Resumo: O presente artigo tem como objetivo traçar um panorama do controle exercido pelo Tribunal de Contas das contratações celebradas pela Administração Pública direta e indireta, especialmente sobre parcerias em oportunidades de negócio celebradas com fundamento no art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais). Para tanto, será objeto de análise a atuação do TCU na atividade de controle externo contratos específicos celebrados pela empresa estatal Telecomunicações Brasileiras S.A. – Telebras, bem como as consequências e os riscos envolvidos na atuação do TCU frente a contratações dessa natureza.
Palavras-chave: Controle externo. Tribunal de Contas. Empresas estatais. Limites. Parcerias em oportunidades de negócio.
Abstract: This article aims to provide an overview of the control exercised by the Brazilian Federal Court of Auditors of contracts entered into by the Public Administration, especially on partnerships in business opportunities entered into based on art. 28, § 3, II, of Law n. 13,303/2016 (Law of State-owned Companies). For this purpose, the performance of the Brazilian Federal Court of Auditors in the external control activity of specific contracts entered into by the state company Telecomunicações Brasileiras S.A. – Telebras, as well as the consequences and risks involved in the performance of the Brazilian Federal Court of Auditors in relation to contracts of this nature, will be analyzed.
Keywords: External control. Brazilian Federal Court of Auditors. State-owned companies. Limits. Partnerships in business opportunities.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos as intervenções praticadas pelo Tribunal de Contas em contratos celebrados pela Administração Pública direta e indireta, tais como exigência de garantias além das previstas no edital de licitação, adoção de medidas cautelares que determinam retenção de pagamentos, alteração de cláusulas contratuais inclusive com determinação de redução de valores, entre outras deliberações de cunho interventivo no curso original do contrato, têm sido objeto de intenso debate.
Não se nega a importância da atuação da Corte de Contas no controle dos gastos públicos – seja por meio da adoção de prerrogativas especiais, atuando como auxiliar do Legislativo; seja por meio do exercício de competências próprias, independentemente da deliberação ou aprovação do Legislativo. Contudo, não se pode ignorar os riscos relacionados à forma como tal órgão vem atuando e os impactos da atividade fiscalizatória especialmente à liberdade negocial das empresas estatais nas contratações que realiza.
Nesse contexto está inserida a interferência do Tribunal de Contas em parcerias em oportunidades de negócio celebradas por empresas estatais, com fundamento no art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), objeto de análise casuística no presente artigo.
O objetivo do artigo é, portanto, traçar um panorama do controle exercido pelo Tribunal de Contas das contratações celebradas pela Administração Pública direta e indireta, para, então, adentrar à análise dos limites desse controle sobre as parcerias em oportunidades de negócio celebradas com fundamento na Lei das Estatais. Para tanto, será objeto de análise a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) na atividade de controle externo dos seguintes instrumentos: (i) contrato celebrado entre o então Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e a empresa estatal Telecomunicações Brasileiras S.A. – Telebras, em que o TCU deferiu pedido cautelar para suspender a execução do contrato em questão e, consequentemente, impedindo a Telebras de providenciar a instalação da infraestrutura necessária à prestação do serviço objeto da contratação (Acórdão 1.692/2018 – Plenário, Acórdão 2.213/2018 – Plenário e Acórdão 2.487/2018 – Plenário); e (ii) contrato celebrado entre a Telebras e a empresa Viasat, que tem por objeto o compartilhamento de receitas decorrentes da exploração de satélite para a prestação de serviços de telecomunicação (Acórdão 2.488/2018 – Plenário e Acórdão 1.170/2019 - Plenário). Ao final, após considerações conclusivas, encontra-se a referência à bibliografia utilizada.
2. PANORAMA DO CONTROLE EXERCIDO PELO TRIBUNAL DE CONTAS SOBRE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
2.1. Considerações sobre o controle sobre as empresas estatais
Conforme ensinamentos do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, a Administração Pública direta, indireta e fundacional está sujeita a controle interno – aquele exercido por órgãos da própria Administração, isto é, integrantes do Poder Executivo –, e a controle externo – aquele efetuado por órgãos alheios à Administração[1].
Assumida tal premissa terminológica, cumpre pontuar que a Lei 13.303/2016, que disciplina o estatuto jurídico da empresa pública e da sociedade de economia mista, evidencia a preocupação do legislador com a forma de controle interno e externo das empresas estatais. Há, no texto legal, normas sobre transparência (art. 8º), governança (art. 14 a 26), licitações e contratos (art. 28 a 81). Dedica-se, ainda, um capítulo específico ao controle de tais entidades pelo Estado e pela sociedade (arts. 85 a 90).
Com relação ao controle interno[2], embora não seja o objeto deste trabalho, cumpre pontuar brevemente que a Lei 13.303/2016 fortaleceu as regras de governança e de transparência, permitindo maior acompanhamento e supervisão das atividades desempenhadas pelos administradores das empresas estatais[3].
Quanto ao controle externo[4], muito embora a Lei 13.303/2016 não traga mudanças significativas nesta seara, o novo diploma clareia alguns aspectos relacionados aos limites e à extensão da fiscalização exercida pela Corte de Contas, bem como quanto aos sujeitos fiscalizados (arts. 85 a 90). Conforme artigo 85, a fiscalização e o controle das empresas públicas e das sociedades de economia mista foram atribuídos aos órgãos de controle externo e interno das três esferas de governo, estando sujeitas a fiscalização inclusive aquelas entidades domiciliadas no exterior, quanto à legitimidade, à economicidade e à eficácia da aplicação de seus recursos, sob o ponto de vista contábil, financeiro, operacional e patrimonial. Verifica-se, assim, o amplo controle externo a que estão sujeitas as empresas públicas e sociedades de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios[5].
Cabe observar que as empresas públicas e sociedades de economia mista já eram submetidas ao controle externo da Corte de Contas antes da promulgação da Lei 13.303/2016. Tal controle já era atribuído ao Poder Legislativo (controle político), com auxílio do Tribunal de Contas, nos termos dos artigos 70 e 71, II, da Constituição Federal, e ao Poder Judiciário (controle jurisdicional)[6]:
Constituição Federal
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (destaques nossos)
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público. (destaques nossos)
Vale também ressaltar que, apesar de a Constituição Federal dispor sobre a sujeição das empresas públicas e sociedades de economia mista ao controle do Tribunal de Contas, com relação às sociedades de economia mista e outras entidades da administração indireta, houve um período em que se entendeu que o TCU não era competente para fiscalizar as operações dessas entidades quando a elas aplicáveis disposições de direito privado, e quando ausentes recursos essencialmente públicos. Atualmente, a jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a competência do TCU na fiscalização das empresas estatais, inclusive das sociedades de economia mista[7].
2.2. O controle exercido pelo Tribunal de Contas
Com a promulgação da Constituição Federal de 1967, especialmente em decorrência do crescimento do Estado e de suas funções, o controle externo exercido pelo Tribunal de Contas sobre as contratações públicas passou a ser realizado a posteriori[8] – opção mantida pela Constituição Federal de 1988[9]. Significa dizer que, desde então, não se exige que os contratos, antes de produzirem efeitos e gerarem despesas orçamentárias, devam ser submetidos a registro perante a Corte de Contas. Dito de outra forma: a Administração pode celebrar e executar ações geradoras de despesas públicas, inclusive contratos, independentemente da prévia aprovação do controlador externo.
