, dando-lhes direito à herança e/ou meação de modo que não fiquem desamparados economicamente. Esse é o verdadeiro espírito da lei.
Dessa maneira, antes da Constituição Federal de 1988, existia esse modelo patriarcal de constituição familiar, que por sua vez privava da tutela jurisdicional as demais espécies de entidades familiares e os filhos que não foram concebidos dentro da estrutura do casamento. Por outro lado, o Código Civil 1916, discriminava a família como algo instituído unicamente pelo casamento. Estabeleceu-se com isso que os matrimônios fossem realizados somente entre homens e mulheres, como regime de comunhão universal de bens, fazendo por sua vez distinções entre seus membros e trazia qualificações consideradas discriminatórias às pessoas que possuíam uniões sem casamento e aos filhos dessa união. Nesse mesmo período, o casamento no Brasil foi considerado algo tão rígido que quem casava, permanecia com vínculo jurídico pelo resto de sua vida.
No entanto com a aprovação da Lei do Divórcio no ano de 1977, ocorreu a possibilidade de pessoas se separarem e obterem um novo casamento, mas somente mais uma vez. De acordo com Digas (2018, p. 51):
A evolução pela qual passou a família acabou forçando sucessivas alterações legislativas. A instituição do divórcio (EC 9/77 e L 6.515/77 acabou com a indissolubilidade do casamento, eliminando a ideia da família como instituição sacralizada.
Assim, com a Constituição Federal de 1988, passou-se a existir um tratamento isonômico entre homens e mulheres, passando-se a proteger de forma igualitária todos os outros membros. A CF/1988 tornou o conceito de família mais expansivo, tornando-se menos restrito como nos formatos anteriores, passando a tutelar e proteger os demais componentes da família e as outras configurações, entre elas a união estável entre o homem e a mulher, bem como a família considerada monoparental (VENOSA, 2017, p.32).
Assim, no ano de 1988, a Constituição Federal trouxe um leque de mais configurações de família pois também permitiu com que houvesse outras configurações de casamento, ampliando a proteção para outras demais formas como discriminado dentro do art. 226, § 3º, que discrimina que “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (BRASIL, 1988).
Desta feita, com o reconhecimento da união estável como uma entidade familiar passou-se a regulamentar os direitos dos conviventes. Com base nisso, foram criadas as Leis 8.971 de 29 de dezembro de 1994, que por sua vez passou a regular o direito dos companheiros para que pudessem ter alimentos e obter sucessões, e a Lei 9.278 de 10 de maio de 1996, que regulamentou, por sua vez, o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, sendo que, por último teve a incorporação deste artigo para dentro do Código Civil de 2002. Com base nisso, em 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, em um processo de julgamento das Ações de Controle Concentrado de Constitucionalidade (ADPF 132 e ADI 4277), ampliou o que era considerado como união estável para estendê-lo para outros tipos de uniões, como por pessoas do mesmo sexo (LISBOA; MONLEVADE, 2018, p.14).
Com base na forma como a Constituição Federal de 1988 foi evoluindo referente ao conceito de família, pode-se verificar que a família legítima como a única configuração familiar foi superada e passou-se a expandir a proteção para outras modalidades de família, protegidas pela Constituição Federal de 1988, dentro dos art. 226 (DIAS, 2011).
Como objetivos específicos, busca-se levantar um debate no que tange ao regime de separação convencional de bens para explanar sobre como ocorre esse tipo de regime; aclarar a importância de respeitar a intenção e como pode ser considerado como quebra do princípio da dignidade Humana o desrespeito ao pacto antenupcial. Demonstrar a importância salutar de garantir na prática a inviolabilidade dos direitos fundamentais.
