RESUMO: O presente artigo apresenta uma análise da relação entre o direito real de laje e o acesso ao direito fundamental social à moradia digna. Em um primeiro momento, aborda-se as disposições gerais do direito de propriedade, tanto no Código Civil, como na Constituição Federal de 1988. Após, é analisado o direito de laje especificamente como um fenômeno social urbano, bem como sob o prisma do direito fundamental à moradia. Por fim, faz-se uma relação entre o direito de laje e o direito registral, bem como os seus aspectos positivos e negativos e breves considerações são feitas no que diz respeito à normatização do direito de laje e o seu impacto na regularização fundiária urbana.
PALAVRAS CHAVES Direito real de laje. Acesso à moradia digna.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 DISPOSIÇÕES GERAIS DO DIREITO DE PROPRIEDADE; 1.1 A PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL; 1.2 A PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE); 2 O DIREITO DE LAJE COMO FENÔMENO SOCIAL URBANO; 3 O DIREITO REAL DE LAJE À LUZ DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA; 4 DIREITO REAL DE LAJE E O REGISTRO DE TÍTULOS: ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS; 4.1 O TRATAMENTO NORMATIVO DISPENSADO À LAJE ANTES DE SEU RECONHECIMENTO OFICIAL E A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA: BREVES CONSIDERAÇÕES; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O presente trabalho possui como finalidade principal propor uma nova análise no que diz respeito ao direito de propriedade, traduzindo não só a perspectiva patrimonialista inerente ao tema em questão, mas também objetiva compreender os efeitos do direito real de laje sob o panorama dos direitos fundamentais de cunho social elencados na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6°. Nesse sentido, em uma concepção geral, a Lei n° 13.465/2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, dentre outros pontos de grande relevância, alterou o código civil, inserindo os dispositivos do direito real de laje que se iniciam no artigo 1.510-A e vão até o artigo 1.510-E, trazendo à baila uma perspectiva moderna e independente sobre o instituto dos direitos reais. O artigo 1.510-A corrobora com tal visão à medida que permite que o proprietário de uma construção-base tenha a possibilidade de ceder a superfície seja ela superior ou inferior, com o objetivo de que o lajeário “mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”, podendo dela usar, gozar e dispor (§3°). Nesta seara, admite-se ainda que o titular, mediante autorização do proprietário do imóvel originário e das outras lajes, ceda a sua superfície para constituição de uma sobrelaje (§6°). Ademais, fica estabelecida ainda a divisão das despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo edifício, as quais serão partilhadas entre proprietário e lajeário nos termos do artigo 1.510-C. Destaca-se, por fim, o direito de preferência que terão os titulares da construção-base e da laje, no caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas (artigo 1.510-D) e as formas de extinção do direito real de laje elencadas no artigo 1.510-E. Soluciona-se, portanto, diversas questões referentes ao descompasso demográfico existente em cidades do Brasil que se caracterizam pelo amontoado de habitações construídas sem um planejamento preliminar. É evidente que a ausência de estrutura de tais construções improvisadas, associada com a impossibilidade de se exercer, na prática, os direitos conferidos a quem possui a qualidade de proprietário, gera incerteza e insegurança. O presente estudo, ainda, irá abordar a propriedade, tanto no que diz respeito à noção geral, como mais especificamente quanto ao seu tratamento no Código Civil e na Constituição Federal de 1988, para posteriormente dar enfoque ao direito real de laje como fenômeno social urbano, o relacionando com o direito fundamental social à moradia elencado no artigo 6° da CRFB/88, tema central deste estudo. Por fim, passa-se à análise da laje sob o prisma da atividade notarial.
1 DISPOSIÇÕES GERAIS DO DIREITO DE PROPRIEDADE
No plano conceitual, a propriedade, por um lado, parece ser de fácil compreensão e visualização, pois a princípio, seria determinado, de forma genérica, pelo vínculo existente entre o indivíduo e um bem, conferindo-lhe faculdades, direitos e deverem em razão desta relação jurídica. De outra banda, emerge a difícil tarefa de classificá-la, bem como entender o seu conteúdo jurídico, haja vista a complexidade das relações modernas que se desenvolveram e o seus efeitos práticos no código civilista de 2002.
Historicamente, a propriedade possui sua forma original assente em uma concepção absolutista, como se percebe analisando os primórdios do direito romano, embora a submissão do exercício da propriedade ao interesse social – pilar essencial para o estabelecimento de um viés constitucional do instituto abordado pelo código civil – já viesse sendo defendida por estudiosos da civilização romana. Nesta seara, em um momento posterior, verifica-se que o movimento Iluminista promove o triunfo do caráter individualista perante a um bem, à medida que consagrava a ideologia liberal, com a mínima intervenção do Estado, em prol do direito à propriedade privada.
A regulamentação do presente instituto, no código civil de 1916 preceituava em seu artigo 524: “A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que, injustamente, os possua”. Nas lições de Flavio Tartuce[1], o dispositivo em apreço, possui diferenças substanciais com a atual normatização conferida pelo código civil de 2002, mais especificamente, no caput do artigo 1.228, “Isso porque não há mais a previsão da existência de direitos relativos ao uso, fruição e disposição da coisa, mas sim de faculdades jurídicas, o que foi feito no sentido de abrandar o sentido do texto legal”. Afirma, ainda, que:
essa alteração conceitual demonstra, pelo menos em parte, o rompimento do caráter individualista da propriedade, que prevalecia na visão anterior, pois a supressão da expressão direitos faz alusão à substituição de algo que foi, supostamente, absoluto no passado, o que não mais ocorre atualmente.[2]
Nesse sentido, pode-se afirmar que a propriedade representa uma situação fático jurídica, em que há uma relação direta, não entre um bem determinado e o indivíduo que o detém, mas coloca-se em evidência o liame estabelecido entre aquele e a coletividade. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[3], portanto, conceituam a propriedade como “uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas”.
