RESUMO: O artigo busca analisar a origem do constitucionalismo, bem como seus principais modelos desenvolvidos através da evolução da história. Soma-se a isso a análise do neoconstitucionalismo, denominado também constitucionalismo contemporâneo, marcado por uma nova forma de visualizar a constituição e suas normas no ordenamento jurídico. E por fim, pretende estudar o transconstitucionalismo, seu conceito e exemplos concretos em que o Brasil se deparou com esse tema.
PALAVRAS-CHAVES: constitucionalismo. neoconstitucionalismo. transconstitucionalismo.
1.INTRODUÇÃO:
O presente trabalho analisa o constitucionalismo e suas diferentes concepções. Trata-se de tema que não é estanque e sofreu grandes modificações ao longo do tempo. André Ramos Tavares[1] afirma que existem, no mínimo, quatro diferentes sentidos para ela. Segundo o autor:
“Numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira concepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades. Numa vertente mais restrita, o constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um determinado Estado”.
Assim, Canotilho preferia falar em movimentos constitucionais, por identificar uma série de constitucionalismo, que apesar de se modificar no decorrer da história, sempre transporta um juízo de valor, por ser uma teoria normativa da política[2].
2.CONSTITUCIONALISMO:
O constitucionalismo é um movimento do século XVII na Inglaterra e do século XVIII nos Estados Unidos e na França, que teve como objetivo limitar o poder, diante de uma nova organização e estruturação do Estado, além de estabelecer direitos e garantias fundamentais. Em termos históricos, com o constitucionalismo, temos a passagem do Estado apenas da política para um Estado de Direito constitucional. O Estado só da política caracterizava-se pela falta de limite do poder, no qual há arbitrariedade e injustiças.
Ressalta-se que a constituição material sempre existiu, pois basta que se tenha uma determinada comunidade com uma determinada identidade para se ter uma constituição, visto que essa é, na realidade, o modo de ser de uma comunidade, sociedade ou Estado. É a denominada constituição real, analisada sob o prisma sociológico, que adquire um sentindo jurídico com o constitucionalismo. Assim, a constituição material sempre esteve pressente nas sociedades, diferente do constitucionalismo, que nem sempre existiu. Esse é o sentido jurídico que limita o poder e concebe direitos fundamentais. Logo, a constituição deixa de se caracterizar pelo “modo de ser” de uma comunidade e passa a ser um “ato constitutivo” de uma comunidade.
3.DIFERENÇAS DO CONSTITUCIONALISMO INGLÊS DO CONSTITUCIONALISMO AMERICANO E FRANCÊS
O constitucionalismo inglês teve origem no século XVII, enquanto que o americano e francês possuíram origem no século XVIII. O constitucionalismo inglês foi fruto da Revolução Gloriosa (1688-1689), na qual se encerrou um ciclo da arbitrariedade do poder, inaugurando a supremacia do parlamento. A constituição inglesa é apenas material, não escrita, histórica e costumeira (para eles, o que constituem um país são suas práticas e não um mero papel). Houve ainda o “Bill of Right”, de 1689 – a Declaração dos Direitos dos Cidadãos.
Já nos Estados Unidos e na França remontam-se às revoluções burguesas. Houve o início da aplicação da teoria da separação dos poderes, deixando clara a função de cada poder – “check and balance” (sistema de peso e contrapesos). Nesses países houve constituições formais e escritas, assim, o que rege um Estado não são somente as práticas, mas também um pacto, um contrato escrito, no qual se abre mão de certas condutas em nome desse pacto, no qual o seu núcleo não pode ser alterado. Surge a denominada “Era das Constituições Escritas”. Há a presença de declarações de direitos, como a Declaração Universal de Direitos dos Homens e dos Cidadãos (França – 1789) e Declaração dos Direitos Americanos (1791).
Já em relação às diferenças entre o constitucionalismo americano e francês, é possível notar que a constituição dos EUA data de 1787 (é a primeira constituição escrita), enquanto que a constituição francesa é de 1791. A Declaração Universal de Direitos dos Homens e dos Cidadãos da França data de 1789, logo é anterior a sua própria constituição, enquanto a declaração dos direitos americana é de 1791, sendo assim, posterior a sua constituição.
Surge então a indagação de qual teria sido o modelo mais bem sucedido de constitucionalismo. Pode-se dizer que na maioria dos países adotou-se o modelo americano e o francês. Todavia, o conceito moderno de constituição surge somente no século XVIII em diante na maioria dos países do mundo e pode ser definido como a ordenação sistemática e racional da comunidade política (Estado) explicitada em um documento escrito que organiza o Estado e estabelece Direitos Fundamentais.