O art. 70, caput, da Constituição Federal, dispõe que compete ao Congresso Nacional efetuar o controle externo da Administração direta e indireta, exercendo fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, para o que contará com o auxílio do TCU, nos termos do art. 71. Como se vê, são consideravelmente amplas as competências fiscalizatórias da Corte de Contas.
Entre as competências elencadas nos inúmeros incisos do art. 71 da Constituição Federal, merece destaque, para fins do presente trabalho, o inciso II. Isso porque, segundo o dispositivo, com relação aos contratos celebrados pela Administração Pública direta e indireta, a atuação do Tribunal de Contas ocorre, no atual modelo constitucional, por meio do julgamento das contas dos administradores (da Administração direita, indireta e fundacional)[10]. Antes da análise prévia no cerne do julgamento das contas dos administradores, admite-se a análise de despesas específicas de modo concomitante à sua execução, no curso de inspeções ou auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária operacional e patrimonial, nos termos do art. 71, IV, da Constituição Federal[11].
Uma vez constatada irregularidade ou ilegalidade nas contas ou despesas analisadas, compete ao Tribunal de Contas aplicar sanções aos responsáveis (art. 71, VIII)[12], cabendo, ainda, assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificar ilegalidade (art. 71, IX), competindo-se sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Camara dos Deputados e ao Senado Federal (art. 71, X). Se se tratar de contrato (art. 71, § 1º), o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso, o qual, de imediato, solicitará ao Executivo as medidas cabíveis. Caso não sejam adotadas as providências previstas dentro do prazo de noventa dias, o próprio Tribunal deliberará a respeito (art. 71, § 2º). Sobre esse ponto, questões adicionais serão apresentadas no item 2.3.
Em consonância com o texto constitucional, o art. 87 da Lei 13.303/2016, em reforço ao previsto no art. 85, determina que o controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos pela referida lei será feito pelos órgãos do sistema de controle interno e pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente. O referido dispositivo se assemelha ao art. 113 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), prevendo que o controle de despesas decorrentes de contratos e de outros instrumentos será feito por controles internos e pelos Tribunais de Contas, ficando o órgão interessado (no caso, as empresas estatais) responsável “pela demonstração da legalidade e da regularidade da despesa e da execução, nos termos da Constituição”. Já o § 3º do art. 87 diz que os Tribunais de Contas poderão solicitar para exame, a “qualquer tempo, documentos de natureza contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional” das empresas estatais, que se obrigarão a adotar as “medidas corretivas pertinentes” que lhes forem determinadas.
Cumpre observar ainda que no atual modelo constitucional e legal, o controle externo exercido pelo Tribunal de Contas sobre contratos celebrados pela Administração Pública, salvo raríssimas exceções, se dá sobre os responsáveis pela contratação. Desse modo, a Corte de Contas não anula contratos e não substitui atos da Administração[13]; ela aplica sanções aos responsáveis pelas despesas consideradas ilegais, inclusive multa, nos termos do art. 71, VIII, da Constituição Federal[14].
A despeito de previsão expressa autorizando uma atuação repressiva por parte do Tribunal de Contas sobre os agentes, questiona-se, ainda, se seria possível uma atuação preventiva da Corte. O tema merece tratamento específico, o que será feito a seguir.
2.3. Controle preventivo pelo Tribunal de Contas: (in)competência para imposição de medidas cautelares em relação a contratos
No que concerne ao poder de, diretamente, impor medidas cautelares que interfiram nas decisões da Administração Pública, como visto, a Constituição Federal trata de forma distinta o controle relativo a atos e contratos. Diversamente dos poderes que concedeu aos Tribunais de Contas em relação a atos administrativos, que podem ser sustados em caso de irregularidades não sanadas pelo responsável no prazo estabelecido (art. 71, X, da Constituição Federal), a competência para a sustação de contratos – isto é, a suspensão parcial ou total da execução de negócio jurídico bilateral –, é reservada exclusivamente ao Poder Legislativo (no âmbito federal, ao Congresso Nacional, com o auxílio do TCU, nos termos do art. 71, §1 º e § 2º, da Constituição Federal). Assim, não tendo sido outorgada pela Constituição Federal às Cortes de Contas o poder de interferir diretamente na execução do contrato acaso não corrigida, pela Administração contratante, no prazo fixado, suposta irregularidade indicada pelo Tribunal de Contas, a competência para a adoção de eventual medida cautelar consistente na sustação do contrato é do Poder Legislativo.
A despeito de a Constituição reservar ao Legislativo tal competência, na prática tem-se verificado a adoção pelo Tribunal de Contas de medidas de caráter interventivo na execução de despesas relativas a contratações públicas, mesmo sem tipificá-las como sustação. As justificativas para este comportamento concentram-se no entendimento de que haveria em favor do Tribunal de Contas (i) um amplo poder de cautela sobre as matérias sujeitas à sua fiscalização; e (ii) competência para suprir omissões, que surgiria na hipótese de, após o prazo de noventa dias fixado no § 2º do art. 71 da Constituição Federal, não ter havido decisão do Congresso sobre a sustação do contrato. De acordo com esta linha de argumentação, “decidir a respeito” significaria sustar o contrato objeto de fiscalização. O tema é controverso e merece breve registro.
Segundo Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara,[15] apesar do esforço argumentativo da corrente que defende a existência desse amplo “poder de cautela”,[16] não é compatível com o texto constitucional o exercício de um genérico poder cautelar, uma vez que a Constituição Federal separou, de forma clara, as competências do Tribunal de Contas e do Poder Legislativo no que tange à intervenção cautelar sobre contratos. No entendimento dos autores, à Corte de Contas foram atribuídas competências para examinar a legitimidade de contratos; conceder prazo para o responsável sanar irregularidades e punir os responsáveis por eventual ilicitude. Contudo, não lhe compete sustar contratos, competência atribuída exclusivamente ao Legislativo, nos termos do art. 71, § 1º, da Constituição Federal. E, nessa linha de entendimentos, quando o constituinte reservou ao Legislativo a prerrogativa de sustar contratos, concentrou no referido órgão toda e qualquer competência extrajudicial para intervir diretamente sobre a execução financeira do contrato, inclusive por meio de medidas que aparentemente não obriguem à suspensão integral do contrato – i.e., determinar a suspensão de pagamentos e obrigar à revisão de valores previamente acordados. Portanto, para os ilustres autores, decisão do Tribunal de Contas que intervenha diretamente na execução de contratos configura usurpação de competência do Legislativo, sendo desprovida de validade. Na mesma linha, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[17] entende que não há qualquer fundamento legal ou constitucional para a suspensão do contrato pelo Tribunal de Contas, seja liminarmente, seja em decisão final, para suprir omissão do Congresso Nacional ou do Poder Executivo.