Necessário se faz, em uma última análise, apartar os conceitos de propriedade e domínio, embora tradicionalmente, os dois vocábulos sejam considerados como sinônimos entre si. Como exposto, o conceito de propriedade repousa sobre o conteúdo jurídico de uma relação composta pela coletividade e um bem determinado. De outra banda, o domínio engloba, efetivamente, a situação material compreendida pelo titular e a coisa: desta, decorrem as faculdades jurídicas expostas no artigo 1.228 do código civil, quais sejam, uso, gozo, disposição e o direito de reivindicação de quem injustamente a possua.
Acertadamente, as lições de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona[4] esclarecem com precisão:
A priori, é possível, sim, fazer a distinção clássica entre as expressões “propriedade” e “domínio”, compreendida a primeira como um direito mais amplo, abrangente de bens materiais e imateriais, que legitima a titularidade do sujeito, ao passo que a segunda, restrita a bens corpóreos, traduz uma perspectiva material de poder, de submissão da coisa.
1.1 A PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL
O artigo 1.228 estabelece a estrutura do direito de propriedade ao elencar as faculdades jurídicas concedidas ao proprietário, quais sejam: uso, gozo, disposição da coisa e o direito de reavê-la. Tais faculdades serão analisadas, de maneira pormenorizada, ao longo do presente subtítulo, haja vista que o intuito precípuo, neste momento, é o de investigar o conteúdo jurídico abarcado pelo domínio da res.
Em um primeiro plano, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[5] esclarecem: a faculdade de uso, “é a faculdade do proprietário de servir-se da coisa de acordo com a sua destinação econômica”. Nesse sentido, o uso poderá ser direto ou indireto de acordo com a concessão da utilização pessoal feito pelo proprietário à terceiros. Não obstante tal entendimento, é imperioso ressalvar que a concessão do uso a terceiros através de celebração de contrato de locação, confere ao proprietário, segundo entendimento dominante, a percepção dos aluguéis, frutos civil do bem, e esta percepção seria o exercício da faculdade gozo, na letra do art. 1.228, CC ou fruição, e não o uso. Os autores ainda elucidam que o direito de uso atribui ao titular a percepção dos frutos naturais da coisa[6], já que conforme o artigo 1.412 do CC, “o usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família”. Distingue-se tal norma como um dos direitos reais sobre coisa alheia de gozo ou fruição, limitado, à propriedade mencionada, que também é direito real, mas sobre a própria coisa do titular. Portanto, a propriedade é instituto diverso do direito real de uso.
Em última análise, cumpre ressaltar que o não uso, não prescreve por si só, as faculdades estabelecidas no artigo 1.228. Há que se atentar, todavia, na hipótese em que a não utilização se mostra contrária ao interesse social como, por exemplo, nos casos de abandono do bem. Portanto, “(..), muitas vezes a faculdade de usar perde a característica de um poder e se converte em um dever jurídico para o proprietário.”[7]
A seguir, a faculdade de gozar consiste na efetiva exploração econômica do bem, indo além da mera percepção de frutos naturais – situação fática abarcada pelo simples uso. Nesse sentido, o proprietário terá o direito de receber os frutos classificados como os industriais (produzidos pelo ser humano) e civis (decorrentes de uma relação jurídica ou econômica de natureza privada). Englobado está pelo jus fruendi, ainda, o direito do proprietário às pertenças que se caracterizam, conforme os ditames do artigo 93 do código civil, os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.
Em prosseguimento, entende-se como disposição da coisa, “(...) a prerrogativa de transferir o bem, a qualquer título, o que também abarca a possibilidade de consumi-lo”[8]. É possível, portanto, que a disposição se dê pelo ato de destruição da coisa ou o seu abandono – disposição material –, bem como, pelo ato de alienação do bem, seja ela onerosa (compra e venda) ou gratuita (doação), o que Cristiano Farias e Nelson Rosenvald[9] classificam como disposição jurídica. Em síntese, há disposição da coisa, quando se pode escolher a sua destinação.
O último elemento constitutivo do direito à propriedade é o de reivindicar o bem, denominado como elemento externo ou jurídico haja vista a oponibilidade contra qualquer um que atente contra o direito universal de abstenção. Abstenção, porque, entende-se como um verdadeiro dever direcionado aqueles que não possuem ingerência sobre um bem determinado, adotar uma conduta omissiva/negativa em prol da posição jurídica assumida pelo proprietário. No direito brasileiro, a via jurídica adotada para que os poderes dominiais sejam recuperados é a ação reivindicatória, consequência clara e inevitável do direito de sequela – jus persequendi, típico dos direitos reais.
Ultrapassada a análise do conteúdo jurídico do domínio abarcado pelo artigo 1.228 do código civilista, é imperioso, ainda, elencar os atributos da propriedade - ou o que Maria Helena Diniz denomina como caracteres - à luz do que dispõe o artigo 1.231 do mesmo diploma legal. A norma em apreço estabelece a presunção, juris tantum, de exclusividade e plenitude. Cumpre, neste momento, investigar tais atributos.
