RESUMO: O presente estudo pretende promover uma breve reflexão sobre a responsabilidade civil do Estado, com ênfase na responsabilidade por atos omissivos e a possibilidade de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva. O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a evolução da responsabilidade civil até os dias atuais, bem como a evolução jurisprudencial no que se refere à responsabilidade por omissão. A análise é feita a partir das disposições constitucionais, legais, posicionamentos doutrinários, jurisprudenciais, bem como de fatos históricos e sociais que abordam a referida temática.
Palavras Chave: Responsabilidade civil do Estado. Teoria do Risco administrativo. Atos omissivos. Responsabilidade objetiva.
ABSTRACT: The present study intends to promote a brief reflection on the civil responsibility of the State, with emphasis on responsibility for omissive acts and the possibility of applying the theory of strict liability. The present work aims to demonstrate the evolution of civil liability to the present day, as well as the jurisprudential evolution with regard to liability for omission. The analysis is based on constitutional and legal provisions, doctrinal and jurisprudential positions, as well as historical and social facts that address the aforementioned theme.
Keywords: State civil liability. Administrative Risk Theory. Omissive acts. Objective responsibility.
1. INTRODUÇÃO
Após diversos estágios, a responsabilidade estatal evoluiu para permitir a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva.
A constituição federal assegura a responsabilidade civil do Estado pautada na Teoria do Risco Administrativo, pois segundo o art. 37, §6º, da Constituição Federal, “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Diferentemente do direito privado, em que a responsabilidade civil exige a prática de ato ilícito, no direito administrativo ela pode decorrer de atos que, embora lícitos, causem a danos a terceiros.
No que se refere aos atos comissivos, a jurisprudência e a doutrina são uníssonas no sentido de ser cabível a responsabilidade objetiva pautada na teoria do risco administrativo.
Todavia, no que se refere à possibilidade de responsabilização civil do Estado por atos omissivos que ocasionem danos aos administrados, esta vem sendo estudada e debatida há décadas pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Atualmente, chegou-se ao consenso de que o Estado responde objetivamente por atos omissivos quando possui o dever legal de agir para evitar a ocorrência do ano.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, entende-se por responsabilidade civil ou responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, o dever “que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”.
Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Trate-se de dano resultando de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica; por isso é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, já que esta não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil. A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais. E a responsabilidade é sempre civil, ou seja, de ordem pecuniária.
(...)
A responsabilidade material pode decorrer de atos jurídicos, de atos ilícitos, de comportamentos materiais ou de omissão do Poder Público. O essencial é que haja um dano causado a terceiro por comportamento omissivo ou comissivo de agente do Estado.
Ao contrário do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no direito administrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade. Pode-se, portanto, dizer que a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos (DI PIETRO, 2016, p. 789-790).
Assim, a responsabilidade estatal pode decorrer tanto de atos lícitos quanto ilícitos, sendo relevante que haja um dano causado a terceiro por comportamento comissivo ou omissivo por parte do agente do Estado.
Até que se chegasse à fase atual, a teoria da responsabilidade do Estado passou por três fases principais: 1ª) teoria da irresponsabilidade estatal; 2ª) teoria da responsabilidade subjetiva; 3ª) teoria da responsabilidade objetiva.
2. 1 Teoria da Irresponsabilidade estatal
A teoria da irresponsabilidade do Estado também é chamada de teoria feudal, regalista ou regaliana, sendo própria dos Estados Absolutistas em que a vontade do Rei tinha força de lei.
Essa teoria advém da concepção político-teológica que sustentava a origem divina do poder, pois os Reis eram considerados “representantes de Deus na terra” e, se Deus não erra, consequentemente, os governantes nomeados por Ele também não.
Essa fase pode ser resumida em duas frases que evidenciam bem o espírito do período: “o rei não erra” (“the king can do no wrong” ou “le roi ne peut mal faire”) e “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (“quod principi placuit habet legis vigorem”).
O marco de superação da teoria da irresponsabilidade foi a decisão de 8 de fevereiro de 1873, tomada pelo Tribunal de Contas na França, conhecida como Aresto Blanco, em que o Estado foi condenado por danos provocados pelo exercício das atividades administrativas.
