MURILO SUDRE MIRANDA[1]
(orientador)
RESUMO: O trabalho apresentado a seguir trata a respeito da tutela antecipada, uma vez que com a reforma do Código de Processo Civil brasileiro que ocorreu em 2015, muitas transformações foram observadas, e algumas dessas transformações caracterizaram-se como inovações para as discussões jurídicas de determinadas áreas, uma dessas áreas é a que realiza os debates acerca de tutela, uma vez que fez-se presente uma prática de simplificação para estabilização de tutela. Baseado nisso, o trabalho de pesquisa a seguir pauta-se na pergunta: Como pode-se esclarecer as questões acerca da relação entre instituto de estabilização e a evolução da tutela antecipada? A resposta dessa pesquisa é dada através de resultados de uma pesquisa qualitativa, bibliográfica que vai de encontro ao objetivo proposto no trabalho que é o de compreender mais a respeito da relação dada pelo processo evolucionário da tutela antecipada mediante as questões voltadas para o instituto de estabilização, acredita-se que a realização dessa pesquisa elucida pontos na área de estudos em tutela e discute sobre reverberações do novo CPC.
Palavras-chave: Instituto de Estabilização; Tutela Antecipada; Código de Processo Civil.
INTRODUÇÃO
Há alguns anos, mais especificamente no ano de 2015 foi aprovado um novo Código do Processo Civil (CPC) que trouxe dentre suas muitas inovações, algumas novas questões no que tange às discussões de tutela.
Acerca disso, foi possível observar questões como a antecipação de tutela, a questão da urgência quanto a tutela e ainda a possibilidade de estabilização da mesma, todos inseridos em um novo regime e contexto judicial, o que chamou atenção e fez com que fosse importante desenvolver estudos a respeito da temática.
Tomando isto como questão propulsora é que propõe-se a seguinte pesquisa que tem como fio condutor o questionamento: Como pode-se esclarecer as questões acerca da relação entre instituto de estabilização e a evolução da tutela antecipada?
Fazendo uso de uma pesquisa qualitativa que visa explicar mais acerca do mundo real, e ainda caracterizando como uma pesquisa bibliográfica que recorre à literatura disponível a respeito dos diversos temas discutidos na pesquisa, utilizando-se dos mesmos para embasarem o debate que está sendo realizado.
A partir disso, objetiva-se nesta pesquisa compreender mais a respeito da relação dada pelo processo evolucionário da tutela antecipada mediante as questões voltadas para o instituto de estabilização, acredita-se que a realização dessa pesquisa elucida pontos na área de estudos em tutela e discute sobre reverberações do novo CPC.
1. TUTELA ANTECIPADA: DISCUSSÕES INICIAIS
A fim de tecer compreensões iniciais acerca da Tutela Antecipada, uma possibilidade é conhecer a questão histórica que por vezes demonstra no direito a evolução de leis e práticas sociais e jurídicas e que tornam ainda mais fácil de compreender as reverberações das leis na sociedade ou mesmo a compreensão acerca do que ocasionou a criação de determinadas leis.
Para isso, é preciso entender que o instituto da Tutela de Urgência registra casos de concessão, desde a Roma Antiga. Assim, como inúmeros institutos que muitos se assemelham a nossa tutela urgência. Pois, naquela época já visavam antecipar, ou garantir, a efetividade processual nas decisões de méritos, uma vez que já enfrentavam a morosidade na execução de provimentos judiciais.
A Lei de doze tábuas, também editada sobre a era romana, já versava sobre Direito Público e Direito Privado e nesse dispositivo já apresentava tutela semelhante às cautelares atuais. Posteriormente, no Brasil, sob forte influência da legislação portuguesa, pesquisadores narram a aplicação de tutela nas Ordenações Portuguesas. Logo, essas normas processuais vigoraram mesmo após a declaração de independência.
Ao Final do século XX, a ciência jurídica enfrentou inúmeras modificações, em virtude da necessidade de adaptação com relação as mudanças que estavam ocorrendo no tecido social e na esfera política e econômica. Nesse Cenário, o Direito Processual não poderia ficar inerte, enquanto instrumento responsável pela aplicação da norma positiva, desse modo acompanhou a evolução desses fenômenos.
Nesse campo, surgiram as medidas de urgências para evitar que a morosidade do poder judiciário leve o risco de cair no vazio, ou se transformar numa providência ineficaz. Além disso, assegurar os direitos e garantias fixado no ordenamento jurídico.
