RESUMO: Com a expansão da Internet, para além da comodidade oferecida pelo mundo digital, também se observou um aumento na violação de direitos dos usuários da rede. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo fazer uma breve análise da responsabilidade civil dos provedores de internet quando diante de uma lesão aos interesses dos particulares.
PALAVRAS-CHAVES: Responsabilidade Civil; Provedores de Internet.
ABSTRACT: Due to Internet’s increase, beyond the comfort offered by the digital world, it was also observed an increase in violation of the users’ rights. Therefore, this article aims to make a brief analysis of the civil responsibility of internet providers when faced with an injury to the interests of individuals.
KEYWORDS: Civil Responsibility; Internet Providers.
1.Introdução
A sociedade da informação, consolidada a partir da segunda metade do século XX, foi alvo de mudanças rápidas e complexas. Se por um lado a Revolução Industrial demorou décadas para se firmar como um efetivo marco de mudanças sociais, e por muito tempo ficou restrita a uma pequena parte do globo, por outro, as transformações oriundas do surgimento da Internet, além de acontecerem numa velocidade alarmante, conseguiram englobar, já de início, boa parte das nações. (VASCONCELOS, 2007, p. 16)
De acordo com Noberto Bobbio (2004, p. 19), em sua obra A Era dos Direitos:
Não é preciso muita imaginação para prever que o desenvolvimento da técnica, a transformação das condições econômicas e sociais, a ampliação dos conhecimentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão produzir tais mudanças na organização da vida humana e das relações sociais que se criem ocasiões favoráveis para o nascimento de novos carecimentos e, portanto, para novas demandas de liberdade e de poderes.
O surgimento da Internet trouxe para os usuários diversas comodidades, pois, hoje, tudo pode ser feito pela web, desde comunicações através das redes sociais até transações de natureza comercial. Contudo, com essa expansão da Internet, houve um aumento também das violações dos direitos dos indivíduos.
Diante disso, o presente artigo tem por objetivo realizar uma breve análise da responsabilidade civil dos provedores de internet quando diante de uma lesão aos interesses dos usuários, sobretudo tendo por base as disposições normativas do Marco Civil da Internet.
2.Breve panorama acerca da responsabilidade civil
A ordem jurídica tem por principal objetivo a proteção do lícito e a repressão do ilícito. Para tanto, são estabelecidos deveres jurídicos ao indivíduo, os quais podem ser originários ou sucessivos. Caso um dever jurídico originário, também chamado de obrigação, seja violado, nascerá um dever jurídico sucessivo que consiste em indenizar o prejuízo causado.
A responsabilidade civil, portanto, de acordo com Sérgio Cavalieri Filho (2015, p. 16), consiste num “dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”.
O descumprimento da obrigação (dever jurídico originário) e a consequente responsabilização do agente pode ocorrer de forma contratual ou extracontratual. No primeiro caso, basta tão somente o descumprimento de cláusulas contratuais para ensejar a responsabilidade civil. No segundo caso, a responsabilidade decorre da violação da cláusula geral “neminem laedere”, a qual afirma que na vida em sociedade, em razão dos riscos que a perpassam, deve-se adotar uma conduta de modo a não lesar ninguém. Portanto, no caso da responsabilidade civil extracontratual, o ônus da prova é muito maior.
A responsabilidade civil classifica-se, ainda, em subjetiva ou objetiva. No caso da responsabilidade civil subjetiva, é necessário provar o dano, o nexo causal e a conduta culposa do agente, enquanto na objetiva basta provar a lesão ao bem ou interesse jurídico e o nexo de causalidade. Consigne-se que, consoante Cavalieri Filho (ibidem, p. 238) “a responsabilidade subjetiva se restringe às relações interindividuais [...], enquanto a objetiva domina todas as relações entre o grupo e o indivíduo [...]”.
