RESUMO: Este artigo tem como escopo apresentar análise de dois acórdãos colidentes prolatados pelo Superior Tribunal de Justiça em um lapso temporal inferior a um ano, ao julgar o recurso especial nº. 1.760.966/SP e 1.797.365/RS, notadamente referente aos meios de impugnação capazes de impedir a estabilização da tutela provisória requerida na modalidade antecedente. Isto porque, o Legislador, ao redigir o art. 304, caput, do Código de Processo Civil de 2015, optou por utilizar a expressão “recurso”, de tal modo, o trabalho em epígrafe busca compreender a necessidade de se ater à literalidade da terminologia ou se esta deve ser interpretada de forma ampliativa e sistemática.
Palavras-chaves: Código de Processo Civil de 2015. Artigo 304. Tutela Provisória em Caráter Antecedente. Estabilização.
ABSTRACT: This article purposes to present a preliminary analysis of the judgment rendered by the Superior Court of Justice, when judging the special appeal docket #1.760.966/SP and #1.797.365/RS, notably, the respective procedural instruments able to prevent the establish of the effects of the preliminary injunction requested before the file of the main complaint. This is because, the Legislator, in drawing up the article 304, caput, of Brazilian Procedure Civil Code of 2015, has made a deliberate choice to use the term "appeal", hence, this article aims to understand the necessity of stick with the literalness expression or if this terminology must be faced in a systematic and extending interpretation.
Keywords: Brazilian Procedure Civil Code of 2015. Article 304. Preliminary Injunction. Stabilization.
Sumário: 1. Introito Necessário ao Tema. 2. Ainda Preliminarmente: análise dos casos concretos. 2.1. Do recurso especial nº. 1.760.966/SP: posicionamento adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. 2.2. Do recurso especial nº. 1.797.365/RS: posicionamento adotado pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça. 2.3. Interpretações Colidentes: recurso especial nº. 1.760.966/SP vs. recurso especial nº. 1.797.365/RS. 3. Considerações Gerais: A Tutela Provisória Requerida em Procedimento Antecedente no CPC. 4. Da Exportação da Técnica da Estabilização. 5. Observações Quanto à Opção Legislativa da Expressão “Recurso”. 6. Da Equivocada Interpretação Extensiva Adotada pela Terceira Turma. 7. Considerações Finais.
1.Introito Necessário ao Tema.
O vigente Código de Processo Civil[1], como bem se sabe, positivou a possibilidade de se estabilizar, no tempo, a tutela provisória concedida em procedimento antecedente, porém, sem a necessidade de um pronunciamento de mérito para sua confirmação. Evidentemente que esta alteração – estabilização sem a necessidade de prolação de um pronunciamento final – constitui importante inovação ao se confrontar com o Código Buzaid.
Como será melhor esclarecido, a inovação ocorrida na seara processual provisória[2] carece de atenção, visto que é essencial o atendimento a determinados pressupostos, os quais estão previstos nos artigos 303 e 304, ambos do CPC. Um dos requisitos legais está positivado no caput, do art. 304 do CPC[3], o qual exige, para que seja aplicada a estabilidade da medida provisória concedida, a ausência de interposição de recurso pela parte preliminarmente afetada com à antecipação da tutela almejada.
Com efeito, justamente por ser instrumento “inédito”[4], não há grande acervo jurisprudencial, ainda hoje, acerca da efetividade, de fato, da estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, uma vez que o instituto está sendo explorado gradualmente pelos sujeitos participantes do processo. No entanto, o que já se observa, é a mutação de, ao menos parte da doutrina, em interpretar tal pressuposto [ausência de interposição de recurso] para a estabilização da medida.
Ocorre que, a despeito de não se localizar relevantes discussões nos Tribunais a respeito de tal medida, observa-se que, em menos de um ano, o Superior Tribunal de Justiça[5], por meio da Primeira e Terceira Turma, exarou interpretações diametralmente opostas atinente à estabilização da tutela provisória requerida na modalidade antecedente, quando do julgamento do recurso especial nº. 1.760.966/SP e 1.797.365/RS. A partir de tal situação, evidencia-se a importância de estudo quanto ao tema em discussão.
2.Ainda Preliminarmente: análise dos casos concretos.
2.1 Do recurso especial nº. 1.760.966/SP: posicionamento adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Inicialmente, no caso em análise, almejava-se a obtenção de tutela antecipada em procedimento antecedente, a qual foi liminarmente concedida, além de ter sido designada a audiência preliminar de conciliação, e, no mesmo instante, determinada a citação e a intimação da parte contrária.
Ocorre que, a parte contrária antecipou-se e ofertou contestação. Naquela oportunidade, a ré entendeu por bem, ainda, requerer a revogação da tutela antecipatória concedida. Finalmente, ainda optou por não interpor o recurso de agravo de instrumento em face da decisão que concedeu a tutela antecipatória.
Em ato subsequente, o juízo de primeiro grau, convencido pelos argumentos trazidos pela parte ré, optou por revogar a tutela antecipada inicialmente concedida. Diante de tal decisão, ao contrário do réu, a parte autora interpôs o recurso de agravo de instrumento, sendo argumentado que, partindo-se da premissa de que não houve a interposição de recurso pela parte ré [em face da decisão que concedeu a tutela antecipada], teria, dessa maneira, sido estabilizada a tutela provisória concedida em princípio, o que, por consequência, impediria sua revogação.
O Tribunal de Justiça de São Paulo optou por negar provimento ao recurso interposto pela autora, visto que não seria possível concluir, assentado na leitura da petição inicial, a intenção de se valer da estabilização da tutela provisória concedida em procedimento antecedente, conforme exigido pelo art. 304, §5º, do CPC.