Conforme Bedaque (2013), a efetividade jurisdicional significa que todos devem ter acesso a atividade estatal sem qualquer óbice (effettivitá soggettiva). Para tanto, é necessário que o cidadão tenha a seu dispor os meios adequados (effettivitá técnica), para obtenção de resultado útil (effettivitá qualitativa) percebe-se, assim que o Direito está diretamente ligado ao direito de ação; o poder de valer-se de todos os meios jurídicos para demonstrar esse direito e, em caso de sucesso, o direito de obter provimento tecnicamente idôneo e de assegurar a tutela adequada.
Em relação a matéria das cautelares, novamente, houve importante alteração, inclusive quanto a sua nomenclatura. Em 1939, chamava-se medida preventiva: em 1973, medida cautelar: e, finalmente, em 2015, passou-se chamar de tutela provisória.
Mantendo-se na questão histórica, pode-se pensar a etimologia da palavra Tutelar. Tutelar vem do latim (tueor, tueri), ver, olhar, observar, e figuradamente, velar, vigilar), significa proteger, amparar, defender, assistir. É com sentido que o verbo e substantivo, são empregados na linguagem jurídica, nomeadamente nas expressões tutela jurídica e tutela jurisdicional.
O art. 5º, XXXV da Constituição Federal (CF), aborda que nenhum obstáculo pode ser posto o direito do Poder Judiciário, que fará apreciação de qualquer lesão ou ameaça de direito. Desse modo, a tutela jurisdicional está vinculada diretamente na assistência e amparo, na vigilância do Estado, por seus órgãos jurisdicionais, prestada aos direitos dos indivíduos.
O comprometimento de apreciar as lesões e ameaças a direitos, e sucessivamente de prestar tutela judicial, constitui num dever estatal, que deve ser eficiente, a fim garantir os convívios do tecido social e o Estado Democrático de Direito. Pois, conforme Zavascki (2009, p.6), como terceiro desinteressado no conflito a ele submetido, o Estado exerce esse poder-dever necessariamente sob o signo da imparcialidade, daí a tutela jurisdicional não é concedida de ofício, dependendo antes, da ação do interessado, sob a condição de resguardar o princípio da imparcialidade do Estado-juiz, e sua liberdade de submeter-se unicamente a lei.
Tendo-se recorrido à CF é preciso voltar-se novamente a ela de modo que construa-se a compreensão de que os elementos essenciais da função jurisdicional, encontra-se nomeadamente no art.5º LIV, que assegura que ninguém será privado de liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal. Logo, o Estado assume o compromisso de dispensar a proteção devida, toda e qualquer lesão ou ameaça de direito (inciso XXXV). Conforme Oliveira (2008), as ponderações desses dois valores fundamentais inseridos na constituição garantem a efetividade e segurança jurídica, visa- se idealmente alcançar um processo tendencialmente justo. (BRASIL, 1988)
O diploma legal acrescenta que “aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela inerente” (BRASIL, 1988, art. 5, LV). Ou seja, a tutela jurisdicional será conferida em processo em que indivíduos envolvidos nos conflitos terão, em igualdade de condições e utilizar amplamente os meios apropriados na equiparação da balança.
Tendo tal respaldo garantido na Carta Magna brasileira é preciso entender que mais especificações foram construídas no decorrer do tempo, e dentre elas está a questão voltada para o Código do Processo Civil (CPC), onde fala-se também da temática trabalhada.
Sabe-se que o Direito Processual é voltado para demandas da sociedade, assim, a composição da lide por meio de um processo, é alcançada mediante uma sequência de atos executados pelas partes interessadas. Contudo, o lapso temporal para elucidar a lide, pode acarretar ou ensejar danos irremediáveis, tanto no aspecto moral, bem como no aspecto econômico.
