RÔNISON APARECIDO DOS SANTOS[1]
PAULO ROBSON MARTA DA SILVA[2]
SERGIANO REIS DA CONCEIÇÃO[3]
(Coautores)
RESUMO: O presente artigo aborda a evolução histórica e científica do Direito Processual Civil desde os tempos remotos até a atualidade, com ênfase no direito processual civil brasileiro, influenciado por mudanças sociais, políticas e sociais nas quais a humanidade se insere. Nesse sentido, introduziu-se um estudo teórico acerca do surgimento e fortalecimento do princípio do juiz natural no ordenamento jurídico-constitucional. Ademais, explanou-se como a legislação do País abarca o tema da imparcialidade do juízo ou tribunal no julgamento dos litígios judiciais, considerada como um pilar para o exercício da jurisdição e para a formação do Estado Democrático de Direito. Explicite-se que foi realizada uma ampla pesquisa científica, de caráter exploratório, descritivo e analítico, e foram enfatizadas as fundamentações de especialistas e entidades na seara em apreço, visando alcançar o objetivo central da pesquisa. Por fim, foram exteriorizadas as referências utilizadas no desenvolvimento do presente trabalho.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Evolução Histórica. Juiz Natural. Jurisdição. Imparcialidade.
ABSTRACT: This article discusses the historical and scientific evolution of Civil Procedural Law from ancient times to the present, with emphasis on Brazilian Civil Procedural Law, influenced by social, political and social changes in which humanity is inserted. In this sense, a theoretical study was introduced about the emergence and strengthening of the principle of the natural judge in legal and constitutional norms. Furthermore, it was explained how the country's legislation covers the issue of impartiality of the court or court in the judgment of judicial disputes, considered as a pillar for the exercise of jurisdiction and for the formation of the Democratic State of Law. It should be noted that extensive, descriptive, exploratory and analytical scientific research was carried out and the ideas of specialists and entities in the field in question were emphasized, aiming to achieve the central objective of the research. Finally, the references used in the development of this work were externalized.
Keywords: Civil Procedural Law. Historic evolution. Natural Judge. Jurisdiction. Impartiality.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2 Evolução histórica do Processo Civil. 2.1 Direito processual e sua evolução. 2.2 Evolução científica do Direito processual. 2.3 Evolução do Direito processual brasileiro. 3. Breve histórico do princípio do Juiz Natural. 4. Aspectos específicos do Juiz Natural. 5.Considerações Finais. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Objetivando sanear os conflitos entre indivíduos, os grupos sociais perceberam a necessidade de regulamentar a administração da justiça por meio das normas jurídicas. O direito surge como conjunto de normas que regula a vida em sociedade, necessitando não só de uma norma, mas fundamentalmente de sua correta aplicabilidade.
A partir da antiguidade clássica greco-romana, as normas processuais civis, nomeadas atualmente como Direito Processual Civil, se afastaram de preceitos divinos ou sobrenaturais, adquirindo uma base mais científica, sendo os fatos julgados com maior viés de razoabilidade. Contudo o referido Direito Processual só obteve um núcleo científico e autônomo a partir do séc. XIX, quando as autoridades públicas se convenceram da necessidade de distinção entre direito processual e direito material.
Na seara jurisdicional, os direitos individuais ou coletivos correspondem a prerrogativas destinadas aos cidadãos. Por outro lado, as garantias processuais representam instrumentos visando à proteção ou à reconstituição de direito que sofreu violação em seu cerne. Nesse contexto, vale ressaltar a importância do princípio do juiz natural não só na condução de um julgamento isonômico e imparcial de causas judicial como também na limitação do arbítrio estatal. Tal princípio está balizado na Constituição Federal de 1988.