Insatisfeita, a parte autora, ainda, interpôs recurso especial, pelo qual aduziu violação ao artigo 304, caput e §§2º, 3º, 5º e 6º, do CPC, destacando-se, especialmente, falha do Tribunal de Justiça em aplicar o artigo 304, §5º, do CPC, isto porque o referido dispositivo “autoriza, desde que expressamente consignado na petição inicial, o requerimento, tão somente, da antecipação da tutela satisfativa, complementando-se os demais pedidos em aditamento”. Entretanto, como já esclarecido, a parte ré não recorreu da decisão que concedeu a tutela provisória e, por conseguinte, “tornou-se estável, não sendo passível de reconsideração nos autos em que foi proferida”.
Após superado os trâmites de praxe, em 04 de dezembro de 2018, a Terceira Turma do STJ, julgou o mencionado recurso, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze.
A Terceira Turma, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, consignou que, muito embora, ao examinar o caput do art. 304, se observa que “A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”, não pode prevalecer, portanto, uma interpretação limitada, sendo mister a realização de análise sistemática e teleológica do referido dispositivo e instrumento processual.
Dessa maneira, no entendimento do Ministro Relator, a melhor interpretação seria a de que o dispositivo teria dito menos do que, em verdade, buscava positivar. De tal modo, ao se deparar com tal impasse, deve ser aplicada uma interpretação mais ampla do instituto processual, sendo, ao final, concluído que a estabilização ocorrerá tão somente “se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária”[6].
No entendimento do Ministro, acompanhado por seus pares, não poderia ser aceito que, tão somente pelo fato do prejudicado com a tutela antecipada concedida ofertar contestação, e, neste momento, requerer o prosseguimento do feito, ocorreria a estabilização da tutela provisória. Ou seja, não há que se falar em estabilização se a parte afetada pela decisão liminar, no entendimento do STJ, mesmo que (i) apenas seja ofertada contestação ou outra espécie de manifestação requerendo o prosseguimento do feito e (ii) não seja interposto recurso [de agravo de instrumento] em face desta decisão.
Ademais, caso prevalecesse outro entendimento, irrefutavelmente ocorreria um estímulo à interposição de recursos aos Tribunais, que causaria ainda mais demora na prestação jurisdicional, em decorrência do aumento no número de recursos.
Além do mais, no mesmo julgamento, o STJ manifestou-se acerca do argumento desenvolvido pelo Tribunal Paulista, no sentido de que a autora teria falhado em requerer expressamente os efeitos da estabilização. De acordo com o Ministro, muito embora não tenha sido formulado, expressamente, pedido expresso de concessão de tal benefício, a partir de uma interpretação generalizada da petição inicial, seria absolutamente possível inferir que este era o seu objetivo, “sobretudo em razão da existência de capítulo próprio pleiteando o direito de aditar posteriormente a petição inicial, procedimento que só se verifica na sistemática do (...) art. 303”.
2.2 Do recurso especial nº. 1.797.365/RS: posicionamento adotado pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça
Já no caso mais recente, julgado em outubro de 2019, tratava-se de pedido de tutela provisória na modalidade antecedente, a qual, da mesma forma do caso supra, foi liminarmente concedida, esta em desfavor do Estado do Rio Grande do Sul.
O Ente Federativo ofertou contestação, sendo defendido, além do mérito propriamente dito, ser a peça defensiva suficiente para impedir a estabilização da tutela provisória concedida, prescindindo, por conseguinte, a interposição de recurso de agravo de instrumento em face da decisão liminar.
Superada a fase postulatória e instrutória, o juízo de primeiro grau extinguiu o referido processo e tornou estável a tutela antecipada previamente concedida. Diante de tal decisão, o Estado do Rio Grande do Sul interpôs recurso de apelação, sob o argumento de que a tutela provisória concedida não teria se estabilizado, posto que, com a oferta de contestação, teria sido demonstrado oposição ao requerimento formulado pela parte autora, o que, por consequência, impediria sua estabilização.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, convencido pela tese apelativa, deu provimento ao recurso, visto que “a contestação apresentada pelo ente estatal tem o mesmo efeito da eventual interposição de agravo de instrumento contra a decisão que defere a tutela antecipada em caráter antecedente” (conf. fl. 293v do processo de origem).
Diante da reforma da sentença de 1º grau, a instituição financeira autora interpôs recurso especial, pelo qual aduziu violação ao artigo 304, §1º, do CPC, além de apontar dissídio jurisprudencial com acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
O recurso especial foi julgado em 03 de outubro de 2019, na Primeira Turma, sob relatoria do Ministro Sérgio Kukina. O Ministro Relator, ao julgar o recurso especial em cotejo, voto para negar provimento ao recurso especial, pois “a oportuna apresentação de peça contestatória, em que registrado o inconformismo da parte demandada, tanto quanto seu inequívoco desejo em prosseguir no debate sobre a pretensão autoral, revela-se, só por si, capaz de afastar o óbice da inércia do réu, enquanto elemento gerador da estabilização da tutela.”.
O Ministro, além de ressaltar entendimento doutrinário no mesmo sentido, destacou o julgado proferido pela Terceira Turma, da mesma Corte, analisado no tópico precedente.
Ocorre que em face de tal entendimento, a Ministra Regina Helena Costa apresentou voto divergente para dar provimento ao recurso especial, sendo acompanhada pela maioria da Turma Julgadora. De acordo com a Relatora Designada, a melhor interpretação ao dispositivo em discussão (CPC, art. 304, §1º) seria a de que “a não utilização da via própria – agravo de instrumento – para a impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de revisão”. Isto porque, “a interpretação ampliada do conceito, efetuada pelo tribunal de origem, caracterizaria indevida extrapolação da função jurisdicional”.
