ENIO WALCACER DE OLIVEIRA FILHO
(orientador)
RESUMO: Neste artigo, é analisado a atuação do advogado criminal no inquérito policial sob a égide da Lei nº 13.245/2016 que promoveu alterações substanciais no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, no tocante ao acesso de advogados em processos em fase de investigação preliminar. Anteriormente a edição da referida legislação, no caso concreto, eram observadas diversas violações as prerrogativas dos advogados por parte da autoridade policial em sede de inquérito policial, pois o advogado não dispunha de acesso ágil aos documentos já anexados e nem acompanhava depoimentos. Dessa forma, a problemática do estudo abarca as funções e mudanças do inquérito policial em detrimento do advogado criminal após a Lei nº 13.245/2016. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo, com auxílio de pesquisa bibliográfica sobre o tema. Diante dos resultados alcançá-los, conclui-se as alterações advindas da Lei nº 13.245/2016 no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, ampliou no plano fático, a ampla defesa, o contraditório, e o respeito as prerrogativas dos advogados criminais.
PALAVRAS-CHAVE: Advogados Criminais; Autoridade Policial; Inquérito Policial; Lei nº 13.245/2016.
ABSTRACT: In this article, the role of the criminal lawyer in the police investigation under the aegis of Law nº 13.245/2016 is analyzed, which promoted substantial changes in the Statute of the Brazilian Bar Association, regarding the access of lawyers in cases in the preliminary investigation phase. Prior to the enactment of the aforementioned legislation, in this specific case, several violations of the prerogatives of lawyers were observed by the police authority in the context of a police investigation, as the lawyer did not have quick access to the documents already annexed or accompanied by depositions. In this way, the problem of the study encompasses the functions and changes of the police investigation to the detriment of the criminal lawyer after Law nº 13.245/2016. For that, the deductive method was used, with the aid of bibliographic research on the subject. In view of the results to achieve them, it is concluded the changes arising from Law nº 13.245/2016 in the Statute of the Brazilian Bar Association, expanded on the factual level, the broad defense, the contradictory, and respect for the prerogatives of criminal lawyers.
KEY-WORDS: Criminal Lawyers; Police authority; Police Investigation; Law No. 13.245/2016.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL BRASILEIRO. 2.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL. 2.2 A INSTAURAÇÃO, PRAZO PARA ENCERRAMENTO, ARQUIVAMENTO E DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. 3 AS ALTERAÇÕES NA ATUAÇÃO DO ADVOGADO COM A LEI 13.245/2016. 3.1 A ATUAÇÃO DO ADVOGADO CRIMINAL NO INQUÉRITO POLICIAL ANTES DA REFORMA DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. 3.2 MUDANÇAS NO INQUÉRITO POLICIAL SOB A ÉGIDE DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA E OS REFLEXOS NA ATUAÇÃO DO ADVOGADO CRIMINAL. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa aborda a atuação do advogado criminal no inquérito policial com destaque em delimitar as mudanças ocorridas após a reforma do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Tendo em vista que a atuação do advogado no inquérito é a de evitar o desencadeamento de algum vício, ou possível abuso à integridade física, psicológica ou de qualquer sorte do acusado, sendo ferramenta que merece respaldo jurídico, auxiliando, inclusiva, na legitimação dos atos feitos durante esse procedimento tão relevante para a ação penal.
O inquérito policial possui uma relação de necessidade para o processo penal, funcionando como instrumento de preservação e garantia, não sendo utilizado apenas quando já se tem provas suficientes para o início da ação penal.
A justificativa se dá em face as necessidades de analisarem-se as alterações recentes quanto a participação mais efetiva da defesa neste procedimento de característica marcantemente inquisitória, permitindo uma ampliação da garantia dos investigados, evitando-se a mácula que pode gerar a unilateralidade típica do procedimento.
Todavia, diante de um cenário com tanta violência e corrupção, ante aos desvios possíveis em todas as áreas que sofrem com influência estatal, não ficaria de fora o inquérito policial, que é um procedimento muito frágil que pode destruir uma vida ou salvá-la, pode ser modificado a qualquer momento, ainda que fiscalizado externamente pelo Ministério Público e internamente pelas atividades correcionais.
O trabalho tem como objetivo, analisar a importância e os impactos das mudanças realizadas no inquérito policial quanto a participação do advogado criminal, que com sua atuação auxilia na segurança jurídica para o acusado. Para tanto, utiliza-se ainda objetivos específicos, quais sejam: a) abordar o conceito de inquérito policial e as suas características; b) identificar as mudanças ocorridas no inquérito policial ao longo dos anos no ordenamento pátrio e c) apontar a função do advogado criminal no inquérito policial.
A metodologia usada foi amparada no método dedutivo, com auxílio de pesquisas teórico-bibliográficas e explanatórias sobre o tema, baseadas em legislações, doutrinas e trabalhos científicos.
A problemática envolve a seguinte indagação: Quais funções e mudanças do inquérito policial sob a égide do advogado criminal?