No entanto, a maior problemática voltada para os regimes está na concorrência sucessória entre o cônjuge e os descendentes, dentro de um regime que foi pactuado entre os cônjuges de separação convencional de bens. Trata-se, portanto, de uma contradição ao pacto antenupcial, ora pois se o cônjuge em vida usufruiu do princípio da liberdade, onde escolheu em concordância com o outro cônjuge o regime de separação convencional de bens, pode-se indagar por que post mortem o cônjuge sobrevivente concorreria aos bens do de cujus.
Assim, o presente trabalho tem como principal objetivo analisar como ocorre a concorrência sucessória entre o cônjuge e os descendentes no regime de separação convencional de bens tendo em vista que o dispositivo legal que trata da matéria estabeleceu uma comunhão forçada com os herdeiros após a morte. Importante ressaltar que a melhor interpretação da lei é a resultante do que melhor representa do ordenamento jurídico como um todo.
Desse modo, foi feito uma análise do dispositivo legal, dos princípios e institutos aplicáveis ao caso, na busca pela solução do problema, tendo em vista a péssima redação da norma que gerou e vem gerando divergências discrepantes nos debates doutrinários e jurisprudenciais.
2 CÔNJUGE SUPÉRSTITE EM CONCORRÊNCIA MORTIS CAUSA
De acordo com Cimbali, D’Aguano e Carlos Maximiliano (2015, p. 122), as bases voltas para o direito das sucessões estão alicerçada na continuidade da vida humana no decorrer das gerações. Entretanto, outros doutrinadores alegam que o direito hereditário está relacionado com o direito de propriedade, que esta não pode se extinguir com a morte do seu titular sendo que possui caráter perpétuo. Com isso, essa perpetuidade relacionada com o direito de propriedade seria de fato voltada para a transmissão do deste patrimônio para o herdeiro.
De acordo com Debussi (2013, p.11), ressalta-se que:
[...] a despeito das tantas tentativas de se justificar a sucessão de bens post mortem, o que se percebe é que, hodiernamente, com a evolução da sociedade, sobretudo no âmbito das famílias, vêm sendo admitidas como fundamentos precípuos do direito sucessório a proteção e a união familiar, de modo que o acervo patrimonial é deferido, nos ordenamentos civis atuais, aos parentes mais próximos e ao cônjuge do de cujus, em razão da afeição, real ou presumida, existente entre eles.
De acordo com a leitura acima, pode-se compreender que existe a regra geral de que o cônjuge herda e concorre com os descendentes dependendo do regime de bens adotados. Contudo, vale ressaltar de que existem três exceções a serem consideradas, podendo-se citar a hipótese de casamento entre o cônjuge e o falecido, tendo o regime de comunhão universal; hipótese do casamento entre o cônjuge e o falecido, mas sob regime de bens a separação obrigatória; e por último, hipótese do casamento entre o cônjuge e o falecido tendo o regime bens a comunhão parcial e o autor da herança não ter bens particulares para serem deixados (TARTUCE, 2014, p. 193).
Assim, o inciso I do art. 1.829 do Código Civil de 2002 traz consigo uma grande confusão ao fazer menção as exceções da regre geral e nada mencionar o regime de separação convencional de bens, tendo inclusive outras discussões que giram em torno da jurisprudência, no qual o legislador ao aprovar esse artigo obteve a infelicidade causar, pela análise do artigo, grave dano à vontade do falecido e adstringir o direito conferido aos seus sucessores. Assim, o Código Civil de 2002, em matéria de direito hereditário do cônjuge, é uma tragédia jurídica, um desprestígio e um despreparo dos legisladores e do meio jurídico devido às impropriedades textuais que influenciam nas perplexidades interpretativas. Sugere-se que seja reescrito e que se apague o que foi feito como uma mancha na cultura jurídica nacional. E acrescenta que a lei seja aplicada da forma mais socialmente aceitável, mas que injustiças e inseguranças sociais são inevitáveis (VENOSA, 2010, p. 111).
