RESUMO: O estado de necessidade é uma das excludentes de ilicitude tanto no âmbito cível quanto penal. Mantém-se a responsabilidade civil do agente e a reparação do dano, quando atingido bem de terceiro não responsável pelo perigo causado. Assim, agindo licitamente, o agente é responsabilizado ao pagamento indenizatório por motivo que inicialmente não deu causa, o que pode parecer contraditório, mas é a realidade expressa na normativa civil. O art. 930 do Código Civil ressalta o direito regressivo deste agente contra o verdadeiro causador do perigo, o que às vezes pode ser desproporcional, causando prejuízos para aquele que foi além do que exige a lei, pois praticou ato heroico para proteger um bem jurídico de maior valor que aquele atingido. Tal norma é contrária aos princípios da dignidade da pessoa humana, da eticidade, da socialidade e da operabilidade que norteiam o código; o que nos levou à elaboração do presente estudo.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Estado de necessidade. Bem jurídico de terceiro atingido. Direito de regresso. Desproporcionalidade.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalhado será voltado ao estudo da responsabilidade civil quando o agente age em estado de necessidade de terceiro. Teremos como foco os artigos 188, 929, 930 do Código Civil Brasileiro, que trazem a licitude do estado de necessidade e da obrigação de indenizar nestes casos. Há contradição quando o agente que atua em estado de necessidade e, mesmo em prática de ato lícito, tem o dever de indenizar, sendo que há um terceiro causador da situação de risco com condições de fazê-lo? E se este terceiro tiver boa condição financeira, à medida que a pessoa executora do ato de estado de necessidade seja insolvente? Caberá a esta, ainda, a obrigação de indenizar, mesmo se atuando de forma lícita? São peculiaridades específicas desta situação jurídica, que delinearemos a seguir.
Buscaremos demonstrar como o modelo de indenização previsto nos moldes do supracitado Código é contrário aos valores que norteiam o sistema jurídico atual. Refletiremos o quanto a forma de ressarcimento, constante nos referidos artigos, vai à contramão daquilo que estabelece a Constituição da República, notadamente em face do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, pois às vezes prefere proteger bens jurídicos inferiores quando em confronto com bens jurídicos de maior valor.
Para esse desiderato, nos valemos de fundamentações teóricas abordadas pelos principais civilistas e penalistas, clássicos e atuais, tendo em vista o caráter civil da indenização e a natureza predominantemente penal do estado de necessidade, além do entendimento atual dos tribunais superiores e exemplos a respeito do tema. Destacaremos, assim, abordagens atuais e históricas a respeito dessa curiosa situação e dos debates que circundam essas disposições, iniciados antes mesmo da elaboração do Código Civil de 2002.
2. DA ANÁLISE PRÉVIA DO DISPOSITIVO EM FACE DO ORDENAMENTO JURÍDICO
Tratando do estado de necessidade, dispõe o art. 188 do Código Civil c/c o seu inciso II que não caracteriza ato ilícito a deterioração ou mesmo a destruição de coisa alheia e nem a lesão a pessoa, quando tais ações são praticadas com o fim de remover perigo iminente.
De outra forma, os arts. 929 e 930 do mesmo Código tratam da Responsabilidade Civil. O primeiro informa que a pessoa que fora atingida (lesionada), ou aquele que é dono da coisa (destruída ou deteriorada), quando não forem os responsáveis pelo perigo que causou a atuação do agente, terão direito à indenização pelo prejuízo sofrido. Já o segundo dispositivo informa que, se o perigo tiver ocorrido por culpa de terceiro (que não o lesado ou dono da coisa), caberá ao autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
A incongruência que se evidencia diz respeito, notadamente, ao art. 930, pois este atribui ao responsável pela conduta lícita o ressarcimento inicial, cabendo somente a ação regressiva posterior em face daquele que causou o perigo.
Assim, a disposição atua de forma contrária aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que, às vezes, entre o direito à vida e o direito ao patrimônio, faz prevalecer este sobre aquele, tornando-se um verdadeiro “absurdo jurídico”, nas palavras de Flávio Tartuce (2017).
Além disso, verificam-se violados os princípios norteadores do novo Código Civil (eticidade, operabilidade e socialidade), notadamente a ética e a operabilidade. Na prática o dispositivo somente posterga e atrasa a atuação judiciária, pois ao invés de caber o ressarcimento direto pelo gerador da situação perigosa àquele que sofreu ruína em virtude do ato lícito, cabe ao agente que atua de forma legítima o ressarcimento inicial e, somente depois, a ação regressiva.