4.NEOCONSTITUCIONALISMO/ CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO:
Trata-se do movimento da segunda metade do século XX em diante, no pós Segunda Guerra Mundial, que teve como objetivo estabelecer um novo modo de compreender, interpretar e aplicar o direito constitucional e as constituições.
Temos alguns marcos, ou vetores do neoconstitucionalismo[3]. O primeiro deles é o histórico, que ocorre com o Estado Constitucional de Direito no pós-segunda guerra mundial, sobretudo na Europa. Pode-se citar como exemplos a constituição da Itália de 1948, a constituição da Alemanha, também conhecida como lei fundamental de Bonn, que representa a principal referência no constitucionalismo moderno de 1949, a constituição de Portugal de 1976, a constituição da Espanha de 1978 e constituição do Brasil de 1988.
O segundo marco é o filosófico, que é o denominado pós-positivismo. Trata-se de um fenômeno que visa superar a dicotomia entre o jusnaturalismo e o positivismo, pois ele pretende ir além da legalidade estrita (a legitimidade do Estado não advém somente da legalidade), porém ele não desconsidera totalmente o direito posto. Entende que se pode alcançar a justiça sem recorrer a categorias metafísicas, isto é, é possível ter justiça dentro do próprio direito positivo. Só em casos de extremas injustiças que não se deve seguir o direito positivo. É a leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. Portanto, o pós-positivismo para sua efetivação trabalha uma reaproximação entre o direito e a ética, o direito e a moral e o direito e a justiça. São campos distintos, mas existem possibilidades de conexão entre eles.
O terceiro marco é o teórico, que diz respeito ao conjunto de teorias que se referem à força normativa da constituição, a expansão da jurisdição constitucional e da nova hermenêutica constitucional. Temos a relativização dos métodos clássicos da hermenêutica e o surgimento de novos métodos de interpretação, como por exemplo, a ponderação, a principiologia, a proporcionalidade, a metódica estruturante e etc.
5.CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO NEOCONSTITUCIONALISMO
Infere-se que a principal característica é a constituição como centro do ordenamento jurídico, constituindo uma referência central do ordenamento jurídico. A constituição invade todo o ordenamento, trazendo a idéia de ubiqüidade constitucional (a constituição está em todos os lugares do ordenamento ao mesmo tempo), de filtragem constitucional (a constituição é um filtro de todo o ordenamento) e de interpretação conforme a Constituição. Tal circunstância é uma decorrência natural da força normativa da Constituição, isto é, do reconhecimento de que as normas constitucionais são normas jurídicas, compartilhando de seus atributos.
Assim, uma característica do neoconstitucionalismo é justamente a força normativa da constituição. A constituição deixa de ser um documento meramente político para ser efetivamente jurídico, isto é, a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica. As normas constitucionais passam a ser vistas como dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação e de cumprimento forçado.
Outra característica é a busca ou a concretização de direitos fundamentais tendo como norte (parâmetro/base) a dignidade da pessoa humana, no qual se passa a ter uma eficácia irradiante, isto é, que emana para todo o ordenamento jurídico (sentido objetivo dos direitos fundamentais). Há também a judicialização da política das relações sociais. O judiciário passa a ser protagonista de ações, tendo em vista as omissões dos outros poderes. Há, portanto, um deslocamento do holofote do poder legislativo e executivo para o judiciário. Com isso, abre-se campo para a judicialização de políticas públicas e do ativismo judicial. Além disso, há a implementação do controle de constitucionalidade feito pelo Judiciário em vários países. Ademais, como já explanado, há a reaproximação entre direito e ética e direito e moral, surgindo à possibilidade de leituras morais da constituição e de moralismo jurídicos, também ocorrendo a aproximação entre o direito e a filosofia.
Por fim, surge uma nova teoria da norma, das fontes e da interpretação. Em relação à teoria da norma, temos com seu advento o reconhecimento da força normativa dos princípios (Dworkin e Alexy). Assim, os princípios passam a ser consideradas normas jurídicas, assim como as regras, sendo a constituição é considerada um sistema aberto de regras e princípios. Já no que tange a teoria das fontes, tem-se que o Direito passa a ser produzido também pelo judiciário. Com isso, há o deslocamento do poder do legislativo e executivo para o judiciário, que passa a ser o protagonista de ações. Ocorre também uma expansão da jurisdição constitucional e dos tribunais. E em relação à teoria da interpretação, ocorre uma relativização dos métodos clássicos de interpretação, quais sejam, os métodos histórico, literal, teleológico, sistemático, especialidade e etc. e o estabelecimento de uma nova hermenêutica constitucional, com novos métodos de interpretação, como por exemplo, a ponderação, o princípio da proporcionalidade, a tópica, as teorias da argumentação, a teoria da integridade, e a metódica.