Quanto ao argumento daqueles que defendem que a competência do Tribunal de Contas para sustar contratos estaria amparada no § 2º do art. 71 da Constituição Federal – ou seja, tal competência surgiria na hipótese de, transcorrido o prazo de noventa dias, não ter havido decisão do Congresso sobre a sustação do contrato, de modo que “decidir a respeito” significaria sustar o contrato objeto de fiscalização[18] –, Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara também se manifestaram a respeito. Para os autores, considerando o quadro de atribuições do Tribunal de Contas expressamente previstas no art. 71 da Constituição Federal, não se pode supor que a atribuição de sustar contratos, expressamente reservada ao Congresso Nacional, seja transferida à Corte de Contas de modo implícito, em caso de omissão, por meio de interpretação dada à expressão “decidir a respeito”. No limite, essa omissão do Congresso Nacional pode ser suprida pela adoção de medidas expressamente previstas na esfera de competências do Tribunal de Contas, tais como a punição de responsáveis[19]. Esse também parece ser o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem “essa interpretação [de que o TCU poderia sustar contratos em caso de omissão do Legislativo ou do Executivo] contraria frontalmente a intenção do constituinte de deixar a decisão para o Congresso Nacional, exatamente pelo caráter político de suas decisões a decisão do TCU”[20], e de outros autores nacionais[21].
Como se vê, o texto constitucional não deixa margem para dúvidas: é do Congresso Nacional a prerrogativa de, extrajudicialmente, sustar contratos com indícios de irregularidades. Contudo, um aspecto final merece atenção: entendimento mais recente manifestado pelo STF sobre o tema[22]. Ao analisar Suspensão de Segurança envolvendo a sustação dos contratos celebrados pela Administração, a Ministra Cármen Lúcia, em sentido contrário ao manifestado pela Corte em julgamento anterior[23], garantiu ao Tribunal de Contas a prerrogativa para suspender os efeitos de contratos[24]. Com a devida vênia, a decisão confronta o próprio texto da Constituição, que dispõe, como dito anteriormente, que a suspensão de contrato é da competência do Legislativo.
3. CONTROLE PELO TRIBUNAL DE CONTAS DE CONTRATOS E PARCERIAS EM OPORTUNIDADES DE NEGÓCIO CELEBRADOS POR EMPRESAS ESTATAIS
As intervenções praticadas pelo Tribunal de Contas em contratos celebrados pela Administração Pública direta e indireta (incluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista) têm sido cada vez mais frequentes e, por isso, suscitam debate. Muito embora não se negue a importância da atuação da Corte de Contas no controle dos gastos públicos, não se pode ignorar os riscos e os impactos da atividade fiscalizatória especialmente à liberdade negocial das empresas estatais nas contratações que realiza. Nesse contexto está inserida a interferência do Tribunal de Contas em parcerias em oportunidades de negócio celebradas por empresas estatais, com fundamento no art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/2016.
3.1. Breves apontamentos sobre a hipótese prevista no art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/2016
Antes de adentrar à análise das decisões do TCU no exercício do controle externo de contratos celebrados com fundamento no art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/2016, algumas considerações se fazem necessárias para a compreensão do tema.
Suprindo a lacuna no ordenamento jurídico acerca do regime de licitações e contratações públicas aplicável às empresas públicas e sociedades de economia mista – sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, nos termos do caput do art. 1o[25] –, foi editada a Lei 13.303/2016, que se configura como o estatuto previsto no art. 173, § 1º, III, da Constituição Federal.
A Lei 13.303/2016 ordenou os casos de contratação direta em dois grandes grupos, seguindo a tradição normativa. Aludiu, assim, à dispensa e à inexigibilidade em seus artigos 29 e 30. Contudo, o legislador optou por dar tratamento diferenciado e distinto para duas hipóteses de absoluta incompatibilidade com a licitação, de modo que a Lei 13.303/2016 nem mesmo as enquadrou como dispensa ou inexigibilidade. Com efeito, a Lei 13.303/2016 foi além e introduziu ao ordenamento jurídico uma nova figura denominada por Marçal Justen Filho como “inaplicabilidade de licitação”. Trata-se das situações previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 28.
Como se verifica da redação dos referidos incisos, não haverá licitação nos seguintes casos: (i) atividade finalística, ou seja, comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus objetos sociais previstos em Estatuto (art. 28, § 3º, I); (ii) contratação vinculada à atuação concorrencial nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de competição (art. 28, § 3º, II). Para que seja possível firmar uma parceria com fundamento no inciso II do § 3º do art. 28 da Lei 13.303/2016, portanto, exige-se (i) escolha de parceiro associada a características particulares e (ii) oportunidade de negócio definida e específica.
O presente artigo tem por objetivo analisar, especialmente, decisões do TCU na atividade de controle externo sobre contratos e parcerias em oportunidades de negócio celebrados justamente com fundamento no inciso II do § 3º do art. 28 da Lei 13.303/2016 – a qual se refere “aos casos de seleção de parceiro para empreendimentos associativos, nas hipóteses em que atributos pessoais apresentem relevância” –[26], atentando-se para as consequências e os riscos envolvidos na interferência do TCU em contratos dessa natureza[27].
3.2. Panorama de decisões do TCU acerca de contratos e parcerias em oportunidades de negócio celebradas pelas empresas estatais
O TCU já se manifestou sobre parcerias celebradas por empresas estatais com fundamento no art. 28, § 3º, II, da Lei das Estatais. Destacamos, em ordem cronológica, os seguintes acórdãos: Acórdão 2.488/2018 – Plenário e Acórdão 1.170/2019 – Plenário. Para fins de compreensão do caso, importante abordar também aspectos relacionados aos Acórdão 1.692/2018 – Plenário, Acórdão 2.213/2018 – Plenário e Acórdão 2.487/2018 – Plenário. A análise de tais decisões permite identificar uma significativa interferência do Tribunal de Contas sobre os contratos e acordos de parceria celebrados por empresas estatais, bem como os riscos envolvendo tal interferência.
3.2.1. Acórdão 1.692/2018 – Plenário, Acórdão 2.213/2018 – Plenário e Acórdão 2.487/2018 – Plenário
Em dezembro de 2017 o MCTIC realizou contratação direta por inexigibilidade da Telebras (Contrato MCTIC 02.0040.00/2017), para a prestação de serviços de conexão de internet via satélite a unidades de saúde, escolas, pontos de fronteiras, aldeias indígenas, entre outras localidades remotas e de difícil acesso do país.
Em 10.07.2018, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal – SindiTelebrasil, sindicato de empresas de telefonia, formulou representação com pedido cautelar (Representação 023.481/2018-8), apontando supostas irregularidades decorrentes da contratação direta da Telebras para a prestação de serviço continuado de transmissão bidirecional de dados, no âmbito do Programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac). No entendimento do SindiTelebrasil, existiriam outras empresas interessadas na prestação do referido serviço, razão pela qual a contratação deveria ter sido precedida de procedimento licitatório. Com base nisso, o SindiTelebrasil apresentou pedido (i) cautelar para a imediata suspensão do Contrato MCTIC 02.0040.00/2017; (ii) de invalidação do referido contrato; e (iii) de determinação para que o MCTIC realizasse licitação para a contratação dos serviços previstos no referido contrato e destinados a atender o programa Gesac. Já o MCTIC justificava a contratação pelo fato de a Telebras ser a única empresa capaz de prestar serviços com a tecnologia em banda Ka (banda não-militar) em áreas mais remotas do país.