Sabe-se que o estudo do estado de necessidade dá-se de forma sistematizada e interdisciplinar, abrangendo diversas matérias, das quais se destacam o direito penal e processual penal. Já a reparação civil destaca-se pela sua índole constitucional, com previsão basilar no inciso X do art. 5º da CF, que trata da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando ainda o direito à indenização em havendo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Verificada a indiscutível característica constitucional da reparação civil, insta ressaltar sua normatividade, que se dá de maneira infraconstitucional nas normas civis, a partir do art. 927 do CC. Em razão do arcabouço da Constituição, podemos atualmente destacar um modelo de Direito Civil Constitucional. A moderna doutrina tem rechaçado a ideia de direito público e privado, buscando trazer o caráter indivisível do direito, com uma visão unitária do ordenamento jurídico, conforme orienta Gustavo Tepedino (2005, t. II), ensinamento muito bem explanado na teoria do diálogo das fontes, discorrida no Brasil inicialmente por Claudia Lima Marques (2012).
Quase sempre, para a efetivação do direito, torna-se necessária a utilização de instrumentos aplicados em outras áreas, como a medicina, a contabilidade, a engenharia, a psicologia, dentre tantas outras matérias. Esses ensinamentos são valiosos diante das diversas situações que o convívio nas relações sociais traz, principalmente nos dias atuais, diante das novas tecnologias, atualizações, comunicabilidade, globalização e outros fatores contemporâneos que facilitaram a aquisição de informações. Assim, se fez importante ao presente estudo a análise legal, jurisprudencial, prática e doutrinária do estado de necessidade e do seu ressarcimento.
3. DO ESTADO DE NECESSIDADE
Devido à sua interdisciplinaridade normativa, podemos dizer que no ordenamento jurídico brasileiro o estado de necessidade, diferente do que muitos imaginam, não tem previsão apenas no âmbito penal, mas também no âmbito cível, portando natureza jurídica distinta em cada uma dessas disciplinas.
No âmbito civil, trata-se de uma das excludentes do dever de indenizar, e seu fundamento está no art. 188, II do CC, que dispõe não representar ato ilícito quando há destruição ou deterioração de coisa alheia, ou lesão a pessoa, caso o fim visado seja remover perigo iminente.
Já no âmbito penal, trata-se de uma das excludentes de ilicitude, e tem previsão no art. 24 do diploma repressivo, que considera agir em estado de necessidade todo aquele que comete fato para socorrer de perigo atual, do qual não tenha provocado por vontade própria e, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, em que o sacrifício, no contexto em que estava, não era plausível exigir-se.
O referido diploma normativo prevê ainda que não pode arguir estado de necessidade a pessoa que tenha o dever legal de enfrentar a situação de risco, como é o caso do salva-vidas de algum clube que visualiza alguém se afogando em uma piscina ou mesmo o contexto de um bombeiro que verifica o incêndio em determinada construção com pessoas no seu interior.
Além disso, o §2º dispõe sobre a causa de diminuição de pena na hipótese em que o agente, mesmo atuando sob o manto da excludente, sacrifica bem jurídico de maior valor que aquele que seria atingido, agindo de forma desproporcional. Neste caso, é mantida a tipicidade, cabendo apenas a diminuição da pena, a depender do cenário do caso concreto.
Diante disso, podemos expor que o estado de necessidade nada mais é que uma autorização do sistema jurídico nos eventos em que, havendo enfrentamento de dois bens jurídicos, possibilita-se o sacrifício de um em detrimento do outro, sendo este, de menor ou igual valor.
No tocante à sua natureza jurídica, apesar de tratado patentemente como excludente de ilicitude na norma penal e ato lícito (excludente de indenização) na norma civil, a doutrina diverge sobre o tema. Entende Nélson Hungria (1949) que a mesma se trata de uma faculdade do agente que, diante da contenda de bens ou interesses, dispõe deste instituto para atuar. Noutro prisma, Aníbal Bruno (1967) visualiza a natureza jurídica do instituto como um direito a ser exercido pelo agente frente ao estado. Por fim, Cleber Masson (2017) ressalta que, apesar da atuação facultativa do agente durante a colisão de bens e do direito em face do Estado (que deve reconhecê-lo com os efeitos prescritos em lei), consiste o estado de necessidade um direito subjetivo do réu e que, presentes os requisitos, deve ser reconhecido pelo juiz de forma vinculada.
A distinção entre estado de necessidade e legítima defesa decorre do fato de que nesta o perigo provém, sempre, de uma atividade do homem e a reação ao perigo é voltada ao autor da ação. Já o estado de necessidade é derivado de fatos da natureza, de seres irracionais, objetos, dentre outros; mas pode também ser oriundo da atividade humana. Além disso, a reação deste pode se direcionar tanto ao bem jurídico de titularidade do causador do perigo (estado de perigo defensivo) quanto a bem jurídico de terceiro (estado de perigo agressivo).
Voltadas precipuamente ao estudo da natureza jurídica do estado de necessidade no campo penal, na doutrina sobressaem duas teorias, a unitária e a diferenciadora. A teoria unitária aborda o fato que este instituto jurídico é causa de exclusão de ilicitude, contanto que o bem jurídico abatido seja de igual ou menor valor que o bem jurídico a ser preservado. Todavia, caso o bem jurídico afetado seja de maior valor que o bem jurídico a ser preservado, caberá somente a redução da pena, mantendo-se o crime.