6.TRANSCONSTITUCIONALISMO:
É o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas (ordem estatal/ interna, internacional, a transnacional, a supranacional) em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional. Ou seja, quando ordens jurídicas diferenciadas passam a tratar concomitantemente das mesmas questões de cunho constitucional, estamos diante do fenômeno do transconstitucionalismo. Isso é um reflexo da idéia de globalização, mundialização e da sociedade em rede.
Pode-se citar como exemplos do transconstitucionalismo a ADPF 101, que versou sobre a importação de pneus usados e manufaturas. Ao mesmo tempo em que o STF estava enfrentando a questão (ordem interna), ela estava sendo debatido também no MERCOSUL, na União Européia, pela Organização Mundial do Comércio, pela Organização Mundial do Meio-ambiente e pela Organização Mundial da Saúde. Assim, o tema estava sendo debatido em ordens jurídicas diversas, ao mesmo tempo, sobre a questão de cunho constitucional.
Outro exemplo é a ADPF 153, que diz respeito à justiça de transição, isto é, o que fazer após a transição de regimes autoritários para regimes democráticos (direito à memória, à reparação e a verdade). O Supremo enfrentou a ADPF em abril de 2010, ajuizada pela OAB, no qual se pediu a não recepção da lei da anistia no ordenamento jurídico brasileiro, pois a anistia também atingia os agentes da repressão do regime militar. O STF julgou improcedente, pois entendeu que a anistia havia sido ampla, geral e irrestrita. No mesmo ano de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos foi chamada a julgar o caso Gomes Lund (guerrilha do Araguaia) e julgou de modo contrário ao decidido pelo STF, entendendo que a lei da anistia não podia ser um empecilho para a punição dos agentes da Guerrilha. Essa decisão gerou vários movimentos no Brasil, como a Comissão da Verdade.
Diante desse último exemplo, surge a seguinte pergunta: Qual ordem deve prevalecer no transconstitucionalismo? Segundo Marcelo Neves[4], não se deve trabalhar com a lógica de uma ordem a preponderar, de forma absoluta, sobre as outras. Portanto, não deve prevalecer a lógica do fechamento, pois deve prevalecer a abertura. Com isso, o autor defende que devem existir diálogos constitucionais (conversações constitucionais ou pontes de transição) entre as mais variadas ordens para que decisões mais legítimas e justas sejam tomadas.
7.CONCLUSÃO
A noção de constituição, de cunho liberal que permeia os dias atuais, nem sempre esteve presente no decorrer da história, como explanado neste trabalho. A idéia atual é aquela idealizada por Canotilho, em que a constituição deve ser escrita, devendo conter uma enumeração de direitos fundamentais, adotando um sistema democrático formal e assegurando uma limitação do poder do Estado, através da divisão de poderes[5].
Conforme analisado através do presente trabalho, o constitucionalismo se desenvolveu de acordo com a sua origem histórica e evoluiu ao longo do tempo, até o modelo atualmente adota. Dessa forma, importante a compreensão do instituto, a fim de melhor compreender o Direito Constitucional vigente.
8.REFERÊNCIAS
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional - 9. ed. rev. ampl. e atual. Ed. JusPodivm – Salvador: 2017.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado– 20. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016.
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo – São Paulo: Ed. WMF Martins Pontes, 2009.
PAULO, Vicente. ALEXANDRINO, Marcelo - Direito Constitucional descomplicado - 16. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional – 15. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2017.
[1] Tavares, André Ramos. Curso de direito constitucional – 15. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2017, p. 49.
[2] Lenza, Pedro. Direito constitucional esquematizado– 20. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 71.
[3] Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional - 9. ed. rev. ampl. e atual. Ed. JusPodivm – Salvador: 2017, p. 59.
[4] Neves, Marcelo. Transconstitucionalismo – São Paulo: Ed. WMF Martins Pontes, 2009.
[5] Paulo, Vicente. Alexandrino, Marcelo - Direito Constitucional descomplicado - 16. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p.4.
Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETTO, Elisa Rocha Teixeira. Constitucionalismo e suas concepções Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 set 2022, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59135/constitucionalismo-e-suas-concepes. Acesso em: 23 dez 2024.
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