Por fim, é possível perceber que toda celeuma causada por esse artigo diz respeito ao fato de relacionar a concorrência sucessória com o regime de bens, exceto a questão envolvendo um suposto direito de acrescer que o cônjuge teria no caso de não haver descendentes, seja por morte, renúncia ou exclusão dos convocados. Esse entendimento é exposto por Eduardo de Oliveira Leite, o qual afirma: “Ressalte-se, entretanto, que, se o cônjuge concorrer com descendentes e estes não puderem ou não quiserem aceitar, o cônjuge sobrevivente recebe, por acrescer, a totalidade”(LEITE, 2015, p. 33).
No entanto, tal entendimento não prevalece na doutrina porque o cônjuge só está arrolado na primeira e na segunda classe para que haja a concorrência com os descendentes ou ascendentes, nessas classes ele não herda sozinho. Essa posição é corroborada pelo art. 1.836 do CC/02, caput, o qual prescreve que “na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente”, ou seja, na falta de descendentes não herdará o cônjuge sozinho, o que ocorrerá é o chamamento da próxima classe à sucessão.
2.2 DO REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS
No que consta no art. 1687 do referido Código Civil, “ estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real”. Por esta visão, entende-se que o regime de separação convencional de bens advém de um pacto realizado antenupcial (BRASIL, CC, 2020).
Dessa maneira, cada um dos cônjuges pode manter os seus bens que trouxeram para o casamento, com a separação patrimonial desses bens com relação ao casamento. Com essa feita, quando ocorre a dissolução do casamento, cada um dos cônjuges permanece com seus patrimônios que tinham adquirido antes de formalizarem sua união (PEREIRA, 2018, p.228).
Como discrimina Farias (2015, p.331):
A separação convencional de bens é o regime de bens que promove uma absoluta diáspora patrimonial, obstando a comunhão de todo e qualquer bem adquirido por cada cônjuge, antes ou depois do casamento, seja a título oneroso ou gratuito. Outorga-se a cada esposo uma independência absoluta quanto aos seus bens e obrigações, no presente e no futuro. Enfim, nos matrimônios celebrados pela separação convencional, cada cônjuge mantém um patrimônio particular, inexistindo qualquer ponto de interseção de bens.
Destarte, corrobora Gonçalves (2020, p.662) que para que possa de fato surtir efeito na separação de bens e que esta possa ser pura e absoluta, se torna importante estabelecer esse pacto antenupcial. Em outros casos, os nubentes podem optar pela separação limitada, que envolve a separação somente dos bens presentes e com a comunicação dos futuros, bem como os frutos e o rendimento do que foi gerado durante a união. Desta feita, o regime de separação convencional de bens é algo que ocorre de comum acordo e por vontade de ambas as partes, visto que não permite flexibilização, não podendo, no entanto, cogitar o direito de meação.
Pode-se assim afirmar que o regime de separação convencional de bens é a manifestação da vontade de ambos os cônjuges. Essa liberdade de expressar seus desejos no pacto antenupcial que traz a autonomia da vontade privada, sendo então com isso um acordo inter partes. Pode-se reiterar que a autonomia da vontade é um princípio de extrema importância, como afirma o doutrinador Stolze (2019, p. 226):
Trata-se de um dos mais importantes princípios do tradicional Direito Civil, também respaldado na contemporaneidade, e que fundamenta a celebração de negócios jurídicos, valendo destacar que a manifestação da vontade é justamente um dos seus elementos existenciais
Com base nisso, quando aos nubentes há o direito de escolher qual o regime de bens que podem obter, o legislador concede para ambas as partes toda a autonomia para que possam proferir suas respectivas vontades, visto que esse regime é submetido à escolha do casal para seus bens. Por vista disso, em vida concretizarão um regime conforme a sua vontade, devendo ser respeitada essa escolha.
