Resumo: O presente artigo tem como objetivo a discussão acerca dos parâmetros internacionais e desafios nacionais das mulheres privadas de liberdade, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, tratou-se dos dispositivos normativos, dos direitos e garantias fundamentais das mulheres encarceradas, sendo feita uma análise em busca de soluções ao sistema penitenciário feminino no ordenamento jurídico interno.
1.Introdução
O presente trabalho científico irá abordar acerca das mulheres privadas de liberdade, ressaltando suas peculiaridades, como um grupo hipervulnerável, inseridas em um sistema de violação de dignidade humana massivo, tema de inquestionável atualidade e importância. As internas sofrem triplamente preconceito e discriminação, primeiramente unicamente por serem mulheres, segundamente por serem, a maioria, egressas dos setores sociais desfavorecidos e de instrução mínima, e por fim, por serem reclusas.
A situação global destas mulheres, ressalvadas algumas variações, conta com aspectos semelhantes e peculiares, quais sejam: alto índice de encarceramento por delitos relacionados com a venda e o tráfico de drogas ou ofensas menores, com penas desproporcionais; o abuso sexual e violência dentro dos presídios; dificuldades com as responsabilidades sobre o cuidado dos filhos, incluído a dificuldade do período de gestação e amamentação; necessidades específicas de gênero em que não são devidamente assistidas; escassa visita dos familiares; constrangimento de revistas íntimas vexatórias; violação do direito à sexualidade; estigmatização pós-liberação, em razão de estereótipos sociais de gênero e vitimização (LIMA, 2001).
A situação é agravada com a omissão histórica dos poderes públicos quanto às mulheres privadas de liberdade, cuja vulnerabilidade foi reconhecida desde 1994 pela Convenção Internacional para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (BRASIL, 1994).
O Estado, portanto, deve enfrentar a problemática em acordo com a normativa e jurisprudência internacional e nacional, com políticas públicas e penitenciárias que as vejam com sujeitos de direitos, com necessidades biológicas e sanitárias específicas, decorrentes do seu gênero.
Tendo como ancoragem a elucidação acima realizada, o objetivo geral deste artigo científico reside em analisar o sistema prisional feminino através da perspectiva do principio da dignidade da pessoa humana. Deste modo, o problema enfrentado nesta oportunidade reside em: quais direitos e garantias fundamentais das mulheres recolhidas em estabelecimentos prisionais são violados tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana e normativas internacionais?
Para encontrar respostas ao problema suscitado acima, o presente artigo foi estruturado em três capítulos, que consistem nos objetivos específicos da pesquisa realizada. O primeiro capítulo visou discorrer sobre o direito internacional e o grupo de normas que tratam sobre mulheres que estão reclusas em estabelecimentos prisionais, tratando sobre Regras de Mandela e Regras de Bangkok, ambas atreladas ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Em segundo momento, foi realizada a identificação do tema dentro do ordenamento jurídico brasileiro, buscando verificar os direitos e garantias fundamentais que mulheres presas possuem, no plano constitucional e infraconstitucional.
Por fim, foi realizada uma delimitação do quadro de crise enfrentada pelo sistema penitenciário feminino brasileiro, evidenciando a massiva violação de direitos e garantias fundamentais das mulheres.
Quanto ao motivo social, o recorte realizado buscou traçar um panorama geral das omissões do poder público perante o sistema penitenciário feminino, sendo um tema de grande relevância para a sociedade, considerando sua atualidade. A importância científica reside em compilar um tema complexo e de relevância expressiva para a comunidade acadêmica entusiasta na proteção de direitos humanos e do sistema carcerário brasileiro. Pessoalmente, a temática toca a autora devido a afinidade, na medida em que o tema recai em estudos direcionados aos direitos humanos.
Metodologicamente este artigo científico utilizou o método qualitativo para alcançar seus resultados, tendo em vista que a partir do recorte feito ao tema e do referencial teórico desenvolvido alcançamos o objetivo geral e os específicos (GIL, 2010).
Quanto aos procedimentos metodológicos, foi desenvolvida pesquisa bibliográfica e documental, através do uso de doutrina específica sobre o tema, leis e artigos científicos. Quanto ao caráter da pesquisa, é caracterizada como exploratória, pois a partir da problemática desenvolvida inicialmente, foi realizada busca de bibliografias disponíveis para alcançar respostas plausíveis (LAKATOS; MARCONI, 2003).
