RESUMO: O Pacote Anticrime foi apresentado pelo ex-Ministro da Justiça, Sérgio Moro, em sua passagem pelo Ministério de Segurança do Brasil, tratando-se de uma lei que promoveu a modificação em 14 (catorze) outras leis. A proposta aprovada altera o Código Penal e outras leis de segurança pública e tem por finalidade reduzir/conter o crime organizado, a corrupção e os crimes violentos, através da aplicação de penas mais severas para quem os pratique. Alguns artigos da Lei 13.964/19 foram aprovados, outros vetados pela comissão designada para sua aprovação definitiva, outros, não sancionados pelo Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, como também, após a sua entrada em vigor, certos artigos tiveram sua eficácia suspensa por tempo indeterminado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como o que trata da criação do juiz das garantias. Tais modificações surgiram como pressuposto de diminuir a grande insegurança que vive a sociedade brasileira e abrir espaço para uma imprescindível reforma no Código Penal Brasileiro. A violência no Brasil é um problema histórico, que atinge diversas classes sociais e, vários são os fatores responsáveis pela mesma (sociais; econômicos; políticos e; culturais), atrelados à corrupção, o que deixa a população vulnerável e amedrontada e, até mesmo, desacreditada no próprio Estado, o qual, nos termos do Art. 144, “caput”, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), deveria garantir segurança a todos. O surgimento dessas modificações advindas do Pacote Anticrime na legislação penal pode ser considerado um caminho a ser seguido para a criação e implementação efetiva deste e de novas leis que venham a beneficiar a proteção da população brasileira.
Palavras-chave: Reforma. Pacote Anticrime. Código Penal. Brasil.
ABSTRACT: The Anticrime Package was presented by the ex-Minister of Justice, Sérgio Moro, in his passage through the Ministry of Security of Brazil, being a law that promoted the modification in 14 (fourteen) other laws. The approved proposal amends the Penal Code and other public security laws and aims to reduce / contain organized crime, corruption and violent crimes, through the application of more severe penalties for those who practice them. Some articles of Law 13. 964/19 were approved, others were vetoed by the commission designated for their final approval, others were not sanctioned by the President of the Republic, Jair Messias Bolsonaro, but also, after their entry into force, certain articles had their effectiveness suspended indefinitely by the Federal Supreme Court (STF), such as the one that deals with the creation of the judge of guarantees. Such modifications arose as a prerequisite to reduce the great insecurity that Brazilian society experiences and to open space for an essential reform in the Brazilian Penal Code. Violence in Brazil is a historical problem, affecting several social classes and, several factors are responsible for it (social; economic; political and; cultural), linked to corruption, which leaves the population vulnerable and frightened and even , discredited in the State itself, which, under the terms of Art. 144, “caput”, of the Federal Constitution of 1988 (CF / 88), should guarantee security for all. The emergence of these changes arising from the Anticrime Package in criminal law can be considered a path to be followed for the creation and effective implementation of this and new laws that will benefit the protection of the Brazilian population.
Key words: Reform. Anti-crime Package. Penal Code. Brazil.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo mostrar as alterações que o Pacote Anticrime promoveu no Código Penal e legislações esparsas, de forma sucinta, trará o debate acerca dos principais pontos de alteração que envolve a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa, bem como a sociedade brasileira reagiu à implementação desse pacote.
Apresentado em fevereiro de 2019 (dois mil e dezenove), pelo, à época, Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o Projeto de Lei Anticrime (Pacote Anticrime) promove alterações em 14 (quatorze) leis, e foi alvo de muitas críticas por parte de juristas e da população leiga. Contudo, não há de se negar que foi um grande passo no combate aos crimes acima identificados, bem como um sinalizador de que possa acontecer uma futura reforma necessária no Código Penal brasileiro e, quem sabe, na própria política criminal e prisional pátria.
O estudo do tema é relevante e atual pois fará uma breve análise do Pacote Anticrime e seus reflexos para sociedade brasileira, que, ao longo das décadas, luta contra a violência e a corrupção e carrega em seu íntimo a nítida sensação de que seu direito à segurança tem gradativamente diminuído pela omissão e ineficiência do Estado na proteção do indivíduo; diante de um sistema carcerário falido e; um Código Penal que clama por mudanças que acompanhem os novos ditames da sociedade brasileira.
A escolha do tema se deu devido à importância do combate à corrupção; ao crime organizado e; à violência em geral, vez que o Brasil é um dos países onde o índice de violência aumenta assustadoramente a cada ano. Diante dessa realidade, a sociedade brasileira clama por segurança.
Nessa esteira, é preciso um sistema de regras punitivas eficazes e eficientes a serviço da sociedade, ao mesmo tempo que essa sociedade precisa acreditar nessas regras, visto que pouco adianta, apenas, endurecer penas e não se apresentar instrumentos que promovam a ressocialização do indivíduo infrator, evitando-se que o mesmo seja absorto pelo mundo da criminalidade.