2.3 DIREITO À HERANÇA E A SUCESSÃO
O artigo 5°, da constituição federal de 1988 erige à categoria de direito fundamental o direito à herança, esse direito é consequência direta do direito de propriedade que tem como objetivo assegurar uma vida digna, livre e igualitária. A tutela da constituição federal de 1988 à herança, assegura que os bens deixados pelo de cujus sejam transmitidos aos seus herdeiros. Assim, torna-se cristalino que o patrimônio do falecido é projetado nos herdeiros tendo em vista o caráter perpétuo da propriedade. Essa perpetuidade é possível em razão da sucessão que transmite aos herdeiros a titularidade do patrimônio.
Pode-se compreender que a morte extingue o direito natural do indivíduo, visto que os direitos e as obrigações também deixam de existir no momento imediato após o falecimento, por isso que existe a transcendência jurídica, mesmo que essas relações possam não ter sido transmitidas. Assim, o direito das sucessões compreende o que é chamado de transmissão mortis causa, que trazem os bens do falecido(a) para os seus herdeiros (MADALENO, 2020, p.21).
Para fins de direito, compreende-se como morte quando termina a existência do indivíduo, que pode ser de forma natural ou ainda presumida, como traz à baila o art. 6º do Código Civil. Para aquela, compreende o falecimento que acontece a partir de causas relacionadas à complicação de saúde, quando ocorre uma paralisação das atividades vitais relacionadas com o cérebro, devendo ser atestada no momento exato pelo médico. Esta por outro lado, acontece dentro dos casos que estão descritos no art. 7º do Código Civil. Como prova de que houve o falecimento, utiliza-se a inscrição que consta no registro público que declara o óbito, como nos casos de morte natural, dentro dos termos que cita o art. 9º, I, Código Civil, ou ainda a ausência ou morte presumida declarada por sentença, como prega o inciso IV (HIRONAKA, 2017, p.2).
Dentro desse cenário, pode-se afirmar que existem duas modalidades de sucessão, sendo elas a denominada legítima e a testamentária. A legítima é justamente quando a vontade do autor da herança é presumida através da lei, que por sua vez discrimina a ordem da vocação hereditária, trazendo a vontade do autor. Por outro lado, a testamentária é estabelecida por meio de um testamento, respeitando todos os parâmetros estabelecidos por lei (TARTUCE, 2019, p. 31-32).
Dentro da modalidade de sucessão legítima, mais precisamente conforme os teores do art. 1829 do Código Civil, a lei discrimina a ordem de vocação hereditária para em casos de ausência de testamento, possa ser presumida a vontade do autor da herança. Essa prática de escassez testamentária faz parte da cultura brasileira, como ressalta Gonçalves (2017, p.37-38):
A sucessão legítima sempre foi a mais difundida no Brasil. A escassez de testamentos entre nós é devida a razões de ordem cultural ou costumeira, bem como ao fato de o legislador brasileiro ter disciplinado muito bem a sucessão ab intestato, chamado a suceder exatamente aquelas pessoas que o de cujus elencaria-se, na ausência de regras, tivesse de elaborar testamento. Pode-se-ia dizer, como o fez, antes, na França, o insuperável PLANIOL, que a regulamentação brasileira a respeito da sucessão ab intestato opera assim como se fosse um “testamento tácito” ou um “testamento presumido”, dispondo exatamente como o faria o de cujus, caso houvesse testado.
Assim, como discrimina o art. 1.788 do Código Civil, quando um indivíduo falece, seus bens se transformam em herança e serão transmitidos para os seus herdeiros legítimos. Dentro dessa vertente, Diniz (2012. P. 30) traz à baila que o direito brasileiro admite que bens que estão no testamento e os que não estão compreendidos nele podem passar por sucessão, como discrimina dentro do Código Civil, art. 1.788, 2ª parte.
2.3.1 Princípio da vedação ao retrocesso e post mortem
Segundo o princípio constitucional da vedação ao retrocesso, após ter-se implementado um direito fundamental não se pode praticar um ato que torne vulnerável o referido direito que esteja passível de fruição. Edson Ricardo Saleme ao mencionar Canotilho tratando do tema das funções dos direitos fundamentais, leciona: “Aqui se impõe um non-facere por parte do estado, a partir do delineamento da esfera de direitos individuais traçado pelas normas constitucionais [...].
