RESUMO: A homofobia consiste em aversão, ódio, preconceito, exclusão ou rejeição a pessoas homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais. O presente trabalho tem como escopo dispor sobre a tipificação da homofobia no Brasil e suas implicações no campo dos Direitos Humanos, frente aos postulados da dignidade da pessoa humana, da autodeterminação e da liberdade, orientação e identidade de gênero. Nesse sentido, a presente pesquisa se propõe a explorar a criminalização da homofobia no estado brasileiro a partir de análise sobre as disposições constitucionais, legais, posicionamentos doutrinários, jurisprudenciais, bem como de fatos históricos e sociais que abordam a referida temática, a qual está inserida dentro dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Palavras Chave: Homofobia. Direitos Humanos. Criminalização. Identidade de Gênero.
ABSTRACT: Homophobia consists of aversion, hatred, prejudice, exclusion or rejection of homosexuals, bisexuals, transvestites and transsexuals. The purpose of this work is to discuss the typification of homophobia in Brazil and its implications in the field of Human Rights, in view of the postulates of human dignity, self-determination and freedom, orientation and gender identity. In this sense, the present research proposes to explore the criminalization of homophobia in the Brazilian state from an analysis of the constitutional, legal, doctrinal and jurisprudential positions, as well as historical and social facts that address the aforementioned theme, which is inserted within the fundamental rights of the human person.
Keywords: Homophobia. Human Rights. Criminalization. Gender Identity.
1. INTRODUÇÃO
A homofobia consiste em aversão, discriminação, preconceito, ódio, exclusão ou rejeição em relação às pessoas que possuem relações homo afetivas, sejam entre homens, sejam entre mulheres. Ou seja, a homofobia significa aversão às relações semelhantes.
Nessa perspectiva, qualquer manifestação, expressão ou ato de ódio, aversão, repulsa, rejeição ou medo contra os homossexuais, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais configura homofobia, a qual pode gerar as mais variadas formas de violência, a exemplo de violência social, psicológica ou física.
Nesse sentido, para BORRILLO a homofobia pode ser compreendida como:
[...] a atitude de hostilidade para com os homossexuais. [...] Embora seu primeiro elemento seja a rejeição irracional ou mesmo o ódio em relação a gays e lésbicas, a homofobia não pode ser reduzida a isso. Assim como a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, ela é uma manifestação arbitrária que consiste em qualificar o outro como contrário, inferior ou anormal. Devido a sua diferença, esse outro é posto fora do universo comum dos humanos. (2007, p. 141, grifo nosso).
Assim, dada a relevância do tema, verifica-se, atualmente, que a homofobia tem se tornado objeto de profundo debate jurídico-social, sobretudo no campo dos Direitos Humanos, sendo escopo de inúmeras pesquisas e investigações acadêmicas, constituindo foco central de estudos, dissertações e teses em diversas áreas do conhecimento, especialmente nas ciências humanas e sociais.
Dentro deste contexto, este trabalho procura fazer uma contribuição na área de Direitos Humanos, dispondo sobre a tipificação da homofobia, em face da pessoa humana, evidenciando os conceitos de orientação e identidade de gênero e da sigla LGBTQIA+.
Em relação a presente investigação, esta utilizou o método dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica, utilizando-se de jurisprudências e referenciais teóricos, tomando por base as posições doutrinárias mais atuais.
2. SEXO BIOLÓGICO, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO
A sexualidade é uma das mais importantes dimensões do ser humano, que envolve questões políticas, sociais, religiosas, ideológicas e culturais.
Sem adentrar no aspecto médico-científico, a sexualidade é formada, basicamente, por três elementos: sexo biológico, orientação sexual e identidade de gênero.
Destarte, sexo biológico refere-se ao órgão genital, tendo por base os hormônios, cromossomos e a característica física a partir da concepção do individuo; já a orientação sexual refere-se à atração física e afetiva, podendo ser heterossexual (atração por pessoas do sexo oposto), homossexual (atração por pessoas do mesmo sexo) e bissexual (atração por ambos os sexos); e a identidade de gênero consiste na percepção que a pessoa tem de si como sendo do gênero masculino, feminino ou de alguma combinação dos dois, independentemente do sexo biológico.
3. LGBTQIA+
A sigla LGBTQIA+ representa o movimento político e social que defende a diversidade e a busca por mais representatividade e direitos para todas as possíveis manifestações de sexualidade.