Por outro lado, tem-se a teoria diferenciadora. De nascimento alemão, esta discrimina o estado de necessidade justificante do estado de necessidade exculpante. Aquele ocorre quando o bem jurídico atingido é de porte igual ou inferior em referência ao bem jurídico a ser mantido, caracterizando-se em excludente de ilicitude. Já este acontece quando o bem jurídico repelido é de maior valor que o bem jurídico a ser resguardado. Neste caso, configurar-se-ia uma excludente de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, o que a distingue da teoria unitária.
Vale ressaltar que o CP adotou a teoria unitária, harmonizável com o conceito de estado de necessidade justificante, reivindicando uma conduta proporcional e razoável do agente mesmo em situação de defesa, podendo o excesso ser punido, conforme prevê o parágrafo único do art. 23 do referido diploma. Complementando tal teoria, há o § 2º do Art. 24 do CP, dispondo que embora seja ponderável exigir-se o sacrifício do direito que está em ameaça, a pena poderá sofrer redução na ordem de um a dois terços.
Este preceito ressalta a ideia de que, havendo sacrifício de bem jurídico com valor superior daquele a ser preservado, autoriza-se a diminuição da pena de um a dois terços, conservando-se o crime.
A depender do método utilizado, o estado de necessidade pode ser classificado em justificante (quando o bem jurídico renunciado é de medida semelhante ou inferior ao bem jurídico resguardado) ou exculpante (na ocasião em que o bem jurídico renunciado é de valor excedente ao bem jurídico resguardado). No primeiro cenário, há exclusão de ilicitude, já no segundo caso, poderá haver a exclusão da culpabilidade, a depender do caso concreto, tendo em vista a análise da inexigibilidade de conduta diversa no caso real.
Quanto à origem da situação do perigo, a doutrina classifica o estado de necessidade em agressivo (o agente pratica o fato necessitado contra bem jurídico pertencente a terceiro inocente) e defensivo (pratica o fato necessitado contra bem jurídico do próprio causador do perigo).
Aqui, nos interessa o estudo do estado de necessidade agressivo, notadamente no que remete à obrigação indenizatória constante no art. 932 do Código Civil, que não exige dolo ou culpa do agente, respondendo ele objetivamente pelo dano causando, mesmo não sendo a sua conduta ilícita. Trata-se de duvidosa causa de responsabilidade objetiva, questionável principalmente quando se leva em conta a feição meritória da atitude daquele que atuou sob o manto desta excludente.
Tendo como base o art. 24 do CP, podemos verificar certos requisitos para que esteja configurada a hipótese de estado de necessidade.
Primeiramente, a situação de necessidade deve decorrer de perigo atual. O perigo atual, conforme destaca a doutrina de Massom (2017), é aquele efetivo ou real, que deve ser demonstrado no caso concreto. Diferente da legítima defesa, a lei não esclarece a respeito da possibilidade de perigo iminente (aquele que está prestes a iniciar) no estado de necessidade, de forma que parcela da doutrina concebe ser a ele também aplicável o instituto – entendimento ao qual nos filiamos; e outra parcela entende que não se aplica, pois ausente a previsão legal.
Além disso, o perigo não deve ter sido promovido opcionalmente pelo agente e este deve ter inexistência do dever jurídico de enfrentar o perigo. Neste caso, em havendo dever legal de encarar o perigo, não pode o sujeito valer-se de modo mais gravoso do que o razoável para sua atuação. Um bombeiro, por exemplo, não pode destruir totalmente o prédio vizinho para salvar pessoa que se encontra no outro prédio em chamas se for possível fazê-lo de fora menos gravosa, ainda que um pouco mais arriscada à sua pessoa. Por outro lado, não é razoável exigir-se que o bombeiro entre em um prédio que está em chamas e claramente destruído, prestes a desabar. Por isso a análise de tal dispositivo merece ponderações.
Por fim, no diagnóstico da circunstância de necessidade, pode o direito a ser resguardado pertencer à própria pessoa ou a terceiro, independentemente de ser este parente, amigo ou inimigo daquele que atua. Esta liberdade de atuação que se dá mesmo para situações em que desconhecido o beneficiado do ato ressalta a índole valentia do agente que atua sob o manto do presente instituto, notadamente pelo fato de que muitas vezes age em defesa do direito de pessoa que sequer conhece, ao simplesmente visualizar a natureza jurídica grandiosa do bem a ser protegido (vida, saúde, segurança etc.).