Canotilho refere-se a uma dupla dimensão, no primeiro plano jurídico objetivo, impor-se regras de competência negativa para os poderes estatais, vedando ingerências nefastas; no plano jurídico subjetivo a possibilidade de emitir normas em prol do exercício dos direitos fundamentais e exigir omissões dos orgãos públicos a fim de evitar transgressões.”
Discrimina-se o que traz à baila o art. 1.829, inciso I, Código Civil, que respalda que a sucessão em caráter legítimo acontece da seguinte maneira:
Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares (BRASIL, 2012).
De acordo com o que cristalina a lei, pode-se observar que a concorrência sucessória que acontece quando o cônjuge vem a óbito acontece de acordo com o regime de bens compactuado. No entanto, ocorre um desrespeito ao pacto antenupcial e direito à herança já alcançado pelos descendentes quando um dos cônjuges falece e o cônjuge sobrevivente atua dentro da concorrência sucessória junto aos descendentes referente aos bens do autor. Visto que, o acordo antenupcial e seus efeitos, a priori, é constitucional e tem todo respeito ao princípio da dignidade humana, principalmente quando houve consideração pela vontade de ambos os cônjuges ao exercício da autonomia sobre a escolha do regime de separação de bens. Entende-se que uma violação ao pacto antenupcial indica ferir de morte o interesse, inclusive, do cônjuge falecido.
Dentro dessa visão Barbosa (2017, p.40), ressalta que se houver uma consequência diferenciada do que foi anteriormente pactuado, fere-se à liberdade de escolha. Desta feita, fere de morte o princípio da liberdade, da autonomia, dignidade humana e vedação ao retrocesso. Com isso, discrimina a doutrinadora que “não há dignidade se a pessoa não tem a liberdade de organizar seu projeto de vida privada, patrimonial e familiar”.
No post mortem, com a abertura da sucessão, dependendo do regime acordado anterior, o cônjuge supérstite passa a entrar em concorrência perante ao patrimônio, acontecendo com isso uma incomunicabilidade patrimonial. Com base nisso, a concorrência do cônjuge sobrevivente junto aos descendentes dentro do regime separação convencional de bens traz uma certa insatisfação ao mundo jurídico, visto que, representa uma quebra de princípios e age em contradição à vontade das partes, que ao optarem por separação convencional de bens, outrora se manifestaram como contra a comunicabilidade de seus bens.
Em vista disso Gagliano (2019, p.239) discrimina que:
A vontade de legislador do Código Civil de 2002 de proteger o direito sucessório extrapolou o limite da necessidade da intervenção estatal na regulação de direitos privados. Na prática, o Estado, ao obrigar que o cônjuge seja herdeiro, afronta o que foi estipulado pelos nubentes quando da escolha do regime de bens do casamento e fere o princípio da autonomia da vontade.
Por isso, que essa contradição causa uma certa estranheza, principalmente por conceder aos cônjuges a liberdade de escolher o regime de bens para posteriormente ignorar o acordo antenupcial, retirando a eficácia prática do respectivo regime, principalmente em casos de falecimento (FARIAS, 2016, p.307)
2.4 ANÁLISE DAS CONTROVÉRSIAS NA JURISPRUDÊNCIA
O entendimento atual acerca da separação de bens é aquele que não considera a separação convencional como exceção à regra da concorrência sucessória entre o cônjuge e os descendentes do autor da herança tendo em vista que não foi abarcada no rol de exceções à concorrência sucessória disposta no art. 1.829, I do CC/02 e atende à literalidade contida no artigo supramencionado.