Nesse sistema, o novo Código de Processo Civil vigente institui no capítulo II (art.304 e §1º seguintes CPC), que trata da tutela provisória, como ampla categoria que pode ser classificada didaticamente por Sica (2015), com 3 (três) elementos: a) pela necessidade “ demonstração de perigo de demora na prestação da tutela judicial, a tutela pode ser urgência ou evidência; b) em razão do momento da postulação, a tutela provisória pode ser antecedente ou incidental e , c) em função da sua aptidão em permitir ao beneficiário fruir o bem da vida objeto do litígio ou não, ela pode ser antecipada ou cautelar. (BRASIL, 2015)
Destarte, o ordenamento jurídico brasileiro traz um “novo” regime, sob os pedidos de tutela de urgência satisfativa. A chamada estabilização instrumentalizada nos artigos 303 e 304 do Código Civil. Assim, rompe com o perfil tradicional de instrumento e acessório. Pois há situações, em que aguardar o processo passar por todas as fases necessárias até a prolação da sentença configura um risco ao direito pleiteado, logo, este poderia perecer no curso processual. (BRASIL, 2015)
Isto posto, surge a figura da Tutela provisória, a fim de sanar os riscos e garantir o resguardo do direito envolvido. Desta maneira, após o juiz analisar o requerimento da tutela provisória, concederá a decisão baseada na probabilidade, e não na certeza; analisando as provas trazidas pelo demandante até o momento.
Quanto a isto, tem-se que o Código de Processo Civil vigente classificou os tipos de tutela, conforme quadro abaixo:
TUTELA PROVISÓRIA |
De urgência (art. 300 a 310 – CPC) |
Antecipada (arts. 300 a 303 – CPC) |
Antecedente (arts. 303 e 304 – CPC) |
INCIDENTAL |
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Cautelar (arts. 300 a 303 – CPC) |
Antecedente (arts. 305 e 310 – CPC) |
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De evidência (art. 311 – CPC) |
Nos termos do CPC, a tutela de urgência pode ser de urgência ou evidência, in verbis art. 294: “A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência”. (BRASIL, 2015)
Posteriormente, segundo o dispositivo jurídico, a concessão de tutela provisória pelo juiz se baseia-se:
a) Na urgência: “quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”; (BRASIL, 2015, art. 300)
b) Na evidência): “quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte”; quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamentos de casos repetitivos ou em súmula vinculante; quando “se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato do depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob a cominação de multa” ou; quando a petição inicial for instruída com provas documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvidas razoável. (BRASIL, 2015, art. 311).
Ademais, a tutela pode ser concedida em caráter antecedente, ou seja, antes do desenvolvimento processual, ou incidental, no curso do processo. A tutela provisória de urgência pode ser deferida antes ou no andamento do processo, enquanto a da evidência, por sua vez apenas em caráter incidental.
Discutindo ainda a respeito de Tutela é que se faz essencial discutir um pouco mais a respeito da Tutela Provisória de Urgência, uma vez que se sabe de suas particularidades e tem-se como enfoque dessa pesquisa as discussões que estão envolvidas a tal temática.
A tutela provisória fundada em urgência está prevista no art. 300 do CPC e tem pressupostos a probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo; pode ser cautelar satisfativa (antecipada), assim, requerida em caráter antecedente ou incidental. (BRASIL, 2015)
Bueno (2007, p.14) afirma que uma vez que tenha-se lesionado o direito, não há possibilidade de retorno ao status quo ante ou mesmo a possibilidade de apagar os efeitos que essa lesão tenha gerado, seja por não ser desejável ou justo, que ocorra a lesão, não obstante ser possível o retorno ao status quo ante.
Dessa forma, quando os elementos carreados aos autos forem suficientes a demonstrar verossimilhança das alegações da parte autora e analisando quais são as chances de êxito, demonstrando-se que a demora no alcance da tutela jurisdicional poderá acarretar a perda do objeto da ação, por exemplo, assim como causar dano irreparável ou difícil reparação à parte, o juiz poderá conceder tutela provisória de urgência.
A probabilidade do direito, também é chamada de fumus boni iuris, é explicado por Didier Jr. (2015), “o magistrado precisa avaliar se há elementos que evidenciem a probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante”. Este mesmo autor ressalta que é necessário que o magistrado visualize uma verdade provável sobre os fatos, sem que seja necessária a dilação probatória, além da plausibilidade jurídica.
Já para Didier Jr. (2015), o elemento do perigo na demora está previsto no art. 300 do CPC e expressa a existência de risco de dano ou resultado útil do processo. Nesse sentido, a possibilidade do dano deve ser fática, despida de qualquer subjetividade. Segundo o autor, o dano irreparável é aquele que traz consequências que jamais poderão ser revertidas.