No código civil de 1916, a responsabilidade civil era eminentemente subjetiva, por isso, nas palavras de Cavalieri Filho (ibidem, p. 2), “a culpa era a grande vedete da responsabilidade civil; nada acontecia sem a sua participação”. No entanto, em razão de fatores como a Revolução Industrial e a busca pela justiça social na construção de uma sociedade solidária, emerge a ideia de uma responsabilidade objetiva. Nesta, a vítima do dano, e não mais o autor do ato ilícito, será o enfoque central.
Hoje, no Brasil, a responsabilidade civil é preponderantemente objetiva, lastreada sobretudo na Teoria do Risco. Por meio desta teoria, “aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente” (ibidem, p. 215). O risco pode ser proveito, devendo ser o dano reparado por aquele que obtiver alguma vantagem com o ato lesivo; profissional, quando decorre da atividade ou profissão de quem foi lesado; criado , oriundo do ato de alguém em colocar em funcionamento alguma atividade que crie um ambiente propício para um evento danoso; e integral, por meio do qual pode haver o dever de indenizar ainda que se atenue o nexo causal.
Por outro lado, a responsabilidade civil, na sua forma subjetiva, alicerça-se em três pilares: conduta culposa, nexo de causalidade e dano, e encontra previsão no art. 186 do Código Civil. Da leitura do dispositivo legal, é possível identificar que a conduta culposa do agente se manifesta por meio da expressão “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”; o nexo de causalidade se faz presente a partir das expressões “violar” e “causar” e o dano, por sua vez, se revela através da expressão “violar direito e causar dano a outrem”. Diante disso, evidencia-se que aquele que por ato ilícito causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo, conforme prevê o art. 927 do CC/02.
Não pairam dúvidas, portanto, de que a responsabilidade civil em sua acepção tradicional (subjetiva) exige da vítima a superação de duas sólidas barreiras para que seja reparada pelo dano sofrido: a demonstração da culpa do agente e o nexo de causalidade entre a conduta deste e a lesão. Frise-se que, embora hoje o Direito vivencie o que Anderson Schreiber (2015) chama de “erosão dos filtros tradicionais”, em que culpa e nexo causal perdem forças na determinação da responsabilidade civil, os referidos pilares ainda representam importantes óbices à enxurrada de demandas de ressarcimento no judiciário brasileiro.
A culpa lato sensu compreende tanto o dolo quanto a culpa strictu sensu. Em ambos, há conduta voluntária do agente, mas, no primeiro, a conduta já nasce ilícita, e, no segundo, a conduta, embora nasça lícita, torna-se ilícita na medida em que começa a se afastar dos padrões sociais. De um modo geral, o dolo é, para Cavalieri Filho (op. cit, p. 49), “a vontade conscientemente dirigida à produção de um resultado ilícito”, enquanto a culpa é “violação de dever objetivo de cuidado” (ibidem, p. 50).
No entanto, não basta que o indivíduo tenha adotado uma conduta ilícita, é preciso que tal conduta tenha causado um dano à vítima, isto é, é essencial que haja uma relação de causa e efeito. De acordo com Cavalieri Filho (ibidem, p. 67), “o nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É um conceito jurídico-normativo do qual poderemos concluir quem foi o causador do dano”. O Código Civil, adotando a teoria da causalidade adequada, considera que a causa jurídica do dano é o evento que a ele se vincula diretamente, sem que haja interferência de outra condição.
Para além desses filtros de reparação, saliente-se que não há como conceber a responsabilidade civil sem fazer alusão ao dano. Este consiste na “lesão a um bem ou interesse juridicamente tutelado, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da personalidade da vítima.” (ibidem, p. 103). Ele se encontra no centro da obrigação de indenizar, porquanto, embora seja possível uma responsabilidade civil independentemente da conduta culposa do agente, ou até mesmo se admita a flexibilização do nexo causal, não há como estabelecer o dever de reparar sem que tenha ocorrido uma lesão a um interesse de alguém.