O caráter exclusivo aduz à impossibilidade de um mesmo bem pertencer, com exclusividade e simultaneamente, a duas ou mais pessoas, no mesmo período de tempo, ressaltando a unidade e indivisibilidade do domínio. Interessante, neste ponto, destacar a questão do condomínio, por exemplo, que é o exercício do direito de propriedade por mais de um titular. Nesse sentido, os autores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald[10] explicam que “no condomínio tradicional não há elisão ao princípio da exclusividade, eis que, pelo estado de indivisão do bem, cada um dos proprietários detém fração ideal do todo”. Nesta explicação, se faz referência ao condomínio pro indiviso, em que os proprietários possuem apenas cotas abstratas. É possível, portanto, que mesmo em uma propriedade plural, todos possam exercer os direitos de uso, fruição, disposição e reivindicação. Situação distinta é a que ocorre no condomínio pro diviso, haja vista que os proprietários possuem cada qual, seu espaço físico. Neste último caso, as faculdades de uso e fruição serão limitadas, naturalmente. Ainda sobre a exclusividade, faz-se necessário trazer a baila as lições de Arnoldo Wald[11] que nos ensina com precisão: “O direito de excluir terceiros é um corolário da exclusividade da propriedade. O proprietário pode impedir que terceiros pratiquem qualquer ato em relação ao objeto que lhe pertence”, evidenciando o direito de reivindicação como garantia do exercício de outros poderes inerentes à propriedade. Quanto à plenitude, nos esclarece Maria Helena Diniz[12] que este atributo “decorre da liberdade que o proprietário tem de usá-la como lhe aprouver, acatando as restrições legais, evitando a sua utilização abusiva e atendendo à sua função socioeconômica”. A perpetuidade é de igual forma, uma característica da propriedade. Significa dizer, portanto, que esta subsiste independentemente do exercício de seu titular, com a posterior transmissão aos herdeiros. A este respeito, é relevante que se mencione o posicionamento de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald[13]: “À luz do princípio da função social da propriedade, em uma concepção dinâmica desse direito, a perpetuidade será colocada em xeque quando o titular inerte se exime de emprestar ao bem a sua finalidade normal”.
Por fim, para concluir esta fase do presente estudo, ressalta-se que, a doutrina nacional (mais especificamente Orlando Gomes[14]) elenca, ainda, a elasticidade do domínio avultando a possibilidade de fracionamento deste - embora a propriedade se mantenha concentrada em uma única pessoa – conforme sejam contraídos e acrescidos os atributos. É possível concluir que, na propriedade plena, o direito se encontra em seu nível mais amplo de elasticidade.
Cabe ainda mencionar algumas características caracterizadas doutrinariamente, tais como o absolutismo, que impõe o dever jurídico de não ingerência sobre a propriedade alheia, com oponibilidade ergma omnes em face de terceiros, classificados estes como sujeitos passivos da relação jurídica, ao passo que o polo ativo é ocupado pelo titular do direito real; a sequela que “se relaciona ao princípio da inerência ou aderência, no sentido de o direito real aderir à coisa e o perseguir”[15]; e a publicidade que decorre diretamente do princípio do absolutismo haja vista que os poderes inerentes à propriedade só serão exercidos contra todos se forem públicos. Refuta-se, portanto, a clandestinidade à medida que é imposto pela norma cogente a necessidade do registro dos títulos no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.227, CC).
1.2 A PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988 (CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE):
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, XXII, vai além de prever o direito à propriedade: este é elencado como uma garantia fundamental, possibilitando a instrumentalização de uma existência digna do ser humano que não se reduz, todavia, à mera sobrevivência. É o que Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves[16] denominam, em sua obra, como o mínimo existencial. No lúcido esclarecimento dos autores, “o mínimo existencial é algo quantitativa e qualitativamente superior ao mínimo vital. Este se identifica com a postura estatal ativa de manutenção do mínimo fisiológico e orgânico do ser humano (...)”.
Nesse sentido, a revisão das bases seculares do código civil, à luz do processo de constitucionalização, fez emergir uma nova acepção do conceito de propriedade. Não mais se considera como aquela vinculada, necessariamente, ao solo. As situações fáticas atuais criam a possibilidade de novas titularidades - a exemplo do condomínio em multipropriedade[17] – e, assim sendo, não é viável que se reduza o direito de propriedade a tão pouco.
Nesta seara, o advento da Lei n. 13.456/2017, com a consequente normatização do direito de laje, nos permite enxergar melhor essa perspectiva mais humanista, baseada na justiça social, ao permitir que incontáveis indivíduos possam estabelecer sua residência em pavimentos distintos da construção-base de titularidade do proprietário, seja pela relação de descendência (núcleo familiar) ou por uma espécie de locação dos apelidados “puxadinhos”, o direito de propriedade é considerado verdadeiro instrumento de concretização do acesso ao patrimônio mínimo[18] e, sobretudo, ao mínimo existencial.
Em tempo, faz-se necessário destacar que o direito de propriedade deve ser interpretado de maneira complementar com o principio da função social, - com fulcro no art. 5, XXIII da Constituição Federal – o qual permitiu, concretamente, a superação do viés absolutista e individualista consagrado nos primórdios da era liberal. Assim, a noção de função social não limita o exercício do direito à propriedade, mas o coloca nos moldes dos interesses coletivos. Neste aspecto, exige-se que a utilização do bem pelo titular seja coerente com as demandas sociais: são defesos atos nocivos que prejudiquem terceiros e que não apresentem nenhuma utilidade. Sobre o assunto, Caio Mário da Silva Pereira[19] arremata:
bombardeado de todos os ângulos, o absolutismo do direito de propriedade cede lugar a uma nova concepção. A ordem jurídica reconhece que os bens não são dados ao homem para que levem a sua fruição até o ponto em que o seu exercício atente contra o bem comum
Conclui-se que a evolução da velha concepção monista e monolítica[20] do direito de propriedade propõe uma releitura dos institutos patrimoniais consagrados no Código Civil a partir da preeminência do princípio da dignidade humana corolário da ressignificação do instituto em questão.