Nesse âmbito, Marinoni (2018), enfatiza que a tutela de urgência poderia se vestir apenas do conceito de perigo de demora, eis que justificaria a necessidade de decidir de maneira provisória por não ser possível lidar com a demora, ou seja, a tutela provisória há risco de o direito não poder ser realizado. Seria esta forma mais adequada de “traduzir” a urgência no procedimento
Conforme Bueno (2017), na concessão de tutela de urgência, é importante que essa se possa dar de maneira liminar, ou seja, sem que a parte ré seja ouvida, assim, com pós justificação prévia, nos termos do art.300, § 2°. Existe quando a concessão prévia à oitiva do réu, preponderância do princípio da efetividade sobre os princípios do contraditório e da ampla defesa, os quais não deixam de ser observados, sendo apenas adiados.
No dispositivo jurídico, depois de concedida a tutela de urgência é necessária a citação da parte ré para o processo, bem como a sua intimação acerca da concessão da tutela, para que possa reagir a ela, e, querendo, recorrer através do recurso de agravo de instrumento.
Por outro lado, Bueno (2015) aborda que poderá o magistrado exigir que a parte autora preste caução aos danos a serem suportados pelo réu, exceto em situações em que comprovada a hipossuficiência. Ressalta-se que a ressalva quantos aos casos de hipossuficiência presta-se a não obstaculizar o acesso à justiça daqueles que não possuem condições de adimplir custas processuais.
2.O INSTITUTO DE ESTABILIZAÇÃO: APLICABILIDADE E DISCUSSÕES
O Instituto da estabilização ainda gera debate quanto a aplicação e sua interpretação, assim, a possibilidade de estabilização após decisão concessiva de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, caso seja deferida e não haja interposição de recurso, conforme prevê o art.304 CPC. Contudo, resta saber se o termo “recurso” empregado pelo legislador no dispositivo jurídico, se refere a recurso em seu sentido comum, ou se refere a qualquer ato do réu que demonstre inconformismo com a decisão. (BRASIL, 2015).
Nesse âmbito, existe diversas interpretações sobre o caput do art. 304 CPC. Logo, uma parte dos juristas enfatiza que o texto não deve sofrer “interpretação restritiva”, de modo que o termo recurso seja lido de qualquer forma de impugnação da decisão concessiva. De outro modo, uma parte dos juristas adota a interpretação declarativa, ou seja, quando não houver recurso (agravo de instrumento), da decisão que conceder a tutela antecipada, o processo será extinto e a decisão tornar-se-á estável. Por último, muitos tem cogitados a interpretação extensiva do termo recurso, no sentido de admitir que outras decisões impugnativas impeçam a estabilização da decisão. (BRASIL, 2015).
Nesse sentido, Gonçalves e Neves (2016) afirma que se trata de uma interpretação declarativa, com a simples aplicação da interpretação literal, no entanto, critica apenas de passagem, a opção adotada pelo legislador, deixando a entender preferir que houvesse sido adotado o impedimento à estabilização por meio de qualquer espécie de resistência apresentada pelo réu. Em contradição, Bueno (2017) defende a interpretação lógico- sistemática, buscando harmonizar a previsão do caput art.304 com inciso I do §1º do art. 303 CPC, na medida que este último exige do demandante a emenda da petição inicial ainda que a tutela provisória tenha sido concedida, indicando uma tendência ao seguimento do processo.
Nesse campo, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) acrescentou ainda que não se revela razoável entender que mesmo o réu tendo oferecido contestação ou algum outro tipo de manifestação pleiteando o prosseguimento do feito, a despeito de não ter recorrido da decisão concessiva da tutela, a estabilização ocorreria de qualquer forma. O entendimento esposado pela doutrina e pela jurisprudência privilegia uma interpretação lógico-sistemática e teleológica do dispositivo. Ao concluir que o legislador pretendeu estabilizar a concessão da tutela somente naqueles casos em que não haja oposição da parte adversa, entendem que a contestação do réu é apta a evitar a referida estabilização da tutela, posto que configura uma forma de manifestação de inconformismo com a decisão.
Neste contexto é importante reconhecer que o CPC, apesar de já contar com seis anos de vigência conta com algumas obscuridades e que levantam, outros questionamentos, quanto a sua aplicabilidade e alcance, por exemplo, entres esses pode- se mencionar o instituto de estabilização descrito no art.304. (BRASIL, 2015).