2.Parâmetros normativos no direito internacional sobre mulheres privadas de liberdade
O sistema penitenciário feminino é composto por situações específicas e graves em boa parte do mundo, havendo inobservâncias aos normativos internacionais que versam sobre a temática, dos quais serão tratados na sequência.
Um importante marco histórico aos direitos humanos internacionais consiste na Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento firmado após o panorama internacional decorrente da Segunda Guerra Mundial, com intuito de proteger a dignidade da pessoa humana, independentemente de suas condições. Assim sendo, “a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos” (PIOVESAN, 2015, p. 223), evitando discriminações e violações aos direitos de cada indivíduo.
O artigo VI da Declaração Universal dos Direitos Humanos indica que tal condição é garantida independentemente do local que esteja o indivíduo. Deste modo, não seria o cárcere capaz de excluir ou violar direitos de indivíduos em condição de isolamento da sociedade, havendo a necessidade de proteção dos direitos e garantias de internos (ONU, 2009).
Pelo caráter de universalidade de direitos e da irrestrita observância à dignidade da pessoa humana, a Declaração Universal de Direitos Humanos possui força jurídica vinculante, conforme assevera Flávia Piovesan (2015, p. 230):
A Declaração Universal tem sido concebida como a interpretação autorizada da expressão “direitos humanos”, constante da Carta das Nações Unidades, apresentando, por esse motivo, força jurídica vinculante. Os Estados-membros das Nações Unidades tem, assim, a obrigação de promover o respeito e a observância universal dos direitos proclamados pela Declaração (PIOVESAN, 2015, p. 230).
Indo além, existem correntes doutrinárias que fazem o indicativo de que toda a norma que faça vistas aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana deve possuir aplicação erga omnes, independentemente de o país ser membro das Nações Unidades, em razão das normas previstas na Declaração Universal dos Direitos Humanos serem de direito internacional consuetudinário e utilizadas como fundamento e fonte do direito internacional por Cortes internacionais (PIOVESAN, 2015).
De mais a mais, a Constituição Federal de 1988, conforme demonstraremos no capítulo seguinte, possui grande influência da referida Declaração, sendo a dignidade da pessoa humana um princípio fundamental norteador de todo o ordenamento jurídico pátrio.
Neste mesmo intuito, existe um conjunto de normas internacionais específicas enfatizando a dignidade da pessoa humana e o sistema penitenciário feminino. Para tanto, passaremos a verificar as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela) e as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok).
Os documentos mencionados acima influenciaram nas legislações internas de muitos países, representando grandes avanços legislativos que tocam aos interesses dos encarcerados. O ministro Ricardo Lewandowski destacou a importância das Regras de Mandela, conforme vemos abaixo:
Fornece-nos orientações atualizadas e muito mais precisas, com instruções exatas para enfrentar a negligência estatal, prestigiando a dignidade daqueles em situação de privação de liberdade para devolver-lhes a essência de seres humanos que são e, bem por isso, obrigam que sejam respeitados proteção contra qualquer espécie de tratamento ou castigo degradante ou desumano, acomodações razoáveis para pessoas com deficiências físicas e mentais, entre outras orientações (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, p. 10).
Apesar das Regras de Mandela delimitarem recomendações sobre o tratamento mínimo a ser dado para a pessoa em recolhimento ao cárcere, o próprio corpo do documento reafirma que seu caráter não é vinculante, podendo haver adaptação nas aplicações fáticas das recomendações no ordenamento jurídico interno dos Estados-Membros. No entanto, tais modificações não podem suprimir o espírito e propósito das Regras de Mandela, o qual visa garantir a dignidade da pessoa humana aos internos em estabelecimento prisional, conforme destacado na Regra 1 do documento, vejamos:
Regra 1 – Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos presos, dos servidores prisionais, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, p. 19).
Para buscar efetivar a implementação das Regras de Mandela no Brasil, foram desenvolvidos alguns programas com intuito de melhorias das unidades prisionais e garantir tratamento digno aos encarcerados, dos quais podemos mencionar a implementação das Audiências de Custódia (artigo 310 do Código de Processo Penal) e o Programa de Ações Intersetoriais de Assistência à Saúde e de Assistência Social para o Sistema Prisional (PAISA) (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016).
