RESUMO: Este artigo tem como tema os impactos das decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) na Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, conhecida como Reforma Trabalhista, no que se refere aos danos existenciais. O estudo foi realizado como forma de ensejar a discussão sobre o dano existencial após as alterações legais, ainda pouco discutido no Brasil, de modo a contribuir na definição de seu conceito e critérios utilizados para a sua identificação, possibilitando sua aplicação aos casos concretos em que for visualizado e permitindo uma compensação adequada às vítimas dessas violações. O método dedutivo foi utilizado no trabalho, tendo sido realizada pesquisa bibliográfica e jurisprudencial sobre o tema em foco. Ao final, observou-se que a Reforma Trabalhista visou a restringir a proteção extrapatrimonial dos trabalhadores, pouco aproveitando dos debates relativos aos danos existenciais no TST e que, por essa razão, é necessária cautela na interpretação do Título II-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e novos estudos relativos aos danos extrapatrimoniais, em especial os existenciais.
Palavras-chave: dano existencial; danos extrapatrimoniais; reforma trabalhista.
1 INTRODUÇÃO
A discussão sobre o conceito de danos extrapatrimoniais e morais no Brasil está longe de ser pacificada. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência apresentam conceituações distintas, com consequências práticas relevantes, especialmente na adoção dos critérios que irão nortear o juízo na fixação de uma compensação proporcional aos prejuízos sofridos.
Alguns doutrinadores entendem que no ordenamento jurídico brasileiro não há razão para diferenciação entre dano extrapatrimonial e dano moral, já que o Brasil possui um sistema aberto com cláusulas gerais de dano (FARIAS; BRAGA NETTO; ROSENVALD, 2015, p. 300-301). Segundo esse posicionamento, essa distinção só é necessária em sistemas fechados de reparação, como é o caso da Itália. Acabam criticando, por conseguinte, o surgimento de novos tipos de danos, como o existencial, por entenderem que todos se enquadram como dano moral.
Em sentido contrário, há quem defenda que o dano extrapatrimonial equivale ao dano moral lato sensu, pois é gênero que abarca todos os prejuízos que não possuem consequência patrimonial direta, como é o caso de Tuma (2016, p. 92). Já o dano moral em sentido estrito, nesse cenário, é o que viola direitos da personalidade, independentemente da ocorrência ou demonstração de dor ou sofrimento.
Dito isso, partindo-se da premissa de que dano extrapatrimonial é gênero, é possível identificar várias espécies. Dentre elas, há uma que tem galgado certo destaque no cenário brasileiro, especialmente no Direito do Trabalho: o dano existencial. Para a autora Flaviana Rampazzo Soares, esse tipo danoso é
(...) a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a vítima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina (SOARES, 2009, p. 44).
Nesse contexto, e considerando a significativa jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre os danos existenciais, o objetivo deste artigo é analisar, do ponto de vista jurídico, o impacto das decisões da Corte Superior trabalhista na elaboração da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, mais conhecida como Reforma Trabalhista, no tocante ao dano existencial, assim como de averiguar a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre tal alteração legislativa.
Justifica-se a escolha do tema na sua importância na atualidade, já que está começando a ser discutido no Brasil, sendo a literatura sobre o assunto ainda escassa. Apesar disso, não é possível negar a sua relevância, em razão das consequências práticas que tem gerado, inclusive o reconhecimento de sua existência no ordenamento jurídico brasileiro por intermédio de lei.
Isso posto, passa-se à análise do impacto da jurisprudência do TST sobre o dano existencial na reforma trabalhista.
2 IMPACTOS DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO SOBRE O DANO EXISTENCIAL NA REFORMA TRABALHISTA
Os pedidos de danos existenciais no Brasil têm se restringido ao direito do trabalho e têm sido fundamentados quase exclusivamente nas jornadas exaustivas, malgrado outros fatos possam ocasioná-los no âmbito trabalhista, como acidentes que causem à amputação de um membro[1] ou a exposição a substâncias tóxicas que impeçam o empregado de ter filhos.
Nesse contexto, em pesquisa realizada (ROCHA, 2017, no prelo), foram verificados quais parâmetros jurídicos eram utilizados pelo TST para reconhecer o dano existencial como categoria jurídica autônoma de dano nos casos em que os empregados são submetidos a jornadas excessivas de trabalho.
Para isso, foi utilizado como fonte o artigo do autor Molina (2016, p. 163-166), o qual apresenta a evolução jurisprudencial sobre dano existencial por jornadas excessivas de trabalho no TST entre os anos de 2014 e 2015, apontando a mudança de posicionamento nesse período, e realizada pesquisa atualizada até setembro de 2017.
Como resultado, constatou-se que o TST é a Corte brasileira mais avançada em relação ao tema, dado que há alguns anos reconhece o dano existencial como categoria jurídica autônoma de dano, discutindo suas características próprias.