Em 25.07.2018, o TCU deferiu o pedido cautelar, inaudita altera parte, suspendendo a execução do Contrato MCTIC 02.0040.00/2017, impedindo que a Telebras providenciasse a instalação da infraestrutura terrestre necessária à prestação do serviço (Acórdão 1.692/2018 – Plenário, da relatoria da Ministra Ana Arraes). Em 19.09.2018, a cautelar foi parcialmente reavaliada pelo TCU (Acórdão 2.213/2018 – Plenário, também da relatoria da Ministra Ana Arraes), para diminuir a abrangência de seus efeitos e possibilitar, caso necessário, a ativação de 98 pontos de conexão no âmbito do Contrato MCTIC 02.0040.00/2017, nas localidades que faziam fronteira com a Venezuela. Em 31.10.2018, houve a revogação integral e definitiva da cautelar (Acórdão 2.487/2018 – Plenário, da relatoria do Ministro Benjamin Zymler). Nesta oportunidade, o TCU declarou, de um lado, a validade do contrato celebrado entre MCTIC e Telebras e, por outro, estabeleceu diversas determinações e recomendações voltadas para o aperfeiçoamento de futuros processos de contratação direta no MCTIC.
O que se constata da análise das decisões mencionadas é que elas sinalizam uma interferência cada vez mais expressiva do TCU no âmbito das contratações realizadas por empresas estatais, atuando em questões reconhecidamente afetas à discricionariedade do gestor, e sem atentar para os reais impactos de suas decisões ao interesse público. Tanto é assim que, no caso concreto, como visto, o TCU viu-se obrigado a revogar parcialmente a cautelar (Acórdão 2.213/2018 – Plenário), para diminuir a abrangência de seus efeitos e possibilitar a ativação de pontos de conexão em localidades conflituosas que faziam fronteira com a Venezuela.
Ainda nesse sentido, no caso em análise, ao deferir o pedido cautelar (Acórdão 1.692/2018 – Plenário), o TCU questionou, por exemplo, a celeridade na contratação direta da Telebras realizada pelo MCTIC, sugerindo que tal aspecto configuraria fragilidade no processo de contratação conduzido pelo Ministério, a justificar a concessão da medida cautelar. Vejamos:
“51. Causa estranheza e preocupação a postura adotada pelo MCTIC ao adotar e solicitar uma celeridade excessiva em processo cujo acordo (Contrato MCTIC 02.0040.00/2017) corresponde ao valor de R$ 663 milhões e se refere à conectividade de milhares de entes públicos e organizações sociais. Análises feitas sem o seu devido tempo de maturação e estudo podem resultar em falhas que impactam a efetividade do programa Gesac e que causam dano ao erário.
(...)
56. No mesmo dia da emissão do parecer, em 8/12/2017, horas depois foi publicado no Diário Oficial da União o Termo de Inexigibilidade de Licitação da Telebras. A excessiva celeridade permite concluir que houve mínima ou talvez nenhuma ponderação dos argumentos apresentados pela AGU.
(...)
61. Em suma, identificam-se fragilidades no trâmite processual conduzido pelo MCTIC, visto que:
(...)
ii) ausência de documentos que analisassem de forma criteriosa e com tempo hábil os pontos colocados pela AGU em seu parecer;
(...)
iv) excessiva celeridade injustificada da condução do processo de contratação do serviço do programa Gesac, podendo haver prejuízo à qualidade técnica da decisão tomada.” (destaques nossos)
Contudo, o TCU sequer indicou qual seria, no entendimento do órgão de controle, um prazo razoável para que decisões dessa natureza sejam tomadas pela Administração. Essa falta de clareza e de critérios objetivos nas decisões do TCU é causa potencial de insegurança jurídica, ensejando discussões sob as mais diversas óticas.
Ainda no âmbito da decisão cautelar, o TCU analisou o prazo de contratação entre o MCTIC e a Telebras e entendeu que o prazo de 5 anos acordado, por envolver serviços de tecnologia, seria consideravelmente extenso, e representaria dano ao erário, por impedir possíveis ganhos de eficiência e de modernização do setor. O TCU não avaliou, entretanto, o risco de a parte contratada não manifestar interesse na renovação do contrato e ocorrer eventual interrupção do serviço em período relativamente curto de disponibilização do serviço à população:
“(...) 180. Ressalta-se que, conforme apontado diversas vezes pelo MCTIC (peça 23, p. 4), há uma dinâmica evolução na prestação dos serviços de conexão de dados por satélite. Dessa forma, um contrato de prestação de serviço com prazo extenso poderia impedir que o Gesac usufruísse de possíveis ganhos de eficiência e modernização do setor”. (destaques nossos)
Em 31.10.2018, o TCU determinou, por meio do Acórdão 2.487/2018 – Plenário, o qual revogou de forma definitiva a cautelar anteriormente concedida, que o MCTIC avaliasse a conveniência e a oportunidade de as partes negociarem a redução do prazo contratual[28]:
“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, com fulcro nas razões expostas pelo Relator e nos arts. 113, § 1º, da Lei 8.666/1993, 45 da Lei 8.443/1992 e 235, 237, inciso VII e parágrafo único, 250, II e III, do Regimento Interno deste Tribunal, em:
(...)
9.4. determinar ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações que:
9.4.1. tendo em vista as dúvidas existentes sobre a economicidade do contrato firmado com a Telebras e a possibilidade de obtenção de condições mais favoráveis para a prestação dos serviços avençados com a estatal, avalie a conveniência e a oportunidade de negociar a redução do prazo contratual de forma a permitir que a redução de preços projetada, decorrente da evolução tecnológica e da entrada em operação de novos satélites, seja captada em um novo contrato;
9.4.2. alternativamente, se o Ministério considerar adequado, a vigência do contrato poderá ser mantida em cinco anos, desde que, uma vez ocorrida a redução de preços mencionada no item 9.4.1. deste acórdão, o MCTIC avalie se há necessidade de promover o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em decorrência do surgimento de opções mais baratas de prestação dos serviços contratados com a Telebras. Se houver essa necessidade, o Ministério deverá adotar, com espeque no art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/1993, as medidas necessárias para alterar as cláusulas econômicas e promover o citado reequilíbrio, na forma que esse órgão entender cabível. Após a implementação dessa mudança, poderá ocorrer a continuidade da prestação de serviços pela estatal até o término da vigência do contrato em tela;”. (destaques nossos)
Como se vê, além de determinar que o MCTIC avaliasse a redução do prazo contratual entabulado, indicou, alternativamente, a alteração as cláusulas econômicas para promoção do reequilíbrio contratual.
Há ainda um ponto que merece destaque, para que se compreenda o posicionamento do TCU quanto aos limites de sua atuação. No caso em apreço, muito embora o TCU tenha recomendado a continuidade do contrato celebrado entre o MCTIC e a Telebras, em diversas oportunidades registrou-se a possibilidade de o Tribunal determinar a anulação do contrato ou a alteração das cláusulas contratuais entabuladas entre as partes – o que contraria o entendimento já apresentado neste trabalho, no sentido de que a Corte de Contas não anula contratos e não substitui atos da Administração, mas aplica sanções aos responsáveis pelas despesas consideradas ilegais, nos termos do art. 71, VIII, da Constituição Federal.
