EDUARDO CURY[1]
(orientador)
RESUMO: A Responsabilidade Civil é a obrigação de reparação de um dano causado por outra pessoa, no direito civil o ato de violar os direitos de outro faz com que essa se responsabilize dos seus atos praticados por terceiros como forma de reparação civil. De modo sucinto, não foi diferente com o acidente aéreo causado por um Boeing 737 da companhia aérea GOL no dia 29 de setembro de 2006 nas Aldeias Indígenas deixando mais de 1.000 km² de terreno improprio para uso, devido aos destroços do avião e dá querosene derramada nas terras. Em decorrência deste fato abriu-se uma nova discussão sobre uma nova modalidade de reparação civil nunca antes comentado em decisão judicial. Fato é que essa nova modalidade descrita como Dano Espiritual causou controvérsias em todos os âmbitos do direito, sendo considerada como uma possibilidade de ser adicionada no ordenamento jurídico para ser seguida de acordo com as reclamações que fossem impostas. Observando que em regra o Direito sempre evolui juntamente com as discussões impostas pela sociedade, não seria a primeira vez que acrescentaríamos um fato esporádico como obrigação e regra no âmbito jurídico. Levando em consideração que o trágico acidente trouxe margem para discussões além do que a que está sendo proposta.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Ordenamento Jurídico. Direito.
ABSTRACT: Civil Liability is the obligation to repair damage caused by one person to another, in civil law the act of violating the rights of another makes the acts performed by third parties as a form of civil reparation to be held responsible. Thus, it was no different with the air accident caused by a Boeing 737 belonging to the airline GOL on September 29, 2006, which left more than 1,000 km² of land unsuitable for use, due to the plane's wreckage. For this reason, a discussion was opened on a new modality of civil reparation that had never before been discussed in a court decision. The fact is that this new modality described as Spiritual Damage caused controversies in all areas of law, being considered as a possibility of being added to the legal system to be followed in accordance with the claims that were imposed. Taking into account that, as a rule, the Law always evolves together with the society in which we live, it would not be the first time that we would add a sporadic fact as an obligation and rule in the legal sphere
Keywords: Technology. Business. Consumer.
1.INTRODUÇÃO
Após um acidente com um avião Boeing 737 da companhia aérea GOL em 29 de setembro de 2006 caído nas aldeias indígenas no norte do Mato Grosso, deixando aproximadamente 1000 km² de terreno improprio para o uso devido a uma grande quantidade de querosene que contaminou o solo e também os destroços do avião que implicariam em grandes impactos ambientais para retirar os restos de escombro. A área fica localizada nas aldeias indígenas e era considerada área sagrada quase nunca frequentada podendo ser chamada de casa dos espíritos ou cemitérios dos espíritos. Após a tragédia surgiu uma nova discussão jurídica acerca do fato elencando uma nova modalidade de reparação civil. O acordo extrajudicial feito entre as partes denominado de DANO ESPIRITUAL, o nome do termo causou estranheza entre os juristas, pelo simples fato de nunca terem ouvido ou visto uma decisão com esta denominação proferida.
O fato gerador que aborda a responsabilidade civil que será tratada no presente trabalho com o intuito de informar e trazer a luz da problemática do tema em questão, será o dano. É claro que a inobediência desse elemento motiva a obrigação de restaurar ou seja compensar o prejuízo.
Tema de muita importância levando a circunstância vivida no atual momento, pois além de ser uma temática recente e atualizada, principalmente no que se trata do Caso Legacy em que a companhia aérea GOL, indenizou, extrajudicialmente a tribo indígena Kayapó pelos danos espirituais.
Ao analisar a súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça onde discorre sobre responsabilidade civil, alegam que isso muda os moldes tradicionais de responsabilidade de dano extrapatrimonial não mais são satisfatórios quando se trata de reparação na escala extrafísica. Nesse sentido aparece o dano espiritual, que até o presente momento é considerado categoria autônoma em que se refere ao dano extrapatrimonial.
A princípio, analisa-se no Art. 5°, V, da CF/88 três categorias usual de dano, são elas: dano material, dano moral e dano de imagem. Todavia, em respeito a mudança de esquema da responsabilidade civil, o Superior Tribunal de Justiça modificou a súmula 387, trazendo a nova condição sobre as espécies de danos.