Os principais parâmetros jurídicos identificados como aqueles utilizados pela Corte para o reconhecimento desse tipo danoso específico nos casos em que os trabalhadores são submetidos a jornadas excessivas de trabalho foram:
a) prejuízo à integridade psicofísica com aumento do cansaço e risco de acidentes;
b) violação do direito à liberdade, ao lazer e à desconexão, impedindo a autodeterminação e autorrealização do empregado;
c) jornada excessiva imposta de forma habitual, durante período considerável;
d) ocorrência do prejuízo (objetivamente aferível) às relações familiares, sociais e individuais do empregado ou ao seu projeto de vida;
e) prova do dano, não considerado in re ipsa; e
f) reparação conglobada, mesmo quando reconhecida a ocorrência de dano existencial e de dano moral.
Verificou-se, outrossim, que apesar de terem sido apresentadas definições de danos existenciais harmoniosas com a doutrina brasileira, ainda assim, alguns Ministros os confundiam com os morais.
Dessa confusão, originou-se o entendimento de que não só os danos existenciais (cujas consequências seriam objetivamente aferíveis) demandariam provas para o deferimento da indenização; os morais (que atingem a esfera subjetiva da vítima e têm sido considerados in re ipsa), quando decorrentes de jornadas excessivas, também necessitariam da comprovação do dano.
Misturaram-se, assim, os diferentes tipos de prejuízo, embaralhando-se os requisitos para suas compensações e dificultando a obtenção de uma reparação parcial.
Em face dessas considerações, concluiu-se que apesar de o TST ser o Tribunal brasileiro mais avançado nos debates sobre os danos existenciais, ainda é necessário que os estudos sejam aprofundados, para que se evitem indefinições e obscuridades sobre conceitos dos tipos danosos analisados pelos Ministros, assim como sobre os critérios utilizados para o reconhecimento específico do dano existencial.
Nesse cenário, não se pode negar a relevância da positivação do dano existencial na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que a jurisprudência do TST teve influência direta na Reforma Trabalhista como um todo, inclusive no tocante aos danos extrapatrimoniais. Essa afirmação se confirma no relatório do Deputado Rogério Marinho, no qual justificou a inclusão do Título II-A à CLT:
Também é objeto do Substitutivo uma regulamentação para o dano extrapatrimonial, visando disciplinar o procedimento para a concessão do dano moral e do dano existencial ou de outros tipos de reparação que venham a ser criados.
(…)
Vivemos hoje, no Judiciário brasileiro, um fenômeno que cresce dia após dia, que é o ajuizamento de ações visando à indenização por danos morais. E, além do dano moral, temos, ainda, uma nova figura que tem sido pleiteada – e concedida – com razoável constância pelo juízo trabalhista que é o dano existencial.
Reconhecemos a importância do tema, mesmo porque o pagamento de indenização quando verificado o dano está previsto na Constituição Federal, nos termos do inciso X do art. 5º. Com o que não podemos concordar, todavia, é a total falta de critério na sua fixação.
Na Justiça do Trabalho, segundo dados do próprio TST, em torno de 1% a 2% das ações ajuizadas no ano de 2016 tratavam, exclusivamente, de indenização por dano moral ou existencial. Entretanto esses dados não levam em consideração o fato de que quase todas as ações trabalhistas trazem um pedido acessório de indenização por danos morais, fundada, muitas vezes, em mero descumprimento da legislação trabalhista.
Como há um vácuo nas leis do trabalho quanto ao tratamento da matéria, os pedidos são formulados com base na legislação civil, a qual também não oferece critérios objetivos para lidar com o tema.
A ausência de critérios objetivos e o alto nível de discricionariedade conferidos ao magistrado na fixação judicial dessas indenizações trazem insegurança jurídica, lesando a isonomia de tratamento que deve ser dada a todos os cidadãos. Não é raro que se fixem indenizações díspares para lesões similares em vítimas diferentes. Do mesmo modo, são comuns indenizações que desconsideram a capacidade econômica do ofensor, seja ele o empregado ou o empregador, situação que se mostra agravada no caso dos empregadores, porquanto ações de prepostos podem gerar valores que dificultem, ou mesmo inviabilizem, a continuidade do empreendimento.
Diante desses fatos, estamos propondo a inclusão de um novo Título à CLT para tratar do dano extrapatrimonial, o que contempla o dano moral, o dano existencial e qualquer outro tipo de dano que vier a ser nominado. A inserção desses dispositivos na CLT evitará que tenhamos decisões díspares para situações assemelhadas, como temos visto com alguma frequência em nosso Judiciário. Acreditamos que essa medida facilitará a atuação dos magistrados do trabalho, que terão critérios objetivos para definir o valor da indenização, sem que tenham a sua autonomia decisória ferida.
Isso posto, foca-se, inicialmente, na redação do art. 223-B da CLT, que incluiu o dano existencial expressamente como um dos danos extrapatrimoniais que devem ser compensados:
Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.
Nota-se, pelo texto, que o legislador reconheceu que uma conduta (ativa ou omissa) pode ocasionar danos morais ou existenciais, não sendo necessária a ocorrência de ambos para a reparação, embora nada impeça que uma única ação ou omissão viole as duas esferas.