Nesse cenário, o Pacote Anticrime já é uma realidade, vez que promoveu diversas alterações no Código Penal; Código de Processo Penal; Lei de Execuções Penais; dentre outros diplomas legais. Porém, ainda precisa ser acompanhado por outras mudanças: reestruturação e humanização do sistema carcerário, para que cumpra o papel na prevenção delitiva: atuando tanto na prevenção secundária (procura produzir no indivíduo um respeito pela norma que os desaconselhe a violá-la, sob pena de se sujeitar às reprimendas previstas em lei), quanto na prevenção primária (objetiva o combate aos fatores indutores da criminalidade antes que eles incidam sobre o indivíduo. Atua na raiz do delito, neutralizando o problema antes que ele apareça) e terciária (busca evitar a reincidência do egresso do sistema prisional, através da reabilitação e ressocialização); promover o reaparelhamento dos órgãos de Segurança Pública, os quais também sofrem com a falta de recursos e de servidores, baixos salários, desvalorização profissional e, falta de estrutura digna; dentre outros. Dessa forma, incutir na sociedade a confiança e o respeito às instituições que velam pela segurança pública e em um sistema punitivo eficaz.
Nesse sentido, a sociedade brasileira desde muito tempo vive à mercê da violência, não importa a classe social, qualquer indivíduo pode ser acometido por um crime: ser vítima ou autor. Destarte, o Estado deve estender a proteção ao indivíduo, pois esta não envolve apenas o caráter punitivo para os que praticaram, em algum momento, crimes, mas também visa assegurar que quem os cometeu tenha direito às garantias constitucionais previstas especialmente no art. 5º, incisos III, VI, XL V, XLVI, XLVII, XLVIII, XLIV, L, LIII, LIV, LVI, LVII, LXI, LXII, LXIV e, LXV, LXVI e LXVII, de forma que, após o cumprimento da pena, não volte a delinquir.
Outrossim, a corrupção que envolve o Brasil acentua as desigualdades sociais, pois diminui os investimentos em saúde, educação, segurança, habitação, infraestrutura, entre outros direitos, consequentemente, aumentando a exclusão social.
O Pacote Anticrime, ainda que com pontos controversos, surge para a sociedade brasileira como uma esperança de que a legislação penal exija penas mais severas para determinados crimes, visto que o Direito Penal é punitivo por natureza e deve ser a ‘ultima ratio’, com base nos princípios da fragmentariedade e subsidiariedade. Contudo, além de penas mais severas, é preciso se compreender que se faz necessária uma reforma em toda a estrutura do sistema penal que não fira a Constituição Federal de 1988.
O PACOTE ANTICRIME E SEUS REFLEXOS PARA A SOCIEDADE BRASILEIRA
O Código Penal Brasileiro data de 07 de dezembro de 1940, já se passaram 80 (oitenta) anos desde sua entrada em vigor e, nesse decurso de tempo, a sociedade brasileira passou por grandes transformações, exigindo-se que o sistema jurídico brasileiro acompanhe os novos paradigmas, regras e novos parâmetros sociais e culturais que surgiram no decorrer dos anos e décadas.
O último – e atual – Código Penal Brasileiro é de 1940 (que entrou em vigor juntamente com o Código de Processo Penal e a Lei de Contravenções Penais) e sofreu reforma na parte geral (aquela que estabelece regras e princípios para aplicação do Direito Penal) em 1984. A parte especial (que os prevê os crimes e comina as penas) sofreu alterações ao longo dos anos, sendo complementada, sobretudo, por leis penais esparsas, fora do Código Penal (Lei 8.137/1990, por exemplo, que trata dos crimes contra a ordem econômica, tributária e contra as relações de consumo). (SAJADV, 2018)
Para muitos, o Código Penal está ultrapassado, já que a evolução e o desenvolvimento da sociedade brasileira exigem que suas normas sejam reavaliadas, observando-se as mudanças de comportamento e costumes que surgiram ao longo dessas décadas e, de fato, isso ainda não aconteceu por inteiro com o Código Penal.
Nesse diapasão, na opinião de conceituados juristas, um novo Código Penal deve ser sancionado, com novas regras mais rígidas, o que seria uma alternativa para tentar diminuir os grandes índices de violência no Brasil. Inclusive, a partir dos requerimentos n.º 756/2011 e 1.034/2011 de autoria do senador Pedro Taques (PDT-MT), foi instituída (em outubro de 2011), pelo presidente do Senado Federal, José Sarney, a Comissão Especial de Juristas, a qual tinha como incumbência a elaboração do Anteprojeto de Novo Código Penal, que foi entregue em 27 de junho de 2012 e, após, transformado em projeto de lei (PLS 236/2012), enviado a uma comissão especial de senadores.