Visto que conforme Marinoni (2018), por um lado a estabilização elimina a necessidade de uma questão que diante da conduta do réu não gera mais controvérsia e, de outro, outorga a capacidade de produzir efeitos a uma decisão interna ou um processo que resulta extinto sem resolução de mérito. Assim, finaliza sua tese afirmando que os efeitos da revelia como é fácil perceber, decorre da circunstância de que a técnica da estabilização da tutela, tal como desenhada no art.304 CPC, confere não citação do réu, efeitos que são baseados na mesma lógica dos efeitos de revelia (BRASIL, 2015).
Sobre este aspecto Fredie Didier Jr (2016) expõe a seguinte narrativa:
A estabilização da tutela antecipada ocorre quando ela é concedida em caráter antecedente e não é impugnada pelo o réu, litisconsorte ou assistente simples (por recurso ou outro meio de impugnação). Se isso ocorrer, o processo será extinto e a decisão antecipatória continuará produzindo efeitos, quando não for ajuizada ação autônoma para revisá-la, reforma-la ou invalidá-la. Nesse caso, não obviamente, resolução do mérito quanto ao pedido definitivo – até porque a estabilização se dá no momento em que esse pedido sequer foi formulado.
Segundo Santos (2016), no direito comparado, o exemplo mais próximo desse instituto é denominado de réferé, estabelecido na França, sendo medida que permitiu a desvinculação de tutelas de cognição sumária e cognição plena (processo do mérito). Além disso, da inspiração do direito francês, também há inspiração de grosso modo, no direito italiano, que possui a figura do provedimenti d’urgenzaque representa também uma medida urgente e sumária que logra êxito de imediato no plano fático, uma vez que atende de plano o requerente sem efeito da coisa julgada.
A aplicação de estabilização da tutela antecipada antecedente como instrumento jurídico surgiu no Código Civil vigente, como tentativa de suprir as lacunas e evitar sobrecarga no poder judiciário, uma vez que o código de 1973 não mencionava a técnica. Nas considerações de Heitor Vitor Mendonça Sica (2015), o principal objetivo da estabilização é tornar meramente eventual e facultativo o exercício de cognição exauriente para dirimir o conflito submetido ao Estado-Juiz, desde que tenha havido a antecipação da tutela (fundada por óbvio, em cognição sumária) e que réu não tenha contra ela se insurgido. Sumarizam-se, a um só tempo, a cognição e o procedimento.
Ao pensar acerca da aplicação da estabilização da tutela provisória de urgência antecipada requerida em caráter antecedente para que ela seja efetivada, é necessário que sejam cumpridas, cumulativamente, as situações explanadas por Heitor Vitor Mendonça Sica (2015):
A leitura dos arts. 303 e 304 permite identificar quatros condições cumulativas a serem observadas para aplicação da técnica da estabilização: (a) que o juiz haja deferido o pedido de tutela antecipada (rectius, tutela provisória de urgência satisfativa), requerida em caráter antecedente e autônomo; (b) o autor tenha pedido expressamente a aplicação de tal técnica; (c) que a decisão concessiva tenha sido proferida liminarmente, inaudita altera parte; e (d) que o réu, comunicado da decisão, não tenha interposto o recurso cabível.
Nesse cenário, quando o pedido de tutela antecipada antecedente é deferido aplica- se o instituto, quando indeferida não há estabilização, o autor tenha requerido expressamente a utilização de tal técnica (BRASIL, 2015, art.303, § 5º), poderá ocorrer a estabilização da tutela antecedente desde que o réu, intimado da decisão não tenha interposto recurso cabível (em regrava, o agravo de instrumento). Vale ressaltar que tal decisão poderá ser proferida liminarmente inaudita altera parte desde que expressamente requerido pelo requerente.
A doutrina não é unânime, como veremos adiante, existe um grupo de doutrinadores que entendem pela interpretação literal da lei, qual seja, a interposição de agravo de instrumento, ao passo que, outros autores entendem que a palavra “recurso” pode ser ampliada. Acertadamente, o STJ, se manifestou acerca do tema no sentido de afastamento da estabilização quando não ocorra interposição agravo, o réu representa contestação a demanda impugnando o deferimento da tutela antecipada.
[...] Na hipótese dos autos, conquanto não tenha havido a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC/2015, a ré se antecipou e apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida, sob o argumento de ser impossível o seu cumprimento, razão pela qual não há que se falar em estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença.