Ademais, o legislativo optou por um modelo de reparação conglobado dos danos extrapatrimoniais, na linha de pensamento do TST e dos autores Farias, Braga Netto e Rosenvald[2], de modo a definir um único valor capaz de reparar as esferas moral e existencial da pessoa conjuntamente.
Nesse contexto, frisando-se o que expôs o Deputado, é importante destacar que não apenas os danos morais e existenciais devem ser reparados pelo empregador nas relações de trabalho; de fato, outros danos extrapatrimoniais podem ser identificados e devidamente compensados pelo violador, como, por exemplo, os danos biológicos[3], independentemente de nominação.
Dessa forma, é necessária cautela na interpretação do art. 223-B da CLT, de modo que não só as esferas moral e existencial do trabalhador sejam consideradas protegidas, e sim todo e qualquer aspecto extrapatrimonial que o integram. Tal ressalva é especialmente pertinente diante dos artigos 223-A e 223-C da CLT, também incluídos pela Reforma Trabalhista:
Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.
Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.
Como bem explica o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região Sebastião Geraldo de Oliveira (2017, p. 338-340), a Lei nº 13.467, de 2017, teve a clara intenção de limitar o dano moral na esfera trabalhista, conquanto tenha tentado passar a impressão contrária ao positivar o dano existencial:
De início, vale enfatizar que a regulamentação introduzida só abrange os danos morais ou extrapatrimoniais. Desse modo, numa ação indenizatória por acidente do trabalho ou doença ocupacional, o julgamento do dano material (danos emergentes, lucros cessantes ou pensão, perda de chance) continuará utilizando como fonte normativa os dispositivos do Código Civil, por aplicação subsidiária determinada pelo art. 8º da CLT.
Cabe destacar a contradição expressa deste comando legal com a diretriz básica adotada pela reforma, a respeito da aplicação subsidiária do direito comum no direito do trabalho. A Lei n. 13.467/2017 suprimiu do art. 8º da CLT o importante e septuagenário filtro de compatibilidade, que só autorizava a aplicação subsidiária do direito comum “naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais” do direito do trabalho. Assim, apontou a reforma que, nos silêncios da CLT, aplicam-se de imediato as regras do direito comum, abstraindo-se da análise sobre a compatibilidade com os princípios que regem o direito do trabalho. O sinal ostensivo foi, portanto, no sentido de alargar a influência da legislação civil no direito do trabalho.
Entretanto, no art. 223-A que inaugura o novo Título da CLT, o legislador abandonou a diretriz apontada e colocou um filtro redutor caprichosamente com sinal invertido, para limitar a reparação do dano moral sofrido pelo trabalhador. Com efeito, ao estabelecer que se aplicam “apenas” os dispositivos da nova regulamentação para o dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho, o legislador indicou que não quer a aplicação subsidiária do direito comum nesse tópico, exatamente com o propósito de estabelecer uma indenização mitigada e parcial dos danos extrapatrimoniais trabalhistas, como veremos na análise de cada artigo.
É certo que os novos dispositivos do Título II-A devem ser considerados na apreciação dos danos morais, mas é inviável afastar por completo a regulamentação a respeito prevista no Código Civil e em outras normas esparsas, mormente porque a regulamentação proposta é limitada e não aponta soluções para todas as controvérsias, como já pacificado no âmbito do direito civil.
Dessa forma, a despeito do relatório produzido pelo Poder Legislativo, deve-se ter em conta que o objetivo primordial da Constituição Federal de 1988 (CF/88) é a proteção da dignidade da pessoa humana e, portanto, os empregados, como seres humanos, devem ser integralmente tutelados.
Outrossim, observa-se que a compensação foi expressamente estendida às pessoas jurídicas. Nesse quadro, é importante dizer que é pacífico o entendimento de que elas podem sofrer danos morais, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[4] (STJ), desde que consideradas as peculiaridades e diferenças em relação às pessoas físicas, razão pela qual apenas aspectos objetivos[5] da moral são indenizados no caso daquelas.
Contudo, não foram localizadas quaisquer discussões no tocante à possibilidade de indenização de danos existenciais a uma pessoa jurídica. De fato, embora possam sofrer danos morais, não parece adequado estender-lhes a possibilidade de compensação por danos existenciais.
Isso porque, conquanto seja possível argumentar que uma pessoa jurídica foi constituída por uma razão específica e que seu objetivo pode ser atrapalhado por determinadas condutas, a previsão de compensação do dano existencial por violação ao projeto de vida e à vida de relações, visa, em realidade, a proteger algo essencialmente humano: a liberdade, a possibilidade de fazer escolhas internas e externas, o que uma pessoa jurídica não tem capacidade de realizar de forma direta e consciente, mas tão somente por intermédio de seus sócios ou administradores.
Logo, inexiste esfera existencial da pessoa jurídica a ser tutelada, posto que o novo art. 223-B da CLT induza indevidamente ao entendimento contrário.