2 O DIREITO DE LAJE COMO FENÔMENO SOCIAL URBANO
De acordo com Rodrigo Mazzei [21], vê-se que a laje “(...) em curtas palavras, seria a possibilidade de construir (...) sobre edificação alheia, aproveitando-se da sobre do respectivo volume vertical acima do solo”. Assim, o direito de laje surge como solução ao até então descompasso do direito formal legislado e a realidade de diversas cidades brasileiras. Isto porque, até o advento da Lei n° 13.465/2017, a regularização de diversas edificações tidas como irregulares era ilusório. O que se observava, na prática, era um conjunto de comportamentos específicos e corriqueiros que integravam o direito informal de espaços destituídos de políticas públicas que garantissem um ordenamento social mínimo.
O descuido no processo de metropolização por parte dos agentes públicos na organização das frações do solo intensificou realidades opostas dentro da cidade e, sobretudo, os processos de dominação e exclusão produzidas pela globalização, pelo capital financeiro e pelo neoliberalismo. O reflexo deste movimento pode ser ratificado em dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: os aglomerados subnormais – termo técnico utilizado pelo Instituto para referir-se às favelas - parecem ser a solução mais exequível para 11 (onze) milhões de pessoas no Brasil, de acordo com o censo realizado em 2010. Faz-se necessário esclarecer aqui, que, embora o foco do presente estudo não seja analisar tão somente o fenômeno do direito de laje presente em favelas, – mas sim em todas as áreas marcadas pela ausência do Estado no Brasil – a informação ora mencionada ilustra de maneira mais efetiva o cotidiano marcado pela negligência estatal.
Nesse sentido, como viabilização do direito fundamental social do acesso à moradia abarcado pela Constituição Federal de 1988, a laje ou vulgarmente denominada como “puxadinho”, surge, segundo Ricardo César Pereira Lira[22], à medida que “o ocupante ceder a utilização da laje de sua moradia a um terceiro, permitindo que esse terceiro construa para si nova moradia.”, verdadeiro mecanismo de aproveitamento e ampliação do uso do solo.
Como é evidente, trata-se de fenômeno social habitual no cenário das cidades brasileiras. Fenômeno este que antes de sua regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro, “gravitava em um limbo completo” [23] frente à verdadeira apatia dos agentes públicos que há muito marginalizam moradores com baixo poder aquisitivo, impedindo-os de acessar o mercado imobiliário formal.
O direito que exsurge não ficou, portanto, adstrito à legislação, nem à ciência do Direito e tampouco à decisões judiciais, mas vinculou-se às condições do dia a dia, as quais representaram uma nova fonte de produção normativa na cultura jurídica. É o que elucida Antonio Carlos Wolkmer [24] ao considerar que a produção do direito, enquanto ciência extrapola os limites impostos pelas instituições e órgãos do Estado, haja vista que a juridicidade emerge das práticas sociais inseridas em um movimento comunitário.
Pode-se considerar que o direito de laje, de certa forma, instituiu uma nova relação entre sociedade e Estado, indo de encontro ao caráter hegemônico de edificação de normas jurídicas porquanto tornou mais palpável a aproximação dos sujeitos sociais e dos órgãos institucionais, favorecendo um processo comunitário participativo que cria diretrizes e mecanismos capazes de consagrar não só o direito de acesso à moradia abarcado pela Carta Política de 1988, mas, sobretudo, os direitos humanos.
Nesta seara, de acordo com as lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Roselvald[25],
(...) com a presença do Estado ao legalizar o ‘gueto’ e urbanizar essas áreas, o novo proprietário se despede da condição de necessitado e “vitimizado”, tornando-se cidadão cooperativo e responsável pela preservação e crescimento do ‘capital vivo’ que adquiriu (...).
À toda evidência, a socialização do fenômeno do direito de laje exterioriza, de maneira prática e efetiva, o dever do Estado Democrático de Direito que se consubstancia na valoração do ser humano a medida que possibilita o acesso amplo e irrestrito aos direitos fundamentais elencados na denominada Constituição Cidadã, mais especificamente, repise-se, ao direito de moradia – objeto do presente estudo.
Nesta toada, aliado ao processo de positivação do referido instituto, ainda se faz imperioso o direcionamento de toda a engrenagem estatal no sentido de tornar o “direito de asfalto” [26] realidade palpável ao indivíduo e não uma determinação jurídica apática e sem eficácia no meio social. Ainda nas lições de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald[27]:
O objetivo é afirmar que a ordem civil de um Estado Democrático de Direito é agente de transformação social, pois a segurança jurídica não compactua com a liberdade travestida em inércia e preservação de status quo. A segurança no contexto brasileiro clama pela redução das desigualdades sociais e afirmação da cidadania.
Diante de todo o exposto, constata-se que, a laje surge como uma solução efetiva à desorganização territorial das cidades brasileiras, tornando-se prática social legitimada e corriqueira construída – em um primeiro momento – a margem da até então legislação vigente. É evidente que, diante da habitualidade com que as construções irregulares ocorriam, o poder estatal brasileiro se viu compelido a regular o instituto afim de que a informalidade não se alastrasse – de uma vez por todas – frente à ordem social.