Além disso, o estudo do inquérito policial pode ter efeito positivo na sociedade, tendo em vista que os agentes incumbidos da função terão que pensar e rever seus atos quanto forem praticados de forma parcial, pois poderão sofrer cobranças e sanções.
2 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL BRASILEIRO
Esse capítulo inicial, se destina a abordagem da definição de inquérito policial, analisando a origem do procedimento, as características, as diligências imputadas a autoridade policial, o prazo, e as hipóteses de arquivamento e desarquivamento. De modo a compreender a atuação do advogado criminalista no inquérito policial sob a égide da Reforma do Estatuto da Ordem dos Advogados.
2.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL
Sendo um dos procedimentos mais relevantes para ação penal e o seu posterior andamento, o inquérito policial deve ser estudado com suas mais variadas nuances, sendo mecanismo utilizado pela autoridade policial para elucidar a prática de infrações penais e sua autoria.
De acordo com Capez (2020, p. 173), o conceito de inquérito policial é:
É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares.
Para Capez o inquérito policial tem por finalidade de apurar de fato o que configurou a infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às providências cautelares. A respeito das infrações penais, Salim (2017) pontua que contemplam tanto os crimes como as contravenções penais, tendo em vista a ideia bipartida de infrações penais.
Segundo Avena (2017, p. 120) por inquérito policial “compreende-se o conjunto de diligências realizadas pela autoridade policial para obtenção de elementos que apontem a autoria e comprovem a materialidade das infrações penais investigadas, permitindo ao Ministério Público e ao ofendido”. Para o autor, este possui natureza administrativa, na medida em que instaurado pela autoridade policial.
Nas palavras de Brito (2015, p. 71) o termo inquérito deriva “verbo inquirir, que significa pesquisar, investigar, querer saber. É o nome utilizado para designar um procedimento oficial, legal e formal para se apurar um fato criminoso”.
Para Garcia (2017) o conceito de inquérito policial sumariza a documentação correspondente as diligencias que a polícia judiciária realiza, sendo uma das modalidades de investigação preliminar de natureza procedimental e administrativa, e de caráter investigatório que inaugura a persecutio criminis estatal. Cuja a finalidade presta-se a coleta de elementos informativo, à prova de materialidade e os indícios de autoria, dar a esta uma justa causa e evitar o processamento criminal injusto de acusados inocentes.
Pelos ensinamentos de Lima (2016, p. 166) tem-se que além de ser um procedimento administrativo inquisitório e preparatório presidido pela autoridade policial, o inquérito policial é:
Um procedimento de natureza instrumental, porquanto se destina a esclarecer os fatos delituosos relatados na notícia de crime, fornecendo subsídios para o prosseguimento ou o arquivamento da persecução penal. De seu caráter instrumental sobressai sua dupla função: a) preservadora: a existência prévia de um inquérito policial inibe a instauração de um processo penal infundado, temerário, resguardando a liberdade do inocente e evitando custos desnecessários para o Estado; b) preparatória: fornece elementos de informação para que o titular da ação penal ingresse em juízo, além de acautelar meios de prova que poderiam desaparecer com o decurso do tempo.
Para o mencionado autor, não se trata de processo judicial e tampouco de um processo administrativo, já que dele não resulta nenhuma imposição direta de sanção, não existe ainda o exercício de pretensão acusatória. Comenta ainda que a finalidade do inquérito policial é a colheita de elementos probatórios que informe a autoria e materialidade do delito.
Em contraponto ao disposto, no entendimento de Lechenakoski (2021) a utilização da expressão inquérito policial se mostra equivocada, pois remete ao órgão encarregado da atividade e não a sua finalidade. Nessa perspectiva, a adequada terminologia seria instrução preliminar, justificando a natureza do Código de Processo Penal. Dessa forma, o inquérito policial deve ser analisado além do seu conceito, tendo em vista a existência de características a serem consideradas e entendidas pelo agente aplicador na Lei. Leciona Garcia (2017) que não é possível compreender a amplitude do inquérito policial sem estudar suas principais características, são elas que o delimitam e o definem.
Conforme Capez (2020) acerca das características, se aponta o procedimento escrito, pois não se concebe a existência de uma investigação verbal, sigiloso, essa premissa não se estende ao Ministério Público, no caso do advogado, este poderá acompanhar os autos, mas caso seja decretado pelo juiz o sigilo da investigação este não poderá acompanhar a realização dos atos procedimentais (questão foco do presente estudo que será abordada adiante). Quanto a oficialidade, o autor acrescenta que o inquérito policial é uma atividade investigatória feita por órgãos oficias, não podendo ficar a cargo do particular.
Quanto a oficiosidade, assevera Salim (2017) que o Delgado atua mediante ofício diante da existência da infração penal, em relação a característica da autoridade, o autor comenta que cabe também ao Delegado de Polícia conduzir as investigações. Na doutrina de Brito (2015) a presença do advogado durante o interrogatório, além de ser indispensável, é uma forma direta de controle da legalidade, mesmo que o advogado não possa interferir no interrogatório, pode-se manifestar sobre o modo pelo qual o ato vem sendo realizado pela autoridade policial.