Nesse contexto, a referida sigla evidencia a luta por mais isonomia e respeito à diversidade sexual existente, representando cada letra um grupo de pessoas, conforme se extrai do Manual de Comunicação LGBTI+, a saber:
a) L – Lésbicas: são mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero, ou seja, outras mulheres;
b) G – Gays: são homens que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero, ou seja, outros homens;
c) B – Bissexuais: diz respeito aos homens e mulheres que sentem atração afetivo/sexual pelos gêneros masculino e feminino. Porém, a bissexualidade não tem relação direta com poligamia, promiscuidade, infidelidade ou comportamento sexual inseguro. Esses comportamentos podem ser tidos por quaisquer pessoas, de quaisquer orientações sexuais;
d) T – Transgênero: diferentemente das letras anteriores, o T não se refere a uma orientação sexual, mas a identidades de gênero. Sendo também chamadas de “pessoas trans”, que podem ser transgênero (homem ou mulher), travesti (identidade feminina) ou pessoa não-binária, que se compreende além da divisão “homem e mulher”;
e) Q – Queer: pessoas com o gênero ‘Queer’ são aquelas que transitam entre as noções de gênero, como é o caso das drag queens. A teoria queer defende que a orientação sexual e identidade de gênero não são resultado da funcionalidade biológica, mas de uma construção social;
f) I – Intersexo: a pessoa intersexo está entre o feminino e o masculino. As suas combinações biológicas e desenvolvimento corporal, tais como cromossomos, genitais e hormônios, não se enquadram na norma binária (masculino ou feminino);
g) A – Assexual: assexuais não sentem atração sexual por outras pessoas, independente do gênero. Existem diferentes níveis de assexualidade e é comum essas pessoas não verem as relações sexuais humanas como prioridade.
h) “+” - o símbolo de “mais ” aparece para incluir outras identidades de gênero e orientações sexuais que não se encaixam no padrão cis-heteronormativo, mas que não aparecem em destaque antes do símbolo.
4. PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA
Os Princípios de Yogyakarta consistem em um documento internacional sobre direitos humanos nas áreas de orientação sexual e identidade de gênero, publicado no ano de 2006 como resultado de uma união internacional de grupos de direitos humanos, na cidade de Yogyakarta, na Indonésia, prevendo parâmetros de proteção para a população LGBTQIA+, em face das graves violações de direitos humanos.
Cumpre destacar que os princípios de Yogyakarta representam uma das primeiras tentativas de criação de normas internacionais relacionadas à defesa da liberdade de orientação sexual e de identidade de gênero, enfatizando que as violações de direitos por questões de orientação sexual e identidade de gênero constituem violação dos direitos humanos.
No entanto, em que pese a relevância do documento de Yogyakarta, seus princípios não foram incorporados como legislação oficial do direito internacional, já que os seus redatores não exerciam a representação oficial de seus respectivos países. Todavia, tal fato não retira a importância e necessidade de observância dos princípios de Yogyakarta, os quais são considerados um dos mais importantes documentos protetivos da comunidade LGBTQIA+ global.
No mais, os direitos tratados nos Princípios de Yogyakarta são divididos em grupos temáticos, totalizando 29 princípios declarados no documento, relacionados à universalidade dos direitos humanos; os direitos e liberdades fundamentais (como direito à vida, saúde, trabalho, liberdade, segurança, e privacidade); a não discriminação; a liberdade de expressão; o direito à migração e asilo; o direito à participação; e promoção dos direitos humanos.
5. RELEVÂNCIA DA TIPIFICAÇÃO DA HOMOFOBIA
Ninguém, sob a égide de uma ordem democrática justa, pode ser privado de seus direitos (entre os quais o direito à busca da felicidade e o direito à igualdade de tratamento que a Constituição e as leis da República dispensam às pessoas em geral) ou sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 prevê:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
[...]
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Logo, faz-se necessário tutelar penalmente a liberdade de gênero, não podendo o ser humano sofrer ingerências indevidas em sua intimidade e vida privada, diante da sua orientação de gênero, a qual decorre da própria dignidade humana.