Conclui, acertadamente, Luís Roberto Barroso[28]:
Como muitas vezes registrado, as Constituições não podem aspirar à perenidade do seu texto. Se não tiverem plasticidade diante de novas realidades e demandas sociais, sucumbirão ao tempo. Por essa razão, comportam mecanismos de mudança formal e informal, pressupostos de sua continuidade histórica.
3 O DIREITO REAL DE LAJE À LUZ DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA
O tema a ser abordado se apresenta como matéria de Direito Civil, Direito Registral e Direito Constitucional, notadamente no que diz respeito ao direito fundamental social à moradia elencado no artigo 6° da Constituição Federal de 1988 e a sua associação com a efetivação do direito de laje. Nesse sentido, pretende-se investigar o diploma civilista de 2002 sob o viés constitucional – constitucionalização do direito civil - e, com isso, exceder a “velha concepção monista e monolítica” já mencionada anteriormente[29] de que a propriedade se limita ao que está edificado ao solo. Assim, o estudo em questão propõe uma releitura dos institutos patrimoniais consagrados no Código Civil. Nesta toada, em obra própria, Luiz Edson Fachin[30] elucida que “a proteção de um patrimônio mínimo vai ao encontro dessas tendências (de despatrimonialização das relações civis), posto que põe em primeiro plano a pessoa e suas necessidades fundamentais”. Cumpre salientar que a Teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo assegura a aplicação dos direitos essenciais ao estabelecer a preservação de um conjunto patrimonial hábil a permitir que o indivíduo possa viver dignamente. É o que se destaca como o “mínimo existencial”[31], como forma de estabelecer uma relação com a dignidade humana em busca da concretização da ideia de justiça social.
Face ao exposto, é necessário que se compreenda ainda, de acordo com uma perspectiva histórica, os direitos fundamentais sociais sobre a ótica das “gerações de direitos”[32] mais especificamente no que diz respeito aos direitos fundamentais de segunda dimensão que evidenciaram a proeminência da coletividade em detrimento do individualismo. Aqui, cabe destacar o seguinte trecho quando do julgamento do REsp. 1.478.254/RJ de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão[33]:
o foco da norma foi o de regulamentar realidade social muito comum nas cidades brasileiras, conferindo, de alguma forma, dignidade à situação de inúmeras famílias carentes que vivem alijadas de uma proteção específica, dando maior concretude ao direito constitucional à moradia.
4 DIREITO REAL DE LAJE E O REGISTRO DE TÍTULOS: ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS
Primeiramente, faz-se necessário trazer à baila o conceito do direito real de laje. Assim, nos ensina Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona[34] que
Trata-se, portanto, de um direito real sobre coisa alheia, com amplitude considerável – mas que com a propriedade não se confunde –, limitado à unidade imobiliária autônoma erigida acima da superfície superior ou abaixo da superfície inferior de uma construção original de propriedade de outrem.
A sua disciplina, outrossim, encontra-se elencada nos artigos 1.510-A a 1.510-E do Código Civil, como já exposto anteriormente, em razão das alterações promovidas pela Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017. Tal norma, em prol da característica da legalidade inerente aos direitos reais, ainda alterou o artigo 1.225, também do código civilista, para incluir o direito de laje em seu rol.
A instituição do direito real de laje trouxe um novo cenário à diferenciados ramos jurídicos, sobretudo, à atividade registral, merecendo destaque, portanto, neste momento do estudo. Isto porque, conforme detalhado, há um verdadeiro regime tributário responsável por conduzir os atos do cartório de Registro de Imóveis. Passa-se á análise:
A lei 13.465/2017 incluiu o §9° no art. 176 da Lei 6.015/1973, assim:
Art. 176
(...)
§ 9o A instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca.
Conjugado com o artigo 1.510-A, §3°, do Código Civil - o qual dispõe que os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor -, a norma transcrita anteriormente criou unidades imobiliárias distintas e autônomas. De acordo com as lições de Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias[35] as “Aludidas unidades serão objeto de matrícula própria e poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, dada a autonomia registral que lhe foi conferida pelo §1° do art. 1.510-A do Código Civil”
Inegável o aspecto positivo da autonomia registral mencionada pelos autores acima. Isto porque, sob esta perspectiva, permite-se o registro da construção em nome de pessoa distinta do seu proprietário, bem como a possibilidade de por o bem em garantia ou aliená-lo o que confere ao interessado na aquisição, a possibilidade de buscar financiamento gravando a própria laje.
É certo que, em homenagem ao principio doutrinário abarcado pela doutrina, qual seja, o da especialidade, a matrícula deverá conter a descrição com medidas perimetrais e confrontantes. A título de complementação, sobre este princípio, pontifica com precisão Afrânio de Carvalho[36] que
o princípio da especialidade significa que toda transcrição deve recair sobre um objeto do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, como o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as raias definidoras da entidade territorial.
