ELOISA COSTA DA SILVA
(orientadora)
RESUMO: O presente estudo teve por objetivo compreender sobre o conflito entre o direito à vida e direito à liberdade religiosa no litígio da transfusão de sangue em tratamentos médicos efetivado nos pacientes. Determinados grupos religiosos se rejeitam a recebê-lo declarando a sua crença religiosa para motivar sua decisão. Igualmente o direito à vida, o direito à liberdade religiosa é analisado um direito essencial, não tendo gradação entre eles. Apresenta-se também uma abreviada tese no assunto da divisão de direitos constitucionais, onde se discute se existe uma prevalência e sacrificação de um direito diante o outro, e ainda é destacado o livre-arbítrio de religião, de culto e de consciência. Faz-se ainda uma análise da jurisprudência. Para tanto, tem-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, de análise qualitativa, tendo-se utilizado quanto ao método de abordagem o dedutivo. Conclui-se, que levantado o litígio da transfusão em casos onde a pessoa é bancada por seu representante legal e em indivíduos que já são capazes, e uma precisa tese sobre o que os tribunais e doutrinadores estão motivados sobre este assunto presente na sociedade.
Palavras chave: Transfusão de sangue; Direito à vida; Direito à liberdade religiosa;
BLOOD TRANSFUSION: Conflict between the right to life and religious freedom
ABSTRACT: This study aimed to understand the conflict between the right to life and the right to religious freedom in the litigation of blood transfusion in medical treatments carried out on patients. Certain religious groups refuse to receive it declaring their religious belief to motivate their decision. Likewise, the right to life, the right to religious freedom is analyzed as an essential right, with no gradation between them. It also presents an abbreviated thesis on the subject of the division of constitutional rights, which discusses whether there is a prevalence and sacrifice of one right over the other, and also highlights the free Will of religion, worship and conscience. There is also an analysis of jurisprudence. For this purpose, the bibliographic research methodology is used, with qualitative analysis, using the deductive method of approach. It is concluded that raising the transfusion litigation in cases where the person is supported by their legal representative and in individuals who are already capable, and a precise thesis on what courts and scholars are motivated about this issue present in society.
Keywords: Blood transfusion; Right to life; Right to religious freedom.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como tema Transfusão de Sangue: Conflito entre o direito a vida e a liberdade religiosa. Deste modo, será indispensável o emprego da prática de discrição de interesses, visando ressalvar os princípios constitucionais diante dos casos em que o direito de se abdicar à transfusão sanguínea é debatido.
Primeiramente, consideraremos os direitos que estão em conflito em algum caso e os presentes argumentos jurídicos favoráveis ou desfavoráveis a eles, e em seguida, iremos averiguar determinadas condições concretas, como as religiões que de acordo com a retentiva põem em debate o tema e a responsabilidade do médico em toda ocorrência prevista.
Em virtude disso, após estudo dos conflitos atuais, almeja-se exibir propostas acentuadas de recurso para a dificuldade revelada. Neste artigo, busca-se obter o melhor modo de resolver esses casos presentes na sociedade com embasamento nas leis, no comportamento do profissional e nos princípios existentes na constituição alusivas às crenças religiosas.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, expõe um rol de direitos ponderados como fundamentais a todo e qualquer indivíduo. O direito à vida, e o direito à liberdade, por exemplo, são, portanto analisados.
No que tange ao direito à liberdade, têm-se como uma de suas ramificações o direito à liberdade religiosa, o qual é alvo de grandes discussões. Uma delas, por exemplo, seria a da recusa do paciente, à transfusão de sangue por motivos religiosos. Desse modo, mostra-se necessário estabelecer se existe a possibilidade de o direito à liberdade religiosa se sobrepor ao direito à vida.
O tema escolhido, por exemplo, chama a atenção à recusa do paciente à transfusão de sangue por motivos religiosos, nesse caso, feita pelos seguidores de uma religião, a partir de uma passagem bíblica. Portanto, depara-se com um conflito de direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida e o direito à liberdade religiosa.