Ainda referente aos danos, de acordo com Anderson Schreiber (op. cit, p. 3), “a sociedade contemporânea assiste a uma dupla expansão, que compreende não apenas os meios lesivos, mas também os interesses lesados”. No tocante aos meios lesivos, constata-se que, devido à evolução tecnológica, há um crescimento dos mecanismos aptos a causar danos aos indivíduos, como por exemplo, a internet. Observa-se, também, o crescimento dos interesses lesados na medida em que novos direitos vão surgindo, como a privacidade e a imagem, e com eles, novos danos também se manifestam.
Por isso, entende-se que a constitucionalização do direito civil refletiu de forma latente no âmbito da responsabilidade civil. Através dela, novos direitos passam a ser protegidos pela legislação, fazendo com que também surjam novos danos, o que revela uma maior sensibilidade do ordenamento jurídico com aspectos existenciais da personalidade humana.
Com efeito, do mesmo modo que a Internet facilita o contato entre as pessoas e democratiza o acesso à informação, também se torna palco das mais diversas violações aos direitos da personalidade. A fim de resguardar os direitos dos indivíduos, bem como os da coletividade, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14) surge como mecanismo regulador do uso dessa ferramenta no Brasil. No que tange à responsabilidade civil, esse instrumento legal também desempenha um relevante papel.
Chiara Spadaccini de Teffé e Maria Celina Bodin de Moraes (2015, p. 112) dispõem que, com o Marco Civil da Internet:
[...] a internet brasileira se encontra alicerçada em um tripé axiológico formado pelos princípios da neutralidade da rede, da privacidade e da liberdade de expressão, que estão ligados entre si. Enquanto a neutralidade da rede reforça a liberdade de expressão, a privacidade representa seu limite.
Nesse sentido, o art. 3º, VI do Marco Civil da Internet dispõe que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como princípio a responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades. Os referidos agentes podem ser tanto os usuários propriamente ditos, quanto os fornecedores e administradores do sistema. Isto é, por meio dessa responsabilização, o diploma legal busca reparar os danos causados por terceiros usuários, bem como por aqueles que constituem a própria rede, ou seja, os provedores.
Por oportuno, mister se faz destacar que, segundo Flávio Tartuce (2018, p. 50), três são as funções da responsabilidade civil: compensatória, sancionatória e preventiva. Quanto à primeira, a “responsabilidade civil é concebida como um mecanismo social para a trasladação dos custos” (ibidem, p. 50), isto é, através da responsabilização, transmitem-se os custos do evento danoso da vítima para o ofensor. Destarte, busca-se, com a compensação do dano, retornar ao estado em que antes se encontrava, ao statuo quo ante.
A segunda função é passível de muitas críticas e consiste em punir o ofensor pela conduta reprovável. Na verdade, ela apresenta um caráter pedagógico de desestímulo a novas condutas semelhantes. Portanto, encontra-se intimamente ligada à terceira função, qual seja, a preventiva. Esta, do mesmo modo, busca desincentivar novos comportamentos ilícitos, de modo a evitar futuros danos. Pode-se afirmar, portanto, que ambas compõem uma função punitiva-pedagógica.
Lastreando-se no que se observa no ambiente digital, a responsabilidade civil decorrente do uso da internet não trata de assuntos técnicos e precisos, mas sim “envolve temas suprajurídicos, afeitos a valores existenciais, filosóficos, sociológicos e até cibernéticos oudigitais, que sempre trazem dificuldades de aplicação e concretude.” (ibidem, p. 913). Nesse campo, há uma maior dificuldade em se compreender qual é o dever jurídico originário imputado ao usuário da rede e aos provedores, especialmente quando se coloca numa balança o conflito entre a liberdade de expressão e a proteção dos direitos da personalidade do indivíduo.