No entanto, as Regras de Mandela não tratam com exclusividade sobre recomendações para a situação do encarceramento feminino. Tais orientações mais precisas são encontradas nas Regras de Bangkok, desenvolvidas através de um recorte de gênero para atender aos direitos e garantias fundamentais da mulher em situação de cárcere (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016). Tal recorte é firmado logo na Regra nº 1 do documento, conforme destacamos abaixo:
Regra 1 – A fim de que o principio de não discriminação, incorporado na regra 6 das Regras mínimas para o tratamento dos reclusos, seja posto em prática, deve-se ter em consideração as distintas necessidades das mulheres presas na aplicação das Regras. A atenção a essas necessidades para atingir igualdade material entre os gêneros não deverá ser considerada discriminatória (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, p. 19).
Cumpre destacar que o tratamento diferenciado dado ao atendimento das especificidades das mulheres presas não é um ato discriminatório. A bem da verdade, com vistas à igualdade em seu caráter material, o conjunto normativo das Regras de Bangkok, visa garantir que a dignidade da mulher seja minimamente garantida dentro do estabelecimento prisional, pois suas necessidades não podem ser equiparadas ou reduzidas às necessidades estritamente advindas do modelo padrão de cárcere, pensada por homens e para homens (LANFREDI, 2014).
O presente recorte realizado não possui o objetivo de esgotar todas as recomendações advindas das Regras de Bangkok, dada sua extensão e complexidade temática. No entanto, é verossímil destacar que sua redação é assertiva e concebe ponderações práticas para tornar o ambiente carcerário mais digno para mulheres internas.
Para tanto, podemos destacar a preocupação do documento em evidenciar a necessidade de tratamento diferenciado para mulheres em diversos aspectos, tais como: a) peculiaridades em higiene pessoal (Regra nº 5); b) cuidados com a saúde (Regras nº 6 – nº 18); c) segurança e vigilância (Regras nº 19 – nº 25); d) contato diferenciado com o mundo exterior (Regras nº 26 – nº 28); e) situação de mulheres gestantes, lactantes e com filhos (Regras nº 48 – nº 52), sem exclusão das demais regras pertinentes (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016).
Por todo o exposto, percebemos que existe uma preocupação internacional consubstanciada em documentos que tratam especificamente sobre o encarceramento e a necessidade de tratamento digno aos presos, com vistas em garantir também o tratamento diferenciado para mulheres internas. Através deste recorte, no capítulo a seguir iremos verificar a perspectiva de direitos e garantias fundamentais para as mulheres em situação de cárcere com base no ordenamento jurídico brasileiro.
3.Direitos e garantias fundamentais das mulheres encarceradas
Conforme tratado no capítulo anterior, o bloco de regras internacionais que versam sobre condições essenciais do encarceramento, possui como pressuposto básico a efetivação a partir do principio da dignidade da pessoa humana. No ordenamento jurídico pátrio, a Constituição Federal de 1988 eleva tal princípio fundamental norteador de todo o sistema de leis e normas.
Nas palavras de Jussara Jacintho (2006, p. 175) “a dignidade como valor supremo a orientar a interpretação constitucional é imponderável, insuscetível de ceder diante do caso concreto, a outro direito qualquer que lhe seja. A dignidade não pode ser relativizada diante de outro direito”. Tal assertiva pode ser observada no artigo 5, inciso III da Constituição Federal de 1988, a qual veda a tortura e o tratamento desumano ou degradante.
Pela inteligência do artigo 5º, inciso III, observamos a necessidade de respeito e tratamento digno sem distinções, independentemente da situação em que se encontre a pessoa, indo além, reconhecendo a necessidade de tratamento digno inclusive dentro dos estabelecimentos prisionais femininos.
Na exposição dos motivos da Lei de Execução Penal, tem-se que “torna obrigatória a extensão, a toda comunidade carcerária, de direitos sociais, econômicos e culturais de que ora se beneficia uma restrita porcentagem da população penitenciária, tais como segurança social, saúde, trabalho remunerado sob regime previdenciário, ensino e desportos.” (BRASIL, 1984, p. [?]).
A Constituição Federal de 1988, entre seus direitos e garantias fundamentais, indicam a vedação de penas cruéis, garantia ao preso de respeito à integridade física e moral, separação dos encarcerados por gênero, direito das mães encarceradas permanecerem com seus filhos durante o período de lactação (BRASIL, 1988).
De igual modo, o artigo 5º, inciso XLIX e o artigo 1º, inciso III vinculam o Estado ao dever de realizar a manutenção dos presídios, de maneira que estes estabelecimentos não podem atentar contra o principio da dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).