Com efeito, consta do Acórdão 1.692/2018 – Plenário a seguinte passagem:
“9.3. determinar a oitiva do Ministério da Ciência, Tecnologia Inovações e Comunicações – com alerta sobre a possibilidade de decisão deste Tribunal vir a determinar a anulação do contrato ou a alteração de cláusulas contratuais – para que, no prazo de 15 (quinze) dias, manifeste-se, em relação ao Contrato MCTIC 02.0040.00/2017, sobre os seguintes indícios de irregularidade: (...)” (destaques nossos)
Além disso, consta do Acórdão 2.487/2018 – Plenário:
85. Com fulcro nessas considerações, a unidade técnica concluiu que:
(...)
b) diante das irregularidades constatadas, haveria elementos suficientes para se determinar a anulação do contrato MCTIC 02.0040.00/2017. No entanto, entende-se ser possível a continuidade do referido contrato, desde que sejam feitos os ajustes determinados pelo TCU, tendo em vista a importância para o país da continuidade das políticas públicas atreladas ao Programa Gesac. Além disso, os riscos contratuais identificados podem ser mitigados por meio da redução do prazo contratual da contratação e da inclusão de cláusula que preveja o reequilíbrio econômico-financeiro do acordo diante da possível redução dos custos dos serviços contratados;
(...)
596. A conclusão descrita anteriormente levou ao entendimento que, diante das irregularidades constatadas, há elementos suficientes para se determinar a anulação do contrato MCTIC 02.0040.00/2017. No entanto, entende-se ser possível a continuidade do referido contrato, desde que feitos os ajustes determinados pelo TCU, tendo em vista a importância para o país da continuidade das políticas públicas atreladas ao programa Gesac, como a de inclusão digital do MCTIC e a denominada Educação Conectada do Ministério da Educação, e o fato de que os riscos contratuais identificados podem ser mitigados com a redução do prazo contratual da contratação e com a inclusão de cláusula que preveja reequilíbrio econômico-financeiro do acordo diante da redução dos custos dos serviços contratados. (destaques nossos)
3.2.2. Acórdão 2.488/2018 – Plenário e Acórdão 1.170/2019 - Plenário
Em 31.10.2018, o TCU também julgou Representação formulada pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Hídrica, de Comunicações e Mineração – SeinfraCOM (Representação 022.981/2018-7)[29], em face de possíveis irregularidades na contratação sem licitação realizada pela Telebras para a exploração da capacidade da banda Ka (banda não-militar) do primeiro Satélite Geoestacionário de Defesa Estratégica (“Satélite SGDC”), de propriedade da estatal. A contratação foi realizada em 23.02.2018 entre Telebras e Exede Serviços de Comunicações Rio Ltda. (denominação anterior da empresa Viasat Brasil Serviços de Comunicações Ltda. — “Viasat”), resultando na celebração do Acordo de Compartilhamento de Receita de Capacidade Satelital (“Contrato de Parceria Estratégica”)[30].
O fundamento normativo para a referida contratação foi o art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/2016, que, como visto, autoriza a contratação direta nos casos em que a “escolha do parceiro está associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo”. A Telebras e a Viasat conceberam um contrato de colaboração, por meio do qual obrigaram-se a associar recursos e esforços para a exploração da banda Ka do Satélite SGDC.
A contratação foi precedida de audiências públicas[31] e de dois editais de chamamento público. O primeiro deles[32] refletia um certo modelo de negócio, com características específicas. À época, houve manifestação do TCU sobre os termos do primeiro edital de chamamento público, que reconheceu que a Telebras estava dispensada de promover licitação para o objeto da contratação[33]. Posteriormente, foi publicado o segundo edital – Edital de Chamamento Público n° 2/2017 – cuja data de entrega das propostas foi definida para o dia 17.10.2017. Contudo, nenhuma empresa do setor manifestou interesse em apresentar proposta, resultando na celebração do Contrato de Parceria Estratégica com a Viasat.
De acordo com o material analisado para fins de elaboração deste trabalho, a Telebras justifica a contratação com fundamento no art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/2016 pelo fato de a estatal não possuir experiência com sofisticadas infraestruturas terrestres de satélites relacionadas à operação de um sistema como o Satélite SGDC. Nesse contexto, a estatal alega que foi necessário buscar um parceiro privado no mercado com expertise para colaborar com as tarefas para a operação do referido satélite.
Após tomar conhecimento do Contrato de Parceria Estratégica entre a Telebras e a Viasat, a unidade técnica responsável do TCU (SeinfraCOM) entendeu pela ocorrência de indícios de irregularidades na contratação direta e, como consequência, formulou a Representação 022.981/2018-7, para análise mais detalhada dos termos da parceria. A fiscalização exercida pelo TCU pretendia avaliar: (i) se o processo de celebração do referido acordo havia preenchido os requisitos exigidos pela Constituição Federal e respeitado os pressupostos contidos na Lei 13.303/2016 (ou seja, a legalidade da parceria estratégica celebrada); (ii) a adequação do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) realizado pela Telebras, o qual havia embasado a definição das cláusulas econômicas do contrato em tela (ou seja, suas premissas econômico-financeiras); e (iii) se as cláusulas mais importantes do acordo de parceria preservavam o equilíbrio entre os direitos e as obrigações das partes (ou seja, o conteúdo de suas cláusulas).
Para fins do presente estudo, cumpre destacar duas principais questões decididas pelo TCU (Acórdão 2.488/2018), conforme julgamento realizado pelo Plenário, em 31.10.2018.
Em primeiro lugar, o TCU, por meio de análise de custos e projeções financeiras, determinou à Telebras que renegociasse com a Viasat, no prazo de noventa dias, as condições econômico-financeiras do Contrato de Parceria Estratégica, de modo a reduzir o valor previsto contratualmente para ser pago mensalmente pela Telebras à Viasat, por estação ativa, de R$ 160,00 (cento e sessenta reais) para R$ 107,60 (cento e sete reais e sessenta centavos). Isso porque o TCU concluiu que o modelo previsto para o compartilhamento de receitas e os valores a serem pagos mensalmente à Telebras permitiriam uma rentabilidade muito maior para a empresa privada, de modo que as condições econômicas do contrato deveriam ser “renegociadas”.
Em segundo lugar, o TCU determinou que a Telebras negociasse os termos da possível renovação do contrato sob exame. Isso porque, Telebras e Viasat estabeleceram no Contrato de Parceria Estratégica o prazo de dez anos para a parceria associada à exploração do SGDC, prorrogáveis por mais cinco anos. Contudo, o acordo concedeu à Viasat o poder exclusivo de decisão sobre a renovação, definindo que seriam mantidos os mesmos termos e condições pactuados. Muito embora o relator Ministro Benjamin Zymler tenha reconhecido que a fixação do prazo contratual em dez anos no presente caso, prorrogáveis por mais cinco, encontrava respaldo nos incisos I e II do art. 71 da Lei das Estatais, determinou que fosse estabelecida como condição resolutiva para a prorrogação contratual a demonstração da respectiva vantajosidade para a Telebras, a qual deveria ser objeto de monitoramento por parte da unidade técnica. No entendimento do relator, a prorrogação vinculada unicamente à vontade da Viasat imputaria riscos à Telebras.