3.Provedores de Internet
A Internet é, segundo Marcel Leonardi (2007, p. 56) “uma rede internacional de computadores conectados entre si”, através da qual torna-se possível a troca de informações de qualquer natureza em escala global, de um modo nunca visto anteriormente. Ademais, por possibilitar uma conexão global, não há nenhum organismo internacional ou entidade que exerça controle absoluto sobre esse meio. A ausência de governança centralizada implica que a regulamentação da rede é feita dentro de cada país, que possui liberdade para estabelecer regras, inclusive, sobre a responsabilidade civil os provedores de internet.
Antes de abordar como ocorre a responsabilidade civil dos provedores, mister se faz conceituá-los e entender como se comportam. Os provedores de serviços de internet são intermediários necessários para que cada usuário tenha acesso à Internet, isto é, consistem na “pessoa natural ou jurídica que fornece serviços relacionados ao funcionamento da Internet, ou por meio dela” (ibidem, p. 58). Nesse sentido, os provedores de serviços na internet são o gênero dos quais são espécies os provedores de backbone, de acesso, de correio eletrônico, de hospedagem e de conteúdo.
Os provedores de backbone são “as estruturas físicas pelas quais trafega quase a totalidade dos dados transmitidos através da Internet, e é usualmente composto de múltiplos cabos de fibra ótica (sic) de alta velocidade” (ibidem, p. 20). Trata-se da “espinha dorsal” da Internet. A Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) não fez menção a essa categoria de provedor, uma vez que não há uma relação jurídica direta do usuário final da Internet com ele. No Brasil, o principal exemplo é a Embratel.
Os provedores de acesso, por sua vez, são as pessoas jurídicas fornecedoras de serviços que possibilitam o acesso de seus consumidores à Internet. De acordo com Leonardi (ibidem, p. 23), “é por intermédio do provedor de acesso que o usuário comum de Internet utiliza a rede, pois os custos de estabelecimento e manutenção de uma conexão direta à Internet são muito elevados”. O Marco Civil da Internet faz menção a esse tipo de provedor sob a nomenclatura provedor de conexão. Os provedores de acesso ou de conexão mais conhecidos no Brasil são Net Virtua, Brasil Telecom, GVT e operadoras de telefonia celular como TIM, Claro e Vivo.
Existem, ainda, os provedores de correio eletrônico, os quais são fornecedores de “serviços que consistem em possibilitar o envio de mensagens do usuário a seus destinatários, armazenar as mensagens enviadas [...] e permitir, somente ao contratante do serviço, o acesso ao sistema e às mensagens, mediante o uso de um nome de usuário e senha exclusivos” (ibidem, p. 26). Saliente-se que há uma relação jurídica de consumo entre os usuários, o qual é destinatário final do serviço, e o provedor em questão, havendo um nítido contrato de adesão. Os provedores mais conhecidos são Gmail (Google), Yahoo e Hotmail/Outlook (Microsoft).
Os provedores de hospedagem são pessoas jurídicas fornecedoras de “serviços de armazenamento de dados em servidores próprios de acesso remoto, possibilitando o acesso de terceiros a esses dados, de acordo com as condições estabelecidas com o contratante” (ibidem, p. 27). Os principais exemplos são Youtube, Spotify e redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter. Embora as redes sociais tenham como função, principalmente, a hospedagem de páginas ou arquivos disponibilizados por terceiros, é possível que disponibilizem informações por elas criadas, e nestes casos são classificadas como provedores de conteúdo.
Os provedores de conteúdo são classificados em três subespécies: provedores de conteúdo em sentido estrito, provedores de informação e provedores de busca. Os provedores de conteúdo em sentido estrito são as pessoas naturais ou jurídicas que disponibilizam informações na internet, armazenando-as em servidores próprios ou em provedores de hospedagem. De um modo geral, engloba desde os blogs pessoais até os portais de notícias. Eles não se confundem com os chamados provedores de informação, pois estes são as pessoas naturais ou jurídicas que criam a informação divulgada, consistindo no efetivo autor, o qual se vale do provedor de conteúdo para publicizar seus escritos.