Findando as características do inquérito policial, Avena (2017, p. 125) explana acerca da indisponibilidade, discricionariedade e da natureza inquisitorial:
A persecução, no inquérito policial, concentra-se na figura do delegado de polícia que, por isso mesmo, pode determinar ou postular, com discricionariedade, todas as diligências que julgar necessárias ao esclarecimento dos fatos. Há indisponibilidade, pois uma vez instaurado o inquérito, não pode a autoridade policial, por sua própria iniciativa, promover o seu arquivamento, ainda que venha a constatar a atipicidade do fato apurado ou que não tenha detectado indícios que apontem o seu autor. Em suma, o inquérito sempre deverá ser concluído e encaminhado a juízo. Trata-se o inquérito, assim, de um procedimento inquisitivo, voltado, precipuamente, à obtenção de elementos que sirvam de suporte ao oferecimento de denúncia ou de queixa-crime (função preparatória do inquérito).
Assim, para maioria dos doutrinadores listam-se como características do inquérito policial, que o procedimento seja escrito, sigiloso, inquisitivo, indispensável, e que tenha oficialidade, oficiosidade, autoridade, e discricionariedade não necessariamente nessa ordem cronológica.
Deste modo, é visível o valor probatório que decorre do inquérito policial, todas as provas colhidas na fase inicial do processo o acompanharam pelo transcorrer dos atos que deverão ser praticados no transcorrer da ação penal, assim, qualquer erro ou equivoco que não esteja em conformidade com o conceito e características do inquérito podem colocar em risco o direito de contraditório e ampla defesa do acusado.
2.2 A INSTAURAÇÃO, PRAZO PARA ENCERRAMENTO, ARQUIVAMENTO E DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL
O início e o término dessa importante etapa investigativa também devem ser analisados, especialmente levando-se em consideração os casos de indeferimento do inquérito pela Autoridade Policial.
Conforme Lopes Jr (2019) a determinação expressa do artigo 4º do Código de Processo Penal, dispõe que o inquérito deve ser realizado pela polícia judiciária, contudo, não é necessariamente policial, já que a competência da polícia não exclui a de outras autoridades administrativas que tenham competência para investigar. A polícia judiciária é encarregada da investigação preliminar, desempenhada pela Polícia Civil e Federal. Já o policiamento ostensivo e preventivo fica a cargo das Policias Militares, sendo impedida de realizar inquérito policial. Ressalte-se que este estudo será delimitado no inquérito realizado pela polícia judiciária que depende da intervenção judicial para adoção das medidas impostas ao acusado.
A Lei nº 12.830/2013 estabelece as funções atribuídas ao delegado de polícia, in verbis:
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. (BRASIL, 2013)
Desse dispositivo legal, depreende-se o entendimento que o início do inquérito policial será pelo delegado de polícia como autoridade policial competente, cabendo ao mesmo a apuração dos fatos e realização dos atos necessários a propositura da ação penal. Conforme o artigo 5º do Código de Processo Penal o início do inquérito policial tem ligação com a notícia criminis (noticia do crime). Assim, qualquer pessoa do povo pode levar o fato até a Autoridade Policial, pois não há legitimidade específica, ou ainda mediante atividade de oficio de órgão encarregado da segurança pública (BRASIL, 1941). Segundo Salim (2017) nos crimes de ação penal pública incondicionada o inquérito poderá ser instaurado de ofício, por requisição do Ministério Público, a requerimento do ofendido ou quem esteja na qualidade de representá-lo. Na ação penal pública condicionada o requerimento deve ser por representação do ofendido ou seu representante legal, e pelo Ministério Público, por fim, na ação penal privada somente será feita a requerimento de quem tenha qualidade de intentá-la.
Pela disposição dos artigos 6º e 7º do Código de Processo Penal, a autoridade policial deverá realizar diligências investigatórias, algumas são de caráter obrigatório como exame pericial, colheita de provas, apreensão de objetos, oitiva do ofendido e indiciado e também a ação discricionária praticada pela Autoridade policial, como atos que não contrariem a moralidade ou a ordem pública (BRASIL, 1941).
Afirma Pacelli (2017) que o prazo para conclusão das investigações, em regra, na jurisdição estadual é de dez dias quando o preso tiver sido indiciado, e de trinta dias quando estiver solto. Na justiça federal o prazo é de quinze dias, estando preso, podendo ser prorrogado por mais quinze, caso o acusado estiver solto o prazo segue o rito comum de trinta dias. Diante da impossibilidade de cumprimento dos prazos pela autoridade policial, aponta Avena (2017) que deverá o delegado encaminhar o inquérito mesmo que inconcluso ao juízo solicitando ao magistrado, se tiver em liberdade o suspeito, a devolução dos autos para que sejam concluídas as diligencias as quais deverão ser assinaladas no prazo estipulado pelo magistrado, porém, se o acusado se encontrar preso, não será licito ao juízo a fixação de novo prazos.