2.3 Interpretações Colidentes: recurso especial nº. 1.760.966/SP vs. recurso especial nº. 1.797.365/RS.
A partir de análise preliminar do primeiro acórdão exarado pelo STJ, pode-se extrair duas impressões iniciais: (a) qualquer espécie de impugnação ao pedido da parte autora, seja por meio de agravo de instrumento ou, ainda, por pedido de revogação em contestação, por exemplo, seria óbice à estabilização da tutela antecipada[7]; e (b) dispensável o requerimento expresso do benefício da estabilização pelo jurisdicionado.
Por outra via, conclui-se a partir da mais recente interpretação do STJ, o que, desde já se adianta, nos filiamos, que tão somente a interposição do competente recurso - in casu, o agravo de instrumento – em face da decisão que concede a tutela provisória na modalidade antecedente é apta a impedir a estabilização de seus efeitos.
Finalmente, sem prejuízo, o que se sobressaí, sob nosso ponto de vista, são as interpretações diametralmente opostas, pela mais alta Corte Superior [em matéria infraconstitucional], em um lapso temporal inferior a um ano, acerca da expressão “recurso” disposta no artigo 304 do CPC.
3.Considerações Gerais: A Tutela Provisória Requerida em Procedimento Antecedente no CPC.
Inicialmente, se mostra relevante para a discussão, tecer breves comentários atinentes ao instituto da tutela provisória no procedimento antecedente, especialmente diante de sua recém positivação.
O CPC traz, em seus artigos 294 ao 311, a denominada “tutela provisória”, categoria geral que abarca as chamadas tutelas de urgência [com duas espécies a saber: cautelar e antecipada] e de evidência. Via de regra, tais institutos, da mesma forma que o CPC/73, mantém o princípio de que se tratam de tutelas, por serem concedidas em cognição não exauriente, precárias e provisórias.
Especificamente com relação à tutela antecipada requerida em caráter antecedente, esta é regulada pelos artigos 303 e 304 do CPC. A partir da leitura de tais dispositivos, denota-se que, para ser possível a exploração desse procedimento, a parte autora deverá, na petição inaugural, pleitear a tutela antecipada de urgência e demonstrar que a necessidade de sua concessão é contemporânea à propositura da ação. Imprescindível, ainda, ser pormenorizado o perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo e, finalmente, indicar o pleito final (CPC, art. 303).
Caso sobrevenha o indeferimento da tutela antecipada, o juiz deverá determinar o aditamento da petição inicial, o qual deverá ocorrer em até cinco dias, isto para possibilitar a instauração do procedimento ordinário, no qual ocorrerá, de fato, cognição plena e exauriente. Caso, contudo, tal aditamento não seja realizado, o processo será extinto sem resolução do mérito, conforme previsto no art. 303, § 6º, do CPC.
Por outro lado, caso seja deferida a tutela antecipatória, da mesma forma, a parte autora será intimada para providenciar o aditamento da petição inicial, no prazo de 15 dias, com eventual complementação da argumentação já exposta, sem prejuízo de apresentação de novos documentos e ratificação do pleito final (CPC, art. 303, §1º). No mesmo ato, o juiz determinará a citação e intimação da parte contrária para a audiência preliminar de conciliação ou mediação (CPC, art. 303), momento que passará a fluir o prazo para a interposição do recurso de agravo de instrumento em face da decisão que concedeu a tutela provisória (CPC, art. 304).
Caso, contudo, a parte contrária expresse sua oposição à tutela antecipatória concedida, ocorrerá a estabilização da tutela antecipada [que será melhor esclarecido a seguir] e, assim, o processo será extinto, com a manutenção dos efeitos da antecipação de tutela (CPC, art. 303, §§ 1º e 3º). Após a extinção desse processo, ambas as partes poderão ajuizar ação autônoma, com o objetivo de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada (CPC, art. 303, § 2º).
4.Da Exportação da Técnica da Estabilização.
Como mencionado, na hipótese de ser deferida a tutela antecipatória, e a parte contrária quedar-se inerte, ocorre a estabilidade da tutela concedida (CPC, art. 304).
Ao se observar a “estabilização da tutela antecipada”, a qual, de certa forma se destoa das diretrizes gerais das tutelas provisórias, prevista no art. 304 do CPC[8], se nota evidente mitigação do caráter precário e provisório das tutelas antecipadas. Esta nova técnica positivada, indubitavelmente, buscou inspiração no ordenamento processual francês[9] (référé) e italiano[10]. Infelizmente, no presente artigo não será possível se aprofundar na análise das tutelas sumárias [potencialmente] autônomas em outros ordenamentos jurídicos, especialmente o italiano e francês[11].
A técnica da estabilização, segundo a doutrina[12], possibilita, em termos carneluttianos, a permanência dos efeitos da tutela liminar concedida, sem, no entanto, ser necessário o pronunciamento de mérito[13].
Isso porque, da mesma forma que no direito francês, o ajuizamento da ação principal se torna dispensável e, a despeito de ser concedida em cognição sumária, a tutela jurisdicional passa a ter seus efeitos perdurados ad eternum, exceto se a parte “prejudicada” intentar alguma das medidas previstas no CPC.
A técnica, apesar de inédita e em vigência desde meados de março de 2016, não é historicamente nova, visto que, ao que parece, vem sendo discutida na Academia desde, ao menos, a última década do século XX. O incômodo com a demora na prestação jurisdicional, como bem se sabe, sempre foi tópico de calorosos debates entre os envolvidos na relação processual.