2.2 Teoria da Responsabilidade Subjetiva
A responsabilidade estatal, segundo a teoria da responsabilidade subjetiva deveria ocorrer segundo os parâmetros do direito civil, de modo que a vítima deveria comprovar a culpa do agente público para a responsabilização do Estado.
A teoria da responsabilidade subjetiva é aplicada apenas de forma excepcional, em alguns casos pontuais, como exemplo, nos danos por omissão, na responsabilidade pessoal do agente público na ação regressiva e na responsabilidade administrativa ambiental.
2.3 Teoria da Responsabilidade Objetiva
A teoria objetiva, também chamada de teoria da responsabilidade sem culpa ou teoria publicista, afasta a necessidade de comprovação de culpa ou dolo do agente público, e encontra fundamento na noção de risco administrativo.
Assim, de acordo com a referida teoria, quem presta um serviço público assume o risco dos danos que eventualmente advierem de sua conduta, independentemente da existência de culpa ou dolo. Assim, a responsabilidade dispensa a análise do elemento subjetivo, qual seja, a intenção do agente.
Após a Constituição Federal de 1988, a discussão acerca da existência de dolo ou culpa limitou-se foi à ação regressiva a ser intentada pelo Estado em face do servidor público.
Assim, a teoria objetiva não exige que o administrado prove o dolo ou culpa do Estado para o pagamento da indenização (o que se dá por ação ou omissão própria), bastando para tanto a demonstração do ato, do dano e do nexo causal.
3. EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE ESTATAL NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
As Constituições Federais de 1824 e 1891 não tratavam sobre a responsabilização estatal por prejuízos causados a particulares.
As Constituições de 1934 e 1937, por sua vez, reafirmaram a aplicação da teoria subjetiva, todavia, estabeleceram a responsabilidade solidária entre a Fazenda Pública e o servidor por prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de suas funções.
A Constituição de 1946 foi um importante marco em relação à responsabilidade estatal, pois passou a adotar de forma expressa a teoria objetiva. Já a Carta de 1967 acrescentou a necessidade de comprovação de culpa ou dolo para responsabilização do agente público na ação regressiva. Assim, restou pacificado que a responsabilidade do Estado é objetiva, mas o agente público responde subjetivamente pelos prejuízos que causar no exercício da função administrativa. A Carta de 1969 não trouxe nenhuma novidade sobre o tema.
A Constituição Federal de 1988 inovou ao prever a responsabilização das “pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos”, concluindo-se que a responsabilidade objetiva deve ser assegurada ao administrado independentemente de quem tenha prestado o serviço público. Eis a dicção do comando constitucional ora em análise:
Art. 37.
[...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Assim, de acordo com a CF/88, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva e baseia-se na teoria do risco administrativo.
4. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE ESTATAL
O direito brasileiro, com algumas exceções, adota a responsabilidade objetiva pautada na teoria do risco administrativo. Como se adota a teoria do risco administrativo, o Estado poderá eximir-se do dever de indenizar caso prove alguma causa excludente de responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, a culpa exclusiva de terceiros e os casos fortuitos ou de força maior.
Em algumas situações observa-se que o pedido de indenização decorre de situação provocada pela própria vítima ou por um terceiro, sendo que nestas hipóteses não há que se falar em responsabilidade do Estado.
Assim, restando comprovada a culpa exclusiva da vítima ou a responsabilidade de terceiro, entende-se que houve um rompimento do nexo causal.
Portanto, a responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, uma vez que se admite o seu abrandamento no caso de culpa concorrente do ofendido e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses de caso fortuito e de força maior ou na ocorrência de culpa atribuível ao próprio ofendido ou a terceiro.
5. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS OMISSIVOS
Há situações em que o comportamento comissivo de um agente público causa prejuízo a particular. São os chamados danos por ação.
Além desses, há a possibilidade de se responsabilizar o ente estatal pelas condutas omissivas que, em razão de um não agir, causem danos aos administrativos, na modalidade de responsabilidade objetiva do Estado.
No que se refere à responsabilidade do Estado por atos comissivos, tal entendimento há muito tempo encontra-se pacificado no sentido de se tratar de responsabilidade objetiva, prescindindo, portanto, da prova da culpa ou dolo do agente público quanto ao ato que gerou o resultado lesivo, incumbindo ao particular demonstrar tão somente o nexo de causalidade entre a conduta do agente público e o dano ocasionado.