Por esse motivo analisou a possibilidade de incluir novas categorias, se diferenciando do modelo tradicional que não mais servia como exemplo, quando o assunto era a valoração de novos interesses jurídicos.
Nesse instante surge a categoria de dano espiritual, que atravessa a cláusula geral da dignidade da pessoa humana, atingindo a esfera da alma, mais especificamente, atinge o projeto pós vida.
Por outro lado é avaliado que o dano espiritual é um dano extrapatrimonial na sua forma autônomo, ou seja, não se estende como sendo um pedaço do dano moral, nem como sendo uma agravante do mesmo, tendo em vista o bem jurídico protegido.
O termo de dano espiritual deve se juntar em nosso ordenamento jurídico como um dano extrapatrimonial agindo de forma autônomo, afastado do dano moral, tendo em vista que as instituições discordam quanto aos bens que foram atingidos, tal como, a Constituição não foi contra e nem se manifestou sobre os reconhecimentos de novos danos, ponto em que diz ainda mais sobre as novas modalidades que podem vir a aparecer ao longo dos tempos.
Em outro momento, a tribo indígena denominada de Krenak, localizado no estado de Minas Gerais, também foram vítimas de danos culturais e espirituais, tudo isso por causa do rompimento da barragem que abrigava rejeitos de mineração que vinham da empresa Samarco Mineração. Esse acidente ambiental trágico aconteceu em Bento Rodrigues, um distrito deslocado do município de Mariana, e contaminou uma grande área que abrigava na época mais de 200 municípios e o ecossistema do Rio Doce. Algumas semanas depois, a montanha de lama poluída se deslocou cerca de 450 km, atingindo a zona costeira da foz desse rio, no estado vizinho do Espírito Santo, litoral do Brasil (ALEIXO; ANDRADE, 2016, p.284).
Podemos imaginar que o valor da espiritualidade também é ligado com o ser existencial, levando em consideração tanto o lado individual e o lado coletivo, na própria Constituição somos declarados como um Estado Laico portanto torna-se vedado a promoção de qualquer concepção religiosa, tornando-se segurado a liberdade de crença dos cidadãos.
2.RESPONSABILIDADE CIVIL
É recorrente observar que o termo dano utilizado para designar realidades distintas é utilizado para se referir a perca de qualquer bem jurídico, ou seja, que significa afronta ao patrimônio. O sentido apresentado por Lehmann e Ennecerus, se diz a respeito a toda desvantagem experimentada pelos bens jurídicos, aí inseridos bens patrimoniais e não patrimoniais, sendo eles a vida, honra, corpo, direitos de família dentre outros.
Já o segundo sentido explicado por eles, mostra que para o desfalque de bem pecuniariamente apreciável. Existe ainda, a palavra perda que, em nosso sistema jurídico é utilizada para significar dano.
Daí Agostinho Alvim lembrar que melhor seria empregar a expressão danos e interesses, para abarcar não apenas aquele dano emergente, também o que se deixou de ganhar.
Utiliza-se, a perdas e danos para demonstrar uma realidade, e não duas figuras no sentifo de autônomas. Sendo assim, as perdas e danos exprime a ideia de prejuízo. De acordo com Sílvio Rodrigues (2002, p. 6): “A responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por ato de pessoas ou coisas que dela dependam”. Nesse sentido, a palavra responsabilidade em sentido latim significa responder, ou seja, responder por algo ou alguma coisa.
O Código Civil, em seu art. 927 “aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” e continua em seu parágrafo único “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
Maria Helena Diniz (2003, p. 34), argumenta:
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)
Este pensamento faz alusão a ideia de que o dever de reparar o dano deve ser responsabilizado. Por outro lado, faz referência à responsabilidade civil direta (é a obrigação de indenizar a pessoa por aquilo que foi imputado) e também a responsabilidade civil indireta (obrigação de uma pessoa indenizar por um dano causado ao outro). Entretanto, o conceito encontra-se fora de atualização, no que se refere ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça em relação aos tipos de danos. No tempo de Maria Helena, existia apenas a previsão do dano moral e do dano patrimonial. Nos tempos atuais, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal, até o presente momento, existem três tipos de dano, quais sejam, o dano estético, o dano moral e o dano patrimonial.