O Projeto de Lei do Senado Federal PLS nº 236/12, é uma tentativa de modernizar a legislação penal brasileira. Foi criado por uma comissão de juristas presidida pelo Ministro do STJ, Gilson Dipp e teve Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, Procurador Regional da República como relator, sendo os objetivos divulgados por essa comissão:
1. estabelecer nova leitura do Código Penal à luz da Constituição;
2. consolidar inúmeras leis esparsas, com simplificação do sistema e redução dos tipos penais. O objetivo era alcançar maior proporcionalidade das penas e diminuir a insegurança jurídica;
3. descriminalização de condutas com menor ofensividade;
4. busca de formas não prisionais de sanção penal e;
5. abordagem da criminalidade contemporânea, especialmente a organizada.
Contudo, essa modernização do Código Penal ainda não aconteceu, por enquanto é só um ideal para muitos juristas (o Projeto de Lei continua em tramitação) e também para a sociedade, os quais esperam do Estado maior proteção contra a alta taxa de violência no país.
No entanto, para outros, diminuir os índices de violência vai além da elaboração de um código com leis mais severas, visto que a questão social da violência no Brasil é complexa: as leis são necessárias e importantes, no entanto, é preciso se ter em mente que o sistema carcerário brasileiro ainda não consegue garantir os direitos básicos do ser humano, quiçá, atingir a sua finalidade, que é a preparação do indivíduo para a reinserção social, ou seja, a ressocialização.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), durante o julgamento da ADPF 347 MC/DF, reconheceu o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema prisional brasileiro:
“O Estado de Coisas Inconstitucional ocorre quando se verifica a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional. O STF reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro vive um "Estado de Coisas Inconstitucional", com uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas cruéis e desumanas. Vale ressaltar que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal. (STF. Plenário. ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/2015 (Info 798)). (CAVALCANTE, 2020)
Assim, o Pacote Anticrime surge em um momento em que o país clama por justiça diante do crescimento vertiginoso da violência, do aumento do poderia bélico das organizações criminosas e do escancaramento da corrupção. Como dito, a Lei Anticrime (Lei 13.964/2019) foi enviada ao Congresso Nacional pelo então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada (com alguns vetos) pelo então presidente Jair Messias Bolsonaro, em dezembro de 2019, tendo a finalidade de aperfeiçoar a legislação penal e processual penal do país.
Diante disso, conforme afirmado pelo ex-Ministro da Justiça, Moro: “o nosso Pacote Anticrime, acima de tudo, é para proteger as pessoas. Um ambiente com menos criminalidade, seja corrupção, crime violento, crime organizado, também favorece o desenvolvimento econômico. Afinal de contas, os custos da Segurança Pública são muito elevados”.
Dessa forma, a Lei Anticrime traz como grandes objetivos três medidas de urgência: estabelece medidas contra a corrupção; o crime organizado e; os crimes praticados com grave violência à pessoa. Segundo Moro, a escolha de abordar os três temas dentro de uma mesma proposta se justifica por que: “os três problemas estão vinculados; não adianta tratar de um sem tratar dos demais (…) O crime organizado utiliza a corrupção para ganhar impunidade. Por outro lado, o crime organizado está vinculado a boa parte dos homicídios do país”.
Para alguns, o Pacote Anticrime seria a redenção do Código Penal, trazendo a luz para uma legislação estagnada, que não acompanhou os avanços da sociedade brasileira. Para outros, mais uma maneira de aumentar o poder repressivo do Estado, através do fortalecimento da esfera punitiva, com o endurecimento cruento das penas e a apologia à cultura do encarceramento e do Direito Penal do Inimigo (em apertada síntese: modelo teórico de política criminal desenvolvido pelo alemão Gunther Jakobs, o qual estabelece a necessidade de separar da sociedade, excluindo-se das garantias e direitos fundamentais, àqueles que o Estado considere como seus inimigos), no entanto, sem provocar mudanças elementares na estrutura do sistema jurídico.
A CORRUPÇÃO NA TERRA BRASILIS
Ao falar de corrupção no Brasil, logo vem à mente as diversas operações da Polícia Federal que ocorreram e ocorrem em todo o território brasileiro: prefeitos, secretários; deputados; senadores; grandes empresas; entre outros, foram alvos de operações para combater a corrupção, muitas vezes, ligada ao crime organizado. Não é de hoje que este embate ocorre, como exemplo, temos o “Mensalão” e a “Operação Lava Jato”, nos quais diversas autoridades e empresários foram investigadas; responderam a processos criminais e; foram condenados judicialmente.