A legislação infraconstitucional, sobretudo a Lei n. 13.105/2015, Código de Processo Civil – CPC, estabelece situações de suspeição e impedimento que caracterizam hipóteses de lesão à imparcialidade do magistrado em julgamentos de litígios, as quais podem lesionar o direito das partes de ter o seu processo julgado por autoridade legalmente competente para tal. Neste trabalho, buscou-se explanar acerca do histórico das normas processuais, além de discorrer sobre o princípio do juiz natural, que é de extrema relevância no âmbito judicial e traz reflexos impactantes sobre toda a sociedade.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO CIVIL
A sociedade, após tentar regular seu convívio, chegou à conclusão de que qualquer conflito deveria ser submetido a uma autoridade pública, e não de buscar justiça com as próprias mãos, como inicialmente era feito. Desenvolveu, assim, a figura do Estado e, a partir do momento em que o Estado passou a intervir nos conflitos, impuseram-se regras sobre a conduta humana para solucionar conflitos sociais e aplicar sanções penais. Depois de criadas essas regras, observou-se a necessidade de criar maneiras de sua aplicação.
2.1 Direito processual e sua evolução
A evolução do direito processual civil teve início na Grécia e segue até os dias atuais. Os legisladores antigos não idealizavam ainda o que viriam a ser as normas processuais. Entretanto, o oposto ocorreu na segunda metade do séc. XX, que se caracterizou, na doutrina internacional do processo civil, como um tempo de mudanças. A evolução do direito processual se deu por meio dos tipos de processo grego, romano, germânico e comum medieval.
A Grécia deu os primeiros passos para a criação de normas processuais, ainda que de maneira tímida, destacando-se com a aplicação de alguns princípios que eram utilizados para evitar que ideias religiosas se misturassem com o direito, e procurando convicções lógicas para solucionar problemas.
Constata-se, por intermédio desse processo histórico, que o princípio do contraditório tem origem na Antiguidade grega (GRECO FILHO, 2013).
Acerca da evolução do direito processual, é fundamental mencionar o direito processual romano que, em conformidade com a doutrina, deu-se por meio de três fases.
Os dois primeiros períodos – período primitivo (legis actiones) e período formulário (per formulas) – correspondem à chamada Justiça Privada (ordo judiciorum privatorum) em que cabia às partes o encargo de fazer justiça, usando suas próprias forças. E a Justiça Pública surgiu no terceiro desses períodos – da cognição extraordinária (extraordinaria cognitio) – quando o magistrado romano (servidor público graduado, investido de imperium), além de ouvir e encaminhar as partes em litígio passou também a decidir o conflito. Surgiu, aí, a função jurisdicional stricto sensu, quando o próprio Estado passou a dirimir o conflito, por meio de seu agente (GRECO FILHO, 2013).
Com a queda do Império Romano e a dominação do povo germânico, houve, a priori, um retrocesso na evolução do direito romano em virtude dos costumes e do direito rudimentar trazido por eles. Foi dado muito valor aos “juízos de Deus”, pois acreditavam que a divindade participava dos julgamentos.
No processo dos povos germânicos a prova não era um meio de convencer o juiz e sim um meio, rígido, de fixação da própria sentença, pois o juiz apenas reconhecia sua existência. No que tange à forma do processo, Carreira Alvim (2019) explana que era exercida de forma oral, visto que eram analfabetos.
Já no processo comum medieval, pode-se identificar que o processo era escrito, complexo e lento, a prova e a sentença voltaram a se inspirar no direito romano; e do direito canônico veio o processo sumário, eliminando algumas formalidades, porém ainda foram preservadas as torturas como meio de obtenção da verdade no processo. Carreira Alvim (2019, p. 29) diz que “no processo comum medieval (...) reduziu a tarefa do juiz a uma verificação quase aritmética do concurso do número de elementos necessários para formar, no caso concreto, o que se chamava “verdade legal”.
O processo medieval, contrapondo-se ao processo romano, era inteiramente escrito. O procedimento desenvolvia-se em várias fases e juízes diferentes podiam intervir em um ou noutro processo, o qual contemplava como características a excessiva lentidão e demora processual, não obstante, adquiriu, posteriormente, como legado germânico, a sumarização do processo.
Somente a partir do séc. XI, com as Universidades, é que o direito processual passou a ser reestruturado, dando surgimento ao processo comum, com a fusão de institutos e normas dos direitos romano, germânico e canônico, perdurando até o séc. XVI (GRECO FILHO, 2013).