Afirma Lima (2016) que não deve a autoridade policial esboçar qualquer juízo de valor, para encerrar o inquérito policial, ao final, o delegado produz um relatório que informa tudo que foi apurado, sendo uma peça descritiva, trazendo o esboço das principais diligências realizadas nessa fase preliminar e justificando os atos que não foram realizados, fazendo ainda a menção das testemunhas.
De acordo com Brito (2015) acerca do destino do inquérito policial, após sua conclusão, os autos serão remetidos ao juiz competente sobre a matéria. Nos casos de ação penal pública o delegado de polícia encaminhará ao Ministério Públicos para que o titular da ação se manifeste a respeito. O arquivamento do inquérito policial é uma decisão judicial que somente poderá ser tomada mediante requerimento do Ministério Público, jamais de ofício pelo delegado, sobre essa questão sustentam Caliari, Carvalho e Lépore (2018, p. 62) que:
O juiz não é obrigado a acatar o pedido de arquivamento, podendo: a) aceitá-lo e, de fato, arquivar o inquérito; b) não concordar, invocando o previsto no art. 28 do Código de Processo Penal. Discordando do pedido de arquivamento, remeta o inquérito ao procurador-geral do Ministério Público. Caso o procurador-geral concorde com o juiz, poderá ele mesmo oferecer denúncia ou designar outro membro do Ministério Público para fazê-lo [este não poderá se negar a oferecer a denúncia, por atuar como mero longa manus do procurador-geral). Já se o procurador-geral discordar do juiz, insistindo no cabimento do arquivamento, ficará o magistrado obrigado a atender o pedido, já que o Ministério Público é o titular da ação penal. Em regra a decisão de arquivamento é irrecorrível. Uma primeira exceção ocorre nos crimes contra a economia popular ou contra a saúde pública, em que existe previsão de recurso de ofício.
Em conformidade com os supracitados autores, após arquivado o inquérito policial, somente poderá ser reaberto com a existência de nova prova capaz de elucidas os fatos, mediante o pedido da autoridade policial ou do Ministério Público, assim, o juiz determinara o desarquivamento para apuração das novas provas, nesse sentido, é o que dispõe a Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal.
Diante desses apontamentos, o inquérito policial tem relevância que transborda a finalidade para qual foi criado pelo legislador, deste decorrem todas as fases da ação penal, pois, define-se como procedimento preliminar, cuja a origem está interligada aos atos praticados pelo delegado de polícia (autoridade responsável) por colher as informações necessárias para andamento processual pelo magistrado.
3 AS ALTERAÇÕES NA ATUAÇÃO DO ADVOGADO COM A LEI 13.245/2016
Neste tópico será descrita a atuação do advogado criminalista no inquérito policial antes da Reforma do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº 8.906/1994) pela Lei nº 13.245/2016.
3.1 A ATUAÇÃO DO ADVOGADO CRIMINAL NO INQUÉRITO POLICIAL ANTES DA REFORMA DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
A priori, tem-se o advogado como figura importante para o acesso à justiça, nessa acepção, está consagrado no bojo da Constituição Federal o artigo 133, in verbis:
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. (BRASIL, 1988, sem paginação)
Logo, o advogado integra a função social do Estado, sendo imprescindível o trabalho desempenhado por este para efetivação dos direitos que foram lesados ou estão sobre ameaça. A prerrogativa profissional significa o direito exclusivo e indisponível ao exercício de determinada profissão no interesse social, no caso do advogado, configura condições legais do exercício do múnus público (OTESBELGUE, 2021). Por essa razão, há necessidade de participação do advogado durante o inquérito policial, embora essa fase seja apenas no colher das informações, conforme alguns autores afirmam. Val ressaltar que, em muitas cidades não existe Defensoria Pública para atuação em fase de inquérito policial e mesmo que haja, não atuam totalmente no inquérito policial (JUNIOR, 2018).
Antes da edição da Lei nº 13.245/2016 haviam impeditivos para os advogados quanto ao acesso aos autos de investigações preliminares como os inquéritos policiais (PEREIRA, 2018). Mesmo com a vigência da Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal (em vigência) que dispõe que é dever do defensor no interesse do representado, possuir acesso amplo aos elementos de prova que já foram documentados em procedimento investigatório, realizado por órgão com competência de polícia judiciária, e que digam respeito ao exercício do direito de defesa (BRASIL, 2009).
Na prática havia limite para essa premissa, pois o advogado somente poderia ter que acesso aos elementos que constavam no inquérito policial, as provas precisavam estar documentadas, na maioria das vezes a autoridade policial realizava investigação, oitiva de testemunhas, e o advogado não podia assistir ou participante juntamente com seu cliente, dos atos que estavam em curso, tendo que esperar a conclusão do ato para ter acesso às informações, em algumas oportunidades a documentação era juntada apenas no último dia das investigações (COSTA, 2017).
De mais a mais, o defensor peticionava ao Delegado requerendo cópia dos autos do inquérito policial com fulcro na Súmula nº 14 do Supremo Tribunal Federal, e a autoridade policial, permitia somente as peças que julgava convenientes. Assim tendo o advogado acesso somente a matéria que já tivesse concluída (OTESBELGUE, 2021). Dentre essas limitações, estava a Orientação Normativa do Departamento da Polícia Federal nº 36/2010, in verbis:
Art. 5º Os investigados e seus advogado somente deverão ter acesso aos dados e documentos já incorporados aos autos, relativos a si, ou no segundo caso, a seus clientes.