5. Recurso especial desprovido. (REsp: 1760966 SP 2018/0145271-6, Terceira Turma, STJ, Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, Julgado em: 04/12/2018) (GRIFO NOSSO)
Os aspectos dos pressupostos são relevantes para que haja uma compreensão fática como ocorre e desenvolve tal instituto para que ocorra a estabilização de fato de uma decisão concedida por vias de uma tutela antecipada antecedente.
Sabendo a respeito da questão de tempo que está diretamente interligada ao trâmite do que se está discutindo, sabe-se que após transcorrido o lapso temporal para interposição de recursos da decisão que deferiu a tutela antecipada, torna-se estável não podendo mais a matéria ser discutida no âmbito do processo que ela foi deferida. Conforme Marinoni (2018), o legislador, porém, facultou às partes a possibilidade de demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada (art.304, §5º), valendo-se, assim da inversão da iniciativa para o debate, se apoiando na realização do contraditório eventual, ou seja, o contraditório só será efetivamente realizado se houver iniciativa do interessado.
O §6º do art.304 do CPC afirma que:
Art.304 – A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que conceder que a conceder não for interposto o respectivo recurso.
[...]
§6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do§2° deste artigo (BRASIL, 2015, art. 304)
Assim, o legislador deixa de forma explicita que estabilização da tutela antecipada não faz coisa julgada. Segundo Medina (2016) a estabilidade não se confunde com a coisa julgada, por se tratar de um pronunciamento provisório que pode ser reavido por qualquer das partes.
Em concordância, Marinoni (2015), acredita que não resta dúvidas quanto a inexistência de coisa julgada, em virtude de ser um instituto apenas de cognição exauriente e expresso legalmente, ainda há previsão de uma ação exauriente para o aprofundamento da cognição. Após, o prazo de dois anos continua sendo passível ao exaurimento da cognição até que não ocorra a prescrição, decadência ou supressão do direito material. Portanto, ante a inexistência da coisa julgada, torna-se impossível o cabimento de ação rescisória.
3.ANÁLISE DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: UM LEVANTAMENTO
Em 2016, quando o CPC entrou em vigor, muito se questionou acerca da aplicabilidade em nosso ordenamento jurídico, de alguns institutos. Apesar do lapso temporal, há dúvidas ainda, sobre o instituto de estabilização. Desse modo a estabilização na tutela provisória vem gerando grande debate. Pois, desde o início da tramitação do projeto do Código Processo Civil vigente, a doutrina tem discutido seus limites, sua forma e eficácia.
Trata-se sem dúvidas de um instrumento relevante não apenas porque propõe uma diminuição na extensão das demandas, mas principalmente porque propõe uma ruptura com a forma tradicional de instrumentalidade entre cognição sumária e exauriente. A título de exemplo, na questão relativa a honorários advocatícios.
Acrescenta Didier (2015) que a lei não esclarece se a extinção do processo, previsto no §1º do art.304 CPC, gerará a condenação da parte ré ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Parte da doutrina sustenta que sim, propondo ainda nesse caso a incidência de um percentual menor de honorários com base na aplicação do art. 701, §1º (ação monitória).
Destarte, nesse sentido, foi aprovado o Enunciado nº18 da ENFAM – Escola de Formação e Aperfeiçoamento do Magistrado. ‘Na estabilização da tutela antecipada, o réu ficará isento do pagamento de custas e os honorários deverão ser fixados no percentual de 5% sobre o valor da causa (art. 304 caput, c/c art.701 caput CPC). Ademais, poderá surgir incidência ou dispositivo em relação a Fazenda Pública. Embora a tendência da doutrina seja admitir a estabilização em relação aos entes públicos.
A adoção da estabilização da antecipação da tutela permite, que o juiz decida com base em cognição sumária e que essa decisão traz um alto grau de estabilidade ao ponto de somente ser revertida se for proposta uma nova ação pelo réu, na qual assumirá a posição de autor. Trata-se de um fenômeno descrito por Menchini (2006), denominado de época da jurisdição sem finalidade cognitiva.
Recorrendo às discussões realizadas por outros autores é possível encontrar ainda com outras reflexões relacionadas a esta temática, por exemplo, conforme o que é revisado Trento (2016) é preciso reconhecer que o Novo Código de Processo Civil - CPC trouxe inovações, das quais pode-se mencionar a possibilidade de formulação de um pedido limitado no que tange à urgência do pedido de tutela, e ainda a questão de que quando não impugnada, haja a estabilização, não formando coisa julgada, gerando praticidades aos trâmites judiciais.