A situação alterou-se somente após a Revolução Francesa, quando as declarações de diretos passaram a influenciar na aplicação da lei. Sob os reflexos dos pensamentos de Beccaria, Montesquieu, Voltaire e do episódio da Revolução Francesa (séc. XVIII), o direito processual, já no séc. XIX, passa a tomar efetivamente contornos científicos, iniciando a chamada fase moderna ou científica.
2.2 Evolução científica do Direito processual
Antes do desenvolvimento científico, o processo era considerado como um direito subjetivo material, integrado ao direito objetivo ou material. Somente a partir do séc. XIX é que se passou a discutir a respeito da independência do processo em relação ao direito material. Deu-se início à construção de uma nova ciência, o direito processual, um ramo autônomo dentro do direito.
Sobre o início do estudo científico da matéria processual, Marques (2003, p. 87) afirma que “o Direito Processual Civil ganhou consistência e densidade científica a partir do século passado, depois que deixou de ser mero complemento do Direito Civil para adquirir posição de disciplina autônoma dentro da ciência jurídica”.
A evolução científica do direito processual é dividida em três fases. Na primeira, fase sincretista, não se deve falar propriamente em direito processual. Sua principal característica era o processo ser considerado mero apêndice do direito material (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2014).
Essa fase se prolongou até meados do séc. XIX. Posteriormente, o sistema processual passou por uma fase de formulação de conceitos e estruturas bem ordenadas, fase chamada de autonomia do processo.
Essa segunda fase demonstrou a existência de uma relação jurídica entre os sujeitos principais do processo, a qual não se confunde com a relação material litigiosa – por seus sujeitos, seu objeto e seus pressupostos processuais. A sistematização dessas ideias conduziu às primeiras colocações do direito processual como ciência, tendo em vista seus próprios métodos (distintos do direito privado) e objetos materiais (jurisdição, ação, defesa e processo).
Já na terceira fase, os processualistas conscientizaram-se da necessidade de direcionar o processo para resultados substancialmente justos, o que deu origem a fase instrumentalista do processo. O direito processual, portanto, deve privilegiar a importância dos resultados da experiência dos jurisdicionados com o processo, valorizando a instrumentalidade deste.
A evolução desse entendimento, principalmente em face da atual constitucionalização dos ramos do direito, defende o estudo do direito processual a partir de uma nova premissa metodológica, o neoconstitucionalismo (destacando-se a força da Constituição e a concretização material dos direitos fundamentais). Alguns processualistas acreditam se tratar de uma nova fase processual (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2014).
No Brasil, essas teorias só passaram a ser discutidas e inseridas a partir da década de 1940, por meio do italiano Enrico Tullio Liebman, doutrinador que foi o criador de um dos principais grupos de estudo que surgiram no Brasil em relação ao direito processual, a “Escola Processual de São Paulo”.
2.3 Evolução do Direito processual brasileiro
No Brasil, de início, o processo tinha como base as Ordenações Filipinas e as leis portuguesas. Liebman (1988, p. 19) esclarece que essas Ordenações eram, in verbis:
[...] uma verdadeira e própria codificação [...] redigida por uma comissão de juristas educados e formados nas Universidades Italianas, ou, pelo menos, nos métodos e sobre as obras dos mestres que neles ou em torno deles tenham desenvolvido o seu magistério, [e] representavam nada mais do que uma síntese das doutrinas do direito comum, salvo aquelas poucas matérias nas quais foi acolhido algum instituto ou alguma regra trazida pelas leis ou costumes locais.
Em 1850, foi editado o Regulamento 737, primeiro Código de Processo Nacional para as causas comerciais, abrangendo, posteriormente, as civis, por determinação do Regulamento 763/1890. O regulamento 737, publicado juntamente com o regulamento 738, entrou em vigor com o código comercial, em 25 de novembro de 1850. Esse regulamento foi de extrema importância para a edição do Código de Processo Civil do ano de 1973.
Em 1871, o governo, incumbiu Antônio Joaquim Ribas de reunir todas as normas diretamente ligadas ao processo civil, a fim de consolidar tais normas. No ano de 1876, passa a ter força de lei a Consolidação das Leis do Processo Civil.