Art. 6º Não será concedido aos investigados ou a seus advogados, acesso a diligências em curso nem as informações que digam respeito exclusivamente a terceiros, investigados ou não. (BRASIL, 2010, p. 02)
Nessa trilha construtiva, o artigo 7º, inciso XIV, do Estatuto da Ordem dos Advogados aduzia que:
Art. 7º São direitos do advogado:
(...)
XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos.
(BRASIL, 1994, sem vigência)
Assim, os direitos dos advogados, à época da redação do artigo 7º, inciso XIV, da norma em comento, alcançavam somente aos autos de flagrante e documentos já sistematizados, apenas nas repartições policiais. Sendo possível identificar por essa redação, uma certa fragilidade na atuação do advogado.
Mesmo que o Código de Processo Penal deslindasse sobre o inquérito policial em conjunto com a Constituição Federal em seu artigo 144, como um procedimento basilar de investigação criminal na busca de elementos para comprovação da iniciativa da ação penal, a atuação do advogado era limitada na fase pré-processual (ARAÚJO, 2021).
Prevalecia o entendimento que as nulidades presentes no inquérito policial não obstariam em reflexos na persecução penal, sendo o inquérito indispensável, poderia o representante do Ministério Público iniciar a ação com o sem ele (SANTOS, 2016).
Nos Tribunais brasileiros o entendimento predominante era que os elementos produzidos na fase investigatória não poderiam servir de fundamento para o decreto condenatório, sob pena de violação ao preceito fundamental que assegura aos acusados o contraditório e ampla defesa como meios de recursos a ela inerentes (LIMA, 2016).
De acordo com o julgado do Supremo Tribunal Federal em sede do Recurso Extraordinário nº 593727, tem-se que:
REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONSTITUCIONAL. SEPARAÇÃO DOS PODERES. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PODERES DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”. (STF-RE 593727/MG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Redator(a) do acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, Julgamento: 14/05/2015, Publicação: 08/09/2015)
Deste modo, a Corte Suprema frisou que deveriam ser respeitadas em todos os casos, os direitos e garantias fundamentais dos investigados, os atos investigatórios, bem como as garantias aos advogados como o acesso aos elementos de prova que digam respeito a defesa. Essa premissa deu mais incentivo a reformulação do Estatuto Da Ordem dos Advogados pela Lei nº 13.245/2016 que se tratará a seguir.
3.2 MUDANÇAS NO INQUÉRITO POLICIAL SOB A ÉGIDE DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA E OS REFLEXOS NA ATUAÇÃO DO ADVOGADO CRIMINAL
A Lei nº 13.245/2016 modificou a redação do artigo 7º, inciso XIV, acrescendo ainda o inciso XXI e os parágrafos 10, 11 e 12, com a finalidade de promover maior participação do advogado na fase preliminar (BRASIL, 2016).
A nova previsão do inciso XIV, do artigo 7º, prevê que é direito do advogado examinar, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigação de qualquer natureza, em qualquer instituição responsável pela apuração de infrações administrativas e penais. Exigindo procuração apenas quando os autos forem sigilosos, podendo efetuar apontamento por cópias e meios digitais, caso aja uma negativa por parte do responsável da investigação de fornecer o material contido nos autos, ou passar o material faltando apontamento ou de alguma forma incompleto, será responsabilizado e punido administrativamente e criminalmente. A ausência do advogado em interrogatório e depoimentos podem tornar nulos os atos praticados (BRASIL, 2016).
Ante as disposições na respectiva norma, com acréscimo do inciso XXI, o advogado poderá assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração apresentar razões e quesitos (BRASIL, 2016).
Importa mencionar que, caso o advogado não puder acompanhar o investigado durante o interrogatório, todos os atos praticados pela autoridade policial serão nulos, a confissão será absolutamente nula, não podendo ser utilizada como meio de prova (SANTOS, 2016). Deste modo, o novo texto traz inovação aos direitos dos advogados em prestar assistência aos seus clientes investigados, sendo imprescindível a presença de advogados durante as investigações, sob pena de nulidade, conforme já dito (WALCÁCER, 2016).
Além disso, a Lei nº 13.245/2016 determina nos parágrafos 10 e 11, que caso a investigação for sigilosa o advogado necessitará de procuração, o presidente da investigação pode delimitar o acesso do advogado nas partes que ainda não foram, documentadas nos autos. Uma sanção também foi adicionada no novo texto, no §12 que se refere, quando for solicitada pelo advogado informações e forem repassadas incompletas ou com modificações ainda não constantes no caderno do inquérito, podendo suprimir o direito de defesa do investigado, implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável (BRASIL, 2016).
O acesso do advogado aos autos que necessitem de sigilo, que ocorre somente mediante apresentação de procuração, caminha em direção as disposições anteriormente firmadas pela jurisprudência e também na Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal (ARAÚJO, 2021).