Em segunda análise, parte-se ao estudo do fato necessitado, que é a conduta praticada para lesionar o bem jurídico de igual ou menor valor (estado de necessidade justificante) ou de maior valor (estado de necessidade exculpante). Para isso, é necessário que não seja possível evitar o perigo existente por outro modo de ação, sendo o episódio necessitado a ultima ratio. Como exemplo, não justifica o agente matar um cachorro quando é atacado sendo que pode simplesmente fechar a porta da sua casa ao perceber a vinda do animal. Nesse passo, deve haver razoabilidade na atuação do agente, que será verificada no caso concreto.
É difícil a análise diante de casos reais em que o agente tem a opção de agir ou não em estado de necessidade de terceiro e, em uma atitude louvável, opta por praticar a conduta visando salvaguardar o bem jurídico do terceiro, mesmo sem saber das consequências que poderão ocorrer como, por exemplo, quando o sujeito esbarra seu veículo na vitrine de uma loja para desviar-se de uma criança inocente que atravessava a rua. Perceba que o responsável legal pela criança teve a possibilidade de prever a ocorrência da situação de perigo, e ainda assim agiu culposamente, seja sendo imprudente ou negligenciando a locomoção da mesma. Já para aquele que atua em estado de necessidade, por diversas vezes, não há sequer prazo para pensar: é simplesmente fazer ou não fazer, e aguardar os efeitos da sua conduta.
O legislador ao invés de enaltecer o ato praticado quando o sujeito resguarda o bem de maior valor (vida) em face do conflito com bem de menor valor (patrimônio), o faz de forma contrária, responsabilizando inicialmente aquele que praticou ato lícito e heroico e deixando que o verdadeiro causador da situação de risco somente seja responsabilizado em ação regressiva, o que é totalmente antinômico com os princípios que regem o Código Civil e a Constituição Federal.
O debate aqui trazido é mais antigo do que se parece, tendo em vista que havia previsão correspondente à atual no Código Civil de 1916, conforme ensinamentos de Paulo Nader (2016, p. 195):
A obrigação de indenizar por quem agiu em estado de necessidade, já prevista no Código Civil de 1916, suscitou acesa discussão entre juristas de escol, no início do séc. XX, quando o Anteprojeto daquele Códex tramitava no Congresso Nacional. Amaro Cavalcanti e João Luiz Alves, entre outros, reconheciam uma contradição entre o disposto no art. 1.519 e o art. 160, II, correspondentes aos atuais arts. 929 e 188, II, do Código Reale. Eis a síntese de João Luiz Alves:“Pensamos que o art. 1.519 está em contradição com o art. 160, nº II: 1º Porque este declara que não constitui ato ilícito, isto é, constitui ato lícito ‘a deterioração da coisa alheia, para remover perigo iminente’, dentro dos limites indispensáveis à sua remoção. Ora, o ato lícito no sistema geral do Código não gera direito à indenização, a qual só promana – ou da inexecução de obrigação ou de delito ou quase delito. Logo,a remoção do perigo iminente, como ato lícito, não pode obrigar, a quem a executa, a indenizar o dano.”
Ou seja, mesmo durante a elaboração do diploma civil anterior – ainda nos primórdios do século XX, já se discutia a respeito da contradição entre a prática de um ato lítico e a responsabilização civil do agente que assim que o praticou, com base em artigos que, mesmo distintos e contraditórios, encontravam-se previstos na mesma lei. Essa contenda se mantém atualmente, tendo em vista que foram mantidas as disposições anteriores no Código Civil vigente.
4. DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil nada mais é que o fruto surgido em razão do descumprimento de uma obrigação, seja pela não observância de uma regra contratual ou mesmo a não obediência a preceito normativo regulador da vida em sociedade.
O Código Civil trata a partir do seu art. 927 da Responsabilidade Civil, regulando a obrigação de indenizar e também a fixação da indenização. A responsabilidade civil contratual decorre dos casos de inadimplência por uma das partes em relação a contratos ou obrigações. Destarte, responde aquele que deve, após não cumprida a obrigação, com todos os seus bens por perdas e danos, atualização monetária e também honorários advocatícios. Vale ressaltar que o prazo inicial para a configuração de inadimplência nas obrigações de não fazer (negativas) conta-se do momento da prática do ato pelo qual a parte deveria se abster de realizar.
Já a responsabilidade civil extracontratual (ou aquiliana), decorre de atos ilícitos ou mesmo do abuso de direito. O ato ilícito se qualifica como aquele praticado em contrariedade à ordem jurídica e que, por efeito, traz prejuízos ao direito de outrem. O abuso de direito, no que lhe concerne, é inicialmente lícito. Entretanto, o agente ao exercer seu direito se exacerba de modo manifesto os limites estabelecidos pelos fins econômico, social, pela boa fé ou pelos bons costumes; o que faz com que o ato originalmente lícito, converta-se em ilícito. Diante disso, Flávio Tartuce (2017a), evidencia o caráter dual ou binário da responsabilidade civil extracontratual, uma vez que há dois alicerces categóricos em que a mesma se apoia – ato ilícito e abuso de direito.