Contudo, surgiram muitas discussões, na doutrina e na jurisprudência, acerca da modalidade de responsabilização do Estado no que se refere às condutas omissivas do Estado, tidas por aquelas em que o cumprimento, ao tempo e ao modo adequado, pelo agente público, evitariam o dano causado ao administrado.
Deveras, muitos doutrinadores já compreenderam que a referida modalidade omissiva de responsabilização do Estado seria de natureza subjetiva, o que ensejaria a demonstração da culpa do agente ou a falha ou mal funcionamento do serviço público para que fosse possível imputar ao ente público o dever de indenizar o dano decorrente dessa omissão.
O STF já entendeu, outrora, ser de natureza subjetiva a responsabilidade civil do Estado nos casos que envolvem omissão na conduta estatal, o que possibilitaria ter evitado o dano causado ao terceiro:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C.F., art. 37, § 6º. I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II. - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses. IV. - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. V. - R.E. não conhecido.”(RE 179147, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 12/12/1997, DJ 27-02-1998 PP-00018 EMENT VOL-01900-03 PP-00589 RTJ VOL-00179-02 PP-00791)
No entanto, parcela considerável da doutrina considera que a responsabilidade civil atribuível ao Estado, mesmo nos casos de omissão do ente estatal, também seria objetiva, em razão da redação contida no artigo 37, §6° da Carta Magna, que não fez qualquer distinção entre as condutas comissivas omissivas da Administração.
Nas palavras de Felipe Braga Netto:
A responsabilidade civil, em nossos dias, lida progressivamente com a noção de risco. Neste nosso século, a responsabilidade civil é refuncionalizada, ou seja, é chamada a desempenhar novas funções (sobretudo preventivas e punitivo-pedagógicas). O instituto, além disso, ao lado de sua índole individualística, tem uma forte dimensão função coletiva. A maior proteção à vítima vem conjugada com um processo histórico-normativo que torna a responsabilidade civil progressivamente objetiva. Isto é, os suportes fáticos das normas que determinam a indenizabilidade dos danos exigem, cada vez menos, a presença da culpa. Indeniza-se, mesmo sem culpa. É assim, por exemplo, em regra, na responsabilidade civil do Estado e na responsabilidade civil no direito do consumidor. Também no direito ambiental. Ampliam-se, fortemente, os espaços do dano injusto indenizável. Há danos individuais e danos coletivos, danos atuais e danos futuros. Indeniza-se, até, hoje, a perda da chance. Lida-se não mais com a certeza do dano clássico, mas com a probabilidade (NETTO, 2017, p. 48-49).
Seguindo essa linha, a Corte Suprema firmou o entendimento de que deve ser aplicada a responsabilidade objetiva do Estado quanto às condutas omissivas no julgamento do Recurso Extraordinário no 841.526, submetido à sistemática da repercussão geral, afirmando que a aplica-se a teoria do risco administrativo também quanto às condutas omissivas do Estado, no caso, a morte de detentos dentro das unidades prisionais, conforme se observa:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.
2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.
3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).
4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.
6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.
7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.
8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.
9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.
10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. STF. Plenário. RE 841526, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/03/2016.
Na oportunidade, o STF reconheceu que a morte de detento gera responsabilidade civil objetiva para o Estado em decorrência da sua omissão específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pelo art. 5º, XLIX, da CF/88:
Art. 5º
(...)
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Não obstante o Estado responda de forma objetiva também pelos atos omissivos, o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos administrados só restará evidenciado quando o ente público tiver o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não se desincumbindo dessa obrigação legal. Situação diversa conduziria à aplicação da teoria do risco integral, que não é admitida pela Constituição Federal nesses casos.
Somado ao dever legal de agir por parte do Poder Público, faz-se necessário demonstrar, ainda, o nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano efetivamente provocado ao ofendido em razão da conduta omissiva.
Se o agir do Poder Público era obrigatório em razão de uma obrigação legal, a existência de concausas não se revelam aptas a afastar o nexo causal entre a conduta omissiva estatal e o dano.
Assim, diante de um agir devidamente especificado em lei, é certo que a posição do Estado já encontra-se ali definida, de modo que, se o descumprimento dessa norma jurídica provocar um dano ao particular, restará configurado o dever de indenizar o ofendido com fundamento na teoria da responsabilidade objetiva.