Ademais, a parte final do dispositivo objetivou afastar jurisprudência consolidada não só do TST, como de todos os tribunais em geral, inclusive do STJ, na medida em que tentou impedir a compensação por danos extrapatrimoniais por ricochete que, embora seja discutível do ponto de vista da quantidade de legitimados, é amplamente reconhecida no cenário nacional, especialmente no tocante à família do prejudicado direto.
Sobre o tema, expõe o professor Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 98-100):
Não se discute que tem legitimidade para a ação indenizatória toda e qualquer pessoa que alega ter sofrido um dano. A questão que se coloca, e para a qual ainda não solução definitiva na lei, nem na doutrina e na jurisprudência, é quanto ao limite para a reparação do dano moral. Até que grau um parente pode pleitear indenização por esse dano em razão da morte de familiar? Irmãos, primos, tios? E o amigo íntimo, teria também legitimidade? Os fãs de um artista ou atleta famoso também teriam? Ainda que sejam milhões? Não há que se negar que todos sofrem intensamente com a perda de alguém querido, mas só por isso todos terão direito à indenização pelo dano moral? Um parente próximo pode sentir-se feliz pela morte da vítima, enquanto o amigo sofrerá intensamente.
Há os que entendam não haver limites, mormente entre os parentes, nem qualquer concorrência entre os atingidos pelo ato ilícito, podendo a indenização ser postulada por qualquer dos prejudicados: sustentam que não se pode hierarquizar o direito postulatório dos lesados, criando-se preferência entre eles, de modo que o direito de uns afastaria o dos demais. Em suma, a reparação do dano moral não se submeteria a nenhuma regra sucessória, nem previdenciária.
O Direito, todavia, é um conjunto de normas lógicas que não podem nos conduzir a conclusões absurdas. Entendo que também aqui a solução deva ser buscada no princípio da razoabilidade. O Código Civil Português, em seu art. 496, nº 2, tem regra expressa sobre esta questão que bem pode ser adotada como norte. No caso de morte da vítima, o direito à indenização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos descendentes da vítima; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes, e por último aos irmãos ou sobrinhos que o representam.
O nosso Código Civil, lamentavelmente, nada dispôs a respeito. A regra do seu art. 948, II, entretanto, embora pertinente ao dano material, pode ser aplicada analogicamente para limitar a indenização pelo dano moral àqueles que estavam em estreita relação com a vítima, como o cônjuge, companheira, filhos, pais e irmãos menores que viviam sob o mesmo teto. A partir daí, o dano moral só poderá ser pleiteado na falta daqueles familiares e dependerá de prova de convivência próxima e costume. (...).
Temos nesses casos o chamado dano moral reflexo ou indireto, também denominado dano moral por ricochete. No REsp 1.208.949, Rel. Ministra Nancy Andrighi, o STJ voltou a enfrentar a questão, mantendo o mesmo entendimento: “Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa.” Na motivação do voto a douta relatora destacou: “embora o ato tenha sido diretamente contra determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. É o chamado dano moral por ricochete ou préjudice d’affection, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores”.
Nota-se que não há dúvidas quanto à existência e necessidade de compensar danos morais por ricochete, que são danos autônomos em relação a um mesmo fato gerador; o que se discute, atualmente, são os limites da indenização – quantas pessoas poderiam ser compensadas de forma reflexa?
Assim, ao estabelecer que a pessoa física ou jurídica atingida é a titular exclusiva do direito à reparação, a Lei, de forma desarrazoada – diferentemente do que propôs o autor supracitado – buscou impedir a devida reparação às vítimas reflexas de danos extrapatrimoniais.
Nessa conjuntura, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, aprovou diversos enunciados, os quais são orientações jurídicas não vinculantes à magistratura trabalhista, dentre os quais o enunciado nº 20, defendendo o seguinte:
DANO EXTRAPATRIMONIAL: LIMITES E OUTROS ASPECTOS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. O ART. 223-B DA CLT, INSERIDO PELA LEI 13.467, NÃO EXCLUI A REPARAÇÃO DE DANOS SOFRIDOS POR TERCEIROS (DANOS EM RICOCHETE), BEM COMO A DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS OU MORAIS COLETIVOS, APLICANDO-SE, QUANTO A ESTES, AS DISPOISÇÕES PREVISTAS NA LEI 7.437/1985 E NO TÍTULO III DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Entende-se que o posicionamento defendido pela Associação está em harmonia com a CF/88 e com as demais normas do ordenamento jurídico brasileiro, sendo o objetivo do legislador, ao incluir tal limitação, materialmente inconstitucional e desconectado da realidade brasileira.
Veja-se: não só é possível como fácil que um dano existencial infligido a um trabalhador traga consequências extrapatrimoniais graves a pessoas próximas a quem foi diretamente lesionado.
Cita-se, como exemplo, o caso do empregado que, após sofrer acidente de trabalho, perde os braços, tornando-se dependente nas atividades básicas do dia a dia. A esposa, embora não tenha sido diretamente prejudicada, poderá também sofrer um dano existencial, diferente, mas estritamente ligado ao de seu marido. Afinal, inegavelmente suas relações pessoais e até mesmo os seus planos de vida podem ser impactados negativamente; seria a hipótese da necessidade de abandonar os estudos ou o emprego para cuidar do cônjuge.