Convém salientar que a Lei nº 13.245/2016 promoveu alterações somente no Estatuto da Ordem dos Advogados, contemplando os direitos dos advogados, não se modificou o Código de Processo Penal (AVENA, 2017).
É certo que com o advento da Lei nº 13.245/2016, foram revogados uma série de orientações normativas que impediam os advogados de acessar aos inquéritos policiais, no que se refere as investigações em andamento (COSTA, 2017).
Todavia, as modificações apresentadas no Estatuto da Ordem dos Advogados, expandiram o desempenho profissional do advogado na defesa do investigado, possibilitando amplo acesso às investigações de qualquer natureza, bem como aos autos de flagrante (JUNIOR, 2018).
Não obstante, o Supremo Tribunal Federal no tocante a Súmula nº 14, delibere que esta não tem a capacidade de everter o interesse público, ou seja, o direito de ampla defesa e contraditório, não deve impedir o Estado de aplicar a punição a aquele indivíduo que comete delitos, mesmo a Constituição referindo-se a esses princípios como garantias dos cidadãos, as investigações policiais não tem esse mérito, pois não se tratam ainda de processo, se trata de indiciado e não acusado (COSTA, 2017).
Já em meados de 2003, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 425.734-3 de Minas Gerais, dispunha que os elementos do inquérito poderiam influir na formação do livre convencimento do juiz para decisão da causa quando complementam outros indícios que passam pelo crivo do contraditório em juízo. Levando em consideração que todos os elementos informadores do inquérito policial não são colhidos sob a égide do contraditório e ampla defesa, deduzir-se-á ainda que o inquérito policial teria valor probatório relativo (LIMA, 2016).
Embora a fase preliminar de investigação policial, não possua mérito processual, não estando o indivíduo submetido a observância dos princípios do contraditório e ampla defesa, as conclusões do Supremo Tribunal Federal são construídas com base em uma interpretação da Constituição de 1988 (OTESBELGUE, 2021).
Nesse diapasão, grande parte da doutrina considera o inquérito policial como não garantidor dos princípios elencados na Constituição Federal, especialmente, o contraditório e a ampla defesa, possuindo os mesmos valores probantes reduzidos ou relativos (JUNIOR, 2018).
O contraditório é formado pelo binômio informação e reação, não tenho a nova legislação assegurado esses elementos nas investigações de qualquer natureza, o inquérito policial continua a ser inquisitivo. No que se refere a ampla defesa, ela poderá ser exercida no inquérito policial, possibilitando o interrogatório do investigado, resguardado o direito ao silêncio, por parte do acusado (BADARÓ, 2018).
Por consequência, o inquérito policial, funciona como importante mecanismo persecutório cuja a finalidade é recolher elementos probatório que embasam o oferecimento da denúncia ou queixa crime, sendo também utilizado como um meio de defesa para o acusado. Assim, mesmo nessa fase inquisitorial, os princípios do contraditório e da ampla defesa devem ser contemplados nesse procedimento por força do amparo constitucional no artigo 5º, incisos LV e LXIII da Constituição Federal (JUNIOR, 2018).
Há autores que discutem ainda as novas disposições, afirmando que garantam a presença de defesa a todos, já que Lei nº 13.245/2016 trata das atividades do advogado e de suas prerrogativas designadas pelo acusado (que é seu cliente), em outras palavras, a lei mudou apenas para beneficiar uma pequena fatia da sociedade que já tinha a possibilidade de exercer sua defesa por ações impugnativas (mediante a contratação de advogado), houve apenas uma consolidação da Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal e sua ampliação a todas as instituições aptas a investigar, mas sem alterações substanciais no Código de Processo Penal (WALCÁCER, 2016).
Tem-se que a Lei nº 13.245/2016 trouxe amplitude para contradição e defesa, que não se afetam na fase investigatória, ademais, a vinculação a Súmula do Supremo Tribunal Federal nº 14, visou garantir o exercício da defesa que deve ser exercida pelo Delgado de Polícia, pois o legislador instituiu que o defensor tem amplo acesso as questões já documentadas (SILVA, 2021).
Dessa forma, é evidente a mitigação da ampla defesa e do contraditório na fase preliminar, decorre da presença do advogado como indispensável, permitindo acesso ao inquérito caso houver defensor constituído pelo acusado. Todavia, para aqueles indivíduos que não tem condições financeiras de constituir defensor, o procedimento seguirá seu curso, sem a nomeação de um defensor para sua defesa, havendo a atuação da Defensoria Pública no curso da investigação (LECHENAKOSKI, 2021). Em conformidade com Avena (2017, p. 121) tratando-se o inquérito um procedimento inquisitorial, destinado a angariar informações necessárias à elucidação de crimes, não há ampla defesa no seu curso:
(...) não afeta essa natureza inquisitiva a modificação determinada pela Lei 13.245/2016 ao Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994). Referida alteração legislativa não modificou o Código de Processo Penal de modo a estabelecer a obrigatoriedade da assistência de advogado ao investigado durante o inquérito. Não foi isto, enfim, o que fez o legislador. O que fez, isto sim, foi assegurar o direito do advogado em assisti-lo, não podendo esse direito, quando requerido o seu exercício, ser obstado sob pena, agora sim, de nulidade do interrogatório, do depoimento e de todos os atos que daí decorrerem. Mas, atenção: na atualidade, a despeito da função primordial do inquérito policial no sentido de obter elementos para que a parte legitimada possa intentar a competente ação penal, a denominada função preparatória.