Como se verifica das determinações constantes do Acórdão 2.488/2018, o TCU avaliou, de forma ampla e detalhada, aspectos essenciais da contratação realizada pela Telebras, quais sejam, suas premissas econômico-financeiras – inclusive, a taxa interna de retorno do parceiro privado –, e o conteúdo das cláusulas contratuais, especialmente o prazo da parceria. Ao atuar nesses moldes, determinando alterações em cláusulas contratuais, o TCU interferiu em aspectos da contratação umbilicalmente ligados ao exercício da discricionariedade administrativa, atuando como uma instância revisora do acordo celebrado pela Telebras.
Considerando a premissa adotada neste artigo de que o Tribunal de Contas não anula contratos e não substitui atos da Administração Pública – mas aplica sanções aos responsáveis pelas despesas consideradas ilegais, inclusive multa, nos termos do art. 71, VIII, da Constituição Federal –, fica evidente que o TCU, também no caso de parcerias estratégicas celebradas com fundamento da Lei das Estatais, extrapolou os limites estabelecidos na Constituição Federal para a sua atuação.
CONCLUSÃO
Como visto no presente trabalho, as intervenções praticadas pelo Tribunal de Contas em contratos celebrados pela Administração Pública direta e indireta (incluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista) têm sido cada vez mais frequentes e profundas – determinando-se desde a retenção de pagamentos até a alteração de cláusulas contratuais determinantes para a contratação, inclusive a revisão de aspectos econômico-financeiros – e, por isso, suscitam debate. Muito embora não se negue a importância da atuação da Corte de Contas no controle dos gastos públicos, não se pode ignorar os riscos e os impactos da atividade fiscalizatória especialmente à liberdade negocial das empresas estatais nas contratações que realiza. Nesse contexto está inserida a interferência do Tribunal de Contas em parcerias em oportunidades de negócio celebradas por empresas estatais, com fundamento no art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/2016, que, como visto neste trabalho a partir de uma análise casuística, tem extrapolado os limites de sua atuação estabelecidos no texto constitucional, evidenciando um cenário em que a discricionariedade do controlador substitui a discricionariedade do gestor público. Como consequência, ante os riscos envolvidos em tais contratações, é possível que parcerias estratégicas acabem sendo cada vez menos utilizadas como alternativa para a concretização de políticas públicas no país. Cabe-nos continuar acompanhando novas fiscalizações realizadas pelos Tribunais de Contas de parcerias celebradas por empresas estatais com fundamento no art. 28, §3º, II, da Lei 13.303/2016, a fim de identificar como o cenário se estabelecerá.
REFERÊNCIAS
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[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 937.
[2] Conforme art. 74 da Constituição Federal, a Administração, bem como os Poderes Legislativo e Judiciário, deverão manter um sistema integrado de controle interno com a finalidade de avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas e do orçamento; de comprovar a legalidade e avaliar resultados quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial; de exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União, e de apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
[3] Nesse sentido a redação da Lei 13.303/2016: “Art. 6º O estatuto da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias deverá observar regras de governança corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de controle interno, composição da administração e, havendo acionistas, mecanismos para sua proteção, todos constantes desta Lei.”.
[4] Celso Antônio Bandeira de Mello explica que o controle externo compreende (i) o controle parlamentar, (ii) o controle exercido pelo Tribunal de Contas (órgão auxiliar do Legislativo nesta matéria) e (iii) controle jurisdicional (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, op. cit., p. 940).
[5] Da redação do art. 1º da Lei 13.303/2016, extrai-se que o controle externo engloba toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.
[6] Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, todas as disposições constitucionais acerca do TCU aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização incumbentes aos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como aos Tribunais e Conselheiros de Contas dos Municípios, atendidas as disposições estabelecidas nas respectivas Constituições estaduais, conforme art. 75, caput, e parágrafo único da Constituição Federal. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, op. cit., p. 946).
[8] Para uma melhor compreensão do histórico do controle externo sobre as contratações públicas e dos diversos sistemas de controle (“controle prévio”; “controle posterior” e “controle concomitante”), recomenda-se: SUNDFELD, Carlos Ari; ARRUDA CÂMARA, Jacintho. Controle das contratações públicas pelos Tribunais de Contas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 257, pp. 111-144, maio/ago.2011. No referido artigo, Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara pontuam que, numa primeira fase, que vai de 1890 – data de implementação dos Tribunais de Contas – até a Constituição de 1967, o controle de gastos estava imbricado na própria função de administrar, de modo que a realização das atividades financeiras estatais dependia tanto da decisão dos entes administrativos propriamente ditos como também da atuação dos órgãos de controle, os quais participavam da deliberação de contratar particulares para o exercício de atividades administrativas. Com a expansão da máquina estatal e, via de consequência, dos organismos estatais sujeitos ao controle externo, a manutenção desse modelo tornou-se inadequada e ineficiente, justificando que a fiscalização dos contratos celebrados pela Administração passasse a ser posterior, cabendo às Cortes de Contas, em especial, repreender condutas irregulares de administradores e de particulares que recebam recursos públicos.
[9] Vale dizer que o chamado controle prévio só é admitido em relação aos atos de admissão de pessoal (excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão), bem como às concessões de aposentadorias, reformas e pensões, nos termos do art. 71, III, da Constituição Federal.
[10] SUNDFELD, Carlos Ari; ARRUDA CÂMARA, Jacintho. Controle das contratações públicas pelos Tribunais de Contas, op. cit., p.117.
[11] Conforme entendimento de Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, as inspeções e auditorias não são instrumentos para o controlador exercer o chamado “controle prévio” admitido antes da Constituição de 1967, no qual a execução dos contratos dependia da prévia aprovação do controlador externo (Ibidem, p.117).
[12] Conforme previsto no texto constitucional, o poder de coação do Tribunal está consubstanciado na aplicação das seguintes sanções: multas e ressarcimento de danos causados ao erário, ambos com força de título executivo (art. 71, VIII, e § 3º, da Constituição Federal); inelegibilidade a qualquer cargo público, em face de julgamento pela irregularidade das contas (art. 71, II, e art. 1º, I, g, da Lei Complementar 64/1990); afastamento de autoridades de seus respectivos cargos (art. 44 da Lei 8.443/92); anular admissões e concessões de aposentadorias e pensões (art. 71, III, da Constituição Federal e Súmula 6 do STF); bloquear quotas-parte dos recursos tributários das administrações municipais e estaduais.
[13] Nesse sentido, os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Há que se observar que ‘sustar’ não significa invalidar. Nem o Tribunal de Contas, nem o Congresso Nacional podem tirar do mundo jurídico um ato ou contrato praticado pela Administração, sob pena de infringência ao princípio da separação de poderes. ‘Sustar’ significa ‘fazer parar, interromper, suspender’. Não é por outra razão que o § 1º do art. 71 prevê a sustação do contrato pelo Congresso Nacional, mas, em seguida, estabelece que as ‘medidas cabíveis’ devem ser tomadas pelo Poder Executivo. É este que deve invalidar o contrato administrativo, dando cumprimento à decisão política adotada pelo Congresso Nacional.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O papel dos tribunais de contas no controle dos contratos administrativos. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 15, n. 82, p. 1548, nov./dez. 2013).