Em virtude da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, passando a instituir o governo Republicano, uma das primeiras medidas em relação ao processo civil foi que aplicasse, no processo, o julgamento e a execução das causas cíveis no geral bem como as disposições do Regulamento 737 de 1850. Desse modo, os procedimentos especiais que não tinham previsão no regulamento foram mantidos (CATÃO, 2016).
Com a Constituição de 1934, foi necessária a promulgação de um novo código de processo: Código de Processo Civil (1939) e Código de Processo Penal (1941), tendo o governo organizado comissões de juristas para tal fim.
Diante de várias críticas ao código de 1939 e da criação de inúmeras leis extravagantes, fez-se necessária a reformulação desse código, que vigorou por 34 anos. Em 1973, a elaboração do código de processo civil fora incumbida a Alfredo Buzaid, aprovado e promulgado pela Lei n. 5.869/1973, surgindo, assim, o Código de Processo Civil de 1973.
Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, o processo era dividido em três espécies: processo de conhecimento, tendo como principal objetivo resolver o litígio; processo de execução, ocorrendo quando o primeiro não é mais necessário, ou seja, o direito já foi reconhecido; e processo cautelar, que vinha como uma via acessória, para proteger o objetivo da demanda que poderia vir a sofrer danos em decorrência da demora no andamento do processo (CATÃO, 2016).
Para cada ocasião era necessário promover uma ação autônoma, uma para reconhecer o direito, outra para efetivá-lo e, caso necessário, outra para protegê-lo até o pronunciamento jurisdicional final, o que tornava o acesso à justiça excessivamente penoso e demorado.
Muitas alterações foram realizadas desde que se tornou vigente o código de 1973 buscando a simplificação dos atos e procedimentos para uma maior agilidade do serviço jurisdicional. As principais alterações ocorreram depois da Emenda Constitucional n. 45, que criou a “razoável duração do processo” e assegurou a todos os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVII, CF).
Tão profundas foram essas mudanças que repercutiram até mesmo em temas puramente teóricos como a classificação do processo, que passou por muitas modificações desde 1994 com a edição da Lei n. 8.952 até a publicação do Novo Código de Processo Civil com a Lei n. 13.105/2015.
No ano de 2015, foi promulgado o Novo Código de Processo Civil, o qual aborda os assuntos processuais de forma moderna e prática, com desencadeamento lógico e alterações, inclusive sobre o processo eletrônico. As normas processuais buscam a plena satisfação do direito material, ou seja, um processo de resultados (efetividade do processo) (MARCACINI, 2016).
Uma das razões para a proposta de um novo Código era a tentativa de solucionar os conhecidos males que acometem os processos judiciais, especialmente a sua morosidade. Como se vê, trata-se de um problema que se repete ao longo dos tempos.
3 BREVE HISTÓRICO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
O princípio do Juiz Natural foi primeiramente invocado na Inglaterra durante a Idade Média, no ano de 1215, por ocasião da edição da Magna Carta Inglesa, no reinado do monarca João Sem Terra. Nela estava assegurado que “nenhum homem livre poderia ser preso, encarcerado, ou despojado de seus bens, proscrito ou desterrado, de qualquer forma liquidado, a não ser por seus pares, segundo a lei da terra”. Vislumbram-se, por conseguinte, os contornos do princípio do juiz natural, objetivando julgamento justo e imparcial, baseado na lei, sem interferência política.
Desde a Idade Média, os legisladores se preocupavam não só com a legitimidade de proteção às garantias individuais, mas também com a busca de limitação do poder estatal, de modo que fossem elaborados dispositivos jurídicos garantidores de imparcialidade, igualdade e objetividade nos julgamentos.
No entanto, o advento do princípio do juiz natural, sobretudo quanto à proibição de criação de juízos após ocorridos os fatos, só reapareceria na promulgação da Petition of Rights (1627) e da Bill of Rights (1688), ambos os diplomas foram instituídos pela Inglaterra. Tal preceito foi também reafirmado pela Constituição dos Estados Unidos da América (1776). Contudo, quase 600 anos se passaram até que o princípio em apreço fosse instituído formalmente e recebesse as características próximas do modelo que conhecemos atualmente. Tal oficialização ocorreu somente no ano de 1814, por ocasião da publicação do referido princípio na Carta Constitucional Francesa, em que o documento mencionava, pela primeira vez, o nome “Juiz Natural”.