Desse modo, existindo um conflito, aparente, entre direitos considerados fundamentais, direito à vida e direito à liberdade religiosa, questiona-se: O direito à vida é o pré-requisito para a realização dos outros, sem este não poderá exercer os demais direitos, entretanto todos devem ter o devido respeito com o próximo? Com isso, a transfusão de sangue, em se tratando de única alternativa para salvar o paciente, esta deve ser realizada, todavia, o médico deve seguir e respeitar o seu código de ética e o próprio Código Penal que aduz que, se recursar a prestar assistência a outrem, poderá cometer o crime de omissão de socorro.
Existindo capacidade e consciência ou qualquer documento que comprove o assentimento do paciente capaz, o indivíduo poderá se recusar a realizar a transfusão de sangue, porém, se tratando de menor e de pessoas que por algum motivo não podem se expressar, deverá ser realizada a transfusão, já que estes não possuem a capacidade para decidirem por si só e ninguém poderá dispor de sua vida.
A melhor solução para que não ocorra essa colisão de direitos fundamentais, seria primeiramente o médico cumprir com suas responsabilidades previstas no seu código de ética. Caso o médico seja responsabilizado judicialmente caberá o judiciário utilizar a técnica de ponderação de direitos fundamentais, visando buscar a melhor eficiência e correspondência com a realidade.
No momento em que são questionados quanto à prevalência ou não do direito à vida em detrimento ao direito à liberdade religiosa, são essas escolhas que determinará qual destes direitos fundamentais prevalecerá, influenciando diretamente na vida daquele que dela depende.
O tema escolhido, por exemplo, chama a atenção à recusa do paciente à transfusão de sangue por motivos religiosos, nesse caso, feita pelos seguidores de uma religião, a partir de uma passagem bíblica. Portanto, depara-se com um conflito de direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida e o direito à liberdade religiosa.
O presente artigo teve por métodos revisão bibliográfica do tema por autores e publicações, com procedimentos descritivos e abordagem qualitativa e indutiva.
1. A IMPORTÂNCIA DA TRANSFUSÃO DE SANGUE
A transfusão de sangue é adotada em muitas ocasiões pelo médico para obter a habilidade de acarretar oxigênio, além de aprimorar o volume de sangue do corpo e melhorar a imunidade. Comumente acontece a transfusão de sangue quando o doente se acha em casos de anemia profunda, problemas de coagulação, alguns casos de imunidade fragilizada, sangramentos decorrentes de cirurgias.
Assim, quando se apresenta tal terapêutica ao doente que faz parte de algum grupo religioso, muitos não aceitam que este procedimento seja adotado, pelo fato de sua fé religiosa não aceitar essa tecnologia obtida pelos médicos.
2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA E À CRENÇA RELIGIOSA
Brasil adiou para se mostrar sobre o livre-arbítrio de fé religiosa sendo seguida apenas com o advento da Constituição de 1988, onde por fim tornou um país laico. A liberdade religiosa é direito fundamental, se achando na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5°, inciso VI, proferindo que “é inviolável o livre-arbítrio de consciência e de confiança, sendo garantido o livre exercício dos cultos religiosos e abonada, na forma da lei, o amparo aos lugares de culto e a suas liturgias.” (BRASIL, 1988).
Verificando o inciso VIII, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, “nenhuma pessoa será abrigada de direitos por causa de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as evocar para eximir-se de comprometimento legal a todos atribuído e recusar-se a cumprir prestação alternativa, implantada em lei.” Pode-se notar que se tem respeito por parte da Constituição, diante de uma compulsão atribuída a todos.