[14] Nesse sentido, os ensinamentos de Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara: “No Brasil, os poderes próprios dos Tribunais de Contas no controle de contratos são para agir sobre os sujeitos (sobre os responsáveis pelo contrato) e não sobre os objetos (isto é, sobre os contratos e sobre sua execução). O Tribunal fiscaliza e adverte os gestores, dialoga com eles e, se entender devido, os pune com sanções fortes (...). Mas, em geral, a pressão dos entendimentos do Tribunal sobre o curso da ação administrativa é apenas indireta, não imediata. O Tribunal não tem poder constitutivo ou desconstitutivo: não anula e não toma decisões substitutivas dos atos da administração”. (SUNDFELD, Carlos Ari; ARRUDA CÂMARA, Jacintho. Controle das contratações públicas pelos Tribunais de Contas, op. cit., pp.117/118).
[15]Ibidem, pp. 126/132).
[16]BIM, Eduardo Fortunato. O poder geral de cautela dos tribunais de contas nas licitações e nos contratos administrativos, Interesse Público, ano 8, n. 36, mar./abr. 2006, p. 380.
[17] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O papel dos tribunais de contas no controle dos contratos administrativos, op. cit.
[18] Essa é a opinião de Eduardo Fortunato Bim. Para o autor, “(...) findo os 90 dias, o tribunal de contas pode sustar o contrato, ainda que o Legislativo não tenha decidido fazê-lo (decisão que não convalida ou impede a sustação do contrato, levando a questão a perdas e danos e evitando-se o resguardo do Erário). Da mesma forma que a inércia ou algum ato declaratório do Legislativo não convalidam a injuridicidade do contrato, a decisão de não sustar o contrato não impede o uso do poder geral de cautela pela corte de contas, independentemente de a autoridade competente para sanar a injuridicidade estar tomando as medidas ordenadas, uma vez que essa é provisória, ainda que seja posterior ao julgamento definitivo” (BIM, Eduardo Fortunato. O poder geral de cautela dos tribunais de contas nas licitações e nos contratos administrativos, op. cit.). Ives Gandra Martins também é um dos autores adeptos dessa solução. Para o autor, a omissão do Legislativo e do Executivo deve ser punida e tal punição é “transformar o órgão vicário em órgão principal, passando a ter funções que antes pertiniriam ao Congresso, ao Poder Legislativo ou ao Poder Executivo” (MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. V. 4, t. II, p. 75).
[19](SUNDFELD, Carlos Ari; ARRUDA CÂMARA, Jacintho. Controle das contratações públicas pelos Tribunais de Contas, op. cit., pp.133/135).
[20] Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O papel dos tribunais de contas no controle dos contratos administrativos, op. cit.
[21] De acordo com André Janjácomo Rosilho, “A expressão utilizada pelo Texto Constitucional [“o Tribunal decidirá a respeito”] é um tanto quanto enigmática e imprecisa. Seria um equívoco, entretanto, interpretá-la de maneira a anular a escolha do constituinte de reservar a decisão de sustar contratos ao Congresso Nacional – opção essa que fica evidente não só a partir do próprio teor das normas vigentes, como também da história legislativa da Constituição”. Em seu trabalho, o autor traz importante resgaste histórico envolvendo a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), ressaltando que um dos temas mais debatidos na ocasião foi o controle, pelos Tribunais de Contas, especialmente da possibilidade de, na futura Constituição, as Cortes de Contas terem competência para sustar a execução de contratos na hipótese de ilegalidades serem detectadas. Contudo, observa o autor, “mesmo com todo o apoio que a solução ampliativa das competências das cortes de contas teve no processo de elaboração da Constituição de 1988, fato é que ela não foi aceita pela maioria da ANC”. (ROSILHO, André Janjácomo. Controle da Administração Pública pelo Tribunal de Contas da União. Orientador: Floriano de Azevedo Marques Neto. 2016. 358 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-08022017-165131/pt-br.php.> Acessado em 15 nov. 2021).
[22] Suspensão de Segurança nº 5182. Relator: Ministra Carmem Lúcia, julgado em 14.07.2017.
[23] Em julgado de 2014, o STF havia dito que a competência para sustação de contratos é própria do Congresso, bem como afirmou que a competência para a sustação de atos é própria dos Tribunais de Contas. Ao julgar a ADI 3.715 (Relator: Ministro Gilmar Mendes, julgado em 21.08.2014), o Plenário da Corte confirmou medida cautelar e julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão “licitação em curso, dispensa ou inexigibilidade”, contida no inciso XXVIII do art. 19 e no § 1º do art. 33; da expressão “excetuados os casos previstos no § 1º deste artigo”, constante do inciso IX do art. 33; e do inteiro teor do § 5º do art. 33, todos da Constituição do Estado do Tocantins, com a redação dada pela EC estadual 16/2006. Na decisão acauteladora, o Tribunal consignara que os preceitos atribuiriam, à Assembleia Legislativa, a competência para sustar as licitações em curso, e os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, bem como criariam recurso, dotado de efeito suspensivo, para o Plenário da Assembleia Legislativa, das decisões do Tribunal de Contas estadual acerca do julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos. Naquela assentada, entendeu que os preceitos impugnados não observariam o modelo instituído pela Constituição Federal, de observância compulsória pelos Estados-membros (Constituição, art. 75), que limitaria a competência do Congresso Nacional a sustar apenas os contratos (Constituição, art. 71, § 1º), e não preveria controle, pelo Poder Legislativo, das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas, quando do julgamento das referidas contas (Constituição Federal, art. 71, II).
[24] A Ministra Cármen Lúcia deferiu parcialmente o pedido para suspender a decisão proferida pela Desembargadora Relatora do Mandado de Segurança n. 0002118-03.2017.8.10.0000 (Tribunal de Justiça do Maranhão), na parte em que a) obsta a atuação do Tribunal de Contas do Maranhão na fiscalização dos contratos firmados entre os cento e quatro municípios e a Interessada; b) ao suspender as cautelares do Tribunal de Contas maranhense, restabeleceu a execução integral dos contratos, permitindo o pagamento de honorários à interessada na forma combinada e antes de finda a análise regular dos ajustes pelo órgão de fiscalização (...)”. Para subsidiar a decisão, a Ministra justificou que a Corte de Contas, no exercício do poder geral de cautela, pode determinar medidas, em caráter precário, que assegurem o resultado final dos processos administrativos sob sua responsabilidade, incluindo-se, nessa prerrogativa, a possibilidade de sustação de alguns dos efeitos decorrentes de contratos potencialmente danosos ao interesse público e aos princípios dispostos no art. 37 da Constituição Federal.
[25] Para Marçal Justen Filho, as empresas estatais prestadoras de serviços públicos continuam subordinadas ao regime da Lei 8.666/93. Nesse sentido, “A Lei das Estatais, ao definir o seu âmbito de vigência material, incorporou a distinção de vigência material, incorporou a distinção entre empresas exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços públicos. (...) Isto significa que as regras da Lei n. 13.303/2016 não se aplicariam às empresas estatais puramente prestadoras de serviços públicos. (...) A solução formal adotada foi diversa. Houve expressa referência a empresas públicas e sociedades de economias exploradoras de atividades econômicas. Portanto, apenas essas se subordinam ao regime diferenciado da Lei n. 13.303/2016. As demais, prestadoras de serviços públicos em regime de exclusividade, sem competição com o setor privado – continuam subordinadas ao regime da Lei n. 8.666/1998” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pp. 54-55). Vale mencionar que o Ministro Vital do Rêgo, do TCU, já se manifestou sobre a ausência de distinção de regime jurídico entre as empresas estatais prestadoras de serviços públicos e aquelas que exploram atividade econômica na Lei das Estatais (Disponível em: http: //portal.tcu.gov.br/imprensa/notícias/ministro-do-tcu-faz-consideracoes-sobre-a-lei-das estatais.htm. Acesso em 15.11.2021. Também sobre o tema, o artigo de Ana Cristina Fecuri: “Estatuto das empresas estatais à luz da Constituição Federal”. In: DAL POZZO, Augusto; MARTINS, Ricardo Marcondes (Coord.). Estatuto jurídico das empresas estatais. São Paulo: Editora Contracorrente, 2018, pp. 177-211.