Em 2010, o STJ tentou contornar o absurdo da concorrência sucessória do cônjuge supérstite que fora casado sob o regime de separação convencional de bens, sob o argumento de que a separação obrigatória é gênero e separação convencional é espécie e por isso a mesma ressalva do art. 1829,I do cc recairá em face daqueles que optaram pelo regime convencional de bens:
Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não ocorrência.
- Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da vontade, da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica.
- Até o advento da Lei no 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02.
- Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados unicamente entre os descendentes.
- O regime da separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação bens, à sua observância.
- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.
- Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos.
- No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal é a seguinte: (i) não houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.
- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida.
- Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações.
- Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado.
- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria.
- Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de igualdade e honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente, após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no processo de habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança, o regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura pública.
- Princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação viável do art. 1.829, inc. I, do CC/02, em consonância com o art. 1.687 do mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade. Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado prejudicado. (REsp 992.749/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 05/02/2010).
Nesse julgado, provido por unanimidade, consagrou-se vencedora a tese da relatora, Ministra Nancy Andrighi. Na ocasião, concluiu-se que o regime da separação obrigatória de bens é gênero que congrega duas espécies, quais sejam a separação legal e a separação convencional. A primeira é imposta por lei e a segunda decorre da vontade das partes, mas ambas, uma vez estipuladas como o regime a ser seguido obriga os cônjuges à sua observância. Dessa maneira, no regime da separação de bens não há direito à meação nem à herança, porque o regime de bens estipulado obriga as partes na vida e na morte. Sendo, assim, nos dois casos de separação de bens, o cônjuge não herda.
Data máxima vênia, ainda que o entendimento acima exposto seja bem intencionado, com objetivo de sanar a incoerência legislativa, não se pode confundir o regime convencional de bens como sendo espécie do regime de separação obrigatória, pelo simples fato de a separação convencional de bens “obrigar” os cônjuges após sua adoção, pois isso seria subverter a lógica do sistema jurídico. O regime de separação convencional de bens guarda íntima conexão com o princípio da autonomia privada e tem natureza negocial, o regime de separação obrigatória decorre de mandamento legal nas hipóteses do art. 1641 do cc. A força obrigatória deste decorre diretamente da lei. A força obrigatória daquele do negócio contratual firmado pelas partes denominado de pacta sunt servanda, o qual a lei atribui força obrigatória, sendo esta força, pedra angular da segurança jurídica do negócio firmado. Confundir ambos institutos seria rotular recipientes com conteúdos distintos.
Ainda que não concordemos com o argumento supramencionado o julgado supra teve uma bela intenção de resguardar a segurança jurídica.
O STJ, entretanto, aparentemente, tem trilhado caminho em sentido diverso no sentido de consolidar a literalidade do dispositivo legal:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO. REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. HERDEIRO NECESSÁRIO. CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES. PRECEDENTES.
1. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido, sendo apenas afastada a concorrência quanto ao regime de separação legal de bens previsto no art. 1.641, do Código Civil.
2. Precedente específico da Segunda Seção do STJ acerca da questão (REsp 1.382.170/SP, Rel. Min. MOURA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, j. 22/04/2015, DJe 26/05/2015).
3. O superveniente falecimento do cônjuge supérstite, no curso do inventário, não altera os seus direitos sucessórios, que têm por fato gerador o falecimento anterior do seu cônjuge, autor da herança, de modo que desde a abertura da sucessão a herança lhe foi transmitia ("droit de saisine") em concorrência com os descendentes do "de cujus", a teor dos artigos 1.845 e 1.821, I, do Código Civil.
5. Em razão da neutralidade da sucessão legítima, conforme estatuído pelo legislador, a condição patrimonial confortável da viúva em vida e, agora, da sua sucessora, não enseja a adoção de solução diversa daquela alcançada pelos inúmeros acórdãos desta Corte acerca do concurso entre os herdeiros necessários.