Conforme conceitua Cláudio Fernandes:
Corrupção é o ato de se utilizar indevidamente de uma posição de influência para obter vantagens ou mesmo realizar alguma ação que é considerada ilegal de acordo com as leis vigentes. A corrupção pode acontecer em situações do dia a dia, mas também pode estar relacionada com a política. Esse é, por sinal, o campo mais associado com o termo. (FERNANDES, 2019)
Para Norberto Bobbio (1909, p. 292), define-se a corrupção como “transação ou troca entre quem corrompe e quem se deixa corromper. Trata-se normalmente de uma promessa de recompensa em troca de um comportamento que favoreça os interesses do corruptor; raramente se ameaça com punição a quem lese os interesses dos corruptores”.
Nesse diapasão, o Código Penal define dois tipos de corrupção, a passiva e a ativa:
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
E uma das modificações que mais chamou atenção com o pacote anticrime foi o da delação premiada, entende-se por esse instituto segundo Cabette, 2018. "Trata-se, nos termos da lei, de um meio de obtenção de provas, ou, como preferimos, uma técnica especial de investigação criminal, verdadeiro negócio jurídico processual personalíssimo" (BRASIL, 1940)
O Pacote Anticrime trata a corrupção e alega que o crime organizado fortalece a mesma, sendo que esta empobrece os cofres públicos, prejudicando a feitura de políticas públicas mais efetivas.
É notório esse aspecto no Brasil, uma vez que grande parte do dinheiro que é usurpado pelos corruptos não volta aos cofres públicos, aumentado a pobreza e a violência, já que a falta de políticas públicas para a população mais vulnerável impossibilita seu desenvolvimento social e educacional.
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E COLABORAÇÃO PREMIADA
Outro ponto que foi debatido e reformulado com o Pacote Anticrime foi o da organização criminosa, um conceito complexo e controverso, mas que aqui será definida de acordo com a Lei 12.850/2013, em seu artigo 1º, §1º, que define organização criminosa como a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente organizada, com divisão de tarefas, ainda que informal, com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza mediante a prática de infração penal com pena máxima superior a quatro anos, ou de caráter transnacional.
Em virtude da evolução dos meios de comunicação, a organização criminosa se transformou numa grande empresa do crime. No Brasil, grandes organizações criminosas se destacam para efetuar seus ilícitos, com sedes, especialmente, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Entretanto, já expandiram sua atuação para praticamente todo o país.
Dentre as organizações criminosas acima mencionadas, destacam-se, o Primeiro Comando da Capital (PCC): Guardiões do Estado (GDE); Comando vermelho (CV) e; mais recentemente, surgiu a Família do Norte (FDN), com sede nos estados do Norte do Brasil. Todas trabalhando a favor do tráfico de drogas em todo o país, com um grande poderio bélico, responsáveis por crimes violentos, até mesmo dentro das penitenciárias e cadeias públicos, visto que muitos envolvidos presos continuam atuando, de dentro das prisões, nessas facções.
Pode-se dizer que essas facções ganharam destaque, em especial, devido ao colapso do sistema carcerário brasileiro, um ambiente hostil, dominado pelos integrantes dessas facções. Assim, como forma de coibir e controlar a atuação de seus líderes, os quais, ainda que presos, continuam a comandar as organizações criminosas, determina a Lei que aqueles passem a cumprir suas penas em presídios de segurança máxima, inclusos no Regime Disciplinar Diferenciado - RDD (previsto no art. 52 da Lei de Execuções Penais (LEP), introduzido na legislação pátria por meio da Lei 10.792/03 e modificado pela Lei 13.964/19, a Lei Anticrime):
“Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - recolhimento em cela individual; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VI - fiscalização do conteúdo da correspondência; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também será aplicado aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)
§ 2º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal.(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores, o regime disciplinar diferenciado poderá ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo indícios de que o preso: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da sociedade; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o regime disciplinar diferenciado deverá contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”.
Nesse contexto, Sampaio (2017, p. 81) deixa claro em sua obra a potencialidade das organizações criminosas frente a sociedade e que é justificável a preocupação advinda do Estado com a contenção do tráfico de drogas e pessoas, do terrorismo e dos demais crimes conexos àquelas: “A criminalidade organizada pressupõe uma potencialidade destruidora e lesiva extremamente grande, pior ainda para a sociedade do que as infrações individuais, daí a justa preocupação dos Estados com a repressão ao tráfico de drogas e pessoas, ao terrorismo, ao contrabando etc.”
O Pacote Anticrime abarca a mudança da Lei 12.850/13 em seu artigo 1º, § 1º afim, de identificar os líderes dessas facções e puni-los de forma mais rigorosa, demostrando o poder e a punibilidade do Estado frente a esses grupos nos seguintes termos:
· As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima;
· Ao condenado por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização ou associação criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo (NR);
· Aos que se valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo para adquirir, de modo direto ou indireto, o controle sobre a atividade criminal ou sobre a atividade econômica, tais como: O Primeiro Comando da Capital; o Comando Vermelho; a Família do Norte; o Terceiro Comando Puro; o Amigo dos Amigos; as milícias ou outras associações localmente.