A doutrina traz várias classificações acerca dos elementos da responsabilidade civil, que nada mais são que preceitos a uma incumbência de reparação do agente. Em resumo, pode-se destacar a existência de quatro pressupostos do dever de indenizar, quais sejam: a conduta humana, a culpa em sentido amplo, a relação/nexo de causalidade e o dano ou prejuízo sofrido pelo agente.
A conduta é mais aprofundada nos estudos do fato típico penal, que traz várias teorias para explicar o que vem a ser a mesma e também justificar seus efeitos posteriores nesta seara. Ela pode ser dividida em comissiva (uma ação positiva) ou negativa (uma omissão). Neste caso, para a denotação da responsabilidade civil, faz-se mister a demonstração de que deveria o agente praticar determinado fato e que, a ausência desta conduta, causou o dano ocorrido.
Quanto à culpa em sentido amplo, infere-se que a mesma abrange também o dolo e, numa visão subjetiva pode se dividir em imprudência, negligência e imperícia.
O nexo de causalidade é a associação entre a conduta praticada e o dano a ser suportado por outrem. Carlos Roberto Gonçalves (2010) define o mesmo como “Um vínculo essencial entre o fato incriminado e o prejuízo. É necessário que se torne absolutamente certo que, sem esse fato, o prejuízo não existiria.”
Por fim, além dos elementos já citados, é primordial a comprovação do dano suportado por alguém, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial, para a configuração da responsabilidade civil. O art. 402 do CC dispõe que, retiradas as exceções expressamente designadas na lei, as perdas e danos cabíveis ao credor abrangem, além do que ele de modo efetivo perdeu, também o que possivelmente deixou de lucrar. Conforme referido artigo, o Código Civil classifica os prejuízos materiais em dano emergente, consistente naquilo em que concretamente se perdeu; e em lucro cessante (parte final), relacionada a aquilo provavelmente se deixou de desfrutar.
Em regra, a responsabilidade civil na ordem jurídica é de natureza subjetiva, exigindo-se a culpa genérica, que inclui o dolo ou a culpa stricto sensu (negligência, imprudência e imperícia). Baseando-se, assim, na teoria da culpa.
Entretanto, há exceções. Duas delas podem ser visualizadas no parágrafo único do Art. 927 do CC, que traz a obrigação de recomposição do dano (mesmo se não houver culpa) quando a lei fizer tal previsão ou nos casos em que o agente pratica uma atividade de modo regular, mas que pela essência da mesma traga risco para os direitos das demais pessoas.
A responsabilidade objetiva ocorre pela exposição de perigo devido a uma situação ameaça criada por determinada atividade, e é caracterizada independentemente do causador agir com dolo ou culpa. A mesma fundamenta-se na teoria do risco e teve como norteador o Código Civil da Italiano de 1942. Ela embasa, contestavelmente, o que ocorre no caso do agente que atua em estado de necessidade e atinge bem de terceiro.
Dentre as modalidades oriundas da teoria do risco, podemos citar a teoria do risco administrativo, que trata da responsabilidade civil do estado (Art. 37, § 6º da CF/88); a teoria do risco da atividade, na hipótese de a atividade desempenhada gerar riscos a terceiros, como no caso das ações nucleares (Art. 927, parágrafo único do CC); a teoria risco-proveito, oriunda do Código de Consumerista; e a teoria do risco integral, ligada aos danos ambientais (Art. 14, § 1º da Lei 6.938/81). Há várias outras teorias que podem ser citadas, as quais resolvemos não incluir, devido ao objeto específico de estudo deste trabalho.
Para mais, o Código Civil prevê responsabilidade objetiva oriunda também de ato de terceiros, também chamada de responsabilidade indireta (Art. 932 do CC), a responsabilidade por danos causados por animais em que não provada culpa restrita da vítima ou força maior (Art. 936 do CC), a responsabilidade civil do dono do prédio em construção ou por sua ruína (Art. 937 do CC), a responsabilidade civil por objetos e coisas lançadas das casas, conhecida como defenestramento, que significa “jogar fora pela janela” (Art. 938 do CC) e a responsabilidade visualizada nos contratos de transporte, alcançando também a realização do transporte de coisas (Art. 750 do CC) ou transporte de pessoas (Art. 734 do CC). Nesta última hipótese, impende ressaltar a Súmula 145 do Tribunal da Cidadania, que assim dispõe:
Assim, a jurisprudência tem analisado com cautela determinadas situações, a fim de evitar insegurança jurídica e o surgimento de injustiças na sociedade civil.
Para o aprendizado das excludentes da obrigação reparatória, além da previsão no art. 188, II e II, devemos buscar complemento no Código Penal. Sendo assim, dispõe o art. 188, I que não se ajusta aos atos ilícitos aqueles praticados em legítima defesa. A definição de legítima defesa pode ser extraída do art. 25 do CP, destacando que assim age o cidadão que se utiliza dos meios necessários, e de forma moderada, para rechaçar agressão que seja injusta, em tempo atual ou prestes a acontecer, a direito seu ou de terceiros.