Na visão de José Afonso da Silva, a livre-arbítrio religioso se subdivide em três: “A liberdade de crédito, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. Todas estão abonadas na Constituição.” (SILVA, 2011, p. 248)
a) “A liberdade de crença abrange a liberdade de ter um crédito e a de não ter crença”, garante a liberdade de preferência da religião que se almeja seguir, alterar de religião e até mesmo não confiar em nada (p. 249).
b) A liberdade de culto tem como “particularidade fundamental se externa no aprendizado dos ritos”, compreende a de mostrar-se em casa ou em público quanto aos conhecimentos religiosas.
c) “A liberdade de organização religiosa que diz respeito à probabilidade de afirmação e coordenação das igrejas e suas analogias com o Estado”, é entendida como à envergadura de prepararem-se para efetivação de atos de natureza civil em nome de sua fé (p. 250).
Com isso, o Código Civil de 2002 em seu artigo 15° aduz que “nenhuma pessoa pode ser punido a submeter-se, com risco de vida, a terapêutica médica ou a intervenção cirúrgica.” (BRASIL, 2002).
Nesta senda, Rodrigo César Rebello Pinho alimenta que o direito à vida precisa ser “compreendido de maneira muito compreensiva, contendo o direito de nascer, de continuar vivo, de proteger a própria vida, enfim, de não ter o processo vital obstruído senão pela morte natural e infalível”. (PINHO, 2009).
Mesmo presente entre os direitos fundamentais, o direito à vida, pode se dizer que este é o mais extraordinário, já que se precisa deste para a efetivação dos demais. Segundo o artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida ”
Cabe apontar que olhando pela ótica do direito à vida, este precede o direito à liberdade de crença, sendo a vida o bem mais valioso que um ser humano pode ter. Juridicamente não precisa ser diferente. O direito à vida é o pré-requisito para a vivência dos demais. Como o relator Sérgio Gischkow Pereira diz, que “religiões precisam conservar a vida, e não exterminá-la.” Sobre o comentário da Constituição, arrazoa Helaine Bressan de Mendonça:
A Constituição precisa ser interpretada como uma integração, um documento singular coerente e coeso, já que todos os princípios constitucionais têm a mesma hierarquia. Na interpretação das disposições, nitidamente conflitantes, quando aplicadas ao caso real, deve-se interpretar com base no princípio da harmonização dos preceitos empregando o procedimento da cautela, razoabilidade e proporcionalidade de valores. (MENDONÇA, 2010, p. 63).
Como registra Helaine Bressan de Mendonça (2010) sobre o valor de não “sacrificar” um direito fundamental em conflito com outro. Necessita-se fazer o balanceamento indispensável para a sua aplicação, procurando o melhor alento e sua correspondência com o fato. Contudo, na Constituição Federal todos os direitos estão em um mesmo patamar, de acordo com o princípio da aceitação técnica e da razoabilidade.
3. DIREITO À VIDA
Os direitos e garantias individuais, como já mencionados, encontram-se positivados no art. 5º, caput, da Constituição Federal. Referido dispositivo, garante aos brasileiros e estrangeiros a inviolabilidade do direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência (SILVA, 2009, p. 31).
Segundo Ligeira, o direito à vida compreende:
[...] o direito à liberdade, à integridade física e psíquica, à integridade moral e à dignidade. Desse modo, respeitar a liberdade de uma pessoa é respeitar sua vida; por outro lado, agredir a integridade física ou psíquica também é uma forma de agredir a vida. Dentro da teoria dos direitos fundamentais, portanto o que se almeja é criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana (LIGEIRA, 2009, p. 154).
Para Moraes o direito à vida deve ser entendido como:
Direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, direito à alimentação, estuário, assistência médico-odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais. O Estado deverá garantir esse direito a um nível de vida adequado com a condição humana respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, ainda, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais (MORAES, 2007, p. 76).
Percebe-se que o direito à vida é muito mais amplo do que parece, não se integra apenas de elementos materiais (físicos e psíquicos), mas também de elementos materiais (espirituais), fazendo parte de seu conceito o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à integridade físico-corporal, o direito à integridade moral e, especialmente, o direito à existência ( SILVA, 2008).