Duas das principais diferenças sobre responsabilidade civil são divididas em responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual. E a outra é dividida em responsabilidade civil subjetiva e objetiva.
Deste modo é importante que as duas divisões sejam tratadas e abordadas de forma breve para que o entendimento seja melhor compreendido.
Do outro lado, se não houve contrato prévio, a responsabilidade civil será extracontratual que também é denominada de aquiliana, tem por fonte deveres jurídicos originados da lei ou do ordenamento jurídico considerado como um todo. O dever jurídico violado não está previsto em nenhum contrato e sem existir qualquer relação jurídica anterior entre o lesante e a vítima. (PAMPLONA e STOLZE, 2009, pp. 50-53).
O Código Civil em seu artigo 927 parágrafo único trata: “haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa.” Sendo assim, o que podemos dizer é que a culpa não é um elemento essencial da responsabilidade civil. No que se refere ao fundamento para a reparação do dano moral, a vinculação do dano imaterial ao regramento vigente acerca dos efeitos do dano patrimonial oriundo do ato ilícito já encontrou forte oposição por parte da doutrina.
Entre os principais argumentos dos opoentes à reparabilidade do dano moral, destacam- se: o de que a dor não tem preço e não admite compensação pecuniária; não é possível avaliar o preço da dor no dano moral; a incerteza de um direito lesado e de um dano real; a incerteza em descobrir a existência do dano moral; a ausência de efeito penoso durável; a impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro; a imoralidade da compensação da dor com dinheiro; extensão do arbítrio concedido ao juiz e o ilimitado poder que se tem de conferir ao juiz; a impossibilidade jurídica de se admitir tal reparação; a reparação do dano moral implica num enriquecimento sem causa do prejudicado; a reparação somente se daria no caso do ofendido ser pobre; só podem ser reparados os danos oriundos do extracontratual.
3.AS ESPÉCIES DE DANO E A SÚMULA 387 DO STJ
Segundo Pamplona e Stolze (2012, p. 88) o conceito de dano é entendido como sendo: “lesão a um interesse jurídico tutelado, patrimonial ou não, causado por ação ou omissão do sujeito". É necessário a existência do dano para configuração da Responsabilidade Civil. Por isso, com absoluta propriedade, SÉRGIO CAVALIERI FILHO, (2000, p. 88).
De acordo com essa lógica, é inadiável a necessidade de reconhecer os novos interesses jurídico a serem guardados, lançando novas categorias de dano, a exemplo do dano estético e do dano espiritual. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça modificou a súmula 387 do STJ, mencionado ser lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.
Se tratando do dano patrimonial, entende-se como sendo aquele que prejudica ou ofende bens ou interesses que podem ter um respaldo monetário, ou seja, que poder ser reparados em algum valor em dinheiro.
Com a previsão da dignidade da pessoa humana como fundamento da República do Brasil o dano extrapatrimonial ganhou destaque no sistema jurídico. A pessoa agora deve ser protegida não apenas em seus reflexos patrimoniais, mas também, e principalmente, em seus aspectos existenciais. Atento a isso o legislador, no art 5o , VI, VII da CF/88 positiva a proteção aos bens extrapatrimoniais do indivíduo. Segundo o legislador constitucional a pessoa deve ter reparada quaisquer danos materiais, morais ou à imagem. Ou seja, a pessoa merece proteção em seu aspecto patrimonial e extrapatrimonial (PAMPLONA e STOLZE, 2009, pp. 89 - 102). O dano patrimonial se divide em dano emergente e lucros cessantes. O dano emergente corresponde ao efetivo prejuízo suportado pelo ofendido, enquanto que os lucros cessantes, por sua vez, representam aquilo que o ofendido deixou de ganhar. (PAMPLONA, 2015)
Segundo Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2009, p.57) o dano extrapatrimonial pode ser conceituado como “aquele que ofende bens ou valores desprovidos de correspondência pecuniária, não podendo ser quantificados precisamente em dinheiro. É o caso da ofensa à honra, à vida, à privacidade, à imagem, entre outros”.