Nesse sentido, já em 1997, Ada Pellegrini propôs que a falta de irresignação à concessão da tutela antecipatória deveria ser convertida em sentença de mérito e, por conseguinte, equiparada e passível de proteção pela coisa julgada[14]. O objetivo primordial da técnica é dispensar o pronunciamento de mérito, desde que presentes os pressupostos processuais, como se confere na lição de Heitor Vitor Mendonça Sica[15]:
“O objetivo primordial da técnica é tornar meramente eventual e facultativo o exercício de cognição exauriente para dirimir o conflito submetido ao Estado-juiz, desde que tenha havido antecipação de tutela (fundada, por óbvio, em cognição sumária) e que o réu não tenha contra ela se insurgido. Sumarizam-se, a um só tempo, a cognição e o procedimento.”
A partir da leitura, em conjunta, dos artigos 303 e 304 do CPC, observa-se a necessidade de se comprovar a presença concomitante de 4 (quatro) condições para a possibilidade de utilizar-se de tal técnica, quais sejam: (i) tenha ocorrido o deferimento da tutela provisória de urgência satisfativa requerida em procedimento antecedente e autônomo; (ii) a parte autora tenha requerido a aplicação dos efeitos da estabilidade na petição inicial; (iii) a decisão antecipatória, obrigatoriamente, deve ter sido proferida liminarmente (inaudita altera parte); e, por fim, (iv) a ausência de interposição de recurso pelo réu em face da decisão que deferiu a tutela provisória.
De tal modo, como explica Leonardo Ferres da Silva Ribeiro[16], o objetivo primordial da técnica da estabilização é proporcionar que, a decisão exarada em sede de pedido de tutela provisória no procedimento antecedente, seja mantido os seus efeitos, independentemente da manutenção do processo para se obter seu consequente exaurimento.
Como inicialmente destacado, o escopo do presente trabalho é a análise, segundo o decidido nos acórdãos em estudo, do último requisito para aplicação da estabilização da tutela antecipatória. Isto como uma tentativa de compreensão da real intenção do Legislador ao estipular a expressão “recurso” no artigo 304 do CPC. Bem assim, passa-se a examinar este requisito, em específico, para aplicação desta técnica[17].
5.Observações Quanto à Opção Legislativa da Expressão “Recurso”.
Certamente, como já pôde se notar, este requisito [para estabilização da tutela] é um dos mais polêmicos. A redação do art. 304 do CPC, ao contrário de outros dispositivos, é precisa de que “a tutela antecipada concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se a decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”.
Ora, em primeira leitura do referido dispositivo, não deixaria dúvidas que, exceto se interposto o cabível recurso em face da decisão que concede a tutela antecipada no procedimento antecedente, se estabilizaria os efeitos oriundos da tutela [desde que preenchidas as outras três condições]. Aliado à esta primeira ideia, ainda se tem que recurso é tão somente os elencados pela Legislação Processual (CPC, art. 994). Na mesma linha de entendimento, observe-se o esclarecido pela doutrina[18]:
“[...] recurso é um conceito técnico extraído da lei por meio de um raciocínio indutivo, prevalecendo a ideia de que só pode ser considerado como recurso aquilo que a lei assim chama.”
Certamente por este motivo que, durante os quase quarenta anos de vigência do CPC/73 e até o presente momento, prevalece a premissa de que recurso é o meio pelo qual os jurisdicionados, voluntariamente, impugnam as decisões judiciais, com o escopo de obter, do Tribunal ad quem, a invalidação, reforma ou integração do pronunciamento judicial impugnado[19].
Logo, resta devidamente compreendido – e corroborado – que recurso é a utilização de ferramentas previstas em Lei, voluntariamente pelos jurisdicionados, como forma de impugnar às decisões judiciais[20].
Sendo assim, partindo-se de tal premissa, combinado com o artigo 1.015, inciso I, do CPC, a única ferramenta capaz de obstar à estabilização da tutela antecipada concedida no procedimento antecedente seria a interposição do recurso de agravo de instrumento[21].
Parcela razoável da doutrina[22], no entanto, antes mesmo do julgamento do primeiro recurso em análise, passou a ignorar não apenas o tradicional entendimento processual civil, mas, sobretudo, a clareza da expressão disposta no art. 304 do CPC, e passou a se defender, veemente, que outros meios de impugnação deveriam ser considerados como suficientes para impedir à estabilização da medida excepcional concedida[23].
Para Cássio Scarpinella Bueno[24], por exemplo, deve-se aceitar qualquer forma de impugnação do réu em face da decisão antecipatória, independentemente de sua natureza. Em entendimento similar, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira[25], porém sob análise da clareza do art. 304 do CPC, aduzem que:
“[...] a inércia que se exige para a estabilização da tutela antecipada vai além disso: é necessário que o réu não se tenha valido de recurso nem de nenhum outro meio de impugnação da decisão (ex.: suspensão de segurança ou pedido de reconsideração, desde que apresentados no prazo de que dispõe para a parte recorrer).”
Os doutrinadores supracitados[26], ainda, prosseguem defendendo que a apresentação de defesa, no prazo recursal, seria um dado importante, “porque afasta a inércia e, com isso, a estabilização”. Nesta mesma linha de raciocínio, MARINONI, ARENHART e MITIDIERO[27] defendem que a
“[...] vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do procedimento.”
Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, ainda, aponta que, a despeito de, em uma interpretação literal do art. 304 do CPC, prevalecer a ideia de que, o que ditará a estabilização ou não os efeitos da decisão antecipatória é a interposição de recurso, deve ser interpretado que “qualquer forma de oposição (v.g., contestação, reconvenção) deve ter o condão de evitar a extinção do processo” [28].