Sem dúvida é uma das principais disposições excusatórias de responsabilidade civil, muito aplicada também como excludente de ilicitude no âmbito penal. Além da legítima defesa, o referido artigo na sua parte final trata do exercício regular de direito ou das próprias funções, este se assemelhando ao estrito cumprimento do dever legal previsto no art. 23 do CP.
Há hipóteses em que ocorre retirada do nexo de causalidade e, consequentemente, a exclusão do dever de indenizar. Podemos citar a culpa ou fato exclusivo da vítima, a culpa ou fato exclusivo de terceiro, o caso fortuito e a força maior, neste havendo exceções para o não afastamento da responsabilidade.
Cite-se, também, a cláusula de não indenização, popularmente referida como cláusula de irresponsabilidade, em que a parte isenta totalmente a sua responsabilidade. Entretanto, a doutrina traz alguns requisitos para a sua utilização. Ela pode ser usada, por exemplo, em responsabilidade contratual, tendo-se em vista que a responsabilidade extracontratual decorre da própria lei e tem natureza cogente; não podendo ser empregue, todavia, nos contratos de adesão (art. 424 do CC), consumo (art. 25 e 51, I da Lei 8.078/90) e transporte (art. 734 do CC c/c Súmula 161 do STF).
Por fim, o estado de necessidade ou a remoção de risco iminente é tratado no art. 188, II, já transcrito anteriormente e exemplificado no item 3 deste trabalho, juntando-se à responsabilidade civil, por meio da harmonização aos arts. 929 e 930, que passaremos a discorrer.
5. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ESTADO DE NECESSIDADE
O estado de necessidade, como visto, exclui a ilegitimidade da ação, mas não o dever de indenizar. Complementando, o parágrafo único do art. 188 do CC salienta que, em havendo excesso, poder-se-á configurar abuso de direito ou até mesmo ato ilícito; o que será verificado na análise de cada caso concreto.
Imagine a situação de um pai que, sem habilitação, dirige um carro em alta velocidade para levar o filho, muito doente, ao hospital. Certamente estará ele atuando em estado de necessidade. Mas, e se no caminho o mesmo atropela um pedestre devido à sua pouca habilidade no volante? Houve exagero na realização da conduta? Não poderia ele ter solicitado um táxi ou outro meio de transporte para tal ato? Percebe-se que o tema é mais delicado que se parece.
Ao tratar da obrigação de indenizar, o Código Civil traz algumas peculiaridades a respeito do estado de necessidade. O art. 929 descreve que aquele lesado ou o dono da coisa destruída ou deteriorada não tiverem sido culpados pelo perigo, terão eles direito à reparação em relação ao prejuízo que houverem sofrido.
O dispositivo é coerente ao determinar que a pessoa lesada e não responsável pelo perigo, que teve seu patrimônio atingido pelas consequências da ação daquele que operou em estado de necessidade, tem o direito de ser ressarcida pelo prejuízo sofrido.
Mas este artigo deve ser lido em conjunto com o art. 930, que traz um complemento a respeito do ressarcimento, dispondo que se o perigo ocorre por culpa de um terceiro, o autor do prejuízo poderá contra ele propor ação de regresso tendo em vista a reparação efetuada em face do dono do bem ou lesado.
Flávio Tartuce (2017a, p. 605-606), para a maior compreensão do tema, cita o seguinte exemplo:
Imagine-se o caso em que uma criança grita em meio às chamas de um incêndio que atinge uma residência. Um pedestre vê a cena, arromba a porta da casa e salva a criança da morte iminente, prestes a acontecer. Nesse caso, se o dono da casa não causou o incêndio, deverá ser indenizado pelo pedestre herói (art. 929 do CC). Somente se o incêndio foi causado pelo dono do imóvel é que não haverá dever de indenizar. No primeiro caso, o herói terá direito de regresso contra o real culpado pelo incêndio (art. 930 do CC). Observa-se, com tais conclusões, que o Código Civil atual, a exemplo do seu antecessor, continua a não incentivar intervenções heróicas.
Este exemplo clarifica quão entristecedora é a redação do art. 930 do CC. No caso acima citado, por exemplo, o texto legal prefere ao patrimônio que à vida, sendo que esta é um bem jurídico de maior valor. O correto, na nossa visão, seria a responsabilização daquele que causou a situação de perigo primordialmente, somente podendo responder aquele que agiu em estado de necessidade subsidiariamente ou na falta de condições financeiras do autor da situação de perigo.