Por essa lógica surge a necessidade de reconhecimento para os novos interesses jurídicos a serem protegidos, terminando em novas categorias de dano. Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça modificou a súmula 387 do STJ, citando que é licita a obrigação das indenizações de dano estético e moral.
De acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça, com a edição da referida súmula, no Brasil seriam mais de dois tipos de dano, a saber, dano material, dano moral e o dano estético. Entende o presente Tribunal, portanto, que o dano estético não é dano moral, possuindo autonomia conceitual. O dano estético é entendido como sendo aquele que ofende a integridade física da pessoa deixando-lhe marcas e/ou lesões
Em outras palavras, é permitido cumular valores autônomos de danos. A esse respeito, aplicar-se-á também a súmula 37 do STJ, sendo possível a cumulação de indenizações por dano material e dano moral oriunda do mesmo fato. (BRASIL, 2009)
A estipulação dessa súmula motivou o aparecimento de novas categorias de danos oriundo do direito fundamental da dignidade da pessoa humana quanto aos bens jurídicos merecedores de tutela e, consequentemente, das hipóteses de danos passíveis de ressarcimento. Diante do novo paradigma da Responsabilidade Civil, novos interesses jurídicos são tutelados à luz da constitucionalização do direito civil. (PAMPLONA, 2015)
Dessa maneira, a edição da súmula, consagra o novo paradigma da Responsabilidade Civil, no tocante a ampliação dos bens jurídicos merecedores de tutela, e, consequentemente, das hipóteses de danos passíveis de ressarcimento. Volta-se não só à reparação dos danos de ordem patrimonial, mas também aos de ordem extrapatrimonial.
A nova conjuntura da responsabilidade civil enseja a valoração de uma inédita espécie de dano, que não se enquadra na categoria de dano consabido pela lógica tradicional. O dano espiritual trata-se de dano autônomo, especifico, e por assim dizer, à tutela do interesse jurídico extrapola a cláusula geral da dignidade da pessoa humana.
4.O DANO ESPIRITUAL
O tema de referência trata-se da morte das 154 pessoas que estavam a dentro do avião, motivando assim a reparação civil pelos danos espirituais causados aos indígenas. Isso porque, para eles, os locais designados para acolher os espíritos dos mortos se tornam lugares sagrados e inacessíveis para o uso comum do dia a dia. Após a confecção de um laudo antropológico, a companhia aérea aceitou a pagar a indenização pelos danos espirituais sofridos, decorrentes da inutilização de forma definitiva do uso da área, em respeito à tradição e cultura nativa, de acordo com a qual a cidade das almas é uma área sagrada.
O acordo que deu origem a essa nova modalidade de reparação civil não teve sua origem em uma decisão proferida nos autos de um processo judicial, mas em um acordo celebrado extrajudicialmente, mediado pelo Ministério Público, que averiguou o fato em inquérito instaurado. Sendo assim, essa modalidade de reparação civil ainda não faz parte do acervo jurisprudencial dos tribunais do nosso país.
O dano espiritual apesar de ser aplicado na decisão proferida nas tribos indígenas ela já era admitida nos Estados Unidos desde os anos 80, considerando o fato de ter prejuízos sobre os recursos naturais e espirituais das comunidades da época. Na china o dano espiritual também é debatido pelos juristas, após um caso de um morador local dizer que uma atriz de novela ter fixado seus olhos com o telespectador, o caso chamou a atenção e foi debatido, mas nada foi a público e não se sabe se o senhor desistiu da ação.
O caso da barragem no município de Mariana teria sido o mais grave acidente ambiental do Brasil, três anos após esse acidente uma nova tragédia assolou os moradores de Brumadinho, sendo esse também de responsabilidade da mesma empresa Vale, ocorrido no estado de Minas Gerais, o caos instalado por falta de fiscalização dos entes e da empresa competente, causando um enorme tsunami de rejeitos e minérios de lama que matou aproximadamente mais de 300 pessoas, além de ter derrubado várias habitações que estavam ali presentes, sem contar nos danos causados aos veículos soterrados, trazendo uma enorme poluição para a natureza, poluindo também a rede hidrográfica do local.