Já Scarpelli (2016) menciona que a técnica de estabilização trazida e aprovada vem de modelos estrangeiros que já eram utilizados em outros países, e que foram aplicadas no contexto judiciário brasileiro contribuindo para o encerramento de processos em um curto recorte temporal, contribuindo para um desafogamento da máquina judiciária, o que também combaterá a morosidade que por vezes é prejudicial para outras demandas judiciais (SCARPELLI, 2016).
O autor ainda comenta que a prática de estabilização gerará contribuições para a pacificação social, visto que será gerada uma satisfação ao autor e réu, tendo em vista a conclusão do processo, uma vez que não haja interposições, o que superará os desgastes ocorridos no sistema processual anterior (SCARPELLI, 2016).
Recorrendo, por fim ao que é discutido por
Verdade é que o legislador acabou por transferir ao réu o encargo pelo destino do processo nos casos em que o autor se contente apenas com a tutela antecipada deferida. Com isso, visa à redução de demandas desnecessárias. Portanto, o novo Código de Processo Civil além de fortalecer o instituto das tutelas jurisdicionais diferenciadas, trazendo as modernas ideias do direito europeu, visa, em prol da economia processual, a implantação de forma alternativa de solução de conflitos diversa daquela prestada pelo tradicional processo de conhecimento (SOUZA; SORRILHA, 2017, p. 155).
O autor se preocupa, no entanto, a respeito das questões de aplicabilidade da lei e das novas práticas processuais, afinal, é preciso reconhecer que haverá um receio relacionado aos operadores e julgadores no que se refere à execução da aplicação, uma vez que trata-se de uma nova lei, e ainda menciona-se que há outras questões relacionadas à estabilização que não ficaram claras e que levarão tempo para que sejam tidas como pacíficas, quer seja pela jurisprudência, quer seja pela própria doutrina (SOUZA; SORRILHA, 2017)
CONCLUSÃO
De acordo com o que foi apresentado nesta pesquisa, tornou-se possível compreender acerca de questões voltadas para a tutela antecipada, sendo que através da distribuição da discussão em três tópicos principais, foi esclarecedor a respeito de alguns pontos que serão apresentados a seguir.
No primeiro momento, falou-se acerca da tutela antecipada, recorrendo às questões históricas e ainda às legislações iniciais que voltavam-se para ests temática, de modo que entendeu-se que a partir das maneiras como a sociedade evoluiu é que as leis a respeito de tutela também passaram por evolução.
Em seguida, comentou-se acerca do Instituto de Estabilização comentando acerca da aplicabilidade e discussões, comentando já sobre as questões e reverberações do novo CPC e como a estabilização da tutela tornou-se uma questão de grande importância, por referir-se a uma inovação e também a uma questão de praticidade judicial.
Por fim, buscou-se autores e suas discussões relacionadas às inovações do novo CPC, encontrando-se com conclusões que mencionam sobre como a legislação abriu precedentes para geração de uma praticidade judicial, assim como o desafogamento judicial, visto que alguns processos serão concluídos mais rápidos, e até mencionou-se a respeito do temor existente na aplicação de novos sistemas processuais como esse.
Assim, compreende-se que o novo Código do Processo Civil gerou muitas novidades no que se refere à tutela e a estabilização de tutela, porém muito mais será discutido com o tempo a fim do aprimoramento da lei e das práticas a elas inerentes, acredita-se no entanto, que as discussões realizadas nesta pesquisa sanam a necessidade de compreender um pouco mais sobre a relação existente entre o instituto de estabilização e o processo de evolução da tutela antecipada.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988., Brasília,DF, 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.html>. Acesso em: 14 mar. 2022
. Lei n° 13.105, 16 de mar. de 2015. Processo Civil, Brasilia,DF, mar. 2015.
. Lei nº 10.406, 10 de jan. de 2002. Código Civil, Brasília,DF, jan 2002. BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
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[1] Docente do curso de Bacharelado em Direito pelo Centro da Universidade Católica do Tocantins.
Graduanda em Bacharelado em Direito pelo Centro da Universidade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, ANA PAULA RODRIGUES DA. Evolução da tutela antecipada no direito brasileiro a luz do instituto de estabilização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2022, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58770/evoluo-da-tutela-antecipada-no-direito-brasileiro-a-luz-do-instituto-de-estabilizao. Acesso em: 23 dez 2024.
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