Os provedores de busca ou pesquisa, como terceira categoria dos provedores de conteúdo, desempenham o papel de “explorar e identificar informações, arquivos ou o sítio de outros provedores e indicar links em que podem ser encontrados termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário” (COLAÇO, 2017, p. 13). Como principais exemplos desse tipo de provedores, tem-se o Google, o Bing e o Yahoo. A prestação de serviços, nesses casos, ocorre através da utilização de algoritmo, o qual seleciona as principais páginas sobre o assunto pesquisado.
O Marco Civil da Internet apenas tratou de duas categorias de provedores: os provedores de conexão e os de aplicações de internet. Por oportuno, cumpre mais uma vez destacar que os provedores de conexão são os provedores de acesso acima destacados. Os provedores de aplicações de internet, a seu turno, englobam os provedores de correio eletrônico, os provedores de hospedagem e os provedores de conteúdo. Feitos os devidos esclarecimentos, passa-se a análise da responsabilidade civil dos provedores de internet.
4.Responsabilidade civil dos provedores de internet
Antes do Marco Civil da Internet, o entendimento jurisprudencial dominante sustentava que era necessário comprovar a culpa da empresa para que surgisse o dever de indenização em virtude de atos de terceiros. Exigia-se que, antes de eventual propositura de ação judicial com objetivo de reparação dos danos, a vítima comunicasse extrajudicialmente o provedor acerca do conteúdo ofensivo e este apenas seria responsabilizado pela ofensa se não tirasse o conteúdo do ar. Isso denota, portanto, uma responsabilidade civil do tipo subjetiva.
Essa exigência de prévia comunicação está em consonância com a doutrina do notice and take down adotada pelos Estados Unidos no “Communications Decency Act – CDA” e no “Digital Millenium Copyright Act – DMCA e pela União Europeia na Diretiva 2000/31. Essa doutrina aponta para a necessidade de primeiramente se notificar o provedor de internet para que este retire do ar eventual conteúdo ofensivo e, somente se o pedido não fosse atendido, haveria responsabilização. Reitere-se que essa notificação não ocorre de forma judicial, mas sim previamente à propositura de eventual demanda de reparação de danos (BOECHAT, 2012).
Sucede que esse entendimento sempre gerou inúmeras controvérsias na doutrina. Flávio Tartuce (op. cit, p. 941) entende “pela aplicação da cláusula geral de responsabilidade objetiva, retirada do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, por oferecer o mundo digital uma série de riscos aos usuários.”. Com efeito, observa-se que os provedores de serviços de internet desempenham atividade de risco e “aqui não se tem em conta a conduta individual, isolada, mas sim a atividade como conduta reiterada, habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou empresarial para realizar fins econômicos” (CAVALIERI, op. cit, p. 255).
É possível compreender o risco da atividade dos provedores de serviços de Internet como sendo inerente ou criado. O risco será inerente quando a própria natureza da atividade, a sua qualidade ou forma de desempenho assim indicarem. A seu turno, o risco será criado ou adquirido quando a atividade por si só não oferece perigo, mas é possível que venha a se tornar perigosa a depender da forma como for desempenhada. Nesse sentido, Tartuce (op. cit, p. 241) leciona:
Todavia, não se pode dizer que manter um lugar digital, por si só, implica riscos. Ilustrando, não é possível afirmar que ter um blog para a veiculação de notícias representa riscos a outrem. No entanto, manter e administrar uma grande comunidade de relacionamentos gera riscos de lesão à intimidade alheia. O risco fica superdimensionado no caso de se manter um site com material pornográfico tido como amador.