Em sentido semelhante, mas sob ângulo díspar, Daniel Amorim Neves[29] defende que ao se ler a expressão “recurso”, cabe ao intérprete a substituir por “impugnação”. Abordagem distinta, mas interessante, é o posicionamento adotado por Bruno Garcia Redondo[30], ao realizar evidente confronto entre o princípio do contraditório e da ampla defesa vs. segurança jurídica [a partir da ampliação da interpretação da expressão “recurso”][31], defende ser:
“[...] a interpretação constitucional mais adequada, à luz das garantias do contraditório e da ampla defesa, é a de qualquer ato impugnativo latu sensu do réu, apresentado dentro do prazo do recurso, deve servir ao condão de impedir a estabilização da tutela antecedente e a extinção do processo.”
Com aparente intuito de justificar a interpretação [alteração] extensiva, tarefa alheia à doutrina, visto que de exclusividade do Poder Legislativo, Luiz Guilherme Marinoni[32], esclarece
“O legislador tratou mal da tutela provisória. Em vários pontos, sendo este apenas um deles. Bem por isso, a doutrina tem que elaborar freios para que desastres não aconteçam. Diante da generalização dos efeitos da não atuação do demandado, é preciso que qualquer forma de reação, ainda que não o agravo de instrumento, seja vista como sinal de inconformidade, capaz de determinar o prosseguimento do processo não apenas para a discussão do caso, mas para que o autor se desincumba do ônus de provar as alegações de fato que foram admitidas como prováveis. [...] Mas se o autor [sic], ao receber a intimação da efetivação da tutela antecipada, apresenta petição impugnando a forma concedida para a prestação da tutela ou a sua efetivação e, por lapso, perde o prazo do agravo de instrumento, há que se considerar a sua petição como inconformismo com a tutela antecipada.”
Daniel Mitidiero, por sua vez, ao defender a interpretação teleológica do dispositivo em análise, argumenta que a “solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade, constante da contestação”[33], visto que haveria absoluto interesse da parte ré – afetada com os efeitos oriundos da antecipação da tutela – em obter pronunciamento de mérito.
A partir de análise, não exauriente, dos defensores da interpretação ampliativa, denota-se que poderia se concluir pela inconstitucionalidade da extinção do processo, com a estabilização dos efeitos da tutela antecipada concedida, na hipótese de a parte ré ter manifestado, de alguma forma, irresignação ao pleito autoral. Isto porque, em síntese, ao assim fazer, a parte ré, por óbvio, almeja a obtenção de um pronunciamento de mérito e, portanto, exauriente.
Em sentido contrário, em aparente minoria, Leonardo Carneiro da Cunha[34] defende que
“[...] o texto normativo refere-se a recurso, que é, aliás, o único meio que impede a preclusão. A estabilização decorre, portanto, da ausência de agravo de instrumento, que é o recurso cabível contra a decisão que versa sobre tutela provisória (CPC, art. 1.015, I). Qualquer outro meio de impugnação não impede a estabilização.”
Filia-se a tal entendimento Arruda Alvim[35], notadamente no tocante à expressão “recurso” previsto no dispositivo em estudo, ao argumentar
“Em princípio a redação do dispositivo é bastante clara, e parece ser adequada uma interpretação restritiva para impedir que outras manifestações do réu que signifiquem a quebra de sua inércia e a impugnação da decisão que concedeu a medida possam evitar a extinção do processo.”
Da mesma maneira opinam Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, ao consignarem que “se o réu não interpuser recurso contra a decisão que, em primeiro grau, concede a tutela antecipada antecedente, essa estabilizar-se-á”[36].
Ainda, nesse mesmo posicionamento doutrinário, isto é, pela interpretação taxativa do art. 304 do CPC, Dierle Nunes e Érico Andrade[37] defendem
“[...] em razão de que o legislador do novo Código adotou, aqui, posição expressa no sentido de optar pelo recurso como o meio para impedir a estabilização, considerando, inclusive, que nas versões anteriores do projeto se utilizava o termo mais abrangente ‘impugnação’ e, afora, no projeto aprovado e que se transformou no novo CPC houve uma tomada de posição quanto ao instrumento processual capaz de impedir a estabilização: o recurso.”
De tal modo, percebe-se, infelizmente, a existência de evidente dissenso doutrinário quanto à interpretação da expressão “recurso” prevista no art. 304, caput, do CPC. Como já fora adiantado, o STJ aparenta coadunar com o posicionamento da doutrina, possivelmente majoritário, que defende uma interpretação ampliativa e irrestrita. Desta feita, a seguir, será melhor esmiuçada a argumentação exarada no acórdão que julgou o recurso especial nº. 1.760.966/SP.
6.Da Equivocada Interpretação Extensiva Adotada pela Terceira Turma.
Como já adiantado no início do presente trabalho, quando do julgamento do recurso especial nº. 1.760.966/SP, o STJ optou por exercer uma análise sistemática e teleológica do art. 304 do CPC, isto é, deixando de lado a clareza da ordem positivada e acolhendo o argumento de que a mera manifestação da parte afetada com a antecipação da tutela é suficiente para ser encarado como óbice à aplicação da técnica da estabilização.
O caput, do art. 304 do CPC, como também já visto, expõe como condição, para a estabilização, a inexistência de interposição de recurso, o qual, como também já fundamentado, é o meio pelo qual os jurisdicionados, de forma voluntária, impugnam as decisões judiciais, com o escopo de obter, do Tribunal ad quem, a invalidação, reforma ou integração do pronunciamento judicial impugnado. Sendo oportuno reiterar que as espécies de recursos são aquelas arroladas pelo art. 994 do CPC.