Corroborando tal entendimento, leciona o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, em seu voto, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº26 (ADO26):
Direitos relativos à orientação sexual e à identidade de gênero são reconhecidos, hoje, nacional e internacionalmente, como essenciais para a dignidade e humanidade da pessoa humana, integrando o núcleo dos direitos à igualdade e à não-discriminação. Os referidos Princípios de Yogyakarta voltam-se a tutelar o indivíduo diante da violência, do assédio, da discriminação, da exclusão, da estigmatização e do preconceito dirigidos contra pessoas em todas as partes do mundo por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Esses grupos, por serem minoritários e, não raro, vítimas de preconceito e violência, demandam especial proteção do Estado. Nesse sentido, a criminalização de condutas discriminatórias não é só um passo importante, mas também obrigatório, eis que a Constituição contém claro mandado de criminalização neste sentido: conforme o art. 5º, XLI, “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.
Assim, o STF diante da gravidade do tema, reconheceu que as manifestações homofóbicas podem, conforme o caso concreto, configurar atos passíveis de repressão penal, já que configuram racismo em sua dimensão social, conforme se observa:
PRÁTICAS HOMOFÓBICAS E TRANSFÓBICAS CONFIGURAM ATOS DELITUOSOS PASSÍVEIS DE REPRESSÃO PENAL, POR EFEITO DE MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO (CF, ART. 5º, INCISOS XLI E XLII), POR TRADUZIREM EXPRESSÕES DE RACISMO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”). ADO nº26/DF.
Ademais, vale ressaltar que o STF entendeu quê:
A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero. ADO nº26/DF, grifo nosso.
No entanto, o discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações e manifestações que incitem a discriminação, que estimulem a hostilidade ou que provoquem a violência (física ou moral) contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero, não encontra amparo na liberdade constitucional de expressão nem na Convenção Americana de Direitos Humanos, que expressamente o repele, conforme se observa a seguir:
ARTIGO 13
Liberdade de Pensamento e de Expressão
[...]
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, diante da proteção jurídica conferida à dignidade humana, ninguém pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual ou em razão de sua identidade de gênero. Logo, os integrantes do grupo LGBTQIA+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capacidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência homoerótica.
Ressalta-se que a homofobia, assim como a xenofobia, o racismo e o antissemitismo, deve ser vista como um crime, pois trata-se de preconceito que leva à discriminação e, portanto, deve ser punida, em face da dignidade humana, configurando uma infração penal grave, a qual reclama a imposição de pena privativa de liberdade.
Nesse sentido, a partir do momento em que se nutre o ódio, o preconceito, a discriminação, a exclusão, a rejeição e a aversão em face de determinada pessoa, em decorrência de sua orientação sexual, estar-se-á diante de fato delituoso, ensejador repressão penal, posto que se trata de um crime contra a pessoa humana.
Dessa forma, o mandado de criminalização contido no art. 5º, inciso XLII, da Constituição da Federal de 1988, deve abranger a criminalização de condutas homofóbicas e transfóbicas, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ABRAMOVAY, M. & CASTRO, M. Caleidoscopio das violencias nas escolas. Brasília: Missão Criança, 2006. ______ ; SILVA, L. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESCO, 2004.
BORRILLO, D. Homofobia. Barcelona: Bellaterra; 2007.
JESUS, J. G. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. Brasília: Autora, 2012.
LANZ, L. O corpo da roupa: a pessoa transgênera entre a transgressão e a conformidade com as normas de gênero. Uma introdução aos estudos transgêneros. Curitiba: Transgente, 2015.
LOURO, Guacira. L. Gênero, sexualidade e educação. Uma abordagem pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
OS PRINCÍPIOS de Yogyakarta: Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero. Yogyakarta, Indonésia, 2006.
REIS, T., org. Manual de Comunicação LGBTI+. 2ª edição. Curitiba: Aliança Nacional LGBTI / GayLatino, 2018.
SIGNIFICADO DA SIGLA LGBTQIA+. Fundação Brasil, [S.I.]. Disponível em: < https://www.fundobrasil.org.br/blog/o-que-significa-a-sigla-lgbtqia/>. Acesso em: 08 ago 2022.
Graduado em Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade Federal do Tocantins (UFT); Especialista em Gestão Pública pela Faculdade Educacional da Lapa FAEL); Graduando em Direito pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOÃO PEREIRA DA SILVA JÚNIOR, . A relevância da tipificação da homofobia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 set 2022, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59133/a-relevncia-da-tipificao-da-homofobia. Acesso em: 22 nov 2024.
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