Nesta toada, já se manifestou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“Inteligência do art. 927, parágrafo único, do Código Civil cumulado com o art. 5.o, inciso IV, da Constituição Federal, mormente porque a atividade desenvolvida pela provedora de ‘hosting’ implica, por sua natureza, em riscos à esfera jurídica de terceiros. A provedora deve adotar as cautelas necessárias para possibilitar a identificação de seus usuários, especial porque, no caso concreto, se trata de servidor de hospedagem que disponibiliza espaço em seu domínio a assinantes que oferecem uma contraprestação financeira pelo serviço de hospedagem” (TJRS, Acórdão 70026684092, 9.a Câmara Cível, Caxias do Sul, Rel. Des. Tasso Caubi Soares Delabary, j. 29.04.2009, DOERS 14.05.2009, p. 61).
Marcel Leonardi (2010), por outro lado, entende que “as atividades dos provedores de serviços de Internet não podem ser consideradas atividades de risco, nem atividades econômicas perigosas”. Os autores que seguem esse posicionamento justificam que os prestadores intermediários de serviços de internet não se sujeitam a uma obrigação geral de verificar as informações que transmitem ou armazenam, ou até mesmo de investigar eventuais ilícitos praticados em seu ambiente. Diante disso, não seria plausível adotar nestes casos a responsabilidade civil do tipo objetiva.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação indenizatória por dano moral. Criação de perfil falso em sítio de relacionamento (Orkut). Ausência de retirada imediata do material ofensivo. Desídia do responsável pela página na internet. Súmula n. 7 do STJ. Decisão monocrática negando provimento ao recurso. Insurgência da ré. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que ‘o dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02’ (REsp 1.308.830/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 08.05.2012, DJe 19.06.2012). Contudo, o provedor de internet responderá solidariamente com o usuário autor do dano se não retirar imediatamente o material moralmente ofensivo inserido em sítio eletrônico. 2. Revela-se impossível o exame da tese fundada na inexistência de desídia da recorrente ao não retirar o perfil denunciado como falso e com conteúdo ofensivo, porque demandaria a reanálise de fatos e provas, providência vedada a esta Corte em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg no AREsp 308.163/RS, 4.a Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 14.05.2013, DJe 21.05.2013). Grifo nosso
“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Responsabilidade civil. Ação de indenização. Provedor de conteúdo da internet. Responsabilidade subjetiva. omissão. Súmula n. 7/STJ. 1. Os provedores de conteúdo da internet não se submetem ao art. 927 do CC/2002, que trata da responsabilidade objetiva, pois a inserção de mensagens com conteúdo ofensivo no site não constitui um risco inerente à atividade, nem tampouco ao art. 14 do CDC, por não se tratar de produto defeituoso. 2. Possuem responsabilidade subjetiva por omissão os provedores de internet que, após serem notificados sobre a existência de página com conteúdo ofensivo, permanecem inertes. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 137.944/RS, 4.a Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 21.03.2013, DJe 08.04.2013). Grifo nosso
Com o Marco Civil da Internet, é possível visualizar algumas mudanças no tocante à responsabilidade civil dos provedores de serviço. Inicialmente, o art. 18 da lei dispõe que “o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros” (BRASIL, 2014). Isto é, os provedores de acesso como a NET e a GVT não respondem pelos danos causados por terceiros que publicam mensagens ofensivas ou que de um modo geral lesem os direitos da personalidade de alguém, uma vez que não há qualquer vínculo direto entre o serviço prestado e eventual dano causado.
Por outro lado, o art. 19 do MCI aduz:
Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (BRASIL, 2014)
A redação do comando legal permite inferir dois pontos. O primeiro deles é que o Marco Civil, ao estabelecer a liberdade de expressão como condição ao pleno exercício do direito de acesso à internet, a coloca num patamar superior ao de outros valores jurídicos também merecedores de tutela. Na contramão do disposto, imperioso se faz ressaltar que, conforme enunciado 613, aprovado na VIII Jornada de Direito civil, “a liberdade de expressão não goza de posição preferencial em relação aos direitos da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro.”