O impacto positivo para o Erário, no que diz respeito à tributação, também é, de igual forma, incontestável. Haverá incidência de imposto na transmissão, sendo de ITBI (Imposto de transmissão de bens imóveis – art. 156 da CF) nos de transmissões onerosas e de ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – art. 155 da CF) nas transmissões gratuitas, além é claro da incidência de IPTU sobre a propriedade da laje que ocorrerá após o devido registro. O fato gerador dos impostos mencionados será o ato subsequente à transmissão dos direitos ou bens, que poderá ocorrer simultaneamente à constituição da laje. A forma pública, tanto no que abrange a constituição, tanto no que diz respeito a transmissão do direito real, deverá prevalecer se o valor do imóvel for superior a 30 (trinta) vezes o salário mínimo e mediante o seu correspondente registro na unidade cartorial. Percebe-se que a atuação dos colaboradores fiscais em prol da tributação gera o fomento econômico de bairros informais, possibilitando o investimento e urbanização das áreas de favelas e assentamentos precários. Infelizmente, parte-se do pressuposto que em razão das despesas cartorárias e tributárias, os imóveis que podem ser classificados como irregulares, assim permanecerão.
Relevante citar, neste momento, que a constituição do direito de laje poderá ocorrer de inúmeras formas, não obstante o art. 1.510-C do Código Civil citar o termo “contrato”. Portanto, há a possibilidade de constituição por sentença judicial, por negócio jurídico causa mortis, e por usucapião em qualquer de suas modalidades. Em especial no que diz respeito à usucapião Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias[37] explicam:
O procedimento para a usucapião foi simplificado e ficou mais célere. Todavia, a disposição que previa a anuência expressa do antigo proprietário (§2° do art. 216-A), dificultava a mudança. O dispositivo teve sua redação alterada pela Lei 13.465/2017 que assim viabilizou o instituto ao prescrever que o silêncio do titular será interpretado como concordância
Segue transcrição da parte final da primeira sentença do Tribunal de Justiça de Recife - PE que reconheceu a usucapião como aquisição do direito de laje[38]:
TJPE – ACORDÃO 0071376-44.2013.8.17.0001
LOCALIDADE: Recife DATA DE JULGAMENTO: 14/07/2017 DATA DJ: 14/07/2017
RELATOR: Rafael de Menezes
LEI: CC/2002 – Código Civil de 2002 – 10.406/2002 ART: 1510-A Acessão construída na superfície superior de um imóvel. Presentão de aquisição da propriedade que se coaduna ao direito de laje, previsto no art. 1510-A do Código Civil. (Ementa não oficial).
ÍNTEGRA PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE PERNANBUCO – JUÍZO DE DIREITO DA 26ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE RECIFE – SEÇÃO B. Processos n° 00027691-84.2013.8.17.0001, e n° 0071376-44.2013.8.17.0001.
(....)
Trata-se de julgamento simultâneo das Ações de Usucapião nº 0027691-84.2013.8.17.0001, e nº 0071376-44.2013.8.17.0001, reunidas por força de conexão. Ante o exposto, atento ao que mais dos autos consta e aos princípios de Direito aplicáveis à espécie, além de estar em conformidade com o art. 1.242 do Código Civil, julgo procedente o pedido formulado na Ação de Usucapião nº 0027691-84.2013.8.17.0001, para declarar a ocorrência da prescrição aquisitiva e, em decorrência, constituir o domínio da parte autora sobre o imóvel indicado na inicial, devendo esta sentença, juntamente com a sua certidão de trânsito em julgado, servir de título para a averbação ou registro (art. 172 da Lei de Registros Públicos) oportunamente, no Cartório de Registro de Imóveis competente, pagos os emolumentos e respeitadas as formalidades legais. Por outro lado, julgo improcedente o pedido de usucapião de formulado na Ação de Usucapião nº 0071376-44.2013.8.17.0001, ao tempo em que reconheço o Direito de Laje da casa 743-A à autora, nos termos do art. 1.510-A do Código Civil, devendo o imóvel referido ser registrado com matrícula própria, pagos os impostos e emolumentos e respeitadas as formalidades
legais.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Custas satisfeitas. Sem honorários. Após o trânsito em julgado desta decisão, arquivem-se
os autos. Recife, 14 de julho de 2017.
Rafael de Menezes
Juiz de Direito
Cabe aqui mencionar o enunciado do Conselho da Justiça Federal nº 627 da VIII Jornada de Direito Civil que recepciona a possibilidade de constituição da laje por meio da prescrição aquisitiva em suas espécies compatíveis, vale dizer ordinária, extraordinária, especial urbana, coletiva ou extrajudicial - “O direito real de laje em terreno privado é passível de usucapião”.[39]
Finalmente, dada a autonomia conferida pelo art. 1.510-A, §5° do Código Civil aos Municípios e o Distrito Federal a fim de que possam dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito de laje, a realidade prática é o que mais se chama atenção haja vista a dificuldade de adequação normativa ao novo conjunto fático. É inegável que a instituição do direito de laje, ultrapassa a sua normatização: é necessário que os dispositivos legais andem em conjunto com o direito social e humanitário protegendo e garantindo o mínimo social da população de baixa renda tão defendido e exposto ao longo deste estudo.
4.1 O TRATAMENTO NORMATIVO DISPENSADO À LAJE ANTES DE SEU RECONHECIMENTO OFICIAL E A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA: BREVES CONSIDERAÇÕES
A inserção do direito real de laje no rol dos direitos reais no art. 1.225, XIII do Código Civil dividiu opiniões no âmbito jurídico. Isto porque, sem levar em conta as suas particularidades, a laje era interpretada e entendida pela jurisprudência brasileira como uma superfície em sobrelevação. Cabe aqui citar[40]:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. “VENDA DE LAJE”. DIREITO
OBRIGACIONAL.