A gravidez no cárcere não é algo incomum, algumas internas são encarceradas grávidas, enquanto outras engravidam na prisão. O artigo 5º, inciso L, assegura para mulheres gestantes e parturientes que o estabelecimento prisional deve possuir condições para que os filhos permaneçam com suas mães durante o período de amamentação, elevando o direito à saúde, proteção do exercício da maternidade e ao direito à infância (BRASIL, 1988).
Partindo para o plano infraconstitucional, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984), em observância aos normativos internacionais e ao principio da dignidade da pessoa humana, preconizam que o tempo de amamentação é de no mínimo 06 (seis) meses, devendo serem fornecidas creches para crianças maiores de 06 (seis) meses e menores de 07 (sete) anos quando não existir nenhuma outra pessoa capaz de assistir o menor e a responsável estiver interna (BRASIL. 1984).
Indo além, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984) assegura também para a mulher que esteja recolhida ao cárcere o acompanhamento médico de pré-natal e durante o pós-parto, tanto para mãe, quanto para o recém-nascido, em atendimento às determinações advindas do artigo 8º, §3º e 10º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990). Vejamos:
Artigo 8 - É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016);
[..]
§ 3º Os serviços de saúde onde o parto for realizado assegurarão às mulheres e aos seus filhos recém-nascidos alta hospitalar responsável e contrarreferência na atenção primária, bem como o acesso a outros serviços e a grupos de apoio à amamentação. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016);
[...]
§ 10. Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente, visando ao desenvolvimento integral da criança. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) (BRASIL, 1990, p. [?]).
Consoante ao período de aleitamento materno, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990) também infere em seu artigo 9º indica que “o Poder Público, as instituições e os empregadores propiciarão condições ao aleitamento materno inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade” (BRASIL, 1990, p. [?]).
Não obstante, a Lei nº 13.769 de 19 de dezembro de 2018 alterou o Código de Processo Penal em seu artigo 318-A, substituindo a prisão preventiva pela prisão domiciliar quando a mulher estiver “ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, bem como para disciplinar o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade de condenadas na mesma situação” (PROMOTORIAS, 2019, p. 10).
De igual modo, o direito à saúde, disposto nos artigos 6º e 196º da Constituição Federal de 1988, é um direito universal, sendo devido para todos, inclusas, portanto, mulheres que esteja, privadas da sua liberdade, nos termos do artigo. 41, inciso VII da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984).
Ainda na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984) o artigo 14 indica que “a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico” (BRASIL, 1984, p. [?]).
No ano de 2003, o Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde criaram o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), tendo como base os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). No tocante à saúde da mulher, o PNSSP visou como resultado a implementação:
Em todas as unidades penitenciárias ações para a detecção precoce do câncer cérvico-uterino de mama, assistência ao pré-natal de baixo e alto risco, imunizar as gestantes, assistência no pós parto, ações educativas sobre o prénatal; parto, pós-parto, anticoncepcional, controle de câncer cérvico-uterino e de mama e DSTs, garantia ao encaminhamento para tratamento das mulheres atendidas com câncer cérvico-uterino e de mama e garantia do acesso das gestantes para atendimento de intercorrência e parto (LAGE, 2020, p. 11).
Em 2004, especificamente para mulheres, foi lançada a Política Nacional em Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). Em seus objetivos específicos, o 13º tratou sobre a atenção na saúde das mulheres presas para “promover a atenção à saúde das mulheres em situação de prisão, incluindo a promoção das ações de prevenção e controle de doenças sexualmente transmissíveis e da infecção pelo HIV/AIDS nessa população: - ampliar o acesso e qualificar a atenção à saúde das presidiárias” (BRASIL, 2004, p.72).
Em 2014, a Portaria nº 482 criou o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNAISP), o qual visou que o Sistema Único de Saúde (SUS) fosse garantido para “população privada de liberdade por meio de qualificação e humanização da atenção à saúde do sistema prisional nas esferas federais, estaduais, distritais e municipais” (LAGE, 2020, p. 12). A partir deste documento, a saúde passou a ser um direito garantido para todos os que estejam transitando pelo sistema penitenciário, não somente para os que possuam penas privativas de liberdade.