Deste modo, a proteção que a Constituição assegura ao direito à vida não se resume apenas à vida biológica, mas também a todos os aspectos que compõem o ser humano, incluindo o direito de conduzi-la alcançando assim a sua plena realização ( Silva, 2008)
No mesmo sentindo, Paulo e Alexandrino lecionam que “o direito individual à vida possui duplo aspecto: sob o prisma biológico traduz o direito à integridade física e psíquica [...] em sentido mais amplo, significa o direito a condições materiais e espirituais mínimas necessárias a uma existência condigna à natureza humana.” (PAULO; ALEXANDRINO, 2009, p. 107).
O direito à vida, portanto, é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos (MORAES, 2007, p. 76).
Contudo, o direito à vida não deve ser compreendido como a obrigação de se viver a qualquer custo (LIGEIRA, 2009, p. 154).
A Constituição Federal proclama a inviolabilidade do direito à vida, no entanto, há quem diga que a vida é um bem indisponível, não sendo dado ao ser humano pôr fim à sua própria existência, conforme já mencionado (LIGEIRA, 2009, p. 154).
Ocorre que, o termo utilizado pela Constituição Federal, inviolabilidade, refere-se àquilo que não se pode violar ao fato de que a vida deve ser defendida contra terceiros que pretendam ameaçá-la. Igualmente, a palavra indisponibilidade tem como significado “de que não se pode dispor” ( LUFT, 2000, P. 387). trata-se de uma imposição da proteção dela contra o próprio titular.
Insista-se, neste ponto, que a Constituição acaba por assegurar, tecnicamente falando, a inviolabilidade do direito à vida, assim como o faz quanto à liberdade, a intimidade, vida privada, e outros tantos valores albergados constitucionalmente.
Não se trata, propriamente, de indisponibilidade destes direitos. Realmente, não há como negar juridicidade a ocorrências nas quais pessoas se despojam inteiramente, v.g., de sua privacidade.
Não se vislumbra qualquer cometimento de um ato contrário ao Direito em tais circunstâncias. Por inviolabilidade deve compreender-se a proteção de certos valores constitucionais contra terceiros. Já a indisponibilidade alcança a própria pessoa envolvida, que se vê constrangida já que não se lhe reconhece qualquer discricionariedade em desprender-se de determinados direitos.
No caso presente, não se fala em indisponibilidade, mas sim de inviolabilidade. O que a Constituição assegura, pois, é a ‘inviolabilidade do direito à vida’ (art. 5º, caput) ( BASTOS Apud LIGEIRA, 2009, p. 151).
Sá, ao tratar do referido assunto, questiona-se: direito à vida ou dever de viver? E, em seguida, responde:
A sociedade, os operadores do Direito, os filósofos e os médicos se dividem na argumentação: os que defendem a prática da eutanásia e do suicídio assistido prendem-se ao argumento de que, na medicina, existem quadros clínicos irreversíveis em que o paciente, muitas vezes passando por terríveis dores e sofrimentos, almeja a antecipação da morte como forma de se livrar do padecimento que se torna viver.
Afinal, a vida não poderia se transformar em dever de sofrimento [...] A antecipação da morte com dignidade não só atenderia aos interesses do paciente de morrer com dignidade, como daria efetividade ao princípio da autodeterminação da pessoa em decidir sobre sua própria morte (SÁ, 2005, p. 19).
Faz-se necessário lutar pela vida com dignidade e respeito, e não por um autoritarismo estatal eivado de despotismo e tirania, no qual o Estado passa a ser o “dono” da vida dos cidadãos ( LIGEIRA, 2009,p. 156).