Ilegitimidade configurada diante da natureza do direito. Direito de
sobrelevação configurado, ainda que não disciplinado pelo Código Civil de 1916 ou de 2002. Direito de natureza obrigacional. Desnecessidade de outorga uxória. Inexistência de nulidade, eis que não se trata de direito real, dispensando-se a escritura pública. Inexistência de descumprimento contratual, conforme prova pericial. (...) (grifou-se)
Categoricamente, a sua inserção no Código Civil como um direito real e a sua posterior conversão na Lei 13.465/2017 (Medida Provisória n° 759/16), deixa claro a opção do legislador em reconhecer a natureza real do direito de laje como um direito autônomo, afastando, portanto, as características de uma relação meramente obrigacional. Não há mais razão para que se confunda, portanto, direito real de laje e o direito de superfície, visto que “não leva em consideração a autonomia e a extensão do novo direito real criado”[41].
De fato, a anomia jurídica em que se encontrava o direito de laje, era fruto do direito informal, fático e muito latente: construções irregulares, ausência de acesso á saneamento, saúde e, sobretudo, à moradia digna. O apartamento de um entendimento mais técnico sobre o tema confirmava a realidade dos assentamentos precários.
Com o fim de regulamentar diretrizes específicas de política urbana que trata os artigos 182 e 183 da CRFB/1988, surgiu o Estatuto da Cidade, 10.257, de 2001, que positivou as formas de aquisição da propriedade para regularização fundiária de interesse social e coletiva. Nesta seara, a revogada Lei 11.977 de 2009, que dispõe sobre o programa do Governo “Minha Casa, Minha Vida”, inaugurava mudanças relevantes quanto a legitimação da posse, incluída na alínea u do inciso III, do art. 4º do Estatuto da Cidade. Em seu art. 46 trazia o conceito de regularização fundiária[42]:
Conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
Assim, apenas em 2016 surge a Medida Provisória n° 759 revogada pela presente Lei n. 13.465/2017 com o intuito de ampliar as medidas sanitárias e conferir uma maior regularização às áreas antes tidas como informais.
Relevante mencionar as modalidades de Reurb’s trazidas pela Lei 13.465/17: poderá ser Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social (Reurb-S) ou Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico (Reurb-E). A primeira espécie é consagrada no art. 13, I do mesmo diploma legal sendo considerada aquela que se refere à “regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal”[43]. Já a segunda, conforme mandamentos do art. 13, II diz respeito a “regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.”[44]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do trabalho exposto, o objetivo do presente estudo é o de estabelecer a nítida e relevante relação existente entre o direito de laje e o direito social à moradia abarcado e defendido pela Constituição Federal em seu artigo 6°. Percebe-se que, embora seja um processo custoso, o acesso ao mínimo existencial não deve ser colocado em prática de qualquer forma.
É diante deste pressuposto que surge a instituição do direito real de laje como forma de atender à realidade brasileira manchada pelo déficit de moradia. Os dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística trazem à tona: os aglomerados subnormais – termo técnico utilizado pelo Instituto para referir-se às favelas - parecem ser a solução mais exequível para 11 (onze) milhões de pessoas no Brasil, de acordo com o censo realizado em 2010.
Assim sendo, diante do não reconhecimento oficial, era evidente o distanciamento entre o direito formal e o informal: o acesso à moradia é direito claro e expresso abarcado pela Constituição Federal, todavia, era o direito informal o legitimador do processo de favelização.
De fato, a normatização jurídica do direito real de laje pela Lei n. 13.465/2017 trouxe importantes soluções para as questões fáticas até então presentes o que não deixa de tornar sempre impreterível o avanço ao efetivo acesso à regularização fundiária, cumprindo o seu objetivo pleno de socializar, regular e integrar.
Logo, é imperioso que o arcabouço jurídico esteja constantemente sendo renovado e analisado sob o viés constitucional e social com o precípuo intuito de permitir que a população brasileira de fato viva e alcance o que aquilo lhes é de direito: a moradia digna.
REFERÊNCIAS
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19assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União, e dá outras providências. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2016/medidaprovisoria-759-22 dezembro2016-784124-exposicaodemotivos-151740-pe.html. Acesso em: 26 set. 2021.
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nos 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 , 13.001, de 20 de junho de 2014 , 11.952, de 25 de junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 12.512, de 14 de outubro de 2011 ,10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.124, de 16 de junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de maio de 2012, 13.240, de 30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de maio de 1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de agosto de 2012, a Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os Decretos-Leis n º 2.398, de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365, de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos da Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, e da Lei nº 13.347, de 10 de outubro de 2016; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm. Acesso em: 11 out. 2021
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[1] TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil: volume único – 11ª. ed. rev. atual e ampl. Editoria: Rio de Janeiro: Forense Ltda; São Paulo: MÉTODO, 2021, p.1554/1555.
[2] TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil: volume único – 11ª. ed. rev. atual e ampl. Editoria: Rio de Janeiro: Forense Ltda; São Paulo: MÉTODO, 2021, p.1555.
[3] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual, vol. 5. Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 278.
[4] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil, vol. 5. São Paulo. Editoria: Saraiva Educação, 2019, p. 164.
[5] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual, vol. 5. Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 309.
[6] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual, vol. 5. Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 309.
[7] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual, vol. 5. Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 310.
[8] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil, vol. 5. São Paulo. Editoria: Saraiva Educação, 2019, p. 167.
[9] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual, vol. 5. Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 312.
[10] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual, vol. 5. Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 317
[11] WALD, Arnoldo. Direito civil : direito das coisas, vol. 4 / Arnoldo Wald com a colaboração dos professores Álvaro Villaça Azevedo. — 13. ed. atualizada e reformulada – São Paulo :Saraiva, 2011, p. 44
[12] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direitos das coisas – 28ª edição, vol. 4. Editoria: Saraiva, p. 137.