A Declaração das Nações Unidas trata dos direitos dos povos indígenas adotada pela Brasil prevê a reparação dos danos espirituais através de mecanismos eficazes (Art. 11) da resolução 61/178, de 20 de dezembro de 2006 e o direito de manifestação, prática, desenvolvimento e ensino de suas tradições, costumes e cerimônias espirituais e religiosas; bem como de manutenção e proteção de seus lugares religiosos e culturais, com acesso privativo a estes (Art. 12) da resolução 61/178, de 20 de dezembro de 2006. A Constituição Federal desde 1988 reconhece aos índios sua organização social, costumes, crenças e tradições (Art. 231), e garante a proteção às manifestações culturais da população indígena (Art. 215). (NOGUEIRA, 2017).
Toda privação territorial que resulte em perdas patrimonial, afetando a cosmologia indígena e o modo de interação com o território, importa em danos imateriais que sujeitam à responsabilização quem a eles deu causa, independentemente desta ter sido um desastre aéreo e ambiental, como no caso dos Kayapó, um crime ao meio ambiente ou pela omissão estatal em relação às demarcações, motivos mais comuns. (NOGUEIRA, 2017).
No brasil ainda não existe uma lei ou bibliografia que fale expressamente sobre o caso, além de ser extremamente raro os casos de decisões ou processos que tragam esse tema para discussão. Um dos casos que nem chegou a ser julgado por falta de evidencias foi de uma senhora, cidadã religiosa que por meio de um processo tentou, mas não obteve sucesso ao dizer que o cadáver de sua mãe foi violado em razão ao corte que os agentes funerários fizeram.
O caso mais recente se trata como já mencionado anteriormente do acordo celebrado no Ministério Público com a companhia aérea GOL e a tribo de Indígenas Kayapó, o acordo findado gerou um valor de quatro milhões em indenização para a comunidade visto que os direitos tinham sido violados, mais especificamente os danos espirituais. A comunidade indígena alegou que as terras além de estarem contaminadas com os destroços e toda a querosene derramada também havia prejudicado a integridade das almas mortas por causa da fatalidade ocorrida.
Após a perícia e a elaboração de documento comprobatório, a empresa GOL aceitou pagar a indenização pelos danos causados a comunidade indígena, decorrentes do prejuízo causados para ter o uso regular da área afetada.
Outro caso também ocorreu em uma comunidade indígena no mesmo estado de Minas Gerais, quando uma barragem estourou e levou rejeitos de mineração para as terras da comunidade e contaminou grandes áreas de onde abrigava mais de 150 municípios. Tempo depois a lama que tinha ficado alojada nas vilas acabou se deslocando para o Rio Doce, trazendo mais prejuízos para as pessoas daquela comunidade.
A Corte Interamericana que participou da decisão da comunidade indígena do Kayapó foi criada de forma autônoma para a proteção de casos de Direitos Humanos, é composta por uma banca de sete juízes de países distintos e que atuam na sede localizada em Washington, nos Estados Unidos.
A espiritualidade poderia ser definida como uma propensão humana a buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível: um sentido de conexão com algo maior que si próprio. (SAAD, 2001, p. 108).
No Brasil a Constituição da República traz o conceito de Estado Laico, previsto inicialmente em seu artigo 19, inciso I, ou seja, o Estado é totalmente imparcial com as questões religiosas, não demonstrando preferência a uma religião especifica.