No entanto, para a advogada Nathalia Pinto Costa (2019), o Pacote Anticrime tal qual como foi construído revela-se despreparado para combater de fato as facções, já que não traz ideias realmente relevantes no combate à criminalidade. O que se percebe é que esse projeto legislativo tem a intenção de dar uma reposta rápida a sociedade para mostrar que o governo federal está agindo para diminuir a criminalidade.
O conceito acima expresso aproxima-se da Constituição Simbólica, cunhado pelo doutrinador Marcelo Neves, mais precisamente, da segunda categoria de constitucionalização simbólica, a legislação álibi, da seguinte maneira:
“O legislador, muitas vezes sob pressão direta do público, elabora diplomas normativos para satisfazer as expectativas dos cidadãos, sem que com isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas. A essa atitude referiu-se Kindermann com a expressão “legislação álibi”. Através dela, o legislador procura descarregar-se de pressões políticas ou apresentar o Estado como sensível às exigências e expectativas dos cidadãos. (NEVES, (2007, p. 37).
Parece, portanto, mais adequado afirmar que a legislação álibi destina-se a criar a imagem de um Estado que responde normativamente aos problemas reais da sociedade, embora as respectivas relações sociais não sejam efetivamente normatizadas de maneira consequente conforme o respectivo texto legal. (NEVES, 2007, p. 39).
A legislação simbólica também pode servir para adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios. Nesse caso, as divergências entre grupos políticos não são resolvidas por meio do ato legislativo, que, porém, será aprovado consensualmente pelas partes envolvidas, exatamente porque está presente a perspectiva da ineficácia da respectiva lei. (NEVES, 2007, p. 41).”
O que se tem certeza é que, a cada dia, novos fenômenos criminógenos aparecem e exigem, portanto, novas alternativas de enfrentamento. No Brasil, um ponto de destaque é a necessidade de se enfraquecer as facções criminosas, para assim evitar que a sociedade brasileira sofra com o medo violência que cerca o seu dia a dia.
Em outro giro, a Lei 13.964/2019 promoveu alterações relevantes na Lei de Organização Criminosa, quanto ao instituto da colaboração premiada, que merece destaque no atual contexto social, definindo-a como meio de obtenção de prova e trazendo diversas mudanças que a tornaram mais segura e atrativa. As principais alterações foram:
• exigência de que os termos da colaboração sejam negociados na presença de um advogado;
• proibição do recebimento de denúncias e a decretação de medidas cautelares com fundamentos apenas nas declarações do colaborador; e
• obrigação de conceder publicidade aos termos da colaboração somente após o recebimento da denúncia.
Em apertada síntese, a colaboração premiada é, na sua essência, uma modalidade de confissão, mas que possui o condão de alterar substancialmente o resultado das investigações em troca de um benefício do Estado, por isso é chamada também de Direito Premial.
Ao tratar da delação premiada, o texto aprovado mudou algumas regras: passou a prever que nenhuma medida cautelar e recebimento de denúncia ou queixa-crime poderá ser decretada ou apresentada apenas com as declarações do delator. Estabelece ainda que o acordo e os depoimentos do delator serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia e que, se o acordo de colaboração não for confirmado, o celebrante (o Ministério Público ou a Polícia Judiciária) não poderá utilizar as informações ou provas apresentadas para qualquer outra finalidade.
Gilson Langaro Dipp (2015), em sua obra, acerca da colaboração premiada, tece os seguintes comentários:
“a sistematização da colaboração premiada pela Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, além de propor regras harmonizadas para a adequada e útil aplicação do instituto certamente vai produzir alguns efeitos ainda não completamente identificados e seguramente ainda não inteiramente compreendidos, ou de qualquer modo ainda não examinados pelos juízes e tribunais de maneira definitiva. A primeira das evidências, como já mencionado acima, é que a delação premiada rompe com padrões processuais históricos pelos quais a política de repressão penal, de punibilidade, de regime prisional e particularmente de relação do crime e da pena, e se apresenta como alternativa inteiramente nova ao encarceramento e às diligencias caras e difíceis para o esclarecimento da criminalidade organizada (...). A delação premiada ao oferecer para certos infratores oportunidade de livrar-se das possíveis acusações, condenações e penalidades derivadas dessas condutas ilícitas consagradas pela prática comercial, através de uma modalidade de colaboração capaz de minimizar os riscos da ação dolosa, além de profundas modificações processuais e procedimentais propiciou ainda uma quebra de paradigma em face dos demais infratores, a dizer que ao se valer da delação para proteger-se o colaborador pode provocar uma situação de vantagem em face de outros ou até provocar a destruição de seus competidores conquanto possivelmente também a sua (...)”.
