RESUMO: O presente artigo busca analisar a tipicidade penal, presente no substrato do fato típico dos crimes, ao lado da conduta, do resultado e do nexo causal. Dentro de seu estudo, se optou por pormenorizar as espécies de tipicidade – material e formal, além da tipicidade conglobante, adotada por parte da doutrina. Por último, há a análise da teoria da imputação objetiva e suas principais características.
PALAVRAS-CHAVES: tipicidade formal. Tipicidade material. Tipicidade conglobante. Imputação objetiva.
1. INTRODUÇÃO
Inicialmente, deve-se atentar que infração penal é gênero, que comporta as espécies crime e contravenção penal. Dentre os conceitos apresentados de crime pela doutrina, o que é adotado pela doutrina pátria é o conceito analítico, estratificado ou operacional, formado pelo fato típico, ilícito e culpável. Assim, para ser considerado crime e, conseqüentemente, para que se possa submeter o indivíduo a pena, é necessário que se tenha esses três elementos.
O fato típico é composto por conduta, resultado, nexo causal e tipicidade. O presente trabalho busca analisar o último substrato, ou seja, a tipicidade. Mas antes disso, faz-se necessário uma breve síntese sobre os demais elementos.
A conduta deve ser humana voluntária, corporal e externa, caracterizada por uma ação ou omissão, sendo a teria finalista que prevalece na conduta (todo comportamento voluntário é dirigido a uma finalidade). Em relação ao resultado, há o resultado jurídico/normativo produzido por todos os delitos e o resultado naturalístico, que é a modificação no mundo exterior em razão da conduta humana, ausente no caso de crimes formais. Já o nexo causal, é a relação de causalidade, ou seja, o liame entre conduta e resultado, tendo o Código Penal adotado, como regra, a teoria dos equivalentes causais (conditio sine qua non – art. 13, caput), que dispõe que tudo o que der causa ao resultado conduz ao nexo causal.
2. TIPICIDADE FORMAL
A tipicidade, objeto do trabalho em tela, se divide em formal e material, não bastando que a conduta do agente se adéqüe abstratamente ao tipo, pois o direito penal sofre uma intervenção mínima, em razão do caráter subsidiário do Direito Penal. Modernamente, Zaffaroni[1] diz que além da tipicidade formal, é necessário existir a tipicidade conglobante (juízo de valor). Muitos autores preferem, ao invés de tipicidade conglobante, falar em tipicidade material, que também leva a um juízo de valor.
Há tipicidade formal quando a conduta do agente se adéqua abstratamente ao previsto no tipo. É composto pelo elemento objetivo do tipo, ou seja, aquele que não tem necessidade de valoração, o denominado elemento normativo, que são aqueles que necessariamente conduzem a um juízo de valor e o elemento subjetivo, que é o dolo (valoração da finalidade) ou culpa. Alguns tipos penais exigem o elemento subjetivo especial do injusto/do tipo, chamado de ultra intenção, ou seja, um plus na intenção do indivíduo, um animus extra. A doutrina os divide em delitos de intenção e delitos de tendência. A diferença entre eles é que nos delitos de intenção, esse elemento subjetivo especial vem expressamente previsto, enquanto que nos delitos de tendência, essa ultra intenção não está prevista no tipo, mas ela é exigida pela doutrina e pela jurisprudência para a caracterização da infração penal.
Pode-se citar como exemplo de delito de intenção o feminicídio, em que o tipo penal exige a motivação do gênero e como exemplo de delito de tendência, os crimes contra honra – deve haver o aninus difamandi, injuriandi ou caluniandi por parte do ofensor. O delito de intenção pode ser de resultado cortado ou forçado - o resultado naturalístico é dispensável para a caracterização, mas caso ele aconteça, se dará por força do comportamento da própria vítima (ex: extorsão) - e o delito mutilado de dois atos – o resultado naturalístico também é dispensável para a consumação da infração, mas caso ele aconteça, ele ocorrerá em razão do comportamento do próprio agente, o que levará a mais de infração criminosa (ex: associação criminosa).
3. TIPICIDADE CONGLOBANTE
Para Zaffaroni[2], a tipicidade formal não basta, devendo-se buscar a tipicidade conglobante, que comporta dois elementos: a lesividade e a possibilidade de se imputar o resultado/ lesão como obra própria do agente. Assim, a tipicidade formal não é suficiente, devendo ser realizado um juízo de valor, observando se há a lesividade e se o resultado foi fruto do agente. Tal lesividade ocorrerá quando o comportamento atingir de forma efetiva o bem penalmente tutelado. Esse conceito é feito por exclusão, pois ele diz em quais hipóteses em que iremos afastar essa lesividade.
Para o referido autor, não haverá lesividade quando houver insignificância ou bagatela; quando o Estado impuser ou fomentar um determinado comportamento e quando há o consentimento do titular do direito. Para os que adotam a tipicidade conglobante, como Zaffaroni e o Rodrigo Roig[3], a natureza jurídica da bagatela ou insignificância é causa excludente da tipicidade conglobante (atipicidade conglobante por ausência de lesividade). Isso porque entendem que não é razoável o Estado vedar e ao mesmo impor ou fomentar o comportamento – é necessário uma conduta antinormativa, para não gerar uma antinomia de normas penais e, conseqüentemente, uma insegurança jurídica.
A teoria da tipicidade conglobante acaba por gerar o esvaziamento das causas excludentes da ilicitude, pois antecipa duas hipóteses que afastam a ilicitude: o estrito cumprimento do dever legal e o regular exercício de um direito.
Ademais, o consentimento válido afasta a tipicidade, já que não é razoável, o próprio titular consentir e o Estado punir. O consentimento válido pressupõe a capacidade do agente, devendo ser livre e consciente, que o bem tutelado seja disponível e que o consentimento seja anterior ou concomitante a prática da infração penal.