Convém definir neste cenário que a religiosidade e a espiritualidade, apesar de relacionadas, não são claramente descritas como sinônimos. A religiosidade envolve sistematização de culto e doutrina compartilhados por um grupo. A espiritualidade está afeita a questões sobre o significado e o propósito da vida, com a crença em aspectos espiritualistas para justificar sua existência e significados. (SAAD, 2001)
Tanto no caso das tribos de Legacy ou nas tribos Mundukuru, a nova modalidade de reparação cível a qualificação de dano espiritual é extremamente aplicável principalmente pela sua excentricidade do dano espiritual, já que a generalização como sendo espécie de dano moral, não teria tanto apoio legal. Os espaços sagrados são dotados de significado espiritual e muitas das vezes conectam-se com a noção de identidade cultural. Sobre esse assunto, não se pode olvidar, a destruição do templo de Salomão pelo rei babilônio Nabucodonor no ano de 587 a.C., e cujo interior era guardada as tábuas dos Dez mandamentos. (ALVES, 2016, pp. 14-18)
A destruição desse espaço sagrado acarretou o êxodo hebreu, através da deportação forçada repercutindo na perda de identidade cultural. Sob o prisma atual, poderia ter sido Nabucodonosor obrigado a reparar o dano espiritual por ter destruído aquele local sagrado? Sim, já que tal prerrogativa desenfrearia o início do êxodo judeu, impedindo a perda de identidade daquele povo. (ALVES, 2016, 14-18)
Ainda sobre a destruição de espaços sagrados e a aplicabilidade dos danos espirituais, observa-se o caso da tribo indígena Munduruku. A comunidade indígena Mundukuru, perdeu partes de suas terras sagradas, diante da construção de duas barragens localizadas próximo ao rio Teles Pires, na Divisa de Mato Grosso com Pará. O local é considerado sagrado, e de acordo com o povo Mundukuru, a destruição daquele espaço, desagradou os espíritos que estão alojados nessa extensão territorial, diante disso, todo infortúnio vem se abatendo não apenas sobre eles, mas sobre toda a Amazônia. (ROCHA, 2017).
No Brasil a situação emblemática de reparação cível na seara espiritual, trata-se do caso Legacy. A empresa aérea Gol, mediante acordo realizado extrajudicialmente, indenizou no importe de quatro milhões de reais a comunidade indígena Kayapó, localizada no norte de Mato Grosso do Sul, pela ocorrência de danos espirituais e danos patrimoniais. A comunidade indígena perdeu partes de suas terras, considerada como sendo “cemitério dos espíritos” quase nunca frequentada em respeito ao local sagrado, quando o jato Legacy chocou com a Boeing da Gol. Tratava-se de um espaço sagrado, local de reverência indígena. (FERRAZ, 2017).
5.CORTE INTERAMERICANA
A agenda de trabalho da Comissão Interamericana inclui tradicionalmente casos de tortura, de detenções arbitrárias, de execuções extrajudiciais e de desaparecimentos forçados. Mais recentemente, a Comissão avalia denúncias referentes a direitos de propriedade, de locomoção e de liberdade política que afetam comunidades tradicionais e carcerárias (ANTKOWIAK, 2007, p. 282).
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é uma entidade principal e autônoma da Organização dos Estados Americanos, encarregada da proteção dos direitos humanos no continente americano. Não podemos deixar de mencionar sua importância na decisão tomada para a reparação do dano espiritual. No caso da comunidade Moiwana vs. Suriname a corte estabeleceu as diretrizes do interesse da comunidade deixando claro que a convivência deve ser pacifica e cordial, inclusive tratando-se dos povos antigos.
Essa espécie de dano não estava prevista no ordenamento jurídico brasileiro, o primeiro contato que tivemos foi na sentença proferida no dia 15 de junho de 2005 referente ao caso da comunidade Moiwana a Corte Interamericana menciona que o dano sofrido abrange além do projeto pós vida, alegando que o direito internacional e o direito internacional dos direitos humanos não poderiam silenciar as manifestações espirituais do gênero humano.
Deixando claro que o conceito de dano espiritual era sim uma nova forma de agravo do dano moral, que implicaria em um jeito mais direto na parte intima do ser humano para identificar suas crenças com relação aos seus antepassados.
Levando em consideração a decisão tomada no caso, podemos analisar que o direito pós vida surge como um respeito em relação aos que estão vivos gerando uma conexão entre os dois mundos.
6.CONCLUSÃO
Com a ideia central de acrescentar novas modalidades de reparação civil no ordenamento jurídico brasileiro e esclarecer que o direito sempre muda de acordo com as necessidades da sociedade em que vivemos, sendo necessário observar o desenvolvimento social que consequentemente evolui juntamente com os direitos de cada. Com a noção de que a liberdade religiosa é a primeira liberdade podemos nos referir como a liberdade que implica nos outros direitos, como os direitos de liberdade de expressão e etc...