Nessa situação hipotética, a esposa não poderia ficar desamparada; e, por ter o dano sofrido decorrido do acidente de trabalho de seu marido, o responsável legal pela reparação seria o empregador em cujo benefício o homem teve a sua integridade física e moral violada.
Salienta-se, por oportuno, que mesmo o Direito Civil protege preferencialmente os prejudicados e não o causador do dano, independentemente da ocorrência de ato ilícito. A título de exemplificação, tem-se a leitura conjunta dos artigos 188, inciso II, 929 e 930, todos do Código Civil, que assim dispõem:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
(...)
Infere-se, da leitura dos dispositivos, que conquanto a pessoa tenha agido em estado de necessidade, destruindo a coisa alheia ou lesionando pessoa a fim de remover perigo e não com a intenção de causar prejuízo, ainda assim caber-lhe-á indenizar o prejudicado direto que não tenha causado o perigo. É clara a opção pela proteção da vítima em detrimento do causador do dano, ainda que este tenha agido dentro da legalidade.
Sendo assim na esfera cível, que justificativa haveria para tratamento menos favorável às vítimas de danos relacionados ao direito do trabalho? Por que o agente em estado de necessidade deve indenizar terceiro prejudicado por sua conduta, mas o empregador não tem a mesma obrigação caso as atividades exercidas para a obtenção de suas finalidades particulares traga sérios agravos a terceiros intimamente ligados aos seus subordinados?
Apesar de tratar daqueles que estão diretamente inseridos na relação laboral, o enunciado nº 18 da ANAMATRA, que trata da inconstitucionalidade do art. 223-A da CLT, é plenamente aplicável a essa hipótese. Leia-se o texto do enunciado mencionado:
DANO EXTRAPATRIMONIAL: EXCLUSIVIDADE DE CRITÉRIOS. APLICAÇÃO EXCLUSIVA DOS NOVOS DISPOSITIVOS DO TÍTULO II-A DA CLT À REPARAÇÃO DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS DECORRENTES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO: INCONSTITUCIONALIDADE. A ESFERA MORAL DAS PESSOAS HUMANAS É CONTEÚDO DO VALOR DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III[6], DA CF) E, COMO TAL, NÃO PODE SOFRER RESTRIÇÃO À REPARAÇÃO AMPLA E INTEGRAL QUANDO VIOLADA, SENDO DEVER DO ESTADO A RESPECTIVA TUTELA NA OCORRÊNCIA DE ILICITUDES CAUSADORAS DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS NAS RELAÇÕES LABORAIS. DEVEM SER APLICADAS TODAS AS NORMAS EXISTENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO QUE POSSAM IMPRIMIR, NO CASO CONCRETO, A MÁXIMA EFETIVIDADE CONSTITUCIONAL AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 5º, V E X[7], DA CF). A INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ART. 223-A DA CLT RESULTARIA EM TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO INJUSTO ÀS PESSOAS INSERIDAS NA RELAÇÃO LABORAL, COM INCONSTITUCIONALIDADE POR OFENSA AOS ARTS. 1º, III; 3º, IV[8]; 5º, CAPUT E INCISOS V E X E 7º, CAPUT[9], TODAS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Destarte, os princípios do direito civil compatíveis com os do ramo trabalhista não só podem como devem ser aplicados nesses casos, afastando a interpretação de que empregadores não são passíveis de condenação a pagamento de danos morais ou existenciais reflexos.
Por fim, frisa-se que apesar de a liberdade – principal bem jurídico protegido pelo dano existencial, dentre outros resguardados – ter sido expressamente mencionado no art. 223-C da CLT, o dispositivo não pode ser considerado exauriente, ou seja, os bens nele citados são meramente exemplificativos, sob pena de limitação indevida à proteção do ser humano e de sua dignidade, além da discriminação injustificável entre os que constituem partes de uma relação laboral e aqueles que integram relações cíveis ou de outra natureza.
Assim entendeu a ANAMATRA no enunciado nº 19:
DANOS EXTRAPATRIMONIAIS: LIMITES. É DE NATUREZA EXEMPLIFICATIVA A ENUMERAÇÃO DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS DOS TRABALHADORES CONSTANTE DO NOVO ART. 223-C DA CLT, CONSIDERANDO A PLENITUDE DA TUTELA JURÍDICA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, COMO ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTIGOS 1º, III; 3º, IV, 5º, CAPUT E § 2º).
Ressalta-se que a Associação ajuizou duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) relativas ao art. 223-G acrescido na CLT pela Reforma Trabalhista, abaixo transcrito:
Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
I - a natureza do bem jurídico tutelado;
II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III - a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII - o grau de dolo ou culpa;
VIII - a ocorrência de retratação espontânea;
IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X - o perdão, tácito ou expresso;
XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII - o grau de publicidade da ofensa.
§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
(...)
A primeira delas foi a ADI nº 5870, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, na qual foram questionados os incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, com a redação que lhes foi dada pela Medida Provisória (MP) nº 808, de 14 de novembro de 2017.