No caso de danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, a Corte Suprema entendeu que: “quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada. há como se reconhecer nexo causal entre uma suposta omissão genérica do Poder Público e o dano causado, e, consequentemente, não é possível imputar responsabilidade objetiva ao Estado”.
De acordo com o entendimento do STF, a fuga de presidiário e o cometimento de um crime, sem qualquer relação lógica com sua evasão, afasta por completo o nexo causal, pois a responsabilidade civil só se estabelece em relação aos feitos diretos e imediatos causados pela conduta do agente.
Assim, por não haver causalidade direta não restaram preenchidos os requisitos necessários para a imputação da responsabilidade objetiva.
No que se refere à responsabilidade por omissão no dever de fiscalizar o comércio de fogos de artifício em residência, o STF considerou que a omissão no dever legal de fiscalizar determinada atividade, se dano acarretar a terceiro em virtude dessa conduta omissiva específica, gera o dever de indenizar por parte do Estado:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DO COMÉRCIO DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.NECESSIDADE DE VIOLAÇÃO DO DEVER JURÍDICO ESPECÍFICO DE AGIR.
1. A Constituição Federal, no art. 37, § 6º, consagra a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Aplicação da teoria do risco administrativo. Precedentes da CORTE.
2. Para a caracterização da responsabilidade civil estatal, há a necessidade da observância de requisitos mínimos para aplicação da responsabilidade objetiva, quais sejam: a) existência de um dano; b) ação ou omissão administrativa; c) ocorrência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa; e d) ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
3. Na hipótese, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu, pautado na doutrina da teoria do risco administrativo e com base na legislação local, que não poderia ser atribuída ao Município de São Paulo a responsabilidade civil pela explosão ocorrida em loja de fogos de artifício. Entendeu-se que não houve omissão estatal na fiscalização da atividade, uma vez que os proprietários do comércio desenvolviam a atividade de forma clandestina, pois ausente a autorização estatal para comercialização de fogos de artifício.
4. Fixada a seguinte tese de Repercussão Geral: “Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular”. 5. Recurso extraordinário desprovido. STF. Plenário. RE 608880, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Alexandre de Moraes, julgado em 08/09/2020 (Repercussão Geral – Tema 362) (Info 993).
Assim, demonstrado o dano, a omissão de um dever legal de agir e a ausência de uma concausa apta a ocasionar, sem a conduta omissiva estatal, a exclusão do risco administrativo, caracterizada está a responsabilidade civil objetiva do Estado.
Considerando, no entanto, que a responsabilidade civil neste caso, apesar de ser objetiva, é pautada pela teoria do risco administrativo, o Estado poderá ser dispensado de indenizar se ficar demonstrado que este não tinha a efetiva possibilidade de evitar a ocorrência do dano.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto observa-se que a jurisprudência do STF estabelece uma distinção, para fins de responsabilidade do Estado, entre omissão genérica e omissão específica.
A omissão genérica ocorre naqueles casos em que inexiste uma norma jurídica determinando que o Estado haja de determinado modo, sendo que nesses casos a responsabilidade é subjetiva.
Assim, nos casos de omissão genérica cabe ao ofendido demonstrar o dolo ou culpa quanto ao ato praticado pelo agente estatal.
Já nos casos de omissão específica, que são os casos em que o Estado não agiu para evitar o dano, mesmo existindo norma jurídica prevendo um dever específico de atuação, a responsabilidade seria objetiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Forense, 2016.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 967.
NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manual da responsabilidade civil do Estado. 4.ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal de Federal (STF). Recurso Extraordinário 136861 / SP. Disponíveem:https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=1515920&numeroProcesso=136861&classeProcesso=RE&numeroTema=366.
BRASIL. Supremo Tribunal de Federal (STF). Recurso Extraordinário 608.880/MT: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753981868.
CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4. ed., rev., atual. e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2017.
Graduada em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins - UNITINS. Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Única e Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, PRISCILLA PEREIRA. Responsabilidade civil do Estado por atos omissivos e a jurisprudência do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59211/responsabilidade-civil-do-estado-por-atos-omissivos-e-a-jurisprudncia-do-stf. Acesso em: 22 nov 2024.
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