[26] JUSTEN FILHO, Marçal. “A contratação sem licitação nas empresas estatais”. In: JUSTEN FILHO, Marçal (Org.). Estatuto jurídico das empresas estatais: Lei 13.303/2016 – “Lei das Estatais”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 302.
[27] O inciso II do § 4º do próprio art. 28 apresenta um rol exemplificativo das oportunidades de negócio a que se relacionam essas situações: “§ 4o Consideram-se oportunidades de negócio a que se refere o inciso II do § 3º a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente”.
[28] Sobre o tema, consta da Proposta de Encaminhamento (Acórdão 2.487/2018 – Plenário):
“PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO
599. Ante ao exposto, propõe-se:
a) com fundamento no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992 c/c o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, determinar ao MCTIC que:
a.1) excepcionalmente, tendo em vista a importância para o país da continuidade das políticas públicas atreladas ao programa Gesac, como a de inclusão digital do MCTIC e a denominada Educação Conectada do Ministério da Educação, e o fato de que os riscos contratuais identificados podem ser mitigados com a redução do prazo contratual da contratação e com a inclusão de cláusula que preveja reequilíbrio econômico-financeiro do acordo diante da redução dos custos dos serviços contratados, propõe-se a retirada da cautelar dada pelo Acórdão 1692/2018-TCU-Plenário, permitindo a continuidade do contrato MCTIC 02.0040.00/2017 somente após os ajustes determinados pelo TCU, em respeito ao princípio constitucional do interesse público e em consonância com a jurisprudência do TCU, encaminhando ao TCU em 45 dias o contrato alterado;
(...)
a.3) diante dos riscos resultantes das fragilidades e irregularidades constatadas no processo de contratação direta por inexigibilidade da Telebras, somente dê continuidade à vigência do contrato MCTIC 02.0040.00/2017 se alterado o prazo de vigência do acordo para, no máximo, 36 meses, promovendo novo processo de contratação do serviço, nos termos da Lei 8.666/1993, caso haja a continuidade do programa Gesac para além desse prazo, tendo em vista que a situação atual está em desacordo com a jurisprudência do TCU e com o art. 57, inciso II, da Lei 8.666/1993; (...) (destaques nossos)”.
[29] Vale notar que o caso é particularmente interessante porque, pela primeira vez, o TCU interpretou com maior profundidade os requisitos de validade da nova hipótese de contratação direta aplicável a empresas estatais, qual seja, a prevista no art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/2016, ficando conhecido como leading case sobre a matéria.
[30] Vale esclarecer que por meio do Decreto Federal nº 7.175/10 instituiu-se o Programa Nacional de Banda Larga (“PNBL”), que definiu seus objetivos como sendo o fomento e difusão do uso e fornecimento de bens e serviços de tecnologias de informação e comunicação. Dentre as finalidades do PNBL estão a promoção da inclusão social e a redução das desigualdades social e regional do Brasil, expandindo o acesso a serviços de conexão à internet em banda larga. À Telebras foi atribuída a consecução dos objetivos do PNBL por meio de diversas ações, destacando-se especialmente o apoio às políticas públicas de conexão de pontos de interesse público, como escolas, hospitais e postos de atendimento, e a prestação de serviço de conexão a usuários finais em locais onde inexista oferta adequada. Por conta disso, a Agência Nacional de Telecomunicações (“ANATEL”) conferiu à Telebras o direito de exploração do Satélite SGDC, para promoção dos objetivos e finalidades do PNBL. O Satélite SGDC foi lançado ao espaço em 04.05.2017, e consiste em projeto nacional estratégico coordenado e operado pela Telebras, sob a supervisão do Ministério da Defesa e do MCTIC, sendo que o Satélite SGDC foi produzido e lançado em órbita com recursos públicos federais.
[31]Em 23.02.2017, foi realizada a Audiência Pública nº 2/2017, por meio da qual a Telebras deu publicidade e transparência ao processo. Foram realizadas algumas audiências públicas no exterior, e, dada sua complexidade, o próprio processo de chamamento público foi adiado por três vezes (de acordo com a Telebras, em razão da tentativa de adaptar o projeto aos interesses e à disponibilidade do mercado).
[32] A Telebras publicou o Edital de Chamamento Público nº 1/2017 para a concessão ao setor privado de parte da capacidade da banda Ka do Satélite SGDC.
[33] Ao julgar denúncia contra os termos do Primeiro Edital, o Plenário do TCU entendeu que a Telebras poderia contratar parceiro diretamente, sem licitação, com base na Lei 13.303/2016. Vide os termos do Acórdão 2.033/2017 proferido pelo TCU: “Ao contrário do que foi alegado pelos denunciantes, nem a Lei 8.666/1993 nem a Lei 12.462/2011 serviram de base para o chamamento público ora sob comento. O referido procedimento foi adotado com base na Lei 13.303/2016, a qual dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 20. O art. 28, § 3º, da Lei 13.303/2016 dispensa as sociedades de economia mista da realização de licitação em várias situações, verbis: (...) 21. Verifica-se que, em conformidade com o inciso I do § 3º do art. 28 da Lei nº 13.303/2016, acima transcrito, as empresas estatais estão dispensadas de licitar a prestação de serviços relacionados com seus respectivos objetos sociais. Aduzo que o art. 4º do Decreto nº 7.175/2010, que instituiu o Programa Nacional de Banda Larga – PNBL, atribuiu competências à Telebrás no âmbito do referido programa, verbis: (...) 22. Assim sendo, ao prover infraestrutura e redes de suporte para o mercado, independentemente do porte da empresa adquirente, a Telebrás está exercitando a competência prevista no art. 4º, III, do Decreto nº 7.175/2010, acima transcrito. Por via de consequência, a mencionada entidade está prestando um serviço relacionado com seu objeto social, o que implica dizer que ela está dispensada de realizar licitação, consoante o disposto no inciso I do § 3º do art. 28 da Lei nº 13.303/2016, anteriormente citado”. (TCU, Relator: Ministro Benjamin Zymler. Julgado em 13.09.2017.
Pós graduada em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Mestranda em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Acadêmica de São Paulo – PUC/SP. Advogada em São Paulo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, MARCELA VOLPONI XAVIER DE SÁ. Controle pelos tribunais de contas de contratos e parcerias em oportunidades de negócio celebrados por empresas estatais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 ago 2022, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59039/controle-pelos-tribunais-de-contas-de-contratos-e-parcerias-em-oportunidades-de-negcio-celebrados-por-empresas-estatais. Acesso em: 23 dez 2024.
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