A partir de tal consideração, com o devido respeito a entendimento diverso, não aparenta ter sido a melhor intepretação adotada pela Terceira Turma do STJ, isto ao equiparar a contestação, reconvenção, ou qualquer outro meio de impugnação, exceto o recurso cabível (agravo de instrumento, a depender do grau de jurisdição que concedida a tutela antecipatória). Nesse sentido, Frederico Augusto Gomes[38], atinente à controvérsia doutrinária, destaca
“A adscrição de sentido a um texto legal – uma vez que, como é cediço, interpretar é atribuir sentido – não pode ignorar o significado das palavras daquele texto. Não pode ignorar também que o sentido se constrói intersubjetivamente, ou seja, a partir dos campos de consenso acerca do que as palavras daquele texto podem significar.”
Como já mencionado, o STJ, por meio do Ministro Marco Aurélio Bellizze, optou por ampliar, em verdade, a vontade do Legislador, sob a justificativa de que “a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária.”. Ou seja, a Corte Superior tratou como sinônimo as expressões “recurso” e “impugnação”, o que, a nosso ver, com o acatamento a entendimento diverso, não constitui acerto.
Isso porque, ao assim agir, ao que parece, restaram ignoradas às discussões travadas na seara Legislativa atinentes a tal dispositivo. Sobre tal aspecto, Frederico Augusto Gomes[39] é categórico quanto à tal impossibilidade
“[...] não é possível dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa. Os termos técnico-jurídicos têm história, foram debatidos doutrinariamente e ganharam significado na prática forense diante das decisões dos tribunais pátrios. Não é possível ignorar esse contexto e atribuir a um termo – o recurso – um significado que não prevaleceu. Ademais, a defesa de que qualquer meio de impugnação à tutela antecipada antecedente concedida é apta a afastar sua estabilização é um verdadeiro golpe contra o produto do devido processo legislativo.”
Importante destacar, nesse sentido, como bem fez o doutrinador supracitado, que a discussão sobre a terminologia [“impugnação” e “recurso”] foi amplamente discutida durante a tramitação do anteprojeto na Casa Legislativa. Ora, se houve evidente escolha do Poder Legislativo, entre as expressões, pelo termo “recurso”, deve, por conseguinte, realizar interpretação literal deste.
Este fato foi destacado pela Ministra Regina Helena Costa ao consignar em seu voto no julgamento do recurso especial nº. 1.797.365/RS
“[...] durante a tramitação legislativa, optou-se por abandonar expressão mais ampla – "não havendo impugnação" (sem explicitação do meio impugnativo) – e a Lei n. 13.105/2015 adveio contendo expressão diversa – "não for interposto o respectivo recurso". Logo, a interpretação ampliada do conceito, efetuada pelo tribunal de origem, caracterizaria indevida extrapolação da função jurisdicional.”
Não se ignora, todavia, combativa argumentação diversa, por processualistas e pelo próprio STJ, de que, ao empregar interpretação ampliativa, estaria tomando como base a verdadeira intenção do legislador[40]. Não deve, portanto, pairar dúvidas sobre quais seriam os “recursos”, na medida em que taxativamente delimitados pelo art. 994 do CPC.
Com a devida vênia, no instante que a Terceira Turma do STJ interpretou o termo “recurso” como “qualquer tipo de impugnação”, de fato, restou categoricamente desprezado o processo democrático na aprovação da vigente Legislação Processual. O estudo do ordenamento jurídico, não se constitui estudo objetivo e exato, visto que, pelas regras da experiência, é composto pelo exercício do intérprete da norma[41], entretanto o ponto de partida deve ser respeitado, como também explica o autor[42] citado
“É por isso que atribuir ao termo recurso o significado amplo de qualquer impugnação é ignorar o consenso obtido no parlamento. A norma não é um dado pronto, isso é verdade. Ela é construída pelo interprete, mas o é a partir de uma base que é dada previamente pelo Poder Legislativo, a qual não pode ser simplesmente ignorada por se pensar ser mais conveniente.”
Entretanto, não se nega a infelicidade da prevalência da terminologia “recurso”, visto que absolutamente restritiva e notoriamente, como bem se sabe, os atores processuais se deparam com meios de impugnação, que exercem, de fato, a mesma função impugnativa à concessão da tutela antecipatória, mas que não se constituem como recurso. No entanto, infelizmente, não é atribuição do STJ, tampouco da doutrina, legislar e ampliar, data venia, a extensão do que democraticamente prevaleceu no trâmite legislativo.
Sendo assim, novamente com o devido respeito ao forte posicionamento contrário, a conclusão exarada pela Terceira Turma do STJ, a nosso ver, não se mostra correta, porquanto extrapola sua atuação, de intérprete das normas infraconstitucionais (in casu, o art. 304 do CPC), e, sobretudo desconsidera a verdadeira intenção do Legislador, o que, ao contrário do fundamentado, proporciona uma insegurança jurídica em grau ainda mais elevado.
7.Considerações Finais.
A partir de todo o exposto, em breves considerações finais, entende-se que a primeira interpretação adotada pelo STJ, ao se analisar o acórdão que julgou o recurso especial nº. 1.760.966/SP, consoante com o posicionamento – aparentemente – majoritário da doutrina, não se mostra correta e, em verdade, caminha em sentido contra legem.