Com o nascimento do processo constitucional e do direito civil, através da participação da Constituição Federal de 88 nas relações de cunho privado, antes visualizada para a maioria da proteção de bens patrimoniais, nasce a necessidade de apreciar os bens jurídicos merecedores de proteção, tendo em vista que a pessoa no seu tocante deve ser protegida. É nesse instante que a mudança do paradigma começa a surgir na responsabilidade civil.
O início para o processo, no que se refere ao amparo de novos interesses jurídicos, ocorre pela inclusão da súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça, definindo uma nova conjuntura sobre as espécies de danos, que antes era mais englobadas com a condição tradicional, de ser tão unicamente um dano material, moral dano à imagem.
Sobretudo, diante da necessidade de mudança do paradigma já criado, manifesta-se a vontade de valorização de categorias jurídicas de dano inéditas, é nesse instante que ocorre a introdução do dano espiritual. O conceito de dano moral será expandido na medida que novas situações surgem no ordenamento. Não resta duvidas com o que foi exposto de que as decisões proferidas referente aos danos espirituais sirva como base para futuras decisões extrajudiciais ou até mesmo decisões judiciais cuja o objeto da ação seja a reparação compensatória aos danos imateriais que violem a cultura religiosa de cada indivíduo.
Essa expansão dos danos causará resistências em doutrinadores e nas jurisprudências já aplicadas, mas diferente do que a maioria pensa, essa expansão servirá não para transformar a sociedade em pessoas com qualquer tipo de litigio para ser resolvido, e sim para uma sociedade evoluída e doutrinada contribuindo para a formação cultural e espiritual na certeza que poderá ser efetivamente amparado pelos direitos violados.
Partindo do princípio da liberdade religiosa, possuindo o ser liberdade de crer no que lhe cabe independente se sua crença é positiva ou negativa. A crença está presente em várias situações do cotidiano de cada um, ou seja, nada mais justo que esse direito esteja presente em uma modalidade de reparação civil de acordo com a crença de cada um na sociedade.
Entendimento do Juiz que julgou o acidente na aldeia indígena dos Kayapós é de que não existe forma de qualificar o dano espiritual, o mesmo deve ser ressarcido por obrigação de fazer de modo satisfatório as vítimas.
Mostrado as ponderações sobre o dano espiritual podemos dizer em hipóteses especificas que está conduta poderia ser aplicada na esfera trabalhista, quando tratada principalmente do trabalho indígena, já que as reparações estão ligadas com o projeto pós vida tratando com igualdade o princípio da restituição integral do dano.
A permanência do dano é notada pelos diferentes aspectos tratados, podemos ver que inicialmente buscou-se uma maneira de demonstrar que o acordo com a visão preliminar de espiritualidade, significa o encontro para um sentido de vida por meios de conceitos que elevam o nível para algo tangível. É além de um nível de conexão com algo bem maior que dentro desse cenário apresenta a formação da reparação cível e se compromete em assumir a identidade terminológica especifica quando o assunto é indenização de interesse jurídico extrafísica.
O sentindo tratado em questão é para demonstrar que a desunião do dano espiritual em conjunto com o dano moral não faz mais sentido e nesse momento, foi dito que o dano moral se configura a partir da violação a cláusula geral de tutela da pessoa humana e/ou como qualquer lesão ao direito subjetivo à dignidade. Sobre esse conceito, retirou-se duas importantes distinções. A primeira, no tocante a cláusula geral e a segunda no que diz respeito ao direito subjetivo.
A sociedade moderna menospreza a morte, é importante salientar que isso não é uma regra seguida por todos os tipos de comunidade, os povos mais antigos e algumas comunidades atuais valorizam a morte. Podemos observar pequenas comunidades realizando ritos que celebram o nascimento até cultos que comemoram a morte. Não é possível viver uma vida digna se não houver a liberdade de crer no que quiser.
REFERÊNCIAS
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Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul-SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACIONE, Sérgio Oliveira. Dano espiritual como uma nova modalidade de reparação civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 set 2022, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59123/dano-espiritual-como-uma-nova-modalidade-de-reparao-civil. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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