A impugnação foi dirigida à tarifação dos danos morais, já julgada inconstitucional pelo STF ao analisar a Lei de Imprensa[10], tendo em vista a violação ao princípio da reparação integral do dano, extraído dos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal, o que também atingiria, por consequência, a dignidade da pessoa humana.
Posteriormente, com a perda da vigência da MP em questão, a Associação requereu desistência da ação, cujo trânsito em julgado de extinção sem julgamento de mérito ocorreu em março de 2022, e ajuizou a ADI nº 6050, pendente de julgamento.
Ante as ADIs, a Procuradora-Geral da República Raquel Dodge emitiu o Parecer nº 160/2018-SFCONST/PGR, em que discorreu sobre o Título II-A da CLT e solicitou, também, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 223-A e 223-C da CLT, com o qual se concorda integralmente:
A Lei 13.467/2017 inseriu na CLT o Título II-A – “Do Dano Extrapatrimonial” – composto pelos arts. 223-A a 223-G, que disciplinam a reparação de danos de natureza extrapatrimonial na esfera das relações de trabalho.
O art. 223-B conceitua o dano extrapatrimonial como o prejuízo de ordem moral ou existencial causado à pessoa física ou jurídica. O art. 223-C, por sua vez, aponta como bens jurídicos extrapatrimoniais da pessoa natural tutelados pelo complexo normativo “a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física”. A MP 808/2017, cuja eficácia se expirou por decurso de prazo (CF/1988, art. 62-§3º), havia alterado a redação desse dispositivo, para incluir, dentre os bens tutelados, também a etnia, a idade, a nacionalidade, o gênero e a orientação sexual.
Essa tentativa frustrada de complementação normativa logo evidencia que, longe de esgotar o rol de direitos de personalidade passíveis de tutela no âmbito das relações de trabalho, a referida norma desafia interpretação ampliativa, compreensiva de todos os direitos de personalidade garantidos pela Constituição, os quais, na dicção de seu art. 5º-§2º, “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Interpretação numerus clausus da norma implicaria inconstitucionalidade, por exclusão de tutela a direitos fundamentais não previstos no enunciado normativo.
(...)
Firmadas essas premissas, razão assiste à requerente quanto à inconstitucionalidade do art. 223-G-§1º-I-II-III-IV da CLT. O dispositivo impugnado restringe a tutela do direito fundamental à incolumidade moral, contrariando o mandamento constitucional de máxima tutela aos direitos de personalidade. A tutela reparatória desses direitos somente seria passível de restrição quando essencialmente necessário e na medida estrita da necessidade de implementação de outros direitos fundamentais, dotados de idêntica dignidade, por força de uma “reserva geral de ponderação”, à luz do princípio hermenêutico da proporcionalidade. Mas, não é o que ocorre no caso em apreço.
A limitação indenizatória imposta pelo dispositivo impugnado não decorre de reserva legal prevista na Constituição, nem se ampara em “reserva geral de ponderação”, pois não decorre de conflito entre direitos fundamentais, a justificar ingerência restritiva do legislador ordinário. O exercício da livre iniciativa empresarial é garantia plenamente conciliável com os direitos fundamentais de personalidade, titularizados pelo trabalhador, especialmente considerando as funções sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamento da República (CF/1988, art. 1º, IV).
A instituição prévia e abstrata de valores máximos para indenizações por danos morais no âmbito trabalhista impede a proteção jurisdicional suficiente aos direitos violados, sempre que, nos casos concretos, esses valores não forem bastantes para conferir integral reparação ao dano, proporcionalmente ao agravo (CF/1988, art. 5º-V) e à capacidade financeira do infrator, inibindo, nessa hipótese, o efeito pedagógico-punitivo da reparação do dano moral.
Refoge, por isso, ao campo de ação discricionária do legislador a restrição à tutela reparatória garantida no art. 5º-V-X da Constituição, na medida em que restringe sem respaldo constitucional a disciplina tuitiva de direitos fundamentais personalíssimos, mormente considerando que a restrição recai exclusivamente sobre uma esfera de relações privadas, como, no caso da norma impugnada, a esfera das relações de trabalho, sem que haja justificativa de índole constitucional que justifique o discrímen.
Restou clara a pretensão do legislador da Lei 13.467/2017 de promover o isolamento disciplinar dos direitos fundamentais de personalidade na órbita das relações de trabalho, para submeter-lhes à referida restrição reparatória. Dispõe o novo art. 223-A da CLT que se aplicam à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho “apenas os dispositivos deste Título” (sem ênfase no original), referindo-se ao Título II-A da CLT (Do Dano Extrapatrimonial), inserido pelo diploma legal impugnado.
Evidente o propósito do legislador de impedir a aplicação, no âmbito das relações de trabalho, das normas do Título IX do Código Civil, que cuidam da responsabilidade civil e, particularmente, de seu art. 944, que, ao determinar o dimensionamento da indenização pela extensão do dano, acolhe o princípio constitucional da reparação integral, inspirado no ideal de reposição da vítima ao estado anterior à ocorrência do agravo.