Felizmente, meses após tal interpretação, a mesma Colenda Corte exarou entendimento diverso e, a nosso ver, escorreito. Ocorre que, como bem se sabe, o vigente CPC muito se preocupou com a uniformização da jurisprudência, isto com o escopo de conceder maior segurança jurídica aos jurisdicionados. A partir desta análise, todavia, se depara com mais um caso concreto, lamentavelmente, dentre diversos outros, de entendimento diametralmente oposto pelo Poder Judiciário para situação idêntica.
Com efeito, considerando-se o quanto esmiuçado, resta evidente que a melhor interpretação ao artigo 304 do CPC deve ser a literal, isto é, restritiva, atinente aos meios de impugnação suficientes para impedir a aplicação da técnica de estabilização a estabilização dos efeitos da tutela antecipada concedida no procedimento antecedente, motivo pelo qual, a nosso ver, o julgado sob análise não constitui a melhor interpretação ao dispositivo em estudo. Destarte, cabe aguardar a forma que os Tribunais Nacionais irão encarar as interpretações ofertadas pelo STJ.
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[1] Neste artigo, se adotará a abreviatura CPC atinente à expressão “Código de Processo Civil de 2015”.
[2] Indiscutível que a estabilização da tutela antecipada é uma das principais novidades previstas no CPC, que caminha em sentido contrário ao revogado Código Buzaid. Oportuno ressaltar, no entanto, que a possibilidade de medidas sumárias autônomas já era contemplada, mesmo que de forma limitada, como, por exemplo, na Seção XV, do Capítulo II, do Livro III do Código de Processo Civil de 1973 (doravante “CPC/73”). Nesta Seção, também denominada de “outras medidas provisionais” pela doutrina, posto que o art. 888, do CPC/73, apresentava “medidas que em sua maioria não tem natureza cautelar, mas satisfativa” (MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado: com remissões e notas comparativas ao projeto do novo CPC. 2ª Ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. P. 888). Sendo que, a expressão “provisionais” deve ser encarada ambiguamente, pois versa não apenas com relação à provisoriedade, mas, igualmente, à provisão, isto é, a adoção de medidas (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil, arts. 813 a 889. Tomo II. Vol. VIII. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1991. P. 366/367). No mesmo sentido, recomenda-se: MITIDIERO, Daniel. Antecipação da Tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. 4ª Ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2019. P. 140/150; e CALVOSA, Carlo. La Tutela Cautelare (profilo sistemático). Torino: UTET. 1963. P. 184.
[3] “Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 , torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.”
[4] Como será melhor explicado, esta técnica, apesar de prevista apenas no vigente CPC, há muitos anos vem sendo debatida pelos estudiosos do Direito Processual Civil.
[5] Neste artigo, se adotará a abreviatura STJ atinente ao Superior Tribunal de Justiça.
[6] Destaque no original.
[7] Nesse viés, mostra-se oportuno destacar, ainda, o lembrete da doutrina de que “(...) do ponto de vista da teoria dos precedentes, a ratio decidendi é aplicável apenas à contestação, que foi o remédio jurídico processual utilizado pela parte ré para impugnar o pedido de estabilização da tutela antecipada. Outros mecanismos específicos não foram analisados pela decisão.” (PEIXOTO, Ravi. Estabilização da Tutela Antecipada Antecedente de Urgência: Instrumentos Processuais Aptos a Impedi-la e Interpretação da Petição Inicial – Uma Análise do Recurso Especial 1.760.966. In: Revista de Processo nº. 292. P. 357/374. São Paulo. 2019).
[8] Importante destacar, ainda, que a redação do art. 304 do CPC apresenta razoáveis diferenças em referência ao texto final aprovado pelo Senado da República e, sobretudo, da redação do anteprojeto originalmente apresentado pela Comissão de Juristas nomeada pela Presidência do Senado em 2009.
[9] Nesse sentido: TOMMASEO, Ferrucio. Provvedimenti d´urgenza. Pádua: CEDAM, 1983 e COUCHEZ, Gérard; LAGARDE, Xavier. Procédure civile. 16. ed. Paris: Sirey, 2011.
[10] A inspiração não se trata de mero achismo, mas é, em verdade, verificada na Exposição de Motivos do anteprojeto: “(...) também visando a essa finalidade, o novo Código de Processo Civil criou, inspirado no sistema italiano e francês, a estabilização de tutela, a que já se referiu no item anterior, que permite a manutenção da eficácia da medida de urgência, ou antecipatória de tutela, até que seja eventualmente impugnada pela parte contrária”.
[11] Acredita-se que esta comparação, independentemente de sua metodologia, macro ou micro (SAMUEL, Geoffrey. An Introduction to Comparative Law Theory and Method. Oxford: Hart Publishing, 2014), poderia trazer importantes elementos teóricos para melhor se compreender a técnica da estabilização, contudo, infelizmente, tal esforço se mostra incompatível com o escopo do presente trabalho.
[12] Sobre a dispensabilidade de pronunciamento de mérito: MACHADO, Marcelo Pacheco. Simplificação, autonomia e estabilização das tutelas de urgência: análise de proposta do projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo nº. 202. P. 233/268. 2011.
[13] Nesse sentido: FREITAS JUNIOR, Horival Marques de. Breve Análise Sobre as Recentes Propostas de Estabilização das Medidas de Urgência. In: Revista de Processo nº. 225. São Paulo. 2013. P. 184; GOMES, Frederico Augusto. A Estabilização da Tutela Antecipada. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2018. P. 29/42.
[14] GRINOVER, Ada Pellegrini. Proposta de Alteração do Código de Processo Civil: justificativa. In: Revista de Processo nº. 86. P. 191/195. São Paulo. 1997.
[15] SICA, Heitor Vitor Mendonça. Tutela Antecipada Antecedente. In: Enciclopédia Jurídica da PUCSP. Tomo III (recurso eletrônico). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2017. P. 4.