6. Necessidade deste STJ primar pela estabilidade, integridade e coerência da sua jurisprudência, a teor do art. 926, do CPC/2015, restando inafastável o óbice do enunciado da Súmula n.º 83/STJ. 7. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1830753/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 06/12/2019).
No julgado supra a terceira turma do STJ firmou entendimento no sentido de que o cônjuge é herdeiro necessário, podendo, assim, haver concorrência. Data máxima vênia, é inegável que o cônjuge com a entrada em vigor do novo código civil em 2002 passou a ter maior amparo do ordenamento jurídico podendo, assim, concorrer com os demais sucessores conforme a ordem de vocação hereditária. Entretanto, o posicionamento exposto acima não é o mais adequado à luz do ordenamento jurídico:
- O regime de separação convencional de bens em campo totalmente oposto ao regime da comunhão universal de bens, por meio da expressa manifestação de vontade das partes no pacto antenupcial, garante uma inequívoca independência patrimonial de modo que aos cônjuges é resguardado a exclusividade e a administração do seu patrimônio pessoal, anterior ou posterior ao matrimônio, podendo, assim livremente alienar ou gravar de ônus real. Art 1687 do cc 2002.
- Entendimento considerando que nessa hipótese o cônjuge supérstite é herdeiro necessário e por isso poderá concorrer, suscitará uma clara antinomia entre os art. 1687 e 1846 do cc /02, posto que no regime de separação convencional de bens o cônjuge pode dispor de seu patrimônio livremente e , caso seja considerado herdeiro necessário há preservação da parte considerada indisponível, não permitindo, assim a livre alienação oriunda do regime que fora pactuado entre as partes, o que provocará a morte do regime de separação convencional de bens.
- No caso em questão há uma clara atenuação do art. 1845/ 02 do cc pelo próprio ordenamento jurídico ao permitir que as partes adotem o regime convencional de bens e assim, alienar ou gravar de ônus real livremente o arranjo patrimonial, amparando ainda a exclusividade e administração do patrimônio pessoal anterior ou posterior ao matrimônio , afastando do caso a aplicação do art. 1846/ 02 do cc que impede a alienação livre e impõe que seja preservado metade dos bens da herança pertencentes aos herdeiros necessários, e o art. 1845 do cc/ 02.
- Entendimento em sentido contrário seria estimular a insegurança jurídica, uma vez que a lei empresta ao negócio jurídico força obrigatória com objetivo de ser a pedra angular do negócio, ou seja, aquilo que passa segurança jurídica às partes. Sem o reconhecimento da obrigatoriedade dos contratos, a palavra dos homens careceria de força jurídica, em prejuízo à segurança das relações negociais.
- Se os contraentes do matrimônio optaram por um completa separação patrimonial durante toda vida e não requereram alteração do regime pactuado em vida, não pode o interprete e nem o legislador assim fazê-lo sob pena de violação ao princípio constitucional da vedação ao retrocesso que rege os direitos fundamentais e consequentemente o direito à herança, já conquistados pelos descendentes e ascendentes e passíveis de fruição, ocasionando em grave ofensa ao referido princípio que impede que norma superveniente atinja negativamente direito social já conquistado, posto que uma norma infraconstitucional posterior adstringe o direito conferido aos sucessores, admitindo uma “comunhão patrimonial atípica post mortem” em franco desrespeito ao direito à herança e a autonomia privada das partes.
- A sucessão traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida, devendo, assim, ser respeitado o regime de bens adotado pelas partes. Inadmitindo a alteração do regime de bens na ausência de uma das partes, levando ainda em consideração a boa-fé objetiva como exigência de honestidade na conduta das partes. Assim, o cônjuge supérstite não pode esquivar-se do regime pactuado com o de cujus, posto que pactuou livremente com a parte o regime de bens.