Percebe-se que, para muitos, o Pacote Anticrime é necessário e eficaz, para outros, apresentar-se-á como mais um fator para o aumento do encarceramento e, por conseguinte, da própria criminalidade, já que seu caráter punitivo-repressor não leva em consideração os fatores sociais que atraem o indivíduo ao mundo do crime.
CRIMES VIOLENTOS
O processo histórico brasileiro gerou reflexos culturais e institucionais que, somados a outros fatores, como a concentração de renda nas mãos de uma pequena parcela da sociedade, conduziu o Brasil a ser uma das sociedades em que mais se pratica crimes violentos e com um alto grau de tolerância ao número exorbitante de assassinatos.
Pode-se entender como crimes violentos a prática de homicídio doloso (art. 121 do CP); lesão corporal seguida de morte (129, § 3º do CP) e; roubo seguido de morte (157, §3, II do CP), os quais se tornaram corriqueiros no cenário brasileiro. Destarte, com o objetivo de frear esse tipo de crime no Brasil, o Ex-ministro propôs as seguintes mudanças para endurecer as penas, nos seguintes termos:
“No caso de condenado reincidente ou havendo elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, o regime inicial da pena será o fechado, salvo se insignificantes as infrações penais pretéritas ou de reduzido potencial ofensivo.
No caso de condenados pelos crimes previstos nos arts. 312, caput e § 1º, art. 317, caput e § 1º, e art. 333, caput e parágrafo único, o regime inicial da pena será o fechado, salvo se de pequeno valor a coisa apropriada ou a vantagem indevida ou se as circunstâncias previstas no art. 59 lhe forem todas favoráveis.
No caso de condenados pelo crime previsto no art. 157, na forma do § 2º-A e do § 3º, inciso I, o regime inicial da pena será o fechado, salvo se as circunstâncias previstas no art. 59 lhe forem todas favoráveis.” (ALMEIDA, 2020).
Vale mencionar que no Brasil, existe um acentuado número de “cifras negras” ou “cifras escuras” da criminalidade, referente aos crimes que não são solucionados ou mesmo investigados pelas autoridades, outros que sequer chegam ao conhecimento das mesmas (subnotificados). Assim, em comparativo, estima-se que nos Estados Unidos, o índice de solução dos homicídios é de 65%. E no Reino Unido, 90%. No Brasil, estimativas, inclusive da Associação Brasileira de Criminalística, indicam que, apenas, de 5% a 8% dos assassinos são punidos. Destarte, o país tem a assombrosa média de a cada cem homicídios, mais de 90 nunca serem sequer descobertos.
Ainda assim, com base nos dado a seguir apresentados, é possível afirmar que, embora em 2019 os índices de crimes violentos tenham diminuído, em 2020, mesmo diante da pandemia causada pelo COVID19, esses números subiram:
“O Brasil teve, no ano passado, o maior número de mortes violentas do mundo. Foram 70,2 mil mortos, o que equivale a mais de 12% do total de registros em todo o planeta. O alerta faz parte de um novo informe publicado nesta quinta-feira pela entidade Small Arms Survey, considerada como referência mundial para a questão de violência armada. Em termos absolutos, a entidade aponta que a situação no Brasil supera a violência na Índia, Síria, Nigéria e Venezuela”. (JORNALDOCOMERCIO, 2020)
Como foi exposto, o número de crimes violentos sofreu um aumento considerável, aproximando e até ultrapassando, em termos absolutos, a violência em países como a Índia, Síria, Nigéria e Venezuela.
Nesse diapasão, percebe-se que o Pacote Anticrime tem caráter punitivo e encarceratório, já que o endurecimento das leis e a punição de maneira mais rígida não foram capazes de, sozinhos, reduzir a violência, visto que o atual sistema prisional no Brasil está praticamente falido: há carência de políticas públicas eficazes, vez que, na maioria dos casos, não há uma ressocialização do apenado, ocasião em que este, mais cedo ou mais tarde, voltará a cometer crimes (alto índice de reincidência), alimentando o ciclo da violência e do crime.
É de se convir que é com a pena privativa de liberdade que o Estado brasileiro pune quem pratica crime de potencial grave, como é o caso dos crimes violentos, com o objetivo de retribuir o mal injusto causado pela conduta antijurídica. Porém, resta esquecido que o sistema carcerário que se tem não ressocializa o apenado e não impede que o mesmo volte a delinquir.
Nesse sentido, aduz o jurista Julio Fabbrini Mirabete:
“A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação” (MIRABETE, 2002, p. 24).