No processo de evolução histórica do princípio em questão, torna-se relevante delinear sobre o Tribunal Militar Internacional (Tribunal de Nuremberg), mais famoso tribunal de exceção em oposição ao juiz natural, instaurado para julgar os crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Foram ouvidas várias pessoas entre sobreviventes e acusados, e lavrados documentos para o julgamento dos réus, culminando na condenação a penas de prisão até morte por enforcamento e na absolvição de alguns indivíduos. Registre-se que foi discutido intensamente se criação desse tribunal de exceção, para julgar fatos já praticados, encontrava convalidação no direito internacional, haja vista, nos ordenamentos jurídicos de vários países, a prevalência do princípio do juiz natural com a consequente vedação à criação dos tribunais de exceção.
Nesse interregno, uma significativa parcela da população mundial condenou a criação do Tribunal de Nuremberg por desrespeitar o princípio do juiz natural e ofender os direitos e garantias individuais consagrados na maioria das cartas constitucionais de seus países. Por outro lado, renomados juristas entenderam que a instalação do aludido Tribunal foi plenamente justificada pelo contexto social, considerando o julgamento realizado pelos juízes como isonômico.
Continuando sua evolução histórica, o princípio do Juiz Natural está também respaldado pelo art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) no trecho, in verbis, “todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal”. Nessa perspectiva, salienta-se que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, realça no item 1 de seu art. 8º que as partes devem ter o litígio julgado por um juiz competente, imparcial e independente.
O princípio em comento foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro na primeira Constituição Nacional (1824), outorgada por Dom Pedro I, que, em seu art. 179, inc. XII, preceituava: “à exceção das causas que por sua natureza pertençam a juízos especiais, não haverá foro privilegiado nem comissões especiais nas causas cíveis ou criminais”. De outro giro, o art. 149, inc. II, asseverava que “ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, por virtude de lei anterior e na forma por ela estabelecida”. Contudo tais dispositivos não eram efetivamente respeitados, uma vez que a Constituição Federal havia sido editada pelo próprio monarca.
Esse princípio voltou a ser normatizado na Constituição de 1891, por meio do art. 72. Já a Constituição brasileira de 1934 o contemplava no art. 113, nº 25, em que se fixava a vedação aos tribunais de exceção. Já a Carta Ditatorial de 1937 não mencionava a garantia do juiz constitucional, trazendo à baila a possibilidade de instalação de tribunais de exceção. Vale lembrar que, na citada Constituição, o chefe da nação se tornou o detentor do poder absoluto, visto que afastou a legitimidade dos outros poderes e passou a governar com edição de decretos-lei. A Constituição de 1946 consagra o princípio em apreço no art. 141, inc. 26 e 27. Na Constituição de 1964, o princípio estava consubstanciado no art. 150, inc. 15, destacando-se que os crimes contra a segurança nacional seriam julgados pela Justiça Federal Militar.
Com a iminente industrialização e modernização no Brasil, tornou-se patente a criação de um código que unificasse e delimitasse o direito processual civil no intuito de fornecer mais segurança jurídica para os cidadãos. Todavia o ambiente efervescente e ditatorial vivenciado por ocasião do Estado Novo, do presidente Getúlio Vargas, não proporcionou condições para que o Código de Processo Civil de 1939 contemplasse a instituição do princípio do Juiz Natural, embora estivesse abarcado em duas constituições anteriores. Outrossim, o primeiro código genuinamente brasileiro foi alvo de críticas por sua falta de sincronia entre suas diferentes partes. Já os códigos de processo civil de 1973 e 2015 fazem menção à ao Juiz Natural como único garantidor da prestação jurisdicional neutra e justa.
Com a Constituição Federal de 1988, a garantia de julgamento de demandas jurisdicionais por juízos ou tribunais preexistentes foi consagrada como direito fundamental das partes litigantes, vedando a criação de tribunais de exceção ou juízos ad hoc.