O direito à vida não pode ser invocado para que se viole a dignidade do ser humano. Não é esse o sentido da norma constitucional. Lenza afirma que:
A vida deve ser vivida com dignidade. Definido o seu inicio (tecnicamente pelo STF), não se pode deixar de considerar o sentimento de cada um. A decisão individual terá que ser respeitada. A fé e esperança não podem ser menosprezadas e, portanto, a frieza da definição não conseguirá explicar e convencer os milagres da vida. Há situações que não se explicam matematicamente e, dessa forma, a decisão pessoal (dentro da ideia de ponderação) deverá ser respeitada. O radicalismo não levará a lugar algum. A Constituição garante, ao menos, apesar de ser o Estado laico, o amparo ao sentimento de esperança e fé que, muitas vezes, dá sentido a algumas situações incompreensíveis da vida ( LENZO, 2010, p. 751).
E, sendo assim, a inviolabilidade do direito à vida, assegurada pela Constituição Federal, é considerada uma proteção conferida ao titular desse direito, no sentido de poder afastar intromissões alheias em seu modo de vida e repelir qualquer ameaça de terceiros a seus direitos. Esse é o direito à vida (LIGEIRA, 2009, p. 157).
4. DA LIBERDADE DE RELIGIÃO, DE CULTO E DE CONSCIÊNCIA
Em todas as sociedades a religião serviu para unir pessoas em torno de crenças, ideias e ideologias, afetando de forma incrível a forma de pensar e agir de seus seguidores. O jurista brasileiro Manoel Gonçalves de Ferreira Filho afirma: A religião constitui um dos mais fortes componentes das diferentes civilizações. Não é por outra razão que os estudiosos das civilizações o mais das vezes as caracterizam em função desse elemento religioso: civilização cristã; civilização muçulmana (FERREIRA FILHO, 2002). Entretanto, a liberdade de religião diferença-se da liberdade de consciência e da de culto. A respeito do tema, posicionam-se os professores J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira:
A liberdade de consciência consiste essencialmente na liberdade de opção, de convicções e de valores, ou seja, a faculdade de escolher os próprios padrões de valoração éticos e moral da conduta própria ou alheia. A liberdade de religião é a liberdade de adaptar ou não uma religião, de escolher uma determinada religião, de fazer proselitismo num sentido ou noutro, de não ser prejudicado por qualquer posição ou atitude religiosa ou antirreligiosa. A liberdade de culto é somente uma dimensão da liberdade religiosa dos crentes, compreendendo o direito individual ou coletivo de praticar atos externos de veneração próprios de uma determinada religião (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p. 609).
A liberdade de religião, de consciência e de crença é um direito constitucionalmente protegido nos artigos 5º, VI, da Constituição Brasileira e 41º da Constituição Portuguesa, sendo em ambas considerada inviolável. Importante anotar, ainda, que a liberdade de religião está presente em diversos diplomas legais internacionais, sendo os mais destacados: Declaração Universal de 1948; Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com base na Religião ou Crença (1981); Documento Final de Viena (1989).
5. A RECUSA AO TRATAMENTO COM SANGUE
A renúncia à terapia transfusional por motivação religiosa, revelada por pacientes em perigo de vida ou não, conforme com Goldim (1997), é, também, muito frequente. A referida renúncia provoca várias polêmicas e polêmicas, que ocasiona importantes reflexos na esfera médica, como é o caso de dilemas éticos, tendo em vista que os médicos estão condicionados a discernir a manutenção da vida biológica como o bem soberano, e no domínio jurídico, no qual se debate se é direito do paciente abandonar um tratamento médico por contradição de consciência quando esse, claramente, é o excepcional meio capaz a lhe defender a vida.
Considerando estas perspectivas, no âmbito jurídico, principalmente, há que se salientar que o tema abrange direitos fundamentais caracterizados, o que faz nascer a precisão de ponderá-los, quando movido ao Poder Judiciário a análise de acontecimentos reais que aludam no conflito de direitos que possam ser considerados adversos por certas culturas ou pessoas, mas que em outros casos, seriam de simples e coerente solução.