Esse isolamento disciplinar redutor de tutela jurídica de direitos existenciais no âmbito das relações de trabalho enseja restrição de direitos fundamentais determinada pela condição de empregado ou prestador de serviço da vítima em face do ofensor. Contraria-se, com essa fórmula, a relevância da posição ocupada pelo trabalho e pelo meio ambiente de trabalho saudável na ordem constitucional, em violação aos arts. 1º-IV, 170,31 19332 e 225-§3º33 da Carta Magna. Nega-se, ainda, a amplitude do direito fundamental à indenização por acidente do trabalho, previsto no art. 7º-XXVIII da Constituição.
(...)
Opina-se ainda pela declaração ex officio de inconstitucionalidade por arrastamento dos parágrafos 2º e 3º do art. 223-G da CLT, inseridos pela Lei 13.467/2017, o primeiro porque tarifa o valor de indenização por dano extrapatrimonial devido à pessoa jurídica, e o segundo porque autoriza a elevação ao dobro do valor da indenização tarifada, em caso de reincidência entre partes idênticas: (...).
Sugere-se, por fim, a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento dos arts. 223-A43 e 223-C44 da CLT, também inseridos pela Lei 13.467/2017. O art. 223-A, segundo exposto, por restringir a tutela dos direitos de personalidade na esfera trabalhista em razão da qualidade de empregado ou prestador de serviço ostentada pela vítima, em violação ao princípio isonômico (CF/1988, art. 5º-caput), e o segundo, por limitar os direitos de personalidade passíveis de tutela na seara trabalhista, em violação ao princípio da reparação integral do dano extrapatrimonial, previsto no art. 5º-V-X da Constituição.
O STF admite a declaração ex officio de inconstitucionalidade consequencial ou por atração de norma não impugnada que decorra, encontre fundamento de validade ou tenha sua incidência dependente da norma principal declarada inconstitucional, hipótese presente no tocante aos dispositivos acima apontados.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), por sua vez, pleiteou o reconhecimento da inconstitucionalidade dos artigos 223-A e 223-G da CLT na ADI nº 6069; além dos argumentos postos pela ANAMATRA, suscitou a violação aos princípios da igualdade, haja vista que os submetidos à justiça especializada teriam um teto indenizatório, enquanto nas relações cíveis, não haveria limites; do livre convencimento do magistrado; da razoabilidade e da proporcionalidade; da proteção do trabalho; e da vedação de retrocesso social.
Por fim, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) ajuizou a ADI nº 6082 contra os dispositivos também impugnados pelo CFOAB, apresentando os mesmos argumentos expostos pela ANAMATRA.
Sobre as ações concentradas de inconstitucionalidade mencionadas, é importante dizer que o STF julgou prejudicada a ADI nº 5870 por perda do objeto e determinou que todas as demais fossem apensadas à ADI nº 6050 para análise conjunta, haja vista a conexão entre elas. Atualmente, o julgamento está suspenso por pedido de vista do Ministro Nunes Marques.
Contudo, é importante salientar que o Ministro Gilmar Mendes, Relator das referidas ações, já apresentou o seu voto, julgando os pedidos parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme à Constituição aos dispositivos questionados nas ADIs:
Decisão: Após o voto do Ministro Gilmar Mendes (Relator), que conhecia das ADI 6.050, 6.069 e 6.082 e julgava parcialmente procedentes os pedidos formulados, para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que: 1) As redações conferidas aos art. 223-A e 223-B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil; 2) Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e § 1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade, pediu vista dos autos o Ministro Nunes Marques. Ausente, justificadamente, o Ministro Luiz Fux (Presidente), impedido neste julgamento. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber (Vice-Presidente). Plenário, 27.10.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF).
Enquanto se aguarda a decisão definitiva do STF, evidencia-se que, a despeito do que disse o Deputado Rogério Marinho em seu relatório, a jurisprudência do TST não foi observada na Reforma Trabalhista.
Isso porque, embora o dano existencial tenha sido positivado, a Lei nº 13.467, de 2017, contrariou diversos entendimentos consolidados do Tribunal, tanto no tocante aos danos extrapatrimoniais de modo geral, como em relação aos danos existenciais, de forma mais específica. Quanto a estes, sequer foram observados os critérios do TST, uma vez que a integridade psíquica não foi elencada dentre os bens jurídicos tutelados, tampouco o direito à desconexão.
Por conseguinte, espera-se que o STF julgue inconstitucionais os artigos 223-A, 223-C e 223-G da CLT, permitindo que a jurisprudência trabalhista sobre os danos existenciais e os danos extrapatrimoniais, de forma mais ampla, continue a se desenvolver. E, de forma positiva, acredita-se que a positivação dos danos existenciais estimulará a doutrina e os tribunais brasileiros a estudar os diversos tipos de danos imateriais para garantir que a compensação chegue o mais próximo possível de uma reparação integral.