4 ASPECTOS ESPECÍFICOS DO JUIZ NATURAL
O princípio do juiz natural, também denominado de princípio da imparcialidade do juiz, está preconizado nos incisos XXXVII e LIII do caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988. No inc. XXXVII, prescreve-se que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, enquanto, no inc. LIII, determina-se que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
O princípio constitucional do juiz natural fortalece a imparcialidade, legalidade, isonomia, justiça e legitimidade da jurisdição, proibindo criação de juízos ou tribunais de exceção (FERNANDES, 2004). Ademais, o órgão julgador será previamente instituído pelo ordenamento jurídico-constitucional, não podendo as partes litigantes serem julgadas por juízos ou tribunais constituídos arbitrariamente e sem poder jurisdicional. Assim, a CF/88, ao dispor sobre a atuação da autoridade judicial, delimitou o possível arbítrio do Poder estatal (GONÇALVES, 2019).
Importante consignar considerações acerca da competência. Conceitua-se a competência como medida do poder jurisdicional com vistas à apreciação com posterior decisão de litígios. Note-se que ela está, intrinsecamente, vinculada ao juiz natural, visto que, a partir dela, tem-se um juízo ou um tribunal imparcial, pré-constituído e justo no julgamento da causa. Nessa toada, torna-se imprescindível a análise das normas de competência inseridas não só na CF/88 como também na legislação infraconstitucional (MONNERAT, 2018). Sendo assim, o operador de direito visualiza, pormenorizadamente, a estrutura da organização judiciária com a sua respectiva repartição de competências jurisdicionais.
Nesse sentido, caso haja desobediência às normas de competência jurisdicionais, é insofismável a existência de ofensa ao princípio do juiz natural. Além disso, impende observar que o aludido princípio veda a escolha do juiz pelo autor ou por outro participante da demanda judicial. Acrescenta-se que, quando as normas de competência apontarem que há mais de um juízo competente para julgar a causa, é determinado que se efetive a distribuição processual por intermédio de sorteio eletrônico. Geralmente, tal situação acontece quando se têm vários juízos na mesma base territorial com idêntica competência para uma matéria específica.
Faz-se mister acrescentar que legislação nova pode suprimir órgão jurisdicional ou alterar a competência absoluta do juízo atinente a julgamento de fatos. Nesse caso, é obrigatória a sua aplicação aos processos não finalizados. Frisa-se que o art. 43 do CPC consigna que a competência é determinada no momento do registro ou distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações fáticas ou de direito ocorridas posteriormente. Entretanto excepciona a redação relativa a casos em que há supressão de órgão jurisdicional ou alteração da competência absoluta do juízo, visto que, nesse cenário, haverá sim a aplicação de lei nova a processos em curso. Informa-se ainda que o Supremo Tribunal Federal – STF e o Superior Tribunal de Justiça – STJ interpretam que, na situação em apreço, não há violação ao princípio constitucional do juiz natural, visto que a competência do novo juízo para julgamento dos fatos está balizada em normas prévias.
No entanto não se podem confundir tribunais de exceção com juízos especiais, tendo em vista que estes estão consolidados no arcabouço constitucional com regras específicas, e aqueles são órgãos constituídos para julgamento de fatos específicos já ocorridos. Outrossim, embora a jurisdição seja una, há, na legislação do País, as justiças especializadas com competências expressamente definidas.
No tocante à imparcialidade do juiz natural, relevante mencionar o disposto nos arts. 144 e 145 do Código de Processo Civil – CPC, os quais arrolam, respectivamente, circunstâncias de impedimento e suspeição do magistrado, comprometendo a imparcialidade do juiz e o justo julgamento dos processos. Monnerat (2018) afirma que a distinção entre a suspeição e o impedimento pode ser realizada mediante aspectos de imparcialidade e de objetividade (ou a subjetividade). Em linhas gerais, os casos de impedimento são vícios mais graves dotados de elementos de caracterização objetiva; já a suspeição consiste em vícios, geralmente, menos graves com caracterização dificultosa devido a seus elementos mais subjetivos.