Para o mencionado autor, sob a égide das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, os tribunais pátrios consolidaram a tese que o inquérito policial possui valor probante relativo, limitando seu uso ante as convicções do juiz, condicionada as provas produzidas durante a investigação (AVENA, 2017).
Com base em Capez (2020, p. 191) o inquérito policial tem conteúdo informativo, com valor probatório relativo:
(...) tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal. No entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito. Assim, a confissão extrajudicial, por exemplo, terá validade como elemento de convicção do juiz apenas se confirmada por outros elementos colhidos durante a instrução processual.
Desse modo, como a investigação preliminar tem natureza inquisitória, podendo o contraditório e a ampla defesa serem mitigados, fato este que decorre da presença do advogado como indispensável. Nos casos em que o investigado não tenha um defensor, a estrutura dialética do processo não será preservada, pois, o contraditório possui uma dupla dimensão que abrange informação e dimensão, não será respeitado, uma vez que, no curso da investigação forem juntados documentos, o defensor do acusado não será intimado das peças novas, tomando ciência somente quando requerer o acesso a documentos juntados no inquérito policial, ou seja, não será possibilitada a informação para reação necessária a tempo (LECHENAKOSKI, 2021).
A assistência do advogado na fase inquisitorial é garantia constitucional, a Lei Ordinária somente confirmou o direito já assegurado na Constituição Federal de 1988, que referem-se a formas parciais de contraditório e ampla defesa e que não podem serem concedidos na sua integralidade (ARAÚJO, 2021).
Segundo Lima (2016, p.179), caso negado o acesso do advogado aos autos do inquérito policial, três instrumentos de impugnação podem ser utilizados:
Considerando a edição da súmula nº 14, é viável o ajuizamento de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja preservada sua competência e assegurada a autoridade de suas decisões. Independentemente da reclamação, continua sendo cabível a impetração de mandado de segurança, diante do desrespeito ao exercício da defesa consubstanciado em violação à prerrogativa profissional do advogado. Nada impede que o acusado, seja pessoalmente, seja por meio de seu advogado, mas sempre em seu benefício, possa se valer do remédio heroico do habeas corpus arguindo que a negativa do acesso de seu advogado aos autos do procedimento investigatório acarreta constrangimento ilegal a sua liberdade de locomoção. Isso porque esse cerceamento à atuação do advogado no curso das investigações poderá refletir-se em prejuízo de sua defesa no processo e, indiretamente, obviar prejuízo que, do cerceamento delas, possa advir indevidamente à liberdade de locomoção do investigado.
Para o autor, a negativa de acesso do advogado aos autos da investigação preliminar, implica em responsabilidade criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedis o acesso do advogado com ensejo de atrapalhar o exercício da defesa (LIMA, 2016). Nesse sentido, a Lei nº 13.869/2019 estabelece condutas que podem ser consideradas abuso de autoridade e como crimes, in verbis:
Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Dentre essas tratativas está a negativa de disponibilizar o acesso do processo investigatório ao interessado ou seu defensor (BRASIL, 2019). É direito do investigado ou seu defensor os acessos as peças dos atos já praticados e documentados preliminarmente (LECHENAKOSKI, 2021).
Com isso, todos os atos praticados em sede de inquérito policial devem ser revestidos pela formalidade da lei, visando garantir os direitos do acusado, obedecida ainda a previsão legal da presença de advogado. Outrossim, os vícios praticados durante o inquérito em nada poderão praticar a ação penal, já que o juiz poderá refazer o ato ou desconsiderá-lo (BRITO, 2015). E mesmo que grande parcela da doutrina compreenda que o inquérito policial tem natureza inquisitória, a Lei nº 13.245/2016 atribuiu um viés garantista, uma vez que a busca por esclarecimentos sobre os fatos investigados pode ser perpetrada pela autoridade policial e também pelo causídico que representa o investigado, com isso, importa-se observar o contraditório e ampla defesa, mesmo que mitigados em relação ao que se prática na esfera judicial (PEREIRA, 2018).
As mudanças advindas da Lei nº 13.245/2016 são relevantes para a garantia do Estado Democrático de Direito, inibindo que os direitos constitucionais sejam infringidos, diante da inadequação dos abusos policiais e as práticas nada ortodoxas como indispensáveis para o contexto social (NUCCI, 2016 apud ARAÚJO, 2021).