3 CONCLUSÃO
O trabalho impacta de forma relevante a vida de um indivíduo. Entre o tempo nele dispendido e nas demais dimensões da existência do trabalhador, deve haver um equilíbrio, permitindo-se que ele desenvolva seus potenciais, sua personalidade, assim como possa participar da vida social e familiar, exercendo seus direitos fundamentais e efetuando seus deveres constitucionais. Imperioso, por conseguinte, impedir a sua instrumentalização: ao trabalhar, não pode ser considerado um simples meio de produção para obtenção de lucros, deve-se garantir o respeito à sua dignidade, visto que é um ser humano e não uma máquina.
Nesse contexto, as decisões da Justiça do Trabalho têm sido importantes instrumentos para que o empregado busque seus direitos. Afinal, é a Justiça do Trabalho que detém competência para julgar as lides decorrentes do contrato de emprego, inclusive aquelas que tratam de danos patrimoniais e extrapatrimoniais originados na relação empregatícia. Todavia, no que tange aos danos existenciais, ainda há muito a se desenvolver, considerando-se que a escassez de estudos sobre o tema tem ensejado decisões conflitantes, nas quais tipos específicos de danos extrapatrimoniais são confundidos.
Diante disso, deve-se ressaltar que o TST é a Corte mais avançada no assunto. Há alguns anos reconhece o dano existencial como categoria jurídica autônoma de dano, discutindo suas características próprias. Contudo, o conteúdo das decisões pouco foi aproveitado na Reforma Trabalhista; de fato, conquanto o dano existencial tenha sido positivado por intermédio do art. 223-B da CLT, a Lei nº 13.467, de 2017, tentou restringir, injustificadamente, a proteção dos bens extrapatrimoniais dos trabalhadores, ao limitar o tema ao novel Título II-A da CLT e elencar de forma taxativa os bens tutelados, contrariando não só o TST, como todos os tribunais pátrios.
Mesmo sem alterar o texto constitucional, a Reforma Trabalhista atentou contra direitos fundamentais dos trabalhadores. Observa-se, entretanto, que a ANAMATRA tem se mobilizado para que seja declarada a inconstitucionalidade dos artigos que restringem a proteção extrapatrimonial dos trabalhadores, indicando que a Justiça do Trabalho não será conivente com qualquer tentativa de inferiorização de empregados.
Em face dessas considerações, conclui-se que o Título II-A deve ser interpretado com cautela, haja vista que está eivado de inconstitucionalidades apontadas pela ANAMATRA e questionadas perante o STF.
Além disso, reforça-se que ainda é necessário que os estudos sobre os danos existenciais sejam aprofundados, para que se evitem indefinições e obscuridades sobre conceitos dos tipos danosos analisados pelos Ministros, assim como sobre os critérios utilizados para o reconhecimento específico do dano existencial.
Com o desenvolvimento das pesquisas sobre o tema, talvez se consiga, no futuro, garantir uma tutela mais efetiva da dignidade da pessoa humana, permitindo-se o desfrute amplo de seus direitos fundamentais. Por isso, espera-se que estes estudos auxiliem na interpretação crítica da Reforma Trabalhista, contribuindo para que os valores das compensações cheguem, tanto quanto possível, próximos aos de indenizações integrais.
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[1] A título de exemplo, há julgados do TST que sequer mencionam os danos existenciais, a despeito da existência de acidente de trabalho que implicou redução permanente da capacidade laborativa do empregado (TST-ARR-28500-60.2009.5.02.0461, Relator: Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, Órgão Julgador: Sétima Turma, Data do Julgamento: 6/12/2017, Data da Publicação: DEJT 15/12/2017).
[2] Os autores supracitados apresentam o entendimento de que no ordenamento jurídico brasileiro não há razão para diferenciação entre dano extrapatrimonial e dano moral, já que o Brasil possui um sistema aberto com cláusulas gerais de dano (FARIAS; BRAGA NETTO; ROSENVALD, 2015, p. 300-301). Segundo esse posicionamento, essa distinção só é necessária em sistemas fechados de reparação, como é o caso da Itália. Acabam criticando, por conseguinte, o surgimento de novos tipos de danos, como o existencial, por entenderem que todos se enquadram como dano moral.
[3] Dano biológico é aquele que atinge a saúde física e/ou psíquica da pessoa, ou seja, ofende a integridade psicofísica, podendo ter consequências permanentes ou temporárias, totais ou parciais, gerando prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais. Difere do dano existencial, já que possui em essência aspecto médico-legal que o segundo pode não apresentar (SOARES, 2009, p. 110-111).
[4] Súmula nº 227/STJ - A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
[5] Tais como imagem, nome e reputação.
[6] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana
(...)
[7] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
[8] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
[9] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
[10] ADP 130/DF, Relator: Ministro Carlos Britto, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Data do Julgamento: 30/4/2009, Data da Publicação: DJe 6/11/2009.
Pós-graduada em Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Graduada em Direito na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Juliana Góes. Impactos da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho sobre o dano existencial na reforma trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58618/impactos-da-jurisprudncia-do-tribunal-superior-do-trabalho-sobre-o-dano-existencial-na-reforma-trabalhista. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
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