Sabe-se que a nova visão do direito, notadamente o neoconstitucionalismo, através da centralização da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), trazem grande influência ao direito privado, havendo autores que defendem o fim da dicotomia “público-privado”, podendo falar-se atualmente em Direito Civil Constitucional, segundo Perlingieri (2002). Princípios norteadores como a dignidade da pessoa humana, a função social, a busca por uma sociedade livre, justa e solidária são exemplos de previsões que afetam diretamente o direito privado, fazendo com que a abusividade de certas cláusulas contratuais possam ser vistas para além da natureza meramente privada, e sob uma perspectiva cogente das normas basilares, tudo isso ligado à idéia da eficácia horizontal dos direitos e garantias fundamentais.
No que diz respeito aos valores primordiais e norteadores do novo Código Civil, descritos pormenorizadamente por Miguel Reale (1975) na Exposição de Motivos do anteprojeto do novo Código de Civil, ainda nos anos noventa – mas tão atual, destaca-se a prevalência dos conceitos de eticidade, socialidade e operabilidade.
A eticidade deve ser utilizada de forma essencial na aplicação da lei, não cabendo mais a valorização da formalidade em prejuízo dos valores que ordenam nosso sistema, como ocorria na vigência Código Civil de 1916. A técnica nem sempre deve prevalecer sobre o complexo comportamento humano. Assim, a ação imediata daquele que empreende em estado de necessidade exibe não apenas um ato de heroísmo, mas a verdadeira convicção prática de efetiva justiça e ponderação entre os bens jurídicos postos em risco. Age o autor nesta situação na mais singela boa-fé, por vezes colocando em risco a própria vida para salvaguardar a vida do próximo.
A superação do caráter individualista é deveras importante para a análise do dispositivo aqui criticado. O caráter social e exemplar daquele que atua em estado de necessidade de terceiro irradia efeitos imensuráveis na sociedade, produzindo no meio social a sensação de esperança, notadamente em dias de desgraças e tristezas como tem acontecido corriqueiramente na vida comum do corpo coletivo.
Por fim, a operabilidade deve conduzir o direito em dois aspectos: a simplicidade e a efetividade. Ora, nos casos em que o agente atua em estado de necessidade de terceiro, por culpa de determinado ato irregular de outrem, e causa dano a cidadão não vinculado ao fato originário, por que motivo caberá àquele que atuou para salvaguardar o bem jurídico de maior ou igual valor a responsabilidade inicial? Sendo que ato deste foi muito além da justiça que própria norma exige?
Verificadas tais explanações, insta ressaltar que jurisprudência do egrégio STJ vem mitigando tal dispositivo, nos informando que, a depender das circunstâncias do fato, a atuação do agente em estado de necessidade será capaz de influir no quantum da definição do valor a ser indenizado:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTADO DE NECESSIDADE. PROPORCIONALIDADE NA FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO. O estado de necessidade, embora não exclua o dever de indenizar, fundamenta a fixação das indenizações segundo o critério da proporcionalidade. A adoção da restitutio in integrum no âmbito da responsabilidade civil por danos, sejam materiais ou extrapatrimoniais, nos conduz à inafastabilidade do direito da vítima à reparação ou compensação do prejuízo, ainda que o agente se encontre amparado por excludentes de ilicitude, nos termos dos arts. 1.519 e 1.520 do CC/1916 (arts. 929 e 930 do CC/2002), situação que afetará apenas o valor da indenização fixado pelo critério da proporcionalidade. REsp 1.292.141-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012.
Na doutrina, alguns autores criticam o dispositivo, defendendo, por exemplo, a sua mitigação na aplicação da lei pelo juiz diante da particularidade do caso concreto. O posicionamento de Flávio Tartuce (2017b) é esclarecido na sua obra específica de responsabilidade civil, ressaltando ele que filia-se à Flávio de Monteiro Barros (2005, apud TARTUCE, 2017), quando afirma que no estado de necessidade haverá dever de indenizar mesmo em decorrência de um fato lícito, e enfatizando que ali está a razão técnica da situação de injustiça por diversas ocasiões verificada. Assim, o herói nunca poderia responder por ter salvado a criança, por ter dado prioridade à vida em detrimento do patrimônio.
Tal entendimento reforça a tese a respeito da incongruência do artigo aqui apresentado.
Carlos Roberto Gonçalves (2017) cita o exemplo do motorista que joga o veículo que dirige contra um muro, deteriorando-o, para evitar o atropelamento de uma criança que surgiu-lhe à frente; conforme o Art. 929 do CC, tal atitude não o exonera de reparar do dano causado ao dono do muro, pois não é este o culpado pelo perigo. Entretanto, caberá ação regressiva do motorista contra o pai do menor, por culpa in vigilando, nos moldes descritos no inciso II do art. 188.