De igual modo, a assistência educacional é outro direito garantido para mulheres que estejam recolhidas em estabelecimentos prisionais, estando prevista na Constituição como um direito social (artigo 6º) e na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984) na Seção V, sendo de suma importância, pois, conforme destacado abaixo:
É uma condição inalienável e uma real liberdade de formação (desenvolvimento da personalidade) e instrumento indispensável da própria emancipação (progresso social e participação democrática) é um direito humano essencial para a realização da liberdade e para que esta seja utilizada em prol do bem comum. Dessa forma, ao se abordar a educação para os jovens e adultos (EJA) em situação de privação de liberdade, é importante ter claro que os reclusos, embora privados de liberdade, mantêm a titularidade dos demais direitos fundamentais (integridade física, psicológica e moral). O acesso ao direito à educação lhe deve ser assegurado universalmente na perspectiva acima delineada e em respeito às normas que o asseguram (JULIÃO, 2009, p.148).
A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984) prevê em seu artigo 17 que a assistência educacional fornecida pelo estabelecimento prisional comporta a “instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado” (BRASIL, 1984, p. [?]). De igual modo, existe a previsão da remição da pena pelo estudo, nos termos da Lei nº 12.433 de 2011, “a cada 12 (doze) horas de frequência escolar (esta entendida por atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional) deve ser descontado 1 (um) dia de pena” (ZANINELLI, 2015, p. 91).
Referendando tal disposição acima, a Súmula nº 341 do Superior Tribunal de Justiça indica que “a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob o regime fechado ou semiaberto”. (BRASIL, 2007, p. [?])
Outro importante direito da mulher privada da liberdade consiste no direito ao trabalho, estando regulado tanto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º, como na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984) a partir do seu artigo 28. Deste modo, é garantido à mulher presa, o trabalho interno e externo, desde que obedecidas disposições constantes na lei.
O artigo 126,§1º, inciso II da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984) prevê expressamente que a cada três dias de trabalho, é descontado um dia na execução da pena.
Por todo o exposto, percebemos que existem direitos e garantias fundamentais que deveriam, em tese, serem de observância obrigatória pelo Estado para garantir a dignidade das mulheres que estão recolhidas em estabelecimento prisional. No entanto, conforme evidenciaremos no capítulo a seguir, existem graves máculas destes direitos e garantias.
4.Desafios do sistema penitenciário feminino no ordenamento jurídico interno
Partindo do pressuposto que os direitos fundamentais são universais, indivisíveis e interdependentes, por que são eles usufruídos mais pelas pessoas livres do que pelas privadas de liberdade? Enquanto que estes deveriam ser protegidos, respeitados e garantidos tais quais, sem discriminação.
O maior motivo do encarceramento feminino está ligado aos delitos relacionados às drogas. Enquanto que o número de homens privados de liberdade é maior, os níveis de reclusão de mulheres estão crescendo a uma taxa mais rápida. Segundo o Institute for Criminal Policy Research, a população carcerária feminina total na América Latina aumentou em 51,6% entre 2000 e 2015, comparativamente com 20% para o caso dos homens. Na Argentina, no Brasil, Costa Rica e Peru, mais de 60% da população carcerária feminina está privada de liberdade por delitos relacionadas com drogas (LEAL, 2020).
As condições do sistema penitenciário feminino brasileiro, em sentido amplo, constituem graves violações de direitos e garantias fundamentais, tais como o direito à vida, integridade física, psíquica e moral (ALMEIDA; BARCINSKI, 2016).
O INFOPEN Mulheres foi lançado em 2015, com referência aos dados de junho de 2014. Neste levantamento feito, foi divulgado que a população carcerária feminina era de 37.380 mulheres (INFOPEN MULHERES, 2015). O referido documento indica ainda que entre os anos de 2000 e 2014, o índice de mulheres encarceradas aumentou cerca de 567,4%.
A partir deste recorte, cumpre destacar que os estabelecimentos prisionais não são condizentes com as necessidades dos presos, tampouco das internas mulheres. Na verdade, existe uma alarmante discrepância entre a lei e a realidade fática.
Pelo panorama de violações massivas de direitos fundamentais nos estabelecimentos prisionais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos adotou medidas provisórias contra o Brasil para buscar efetivar direitos e garantias fundamentais aos presos em sentido amplo (homens e mulheres).