- O regime da separação convencional de bens deve ter os mesmos efeitos na sucessão post mortem que o regime da separação obrigatória, ainda que não esteja expresso no rol das exceções do art. 1829,I do cc/02, tendo em vista a incompatibilidade de concorrência e meação do regime pactuado entre as partes, assim como ocorre no regime da separação obrigatória, não podendo o art.1829,I do cc/02 ser considerado taxativo e sim analisado conforme o regime de bens adotado, bem como o direito à herança e o princípio da dignidade da pessoa humana.
-O regime de separação convencional de bens adotado pelas partes obriga à sua observância em qualquer caso, oriundo do ato de liberalidade permitido pelo próprio ordenamento jurídico, não havendo, assim, direito à meação e concorrência ao cônjuge supérstite.
Diante de todo o exposto supra, deve prevalecer o entendimento que conjuga e torna complementares o instituto em análise e os citados dispositivos à luz de todo o ordenamento jurídico, velando pela segurança jurídica das relações negociais, bem como ao princípio da boa fé, da dignidade da pessoa humana, da vedação ao retrocesso e o direito fundamental à herança conferida aos sucessores.
3 CONCLUSÃO
A posição do cônjuge supérstite no direito brasileiro melhorou muito com a entrada em vigor do Código Civil de 2002. O cônjuge foi alçado à categoria de herdeiro necessário, o que lhe garante a proteção da legítima, ou seja, cinquenta por cento do patrimônio deve ser garantido para a sucessão dos herdeiros necessários e garante também que não seja retirado da sucessão, salvo nas hipóteses de indignidade e deserdação. Além disso, no código civil de 1916, o cônjuge figurava na terceira classe da ordem de vocação hereditária, após os descendentes e ascendentes, sucessivamente. Já no código civil em vigor, o cônjuge faz parte da primeira classe, concorrendo com os descendentes; da segunda classe, concorrendo com os ascendentes e da terceira classe, de maneira isolada.
Dessa maneira, é possível notar o quanto a situação do cônjuge melhorou com a mudança do instituto legal. A proteção do cônjuge supérstite é uma tendência mundial. O direito brasileiro é, inclusive, mais avançado que o direito de muitos países em termos de direito sucessório do cônjuge, para o qual se busca o amparo econômico tendo em vista sua função central no instituto familiar. No entanto, a norma que propõe a ordem sucessória no direito brasileiro, qual seja o art. 1.829, I do CC/02 possui uma péssima redação, fazendo surgir diversas interpretações. É fato inegável que se buscou a proteção do cônjuge ao colocá-lo nas duas primeiras classes em concorrência com os descendentes e ascendentes, sucessivamente. Porém, a norma em questão não tem a melhor técnica legislativa.
O art. 1.829, I do CC/02 peca por ser casuístico demais, tentando abarcar todas as hipóteses de sucessão envolvendo os regimes de bens que podem ser escolhidos no casamento. O grande problema é que esse casuísmo todo não conseguiu abarcar todas as situações fáticas existentes, o que gerou grandes debates doutrinários e divergências jurisprudenciais, principalmente no tocante da contradição no que diz respeito o cônjuge sobrevivente em concorrência com os descendentes, mesmo sendo regime de separação convencional de bens.
Infelizmente, o STJ, órgão responsável constitucionalmente pela uniformização da jurisprudência, contribuiu para o aumento da insegurança jurídica tendo em vista que por anos proferiu decisões totalmente divergentes a respeito da matéria e tem trilhado o entendimento que fere de morte o regime convencional de bens ao esmagar o pacto firmado pelas partes, em grave ofensa ao direito à herança, ao princípio da vedação ao retrocesso, dignidade da pessoa humana e boa-fé objetiva na conduta face as relações negociais.
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Graduando em Direito pela Faculdade metropolitana de Manaus - MANAUS (FAMETRO).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CUNHA, Mateus Almeida da. A concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente no regime da separação convencional de bens. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 fev 2024, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58551/a-concorrncia-sucessria-do-cnjuge-sobrevivente-no-regime-da-separao-convencional-de-bens. Acesso em: 23 dez 2024.
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