Assim, não restam dúvidas que as prerrogativas promovidas pela Lei nº 13.245/2016 estabelecem amplitude da participação do advogado no inquérito policial, assegurando os direitos do acusado e proporcionando maior credibilidade aos elementos colhidos nessa fase inquisitorial, e principalmente, possibilita ao juiz visão ampla dos fatos, podendo decidir com maior convicção. Como consequência disso, a presença do advogado no inquérito policial é uma prerrogativa profissional, funcionando ainda como cumprimento legal do direito à ampla defesa e do contraditório (JUNIOR, 2018).
Por esse motivo, mesmo que exista alguns argumentos contrários ao inquérito policial sob a égide do contraditório e ampla defesa, é inegável o valor probatório do inquérito policial mesmo que seja de forma mitigada perante o disposto na Lei nº 13.245/2016.
4 CONCLUSÃO
Conforme visto, o estudo abordou a atuação do advogado criminal no inquérito policial após a reforma do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, ocorrida em 2016, devido a edição da Lei nº 13.245/2016. No primeiro capítulo, foram descritos os conceitos e características do inquérito policial. Quanto a definição de inquérito policial, tem-se como um procedimento administrativo instaurado por uma autoridade policial. A grande maioria dos doutrinadores listou como características do inquérito policial, a determinação que o procedimento seja escrito, sigiloso, inquisitivo, indispensável, e que tenha oficialidade, oficiosidade, autoridade responsável, e discricionariedade. Além do mais, se destaca o valor probatório desse procedimento, tendo em vista a importância do inquérito policial para ação penal, pois neste momento é que são colhidas todas as provas que darão ensejo a investigação criminal e a punibilidade do agente delituoso.
Nesta mesma toada, ainda no primeiro capítulo, analisou-se a instauração, o prazo para encerramento, arquivamento e desarquivamento do inquérito policial. Em relação ao início, essa é uma atribuição do Delegado de Polícia (autoridade policial responsável) conforme o disposto na legislação. O prazo para investigação irá depender da condição do réu e da esfera jurisdicional (estadual ou federal).
Ademais, depois de discorrido o prazo, a autoridade policial poderá solicitar ao juiz a prorrogação do prazo, que poderá ser prorrogado apenas uma vez, em decorrência disso, o Delegado de Polícia deverá elaborar relatório contento um esboço dos atos realizados, em peça descritiva, mesmo quando inclusivo.A respeito do arquivamento, é uma decisão judicial que somente é tomada mediante requerimento ao Ministério Público, jamais podendo ocorrer de ofício pela autoridade policial. O desarquivamento incidira na ocorrência de nova prova capaz de resolver as nuances envolvendo o caso concreto.
Em seguida, no segundo e último capítulo, descreveu-se os reflexos das alterações da Reforma do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994) pela Lei nº 13.245/2016 na atuação do advogado criminalista.
A prestação jurisdicional exercida pelo advogado, no auxílio do seu cliente, é garantia constitucional prevista no artigo 133 da Constituição Federal e deve ser respeitada. Sendo o advogado essencial para a efetivação da justiça, e da inibição de violações aos direitos constitucionais.
Dessa forma, é relevante a participação do advogado perante o inquérito policial. Contudo, isso não ocorre na prática, anteriormente a Lei nº 13.245/2016 o acesso aos documentos juntados no inquérito policial era bastante dificultoso para o advogado. Mesmo com a vigência da Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal que dispunha o direito de acesso aos elementos de prova que já foram documentados em processo investigatório.
No caso fático, havia limitação para essa premissa, pois os advogados apenas possuíam acesso aos elementos já documentados, na maioria das vezes, a autoridade policial demorava documentar os fatos ou permitia acesso somente as peças que lhe eram convenientes, sem mencionar as situações em que o advogado era impedido de assistir oitivas de testemunhas. Em razão disso, houve a implementação da Lei nº 13.245/2016, conforme já dito, intitulada de Reforma do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Com isso, modificou-se a redação do artigo 7º, acrescendo ainda o inciso XXI e os parágrafos 10, 11 e 12, com o objetivo de promover maior atuação do advogado durante a fase preliminar de investigação.
Com a alteração o advogado passou a ter acesso a inquéritos policiais com maior amplitude, até mesmo sem procuração (salvo aqueles em segredo de justiça), podendo ainda assistir seus clientes durante o interrogatório ou depoimento para apuração das infrações, sob pena de nulidade dos atos praticados.
Entretanto, há uma parte da doutrina que considera o inquérito policial como não garantidor dos princípios do contraditório e ampla defesa, sendo o inquérito policial de valor probante relativo. Embora outros autores afirmem que mesmo na fase preliminar, as premissas normativas previstas no artigo 5º da Constituição Federal (que tutelam os mencionados princípios), devem ser levadas em consideração, devido a evidência de mitigação da ampla defesa e do contraditório nessa fase investigatória diante do disposto pela Lei nº 13.245/2016.
Conclui-se que as alterações promovidas pela Lei nº 13.245/2016 no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, ampliou no caso concreto, a efetivação das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, mesmo que parte da doutrina discorde, tem-se finalmente a constatação do respeito as prerrogativas dos advogados criminais, na atuação de defesa dos seus clientes quando esses estiverem sendo investigados.
REFERÊNCIAS
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