Nessa esteira, caso o juiz constate ser, nos termos das normas jurídicas, suspeito ou impedido, deve, de forma imediata e independentemente de provocação, afastar-se do processo e direcioná-lo a seu substituto legal. Contudo, se o magistrado não se considerar suspeito ou impedido e a parte observar hipótese comprometedora da imparcialidade do julgador, esta pode provocar, por pleno direito, a declaração de impedimento ou suspeição do juiz. Para tal, a parte pode se valer da arguição de impedimento ou suspeição preconizada no art. 146 do CPC. Consubstancie-se que, mesmo que não seja autodeclarado pelo juiz e não seja oposta a exceção pelas partes em casos de impedimento ou suspeição do magistrado, tal situação, por expressar ofensa expressa ao princípio constitucional do juiz natural, pode ser evidenciada a qualquer tempo e grau de jurisdição, tendo em vista que são nulos os pronunciamentos e decisões judiciais proferidos por um magistrado considerado parcial no julgamento da causa.
Relevante citar que foi decidido pelo STF no julgamento do Habeas Corpus 88.660/2008, de relatoria da Ministra Carmen Lúcia, que a criação de varas especializadas para julgar crimes financeiros e de lavagem de dinheiro não gera ofensa ao princípio do juiz natural. Note-se que, nessa sessão colegiada, o voto do Ministro Marco Aurélio foi vencido.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou mostrar a evolução histórica do Direito Processual Civil, além de correlacioná-lo ao princípio do juiz natural. Verificou-se que as normas processuais foram criadas, desde os tempos da Grécia antiga, para resolver, sobretudo, os conflitos sociais. Inicialmente, na fase antiga, o seu pilar estava baseado em elementos divinos e abstratos, não se fazendo a distinção entre elementos materiais e processuais. Na fase contemporânea (a partir do fim do século XVIII), mediante o desenvolvimento de técnicas científicas, discriminou-se no campo jurídico a parte material da processual. Pontua-se que, naquele momento, o Direito Processual Civil se desenvolveu com veemência.
Pertinente mencionar também que o direito processual civil é um ramo jurídico do Direito Público que atua mediante um conjunto de princípios e regras jurídicas, incisivamente sobre os fatos sociais. Como explanado, a partir dele e do poder da jurisdição estatal, vários conflitos de interesse são solucionados.
Como evidenciado, foi realizado um estudo científico sobre os aspectos do princípio do juiz natural no que tange à sua importância no texto constitucional do País. Nessa linha, demonstrou-se que tal princípio é estritamente importante para a ascensão de uma sociedade democrática pautada por mais justiça e mais isonomia. Isso porque o princípio constitui a função jurisdicional e visa à busca da imparcialidade no julgamento das diversas causas, vedando a criação de juízos e tribunais de exceção.
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PICARDI, Nicola; NUNES, Dierle. O Código de Processo Civil Brasileiro: origem, formação e projeto de reforma. Revista de Informação Legislativa do Senado Federal. 2015. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496922/RIL190_Tomo2.pdf#page=94>. Acesso em: 4 mar. 2022.
[1] Especialista em Direito Tributário pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Bacharel em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Bacharelando do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (RFB).
[2] Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO. Bacharel em Gestão em Agronegócio pelo Instituto Federal do Tocantins (IFTO). 2º Sargento da Polícia Militar do Estado do Tocantins. Exerce atribuições de Operador Aerotático. E-mail: [email protected].
[3] Bacharelando do curso de Direito na Universidade Estadual do Tocantins. Tecnólogo em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Universidade Norte do Paraná. E-mail: [email protected].
Bacharelanda do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS em Palmas/TO. Especialista em Legislação Educacional pela UNITINS. Especialista em Docência de Ensino Superior pela Faculdade Suldamérica. Bacharel em Sistemas de Informação pelo Centro Universitário Luterano de Palmas, CEULP/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, KATIA GOMES DA. Evolução histórica do direito processual civil e do princípio do juiz natural Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2022, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59016/evoluo-histrica-do-direito-processual-civil-e-do-princpio-do-juiz-natural. Acesso em: 23 dez 2024.
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