[13]FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual, vol. 5. Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 319.
[14] GOMES, Orlando. Direitos reais – 21ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro. Editoria: FORENSE, 2012, p. 105.
[15] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual, vol. 5. Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 37.
[16] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual, vol. 5. Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 301.
[17] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Artigo 1.358-C do CC: “Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.> Acesso em: 19 nov 2021
[18]apud FACHIN, Luiz Edson, Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, p. 41
[19] apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito civil – Alguns Aspectos de sua Evolução, p. 71
[20] FARIAS, Cristiano Chaves de; DEBS, Martha El; DIAS, Wagner Inácio. Direito de Laje: do puxadinho à digna moradia – 2. ed. rev. atual. e ampl. – Salvador. Editoria: JusPodivm, 2018, p. 67
[21] apud MAZZEI, Rodrigo. Direito de Superfície. Salvador: JusPodivm, 2013.
[22] LIRA, Ricardo César Pereira. Direito formal e direito informal nos centros urbanos brasileiros.
Revista de Direito da Cidade, vol. 7, nº 2, 2015, p. 683.
[23] FARIAS, Cristiano Chaves de; DEBS, Martha El; DIAS, Wagner Inácio. Direito de Laje: do puxadinho à digna moradia – 2. ed. rev. atual. e ampl. – Salvador. Editoria: JusPodivm, 2018, p. 28
[24] apud WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito.
São Paulo: Alfa Omega, 2001. p. 153.
[25] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual. – Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 306
[26] FARIAS, Cristiano Chaves de; DEBS, Martha El; DIAS, Wagner Inácio. Direito de laje: do puxadinho à digna moradia – 2.ed.rev.atual. e ampl. – Salvador: Ed: JusPodivm, 2018, p. 14.
[27] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual. – Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 301
[28] apud BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, op. cit., p. 15
[29] FARIAS, Cristiano Chaves de; DEBS, Martha El; DIAS, Wagner Inácio. Direito de Laje: do puxadinho à digna moradia – 2. ed. rev. atual. e ampl. – Salvador. Editoria: JusPodivm, 2018, p. 67
[30] apud FACHIN, 2006, p. 41
[31] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – 16. ed. rev., ampl e atual. – Salvador. Editoria: JusPodivm, 2020, p. 300-301.
[32] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado – 23 ed – São Paulo. Editoria: São Paulo Educação, 2019, p. 1156.
[33] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp. 1.478.254/RJ. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registr=201401819930&dt_publicacao=04/09/2017.> Acesso em: 01 out 2020
[34] GANGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: direitos reais – 3. ed. rev. atual. e ampl. vol 5. Editora Saraiva, 2021, p. 216.
[35] FARIAS, Cristiano Chaves de; DEBS, Martha El; DIAS, Wagner Inácio. Direito de Laje: do puxadinho à digna moradia – 2. ed. rev. atual. e ampl. – Salvador. Editoria: JusPodivm, 2018 p. 211
[36] apud Registro de Imóveis, Rio de Janeiro, Forense, 1976
[37] FARIAS, Cristiano Chaves de; DEBS, Martha El; DIAS, Wagner Inácio. Direito de Laje: do puxadinho à digna moradia – 2. ed. rev. atual. e ampl. – Salvador. Editoria: JusPodivm, 2018 p. 205
[38] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Acordão 0071376-44.2013.8.17.0001. Juiz de direito: Rafael de Menezes. Disponível em: <https://irib.org.br/app/webroot/files/downloads/files/Senten%c3%a7a-Usucapi%c3%a3o-Extraordin%c3%a1rio-Procedente-Direito-de-laje(2).pdf> Acesso em: 11 out 2021.
[39] BRASIL. Conselho de Justiça Federal. VIII Jornada de Direito Civil. Enunciado 627.Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1210.> Acesso em: 19 nov 2021.
[40] TJRJ, 12ª Câmara Cível, Apelação nº 0003373-4.2010.8.19-28, Relator Desembargador Cherubin Schwartz, j. 12. Nov. 2013. Acesso: 11 out 2021.
[41] FIUZA, César Augusto de Castro; COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Ensaio Sobre o Direito Real de Laje como Previsto na Lei 13.465/2017. In: Civilística. Disponível em: <http://civilistica.com/wpcontent/uploads/2017/12/Fiuza-e-Couto-civilistica.com-a.6.n.2.2017.pdf.> Acesso em: 10 out 2021
[42] BRASIL. Lei nº 11.977 de 7 de Julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm.> Acesso em: 10 out 2021
[43] BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 De Julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; altera as Leis n os 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 , 13.001, de 20 de junho de 2014 , 11.952, de 25 de junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 12.512, de 14 de outubro de 2011 ,10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.124, de 16 de junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de maio de 2012, 13.240, de 30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de maio de 1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de agosto de 2012, a Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os Decretos-Leis n º 2.398, de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365, de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos da Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, e da Lei nº 13.347, de 10 de outubro de 2016; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm.> Acesso em: Acesso em: 11 out 2021.
[44] Ibidem.
Discente do Curso de Graduação em Direito da Universidade Candido Mendes, Niterói.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, MARIANA ROXO DA. Direito de laje como um reflexo do direito fundamental social à moradia. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2022, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58976/direito-de-laje-como-um-reflexo-do-direito-fundamental-social-moradia. Acesso em: 23 dez 2024.
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