Já em relação à possibilidade de se imputar o resultado/ lesão como obra própria do agente, é necessário analisar se, na hora da conduta, o agente tinha domínio em relação ao resultado. Isso porque se há domínio, pode-se falar em tipicidade conglobante. Um exemplo seria o caso em que um sobrinho, que é herdeiro único do seu tio, compra uma passagem área e ele reza para que o avião caia e o avião cai – ele não tem domínio do resultado, logo, não se pode imputar o resultado como obra do agente. O resultado é atribuído ao acaso.
4. TIPICIDADE MATERIAL:
Para que se possa observá-la e, conseqüentemente, se falar em fato típico é necessário que haja relevância jurídica da conduta. O STF e STJ falam da insignificância ou bagatela atrelada à irrelevância jurídica da conduta.
Quando se fala em tipicidade material, é importante a análise da teoria da imputação objetiva. O fundamento da imputação objetiva é o princípio da ultima ratio, uma vez que tais critérios materiais vão surgir e reservar a aplicação do direito penal aos casos de efetiva necessidade.
O tipo penal é complexo, pois possui uma parte objetiva e outra subjetiva. Antes de analisar a intenção do indivíduo, deve-se analisar objetivamente o tipo penal (se há conduta, resultado e relação de causalidade entre eles). Todavia, deve-se ir além, devendo verificar se é razoável imputar aquele resultado objetivamente ao agente, mesmo que ele decorra da conduta do agente. Em síntese: mesmo que o resultado decorra do comportamento do agente, deve-se analisar se imputar esse resultado a ele é razoável. Afastando a possibilidade de imputação objetiva, há o afastamento da tipicidade.
Roxin[4] divide a análise desses critérios em três. Em uma primeira etapa entende que deve ser observado se houve a criação de um risco não permitido, por meio de uma valoração do caso concreto. A segunda etapa consiste em observar se houve a realização de um risco não permitido. Para isso dois são os critérios importantes: a ausência de realização de perigo (é necessário se precisar quais os resultados que podem decorrer do comportamento agente) e o incremento do risco (para se imputar objetivamente o resultado ao agente, deve haver um incremento do risco, ou seja, um aumento do risco do resultado). Por fim, a terceira etapa seria verificar se o resultado tem alcance no tipo penal incriminador.
Já Jakobs[5] analisa seus critérios baseado no comportamento social do agente, ou seja, o comportamento do indivíduo perante a sociedade. O primeiro critério para exemplificar essa idéia é o princípio da confiança. Não é razoável imputar objetivamente o resultado ao agente, se ele cumpre seu papel social em uma dada situação fática (a própria sociedade lhe permitiu praticar determinada conduta, não podendo ser responsabilizado por ela). Ao cumprir seu papel social, ele cria a confiança de que os demais integrantes da sociedade também cumpram o seu papel.
O segundo critério é o da proibição de regresso infinito, criado para mitigar efetivamente a teoria da equivalência dos antecedentes causais (condicio sine qua non). Se o individuo cumpre o seu papel social e dessa conduta em sociedade há riscos naturais, não se pode, caso aconteça o resultado, imputá-lo objetivamente ao agente. A idéia apresentada por Jakobs é de que, ainda que se possa extrair o risco de resultado desse comportamento cumpridor do papel social permitido pela sociedade, não se pode imputar objetivamente o resultado ao agente. Os outros critérios seriam o consentimento e as ações de próprio risco.
Para Jakobs, se há o consentimento de uma vítima capaz, ocorre a atipicidade material da conduta, assim a natureza jurídica do consentimento, segundo o autor, é de causa excludente da tipicidade material. Já para Zafaroni é causa excludente da tipicidade conglobante, enquanto que para a maioria da doutrina, como por exemplo, para Bitencourt [6] é causa excludente da ilicitude/ antijuridicidade. Por fim, as ações de próprio risco são hipóteses em que a vítima, titular do direito, se coloca numa situação que gera um risco inerente à atividade, por isso não seria objetivamente imputado o resultado ao agente.
5. CONCLUSÃO
Neste artigo se buscou detalhar a tipicidade penal, pertencente ao fato típico, primeiro elemento do conceito de crime, ao lado da culpabilidade e da ilicitude. Foi feito uma diferenciação entre a tipicidade formal e a tipicidade material, bem como a tipicidade conglobante adotada, sobretudo, por Zaffaroni. Ademais, foi analisada, de forma sucinta, a teoria da imputação objetiva, consistente em um conjunto de pressupostos jurídicos que condicionam a relação de imputação (atribuição) de um resultado jurídico (ou normativo) a um determinado comportamento (penalmente relevante)[7].
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto Tratado de direito penal : parte geral 1 – 24. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral (arts. 1º a 120) – 7. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018
JAKOBS, Günther. A Imputação Objetiva no Direito Penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica – 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
ROXIN, Claus. Strafrecht – Allgemeiner Teil. Alemanha, 1992.
ZAFFARONI, Raúl Eugenio. Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
[1] Zaffaroni, Raúl Eugenio. Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
[2] Zaffaroni, Raúl Eugenio. Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
[3] Roig, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica – 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
[4] Roxin, Claus. Strafrecht – Allgemeiner Teil. Alemanha, 1992.
[5] Jakobs, Günther. A Imputação Objetiva no Direito Penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000
[6] Bitencourt, Cezar Roberto Tratado de direito penal : parte geral 1 – 24. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
[7] Estefam, André Direito penal: parte geral (arts. 1º a 120) – 7. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018
Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETTO, Elisa Rocha Teixeira. Tipicidade Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2022, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59144/tipicidade-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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