Já foram sete medidas para presídios brasileiros, as quais obrigam o Estado brasileiro a cumprir as normativas internacionais relacionadas aos direitos e garantias da população carcerária, muitas em virtude da superlotação, em diversas regiões, quais sejam: Urso Branco (Porto Velho, Rondônia); Complexo do Tautapé da FEBEM (São Paulo, São Paulo); Penitenciária Dr. Sebastião Martins Silveira (Araraquara, São Paulo); Unidade de Internação Socioeducativa (Cariacica, Espírito Santo); Complexo Penitenciário de Curado (Recife, Pernambuco); Complexo Penitenciário de Pedrinhas (São Luís, Maranhão); Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro) (PAIVA; HEEMANN, 2020).
Acerca do tema, vejamos a síntese dos ilustres Professores Caio Paiva e Thimotie Aragon Heemann:
(...) Todas estas medidas “referem-se a providências que os Estados devem adotar para fazer cessar as violações de direitos humanos no interior dos estabelecimentos prisionais, tais como proteger a vida e a integridade pessoal das pessoas presas e de todas as pessoas que ingressem no estabelecimento prisional (visitantes, funcionários, etc...), manter uma lista atualizada de todas as pessoas presas, assegurar o contato entre as pessoas presas e as autoridades e organizações de defesa dos direitos humanos, investigar e punir as violações de direitos humanos no interior dos estabelecimentos prisionais, possibilitar a visita dos familiares dos reclusos, assegurar as condições adequadas de aprisionamento, ajustar a ocupação prisional à capacidade do estabelecimento, abster de praticar revistas íntimas ou vexatórias em visitantes etc.(...) (PAIVA; HEEMANN, 2020, p. 426).
Dentre diversos assuntos em específico tratados no teor destas medidas, vale a pena ressaltar a questão das revistas íntimas, por ter relação direta com as mulheres na prisão.
Nos termos da Regra 51 das Regras de Mandela, as revistas íntimas invasivas não são totalmente proibidas, no entanto, devem ser utilizadas apenas em caráter de exceção, vejamos:
As revistas aos reclusos e as inspeções não serão utilizadas para assediar, intimidar ou invadir desnecessariamente a privacidade do recluso. Para fins de responsabilização, a administração prisional deve manter registos apropriados das revistas feitas aos reclusos e inspeções, em particular as que envolvem o ato de despir e de inspecionar partes íntimas do corpo e inspeções nas celas, bem como as razões das inspeções, a identidade daqueles que as conduziram e quaisquer outros resultados decorrentes dessas inspeções (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, p. 31).
Não obstante, essa não é a realidade brasileira. Tanto o é, que, em visita ao Brasil, em 2002, o Subcomitê da ONU para Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, recomendou em seu relatório (ponto 119) a proibição dos registros vaginais ou anais invasivos, devendo haver ajustes de acordo com a necessidade e proporcionalidade e, se praticados, que sejam em condições higiênicas, por pessoal qualificado e do mesmo sexo, condizente com a dignidade humana e o respeito aos direitos fundamentais (NAÇÕES UNIDAS, 2012).
Do mesmo modo fora o teor da Resolução de 22.05.2014, na concessão de medidas provisórias a serem cumpridas pelo Brasil no Complexo Penitenciário de Curado, em que a Corte Internacional de Direitos Humanos obrigou o estado Brasileiro a abolir as revistas íntimas vexatórias que afetem a intimidade e a dignidade dos visitantes.
Em 2015, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a situação prisional do país como “estado de coisas inconstitucional”, tendo em vista a patente violação de direitos fundamentais dos presos pela omissão do poder público para com estes. Sobre o tema, Carlos Alexandre de Azevedo Campos relata que:
Quando declara o Estado de Coisas Inconstitucional, a corte afirma existir quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diferentes autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público podem modificar a situação inconstitucional. Ante a gravidade excepcional do quadro, a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as medidas concretas necessárias para superação do estado de inconstitucionalidades (CAMPOS, 2017, p. [?]).
Como forma de enfrentamento ao cenário de crise do sistema penitenciário, a decisão no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347 consignou que:
[...] por maioria e nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), deferiu a cautelar em relação à alínea “b”, para determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão [...] [...] em relação à alínea “h”, por maioria e nos termos do voto do Relator, deferiu a cautelar para determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado (BRASIL, 2015, p. 4).
Na perspectiva elucidada acima, a situação emergencial do sistema carcerário brasileiro é irradiada tanto para homens, como para mulheres. No entanto, conforme já destacamos durante todo o correr deste trabalho, o cenário de encarceramento feminino no Brasil, considerando suas peculiaridades, alcança níveis ainda mais alarmantes.