Diante desse novo pacote de combate ao crime, fica vidente a fragilidade de fazer com que os infratores cumpram suas penas em locais que tenham uma infraestrutura adequada, com um mínimo de respeito a dignidade humana. Nesse interim, chama-se a atenção para os efeitos nocivos da prisionização, também sentidos pelos agentes da Segurança Pública, isto é, sobre as várias outras pessoas que não estão presas, mas que também são diretamente prejudicadas e, consequentemente, têm seus direitos mitigados diante da catastrófica situação do sistema carcerário nacional.
Destarte, é preciso que se tenham penas mais eficazes e por que não dizer mais endurecidas, visto que a reprimenda deve ser proporcional ao crime cometido. Mas, faz-se necessário que se apresentem alternativas de reestruturação do sistema punitivo e prisional brasileiro, a fim de que o criminoso, ao final do cumprimento da pena, seja ressocializado e não volte ao mundo do crime.
A SOCIEDADE BRASILEIRA E O PACOTE ANTICRIME
A sociedade brasileira é assolada há décadas pela violência: todos os dias são noticiados crimes pelos meios de comunicação, fazendo com que grande parte da sociedade viva em constante estado de medo, principalmente para aqueles que moram em áreas consideradas vulneráveis, como exemplo podemos citar as comunidades do Rio de Janeiro, as quais são praticamente dominadas pelos chefes do narcotráfico e onde as ações governamentais do Poder Público chegam de forma insuficiente.
Para a autora MINAYO, (1994 apud HAYECK, 2009, p.3) “a violência é considerada um fenômeno biopsicossocial cuja complexidade dinâmica emerge na vida em sociedade, sendo que esta noção de violência não faz parte da natureza humana por não possuir raízes biológicas. Por isso, a compreensão desta leva à análise histórica, sociológica e antropológica, considerando as interfaces das questões sociais, morais, econômicas, psicológicas e institucionais.”
Segundo a pesquisadora, a violência trata-se de um fenômeno complexo que decorre da vivência em sociedade, e parte do pressuposto que regras sociais básicas são desrespeitadas. É como se indivíduos de uma mesma comunidade enxergassem uns aos outros como ameaça, uma ameaça geradora de medo e insegurança e com relação ao bem-estar individual e coletivo.
O Brasil é considerado um dos países mais violentos, e várias são as causas para que se tenha tamanho índice de violência, dentre eles é possível citar dois fatores: os socioeconômicos e a omissão do Estado na prevenção e repressão da violência. É diante dessa realidade vivenciada pela sociedade brasileira que se busca alternativas para frear o ciclo da violência, que inclui a reincidência, daí é que surgiu o Pacote Anticrime.
Sobre os fatores socioeconômicos que influenciam nos altos índices de violência, vale destacar o abismo existente na sociedade brasileira, onde grande parte dela não tem acesso aos direitos mais básicos, como moradia, alimentação de qualidade, saúde e educação. São muitas as carências vivenciadas pela grande parte da população que é de baixa renda. Parte dessa população de baixa renda vive às margens das grandes cidades brasileiras, precariamente assistidas nas suas periferias. Essa precariedade e falta de amparo por parte do Estado, acaba empurrando esses indivíduos para o mundo do crime, especialmente os jovens, suscetíveis de escolha de vias ilegais como forma de sobrevivência ou adaptação às pressões sociais.
“A violência social pode ser considerada então como uma expressão da sociedade, “uma resposta a um sistema que se associa à forma de poder vigente onde a oposição entre dominante e dominado se reproduz de acordo com o contexto das relações sociais que o grupo desenvolve e, consequentemente, desemboca em medidas legais e jurídicas do próprio sistema”. (GULLO, 1998, p. 106)
Acerca da omissão do Estado, destaque-se que a opção pela via ilegal é favorecida pela tolerância cultural aos desvios sociais e pelas deficiências de nossas instituições de controle social: polícia precariamente equipada, carente de recursos, servidores e até mesmo da cooperação da sociedade; legislação criminal defasada (o que gera impunidade); estrutura e processos judiciários obsoletos e; sistema prisional caótico.
Assim, a interação entre essas deficiências institucionais enfraquece sobremaneira o poder inibitório do sistema de justiça criminal. Nesse cenário, o Pacote Anticrime e suas modificações em diversos diplomas da legislação penal vêm para tentar impedir que a corrupção e a violência em suas diferentes facetas avancem em um país que já se encontra corrompido.
Para Cerqueira (2007), a criminalidade tem uma proximidade com a desigualdade social presente no Brasil, a qual provoca a exclusão de pessoas, e esta desigualdade está estruturalmente vinculada com a impunidade, que é fruto de um sistema de justiça ineficaz e inoperante, sobrecarregado e que faz vistas grossas a uma infinidade de casos de violência social todos os dias.
O que se percebe é que, apesar das alterações que chegaram com o Pacote Anticrime, o sistema de justiça criminal no Brasil é falho, pois mesmo diante de leis mais severas, os índices de violência ainda aumentam e as comunidades são dominadas pelas facções criminosas, as quais, muitas vezes, possuem um potencial bélico maior que o do próprio Estado.