Como segundo ponto, observa-se que a legislação regulamentadora é clara ao atribuir responsabilidade civil aos provedores de aplicações de internet. Sucede que estes somente poderão ser responsabilizados civilmente se, após notificação judicial específica ordenando a tomada de providências, estas não forem tomadas dentro do prazo estipulado. Ou seja, enquanto antes do MCI era necessário que a vítima notificasse extrajudicialmente o provedor para, enfim, este ser responsabilizado numa eventual ação de reparação dos danos, com a nova legislação, é preciso uma ordem judicial determinando a retirada do conteúdo e somente se a ordem não for cumprida haverá responsabilização.
Posiciona-se o Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema:
“diante da ausência de disposição legislativa específica, este STJ havia firme jurisprudência segundo a qual o provedor de aplicação passava a ser solidariamente responsável a partir do momento em que fosse de qualquer forma notificado pelo ofendido. Com o advento da Lei 12.965/2014, o termo inicial da responsabilidade do provedor de aplicação foi postergado no tempo, iniciando-se tão somente após a notificação judicial do provedor de aplicação. A regra a ser utilizada para a resolução de controvérsias deve levar em consideração o momento de ocorrência do ato lesivo ou, em outras palavras, quando foram publicados os conteúdos infringentes: (i) para fatos ocorridos antes da entrada em vigor do Marco Civil da Internet, deve ser obedecida a jurisprudência desta Corte; (ii) após a entrada em vigor da Lei 12.965/2014, o termo inicial da responsabilidade solidária do provedor de aplicação, por força do art. 19 do Marco Civil da Internet, é o momento da notificação judicial que ordena a retirada de determinado conteúdo da internet” (STJ, REsp 1.642.997/RJ, 3.a Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.09.2017, DJe 15.09.2017). Grifo nosso
Assim, o Marco Civil da Internet, segundo Flávio Tartuce (op. cit, p. 947), adotou, “quanto à responsabilidade civil dos provedores por atos de terceiros, uma responsabilidade subjetiva agravada, somente existente no caso de desobediência de ordem judicial.” O autor entende que a legislação, ao seguir os referidos termos, promove um retrocesso, garantindo proteção aos provedores de internet em face do interesse das vítimas. Com efeito, a forma de responsabilização trazida pelo Marco Civil da Internet recai precipuamente sobre os que realizam as postagens na internet, sem que haja uma considerável preocupação em responsabilizar aqueles que propiciam o ambiente para as postagens.
Além disso, depreende-se da leitura da legislação em voga que há um incentivo a judicialização de questões que poderiam ser resolvidas por outros meios, uma vez que a vítima se vê obrigada a recorrer ao Judiciário para que se retire um conteúdo ofensivo a seu respeito da internet.
Tendo em vista que o provedor de aplicações somente está obrigado a retirar o conteúdo do ar após notificação judicial, constata-se que os danos à personalidade da vítima se potencializam, pois permanecem por muito mais tempo na rede. Ainda que no art. 19 §3º do MCI haja previsão no sentido de que ações de reparação de danos em casos tais possam ser propostas nos juizados especiais, a velocidade das tramitações aqui não é capaz de acompanhar a rapidez com que as informações se disseminam na Internet.
Saliente-se, todavia, que a própria legislação, no art. 21, reconhece que no caso de divulgação de imagens, vídeos ou outros materiais com cenas de nudez, sexo, de caráter privado, sem o consentimento do indivíduo, basta que o provedor seja notificado extrajudicialmente para haver a obrigatoriedade de retirar o conteúdo do ar.
Conquanto a responsabilidade civil dos provedores seja primordialmente do tipo subjetiva, conforme afirmado alhures, há julgados posteriores ao MCI que aplicam a responsabilidade objetiva, sob a justificativa de que os provedores sofrem incidência do Código de Defesa do Consumidor[1]. Com efeito, não há como afastar a posição de vulnerabilidade técnica em que os usuários da rede se encontram. Os provedores são nítidos prestadores de serviços, conforme se extrai do art. 15 do MCI, que dispõe que o provedor de aplicações de internet é pessoa jurídica que exerce atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos, o que se encaixa na definição prevista no art. 3º do CDC.