[16] RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e tutela de evidência: do CPC/1973 ao CPC/2015. 3ª Ed., rev. e atual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2018. P. 224/225.
[17] Sobre os demais requisitos, diversas obras poderiam ser recomendas, sendo que, a nosso ver, merece destaque: SICA, Heitor Vitor Mendonça. Op. Cit.; MACHADO, Marcelo Pacheco. Op. Cit.; GOMES, Frederico Augusto. Op. Cit.; REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e a negociação da tutela de urgência antecipada antecedentes: principais controvérsias. In: Revista de Processo nº. 244. São Paulo. 2015; e LAMY, Eduardo de Avelar; LUIZ, Fernando Vieira. Estabilização da Tutela Antecipada no Novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo nº. 260. São Paulo. 2016. P. 115.
[18] GOMES, Frederico Augusto. Op. Cit. P. 73.
[19] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. 9ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. P. 498.
[20] Ainda, cabe relembrar, que o professor Leonardo Carneiro da Cunha, com o intuito de condenar o erro de atribuir aspecto recursal aos embargos monitórios, explica que “somente se consideram recursos aqueles mecanismos expressamente previstos em lei como tal. Com efeito, diante do princípio da taxatividade, os recursos estão, todos eles, previstos ou taxados na lei, não podendo ser atribuída natureza recursal a um instrumento que não se encontre no rol dos recursos” (CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública e o Procedimento Monitório. In: Revista de Processo nº. 124. São Paulo. 2005. P. 63).
[21] Esta ferramenta recursal, por óbvio, está bem-disposta no rol, taxativo, dos recursos, como se pode verificar no art. 994, II, do CPC.
[22] Como será melhor esclarecido, estudiosos do Direito Processual Civil passaram a defender este entendimento amplo quanto à expressão “recurso”, tais como: Cássio Scarpinella Bueno, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Amorim Assumpção Neves, entre outros.
[23] Uma das possíveis justificativas para a mudança de entendimento, eivada de qualquer comprovação, seria o inconformismo com o texto final aprovado pelo Poder Legislativo, visto que a redação anterior expressamente consignava que qualquer meio de irresignação, por parte do réu, seria suficiente para impedir a estabilidade da tutela antecipatória.
[24] SCARPINELLA BUENO, Cássio. Manual de Direito Processual Civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: Editora Saraiva. 2015. P. 233
[25] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedentes, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm. 2016. P. 621.
[26] Ibid. P. 622.
[27] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2015. P. 216.
[28] RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Op. Cit. P. 227.
[29] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ª Ed. Salvador: Editora Jus Podivm. 2016. P. 451/452.
[30] REDONDO, Bruno Garcia. Op. Cit. P. 175.
[31] Em sentido semelhante, isto é, em viés direcionado aos princípios processuais constitucionais também caminham: LIMA, Bernardo da Silva; EXPÓSITO, Gabriela. Porque tudo que é vivo, morre: comentários sobre o regime da estabilização dos efeitos da tutela provisória de urgência no novo CPC. In: Revista de Processo nº. 250. São Paulo. 2015. P. 185; LAMY, Eduardo de Avelar; LUIZ, Fernando Vieira. Op. Cit. P. 115.
[32] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de Urgência e Tutela de Evidência: soluções processuais diante do tempo da justiça. 2ª Ed., rev. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2018. P. 234.
[33] MITIDIERO, Daniel. Op. Cit. P. 146.
[34] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2016. P. 313.
[35] ARRUDA ALVIM, José Manual de. Manual de Direito Processual Civil: teoria geral do processo, processo de conhecimento, recursos e precedentes. 18ª Ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2019. P. 768.
[36] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional. Vol. I. 16ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2016. P. 891.
[37] NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os Contornos da Estabilização da Tutela Provisória de Urgência Antecipatória no Novo CPC e o Mistério da Ausência de Formação da Coisa Julgada. In: DIDIER JR., Fredie (coord. Geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (orgs.). Novo CPC Doutrina Selecionada: procedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório. Vol. 4. Salvador: Editora JusPodivm. 2016. P. 83/84.
[38] GOMES, Frederico Augusto. Op Cit. P. 76.
[39] Ibid. P. 76.
[40] Nesse sentido, recomenda-se: DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Cambridge/MA: University Press. 1986. P. 141/150.
[41] Neste aspecto, Teresa Arruda Alvim e Maria Lúcia Conceição, em importante obra acerca da ação rescisória, discorrem brevemente, mas brilhantemente, sobre o real significado do direito e seu intérprete, sendo destacado pelas autoras que “a vinculação do juiz à lei se amolda por meio da doutrina e da jurisprudência, como se esses dois elementos desempenhassem uma função de ‘engate lógico’ entre a lei e os fatos. Daí pode se extrair o conceito de direito: um fenômeno que se apoia na lei, na jurisprudência e na doutrina.” (ARRUDA ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. Ação Rescisória e Querela Nullitatis: Semelhanças e Diferenças. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2018. P. 235).
[42] GOMES, Frederico Augusto. Op Cit. P. 77.
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2012/2016). Especialista em Direito e Economia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP (2017/2019). Pós-graduando em Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2019/2021). Mestrando em Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2020/2022). Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REZENDE, LUCAS RIBEIRO VIEIRA. Interpretação da Expressão “Recurso” Prevista no Artigo 304, do Código de Processo Civil de 2015: Aplicação Diametralmente Oposta pelo Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58761/interpretao-da-expresso-recurso-prevista-no-artigo-304-do-cdigo-de-processo-civil-de-2015-aplicao-diametralmente-oposta-pelo-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 23 dez 2024.
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