Temos aqui, caso característico da testemunha de Jeová, a oposição do tratamento hemoterápico é fundada na natureza sacra atribuída ao sangue por meio da explicação feita pelas Testemunhas de Jeová, em diferentes textos bíblicos, tais como Gênesis 9: 3-4; Livro Levítico 17:10.
A interpretação de fragmentos bíblicos comprova que as Testemunhas de Jeová entendem que Deus os coibiu de receber sangue alheio, razão pela qual, quem o recebe, será acatado impuro, sendo a pior punição que lhes poderia arremeter, o que poderia causar a eliminação daquele que obteve transfusão, em um abnegado no seu meio de convívio religioso, afastando-se a decência de viver.
A proibição de transfusão de sangue, assim, é o embasamento de um dogma religioso e como tal, carece ser conhecido, acatado e avaliado, pela ótica jurídica. Neste sentido que se pode alçar a questão do acontecimento de um conflito entre dois valores ou direitos tutelados pela CF/88, quais sejam: a liberdade religiosa e o direito à vida. A fim de resguardar-se a liberdade em alusão, argumenta-se que as Testemunhas de Jeová não têm a intuito de renunciar à vida quando recusam a terapia transfusional. Somente mostram-se a vontade de serem submetidos a tratamento alternativo ao sangue, não sucedendo renuncia no tratamento médico.
No que condiz às circunstâncias em que o paciente não corre risco de vida, evidentemente que se existir a escolha que dispense a transfusão, essa deverá valer-se, porquanto a doutrina inclina-se para o entendimento de que a vontade do paciente, com sustento no direito fundamental à liberdade religiosa, precisa ser poupada.
Contudo, em casos mais graves, quando a circunstância abrange risco de vida do paciente, o norte do Conselho Federal de Medicina, é de que o médico deve transfundir o paciente, mesmo diante de obstinação, decisão que esbarra, muitas vezes, no recato da pessoa do paciente religioso.
6. A RENUNCIA OFERECIDA POR REPRESENTANTE LEGAL MENOR OU INÁBIL
Percebe se que os maiores problemas aparecem no caso de menor de idade e impossibilitado, que também não pode demonstrar suas vontades próprias de forma correta. Isso porque, o caso acaba por ser jugulado à análise do Poder Judiciário, por meio de medidas cautelares, no intento de se conseguir ordem judicial permissiva à intervenção médica, primando pela preservação da vida do paciente.
Em razão disto, é exatamente nesses casos que o Judiciário detém em assuntos polêmicos, muitas vezes de foro intimo dos julgadores, que ainda acabarão por julgar nos termos de suas persuasões individuais, uma vez que o Estado, laico, nada decide sobre a predominância de interesses como esses, especialmente quando a questão se torna religiosa.
Indubitavelmente, poder-se-ia considerar a solução na força familiar e direito de decisão que os pais ou tutores no direito de decisão do impossibilitado, privilegiando suas vontades e livres-arbítrios, nos termos da primeira parte do artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990.
Mas, não tendo a maioridade, a vontade da criança e do adolescente não chega para a decisão de sua própria conduta. No entanto, tal posicionamento de que os pais teriam o poder-dever de desautorizar a transfusão de sangue, é bastante contraposta. Trata-se do único ponto da celeuma a ficar próximo de uma concordância: nessa teoria acredita-se que a vida do menor ou impossibilitado precisará ser sempre resguardada, primando pelo melhor interesse da criança, nos termos do artigo 227 da Carta Magna da República de 1988.
Finaliza-se, assim, que, em se tratando de paciente menor ou impossibilitado, eventual renúncia dos pais ou responsáveis induz ao imediato auxílio da concordância pelas autoridades judiciárias, eis que a regra constitucional não resguarda a renúncia à vida estabelecida no poder familiar ou de representação.
7. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Com a finalidade de dirimir maiores dúvidas sobre o contexto, é indispensável que se corrobore o posicionamento dos Tribunais de Justiça brasileiros sobre o tema, que, segundo se constata, predomina o direito à vida em detrimento do direito à escalação religiosa, mas analisando que devem ser esgotados os meios alternativos à transfusão para que a mesma possa ser alcançada.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível: AC 595000373 RS (1995), ajuizada pela Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, Relator Sérgio Gischkow Pereira, resolveu-se que não compete ao Poder Judiciário, no sistema jurídico brasileiro, permitir ou dispor tratamento médico-cirúrgico e/ou hospitalares, salvo casos excepcionalíssimos e salvo quando envolvidos os interesses de menores.
Segundo entendimento esposado, se iminente a ameaça de vida, é direito e dever do médico aplicar todos os tratamentos, até mesmo cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade desses, e de seus familiares e de quem quer que seja também que a oposição seja definida por pretextos religiosos.
De tal modo, implica ao médico e ao hospital comprovar que empregaram a ciência e a tecnologia abordoadas em seria literatura medica, mesmo que tenha divergências quanto à melhor terapêutica. Avança seu ajuizamento analisando que o Judiciário não serve para abrandar os riscos da profissão médica ou da atividade hospitalar.
Se transfusão de sangue for tida como indispensável, segundo sólida literatura médico cientifica (não valendo naturais desacordos) precisa ser consolidada, se para salvar a vida do paciente, mesmo contra a vontade das Testemunhas de Jeová, mas desde que tenha urgência e ameaça iminente de vida 24 (art-146, par-3, inci, do Código Penal).
Do mesmo modo primando pelo direito à vida, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no julgamento do Agravo de Instrumento 2004.002.13229, Relator Carlos Eduardo Passos, exibiu na ementa do mencionado acórdão que há prevalência do amparo do direito à vida sobre a saúde e persuasão religiosa, no caso de não ter terapia alternativa ao paciente.
Por fim, acordou a 3ª Câmara de Direito Privado DO Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível n. 123.430-4 (2002), Relator Flávio Pinheiro, no sentido de que as persuasões religiosas não podem valer-se diante o bem maior tutelado pela Constituição Federal que é a vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Passível de grandes discussões, o tema se oferece sob a ótica de dois direitos avaliados básicos pela Constituição Federal de 1988, quais sejam: o direito à vida e o direito à liberdade religiosa.
O direito à vida é o pré-requisito para a efetivação dos outros, sem este não poderá desempenhar os demais direitos, contudo todos precisam ter o devido respeito com o próximo. E razão disto, a transfusão de sangue, em se versando de única escolha para salvar o paciente, esta precisa ser realizada, porém, o médico deve seguir e acatar o seu código de ética e o próprio Código Penal que aduz que, se recursar a prestar socorro a outrem, poderá atentar o crime de omissão de socorro.
Havendo competência e consciência ou qualquer documento que confirme o assentimento do paciente capaz, a pessoa poderá se abdicar a efetivar-se a transfusão de sangue, contudo, se tratando de menor e de pessoas que por algum motivo não podem se propagar, deverá ser conseguida a transfusão, já que estes não possuem a capacidade para resolver-se por si só e nenhuma pessoa poderá dispor de sua vida.
A melhor solução para que não suceda essa colisão de direitos fundamentais, seria basicamente o médico desempenhar com suas responsabilidades previstas no seu código de ética. Caso o médico seja responsabilizado judicialmente caberá o judiciário empregar a técnica de cautela de direitos fundamentais, visando procurar a melhor eficácia e relação com a realidade.
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SILVA NETO, Manoel Jorge. Proteção constitucional à liberdade religiosa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
Graduanda em Direito pela Universidade Brasil - Campus Fernandópolis
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Maria Fernanda de. Transfusão de sangue: conflito entre o direito à vida e a liberdade religiosa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58629/transfuso-de-sangue-conflito-entre-o-direito-vida-e-a-liberdade-religiosa. Acesso em: 23 dez 2024.
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