Por isso, Bruno Miragem (2015, p. 637) entende que há, no Marco Civil da Internet, dois tipos de responsabilidade civil: primeiro, a responsabilidade civil objetiva relativa a conteúdos disponibilizados pelo próprio provedor e que foram elaborados por pessoas a ele vinculados. Neste caso, entende-se que há uma atividade de risco decorrente da simples relação de consumo que se estabelece entre o provedor e o usuário da rede. Segundo, a responsabilidade civil subjetiva agravada, aplicada quando o conteúdo é gerado por terceiros que não possuem vínculo jurídico direto com o provedor, exigindo-se prévia notificação judicial.
No que concerne à responsabilidade objetiva, seria o caso de provedores de conteúdo como portais de notícias, os quais, de certa forma, exercem um controle editorial prévio sobre o material a ser publicado em sua página eletrônica. Por isso, esses provedores poderiam ser responsabilizados concorrentemente com os provedores de informações que efetivamente elaborarem a matéria ofensiva. Nesse sentido, dispõe o enunciado de súmula nº 221 do Superior Tribunal de Justiça: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.”
Mister se faz pontuar, ainda, o teor do art. 21 do diploma legal:
O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo. (BRASIL, 2014)
Além disso, observa-se, que o MCI estabeleceu que a responsabilidade civil do provedor de aplicações é subsidiária. Isso se contrapõe à premissa de responsabilidade solidária que poderia decorrer de aplicação do CDC, o que demonstra que a legislação regulamentadora da internet não prioriza, de fato, a tutela dos demais direitos da personalidade dos usuários, porquanto põe em evidência a liberdade de expressão. Todavia, é possível vislumbrar julgados recentes aplicando a solidariedade [2] , o que pode denotar uma nova postura a ser adotada pelos tribunais brasileiros.
Quanto aos provedores de busca e de pesquisa, como o Google, o STJ tem adotado posicionamento (AgInt no REsp n. 1.593.873-SP44 ) no sentido de que eles não poderiam ser responsabilizados pelos danos decorrentes dos resultados da pesquisa. Para o tribunal, o provedor não possui legitimidade para figurar no polo passivo em eventuais ações de reparação de danos desse tipo, devendo a vítima buscar medidas para excluir o conteúdo ofensivo diretamente com o autor da ofensa.
Nesse sentido:
Não é possível impor a provedores de aplicações de pesquisa na internet o ônus de instalar filtros ou criar mecanismos para eliminar de seu sistema a exibição de resultados de links contendo o documento supostamente ofensivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1593249-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/11/2021 (Info 719).
5.Conclusão
Diante do exposto, verifica-se que a expansão da Internet trouxe consigo, também um aumento na violação dos direitos dos usuários, o que exige uma análise à luz da responsabilidade civil.
No que concerne à responsabilidade civil dos provedores de internet, constatou-se que, apesar dos avanços proporcionados pelo Marco Civil da Internet, a jurisprudência ainda encontra dificuldade em responsabilizar os provedores de forma objetiva, uma vez que se entende que não se trata de uma atividade de risco.
Contudo, considerando-se que nestes casos aplicam-se os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilização do tipo objetiva é um caminho a ser adotado.
Portanto, para além de medidas de cunho preventivo, no sentido de controlar as informações disponibilizadas na web, desde que não se caracterizem práticas de censura, os provedores de internet também devem buscar mecanismos para garantir uma reparação civil às vítimas que forem lesionadas nas suas plataformas.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Mariana Oliveira. Uma breve análise da responsabilidade civil dos provedores de internet Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2022, 04:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58768/uma-breve-anlise-da-responsabilidade-civil-dos-provedores-de-internet. Acesso em: 23 dez 2024.
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