Diante disso, não adianta, apenas, endurecer-se as leis penais, sem atingir o cerne da falha estrutural do sistema carcerário: a superlotação das prisões, só aprofundará a injustiça e a desigualdade, sem contar que ainda é um sistema seletivo, que exclui, vez que marginaliza os indivíduos de baixo poder aquisitivo. Aqui, o que se busca é retirar da sociedade aqueles que são indesejáveis, sem modificar as raízes profundas da desigualdade social brasileira: o cárcere é um espelho do Brasil, onde a ineficiência do Estado em promover as garantias básicas do indivíduo é sentida intra e extramuros pela parcela da população hipossuficiente e vulnerável.
Segundo Rogério Greco (2011, p. 103): “Veja-se, por exemplo, o que ocorre com o sistema penitenciário brasileiro. Indivíduos que foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade são afetados, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação, falta de cuidados médicos etc.”.
Destarte, é uma estrutura que precisa ser reavaliada no total e não pela metade e, apesar de toda os argumentos contrários, o Pacote Anticrime veio para ascender uma chama nas autoridades de que o país necessita de mudanças orgânicas: leis e políticas criminas que além de punir, na prática, promovam a ressocialização dos criminosos. Decerto, o que se espera é que as mudanças trazidas pela Lei nº 13.964/2019 garantam a eficácia de um sistema penal que clama por mudanças e, que essa rigidez nas punições possa realmente ter o condão de diminuir os níveis de violência.
CONCLUSÃO
Apesar de a sociedade brasileira clamar por segurança com a redução da violência, ainda não é só com o Pacote Anticrime que isso será possível, ele chega para gerar uma esperança para a população, fazendo com as pessoas que cometeram crimes mais gaves, tenham penas mais severas. Porém, não é tão somente com a exacerbação da reprimenda e a política do encarceramento em massa que esse cenário de violência no Brasil será revertido.
Alhures, a reforma nas leis penais para que estas acompanhem as mudanças e anseios da sociedade, na prática, fazia-se e faz-se necessária. Nesse contexto, o Pacote Anticrime, apesar de ser considerado controverso para muitos juristas e alguns setores da sociedade, foi um passo importante para que futuramente tenhamos uma realidade diferente, diante de leis penais mais eficazes e seguras para a sociedade.
Entretanto, outros entendem que essas modificações dificilmente reduzirão a violência, apenas acentuarão as diferenças sociais já existentes, nos seguintes termos: podem fazer com que mais jovens de comunidades carentes serão mortos, diante da permissividade do Estado; trazem alternativas para que corruptos não sejam presos, através do instituto da delação premiada e; poderão gerar o aumento da população encarcerada que está à margem da sociedade.
O Brasil historicamente é um país excludente, onde as reprimendas legais tendem a ser aplicas com mais rigor à camada da população mais pobre, sem acesso aos direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, dentre eles os de cunha processual penal, como o da ampla defesa, que envolve a defesa técnica por profissional qualificado. Em outro giro, muitas praticam os chamados “crimes de colarinho branco” (cifras douradas da criminologia, que se referem aos crimes, segundo SUTHERLAND, praticados por políticos e empresário, pessoas respeitadas e com alto status social em sua ocupação) e não são punidos, diante de um sistema jurídico falho e seletivamente permissivo.
Nessa esteira, a sociedade brasileira necessita de Leis que além de punir o indivíduo que comete crimes também realize a sua ressocialização (prevenção criminal terciária). Não é só uma questão apenas de punir, deve-se analisar as condições sociais como um todo que levaram o indivíduo a delinquir e as consequências desse efeito cascata para a sociedade, que envolve o agente, o crime e seus fatores criminológicos, as vítimas e o papel do Estado em coibir os delitos e evitar a reincidência.
Nesse sentido, o Pacote Anticrime, mesmo com suas fragilidades, vem a cumprir esse papel: abrir espaço para uma imprescindível reforma na Legislação Penal e no sistema penitenciário pátrio.
Portanto, mesmo diante de tantas lacunas em nossas leis penais, a Lei 13.964/2019 deve ser visto mais como um avanço do que como um retrocesso, vez que se faz necessário o enrijecimento das leis no combate ao crime, ao tempo que o Estado deve assegurar o direito à vida e à segurança pública para toda a sociedade, nos moldes do Art. 144, “caput”, da Constituição Federal de 1988.
REFERÊNCIAS
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Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI, pós-graduanda em Direito Público pela faculdade LEGALE, pós graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Instituto Raimundo de Sá Urtiga-RSÁ
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Jéssica Maria de Moura e. O pacote anticrime e seus reflexos para a sociedade brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2022, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58783/o-pacote-anticrime-e-seus-reflexos-para-a-sociedade-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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