O autor esclarece com maestria a contradição entre os artigos:
[...] A solução dos arts. 929 e 930 não deixa de estar em contradição com o art. 188, II, pois, enquanto este considera lícito o ato, aqueles obrigam o agente a indenizar a deterioração da coisa alheia para remover perigo iminente. É o caso, por exemplo, da destruição de prédio alheio, vizinho ao incendiado, para evitar que o fogo se propague ao resto do quarteirão. Tal solução pode desencorajar muitas pessoas a tomar certas atitudes necessárias para a remoção de perigo iminente. (GONÇALVES, 2017, p. 280)
Pelas palavras, verifica-se que pela aplicação crua do referido artigo pode vir a ocasionar o enfraquecimento prático de atitudes bondosas e, em muitos casos, gloriosas, o que vai contra a nova ordem jurídica. Como sugestão, propõe o festejado autor que seria muito mais coerente se houvesse permissão ao juiz, através de um arbitramento proporcional, estabelecer uma plausível indenização, e não simplesmente em razão de todo o prejuízo sofrido, como trazido nos artigos previstos no CC, pois atuando desta forma poder-se-ia conduzir o magistrado à aplicação diversas injustiças.
Em busca da razoabilidade e da segurança jurídica, pertinente é a proposta do doutrinador, tendo em vida o enredamento de casos que traz a vida social na sua diversidade de relações.
Reafirmando o entendimento e sedimentando mais uma visão negativa acerca do dispositivo objeto de estudo deste trabalho, a doutrina de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2017) ressalta que o dever de reparação previsto no Art. 930 do CC decorre da idéia de equidade e solidariedade social. Apesar dessa visão, os autores exaltam o entendimento de Wilson Melo da Silva (1974, apud GAGLIANO), que questiona a hipótese da condição econômica do agente causador do evento ser de insolvência, ao passo que, concomitantemente, tem grande fortuna o terceiro que por culpa fez estabelecer a situação de perigo causadora do dano. Segundo ele, pela legislação, o terceiro atingido não poderia ter ação direta em relação do terceiro provocador do perigo, pois deveria primeiro exercer seu direito contra o autor do dano (aquele que empreendeu em estado de necessidade). Daí, somente após, poder-se-ia o dotado de insolvência recorrer-se contra o terceiro culpado de forma regressiva, para dele desembolsar aquilo que gastara com o dono da coisa deteriorada ou destruída.
Por fim, conclui o autor que trata-se de mais uma das diversas incongruências de nossa legislação, que vem escrita de forma totalmente contraditória e defeituosa, neste caso voltada a sua determinação no que diz respeito ao estado de necessidade. (SILVA, 1974)
Percebe-se o robusto entendimento doutrinário acerca da incoerência do dispositivo que nos utilizamos deste trabalho para debater, de forma que a análise meramente gramatical do dispositivo pode nos levar a conclusões extremamente injustas, o que nos conduz a uma hermenêutica guiada por princípios e valorada na ideia de justiça e pacificidade social, que deve nortear as relações humanas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme demonstrado, a indenização no estado de necessidade de terceiro se difere das demais excludentes de indenização previstas no Código Civil. Apesar de ato lícito, haverá ressarcimento pelo agente causador do dano, tendo esta ação regressiva contra o verdadeiro autor do perigo.
Todavia, em determinadas situações chega a ser absurda a falta de congruência do referido dispositivo com a ordem constitucional, que prega a dignidade da pessoa humana e valores como a função social como bases do estado democrático.
Além disso, os princípios norteadores trazidos pelo novo Código Civil em contraste ao Código de 1916 são de substancial aplicação da lei aos casos concretos, devendo o juiz pautar-se na eticidade, socialidade e operabilidade do Código.
Diante do caso concreto, por muitas vezes faz-se necessária a avaliação de que a imposição da indenização caberá mesmo ao agente que agiu licitamente, devendo cada caso ser analisado de forma específica e podendo, salvo melhor juízo, a indenização ser reduzida ou até mesmo ser aplicada de forma subsidiária ao ser que procede em estado de necessidade, responsabilizando-se o genuíno causador do perigo.
Ora, como pode alguém que pratica um ato de heroísmo muito além do que os previstos por obrigatoriedade da lei (como nos casos da omissão de socorro) ser responsabilizado por prejuízos daí advindos por simples falta de qualidade técnica da lei? É incabível a aplicação crua da lei, sem a valoração necessária das circunstâncias que impeliram o agente à prática do ato, o que se pode configurar em várias searas do direito.
Portanto, uma análise do estado de necessidade de terceiro deverá se valer dos valores primordiais da sociedade, tais como a boa-fé, a razoabilidade e a onerosidade e a solidariedade, todos estes somados para a efetivação concreta da justiça e a acentuação da segurança jurídica, esta tão distante em tempos conturbados.
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARNEIRO, Matheus Eurico Borges. A reparação civil quando o agente atua em estado de necessidade e atinge bem de terceiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 set 2022, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59196/a-reparao-civil-quando-o-agente-atua-em-estado-de-necessidade-e-atinge-bem-de-terceiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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