Quando aos dados da INFOPEN Mulheres, estes ainda indicam que o quantitativo de estabelecimentos prisionais masculinos em 2014 era de 1.070, representando 75% dos presídios do Brasil. Seguido de 238 presídios mistos (17%) e 103 (7%) presídios destinados ao atendimento de mulheres reclusas (INFOPEN MULHERES, 2015).
Cumpre destacar que essas mulheres estão reclusas em cadeias públicas, gerando risco de sofrerem agressões em diversas vertentes, como tortura, violência psicológica, violência física, não possuindo acesso à saúde, higiene pessoal, alimentação adequada, espaços salubres, dentre outros (GUEDES, 2006).
Quanto aos estabelecimentos penais mistos, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984) prevê que devem ser construídos em uma estrutura diferenciada, nos termos do artigo 89. No entanto, segundo relatos da Pastoral Carcerária de Ilhéus na Bahia “tem uma cela feminina que dá acesso para o mesmo pátio das três celas masculinas; a cadeia não tem luz – as celas são iluminadas somente por luz de velas” (PASTORAL CARCERÁRIA; CONECTAS DIREITOS HUMANOS & INSTITUTO SOU DA PAZ, 2014, p. 8).
No tocante à saúde das mulheres que estão privadas da liberdade, a situação é precária e constrangedora. De acordo com os dados do INFOPEN Mulheres (2015) o número de mulheres presas que possuem HIV e sífilis “1.204 mulheres com agravos transmissíveis dentro do sistema prisional, o que equivale a 5,3% da população prisional feminina” (INFOPEN MULHERES, 2015, p. 40).
Dentro da reclusão são habituais os casos de doenças se agravarem e levarem ao óbito da interna. De igual modo, por estarem reclusas em um espaço fechado muito limitado, algumas doenças são facilmente transmitidas para outras mulheres dentro do estabelecimento prisional. O médico Drauzio Varella, ao escrever seu livro tratando de relatos sobre o período em que foi médico voluntário em uma casa de detenção de São Paulo afirma que:
Os problemas de saúde eram muito diferentes daqueles que eu havia enfrentado nas prisões masculinas. Em vez das feridas mal cicatrizadas, sarna, furúnculos, tuberculose, micoses e as infecções respiratórias dos homens, elas se queixavam de cefaleia, dores na coluna, depressão, crises de pânico, afecções ginecológicas, acne, obesidade, irregularidades menstruais, hipertensão arterial, diabetes, suspeita de gravidez (VARELLA, 2017, p. 9).
Não obstante, conforme destacado acima, os problemas de saúde não decorrem apenas do aspecto físico. Nana Queiroz (2015) relata em seus estudos que o uso de remédios para controlar o lado emocional, com utilização de calmantes, antidepressivos, ansiolíticos, dentre outros, causa a dependência das reclusas, interferindo na sua saúde e na personalidade (QUEIROZ, 2015).
De igual modo, a maternidade, conforme já demonstrado, é um direito garantido para mulheres presas. No entanto, persiste sendo alvo de severas omissões pelo poder público. Os dados do INFOPEN Mulheres (2015) indicam que apenas 34% dos estabelecimentos prisionais femininos possuem dormitórios adequados para o atendimento de mulheres gestantes e lactantes. Enquanto apenas 6% das unidades que atendem homens e mulheres possuem o referido espaço (INFOPEN MULHERES, 2015). Sobre o tema, Rogério Greco destaca que:
A gravidez no cárcere é um problema que deve ser enfrentado pelo Estado. Primeiramente, o acompanhamento pré-natal é feito de forma precária. Quando a gestante dá à luz a seu filho, embora permaneça, momentaneamente, afastada das demais companheiras de prisão, os berçários existentes são como pequenas jaulas, que não se diferenciam muito do ambiente prisional anterior (GRECO, 2015, p. 201).
Como tentativa de remediar a situação, o Conselho Nacional de Justiça passou a realizar acompanhamento mensal de mulheres gestantes e lactantes que estejam em estabelecimento prisional, sendo denominado de Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes, com vistas haver maior controle sobre a referida situação.
Em abril de 2017, através da Lei nº 13.434, houve a alteração do artigo 292 do Código de Processo Penal, havendo proibição de que mulheres façam a utilização de algemas durante o parto e o período de puerpério imediato (BRASIL, 2017).
Por derradeiro, vale destacar a situação de vulnerabilidade econômica que as mulheres reclusas estão sujeitas. Em sua grande maioria possuem baixa escolaridade, não possuindo curso superior ou instrução adequada. De acordo com o INFOPEN Mulheres (2015, p. 34-35) “é possível afirmar que 44,42% destas possuem o Ensino Fundamental Incompleto, seguido de 15,27% com Ensino Médio Incompleto e 14,48% com Ensino Médio Completo. O percentual de custodiadas que possuem Ensino Superior Completo é de 1,46% das presas (INFOPEN MULHERES, 2015, p. 34-35).
Uma das garantias dadas aos presos é o direito ao trabalho e formação profissional, com vistas em colaborar com a ressocialização deste individuo ao reingressar na sociedade ao final do cumprimento da pena. No entanto, ao que toca o sistema prisional feminino, conforme indica Rogério Greco “o trabalho da mulher é relegado, ou seja, dificilmente poderão elas exercer alguma atividade que, de alguma forma, as ressocialize, bem como as possibilite angariar recursos para que possam ajudar na manutenção de seus filhos que se encontram extra muros” (GRECO, 2015, p. 203).
Importante frisar que o trabalho possui amplos aspectos positivos para mulheres encarceradas, visto que minimiza a vida precária dentro dos estabelecimentos prisionais, a possibilidade de remição da pena, conforme destacado em momento oportuno e a ajuda com recursos financeiros (ITTC, 2017).
Através de todo o recorte realizado, observamos que, apesar de normas no ordenamento jurídico brasileiro e no plano internacional que toquem aos direitos e garantias das presas ainda existem massivas violações cotidianas à dignidade das internas, gerando ainda mais violência dentro dos estabelecimentos que, em tese, deveriam ser locais de ressocialização.
5.Conclusão
Este artigo científico analisou o sistema prisional feminino através da perspectiva do principio da dignidade da pessoa humana. Constatamos que em resposta ao problema enfrentado nesta pesquisa, existem normas internacionais e dentro do ordenamento jurídico brasileiro que deveriam resguardar os direitos e garantias fundamentais das mulheres recolhidas ao cárcere. No entanto, o cenário enfrentado pelo sistema penitenciário brasileiro representa massiva omissão pública e graves máculas à dignidade da pessoa humana, havendo inobservância aos direitos de maternidade, aleitamento, higiene pessoal, saúde, trabalho, educação, visita íntima, dentre outros.
Neste interim, foi reconhecido o Estado de Coisas Inconstitucional na ADPF nº 347, dada omissão do poder público, alcançando o ambiente das penitenciárias femininas no Brasil. Notamos que a situação das mulheres internas não condiz com nenhum parâmetro normativo, tanto na esfera internacional como nacional. Para tanto, perante tantas massivas violações, é extremamente necessário que o sistema de execução das penas adote o uso de penas alternativas para combater o superlotamento dos estabelecimentos prisionais, oportunizando a oxigenação do sistema.
De todo o modo, independentemente da adoção de penas alternativas, o sistema penitenciário feminino precisa ser repensado para garantir tratamento digno para mulheres encarceradas. Existe patente discrepância entre os diplomas legais e aplicação prática, enquanto a população carcerária feminina cresce e se torna marginalizada e cada vez mais violentada dentro do estabelecimento prisional ao invés de cumprir seu papel ressocializador.
Ademais, é necessária a criação e remodelação de programas para o atendimento das necessidades das internas. Não pode o Estado normalizar a falta de itens de higiene pessoal dentro de estabelecimentos prisionais, ao passo também da ausência de atendimento especializado para áreas da saúde, dentre outros aspectos.
Todos os apontamentos realizados neste trabalho não são de difícil alcance. A bem da verdade, havendo a aplicação correta das previsões dadas pelos tratados internacionais (Regras de Mandela e Regras de Bangkok), pela Constituição Federal de 1988, pelo Código de Processo Penal, Código Penal e pela Lei de Execução Penal, os ambientes prisionais se tendem a se tornarem aquilo que devem ser, ou seja, ambientes capazes de ressocializar estas mulheres para o retorno da vida em sociedade.
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Graduada na Universidade Federal Do Maranhão. Pós Graduada em Direitos Humanos pela Faculdade De Ciências e Tecnologias De Campos Gerais – FACICA. Analista Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GEDEON, Rani gomes. Mulheres privadas de liberdade: parâmetros internacionais e desafios nacionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59177/mulheres-privadas-de-liberdade-parmetros-internacionais-e-desafios-nacionais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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