RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a insuficiência das tradicionais tutelas jurídicas para a proteção dos direitos da personalidade, tendo como fundamento norteador o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e adequada. Assim, parte-se do estudo do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e adequada à luz da doutrina e das disposições normativas expressas na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, especialmente, o Código Civil e o Código de Processo Civil, que fundamentam as tutelas em questão. Por fim, chega-se à conclusão, a partir do método de revisão bibliográfica, de que as tutelas tradicionais, expressas na clássica classificação trinária das ações, são insuficientes ou ineficazes à tutela jurisdicional efetiva e adequada dos direitos da personalidade, sendo imprescindíveis o uso das tutelas inibitórias e de remoção do ilícitos, sempre com o uso de técnicas processuais adequadas ao próprio direito material ameaçado de dano ou violado e observando a regra da proporcionalidade como forma de controle da decisão judicial.
PALAVRAS-CHAVE: Tutela. Jurisdicional. Efetiva. Adequada. Personalidade.
ABSTRACT: The present work aims to demonstrate the insufficiency of traditional legal guardianships for the protection of personality rights, based on the fundamental right to effective and adequate judicial protection. Thus, it starts from the study of the fundamental right to effective and adequate judicial protection in the light of the doctrine and normative provisions expressed in the Federal Constitution and in the infra-constitutional legislation, especially the Civil Code and the Code of Civil Procedure, which base the guardianships in question. Finally, based on the bibliographic review method, it is concluded that the traditional protections, expressed in the classic trinary classification of actions, are insufficient or ineffective for effective and adequate judicial protection of personality rights, being essential to use of injunctions and removal of wrongdoings, always using procedural techniques appropriate to the material law itself threatened with damage or violated and observing the rule of proportionality as a form of control of the judicial decision.
KEYWORDS: Guardianship jurisdictional. Effective Proper. Personality.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo fazer uma abordagem da tutela jurisdicional adequada e efetiva em relação aos direitos da personalidade. Para tanto, tomar-se-á como base o texto constitucional, especialmente os incisos X e XXXV do Artigo 5º da Constituição Federal, além da legislação infraconstitucional e doutrina correlatas.
O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, ao dispor que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, positivou no Direito pátrio dois direitos fundamentais a saber: o direito ao acesso à justiça e o direito à tutela jurisdicional efetiva.
A seu turno, o inciso X do mesmo artigo 5º estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
A referida norma constitucional positiva, em nível de direito fundamental, os direitos da personalidade, que, por sua vez, encontra ressonância na legislação ordinária, especialmente nos artigos 11 a 21 do Código Civil.
A proteção dos referidos direitos exige, do Poder Judiciário, a utilização de técnicas processuais e procedimentais adequadas e efetivas à sua proteção, de modo que a clássica classificação trinária das ações não se mostra mais suficiente à tutela de tais direitos.
Não basta que se garanta o acesso ao Poder Judiciário sem que esse acesso resulte em uma tutela que seja adequada e efetiva a resguardar o direito material lesado ou ameaçado de violação.
É neste contexto que a superação do uso das clássicas tutelas declaratórias, condenatórias e constitutivas, para que se implementem tutelas inibitórias e de remoção do ilícito, sejam elas através de técnicas mandamentais ou executivas latu sensu com o fim de proteger os direitos da personalidade, sobretudo, porque o Direito, enquanto regulador social, não deve servir apenas à reparação do dano, mas e evitar que o direito seja violado.
Tal abordagem se mostra importante diante da superação do modelo de Direito produzido e sustentado pelo pensamento liberal, que predominou no mundo ocidental a partir da revolução francesa, até a maior parte do século passado, no qual prevaleceu a rígida separação dos poderes do Estado e culminou numa espécie de proibição, ainda que implícita, ao juiz de determinar medidas de coerção além daquelas típicas da execução por quantia certa, expropriatórias e que tinham como fim único a reparação pecuniária dos danos causados aos direitos.
O denominado princípio da taxatividade ou tipicidade dos meios executivos, decorrente do pensamento mencionado, limitou demasiadamente o poder dos juízes e, consequentemente, a proteção aos direitos, sobretudo, aos direitos da personalidade, de modo que a tutela de tais direitos não mais se contenta com normas proibitivas ou com os meios executivos tradicionais, mas exige uma atuação ativa do Estado no sentido de que o direito à tutela efetiva e adequada dos direitos da personalidade se constitui em deveres prestacionais, que somente se efetivam com a adoção de técnicas processuais que não somente reparem os danos, mas que os inibam ou os removam.
2. DO DIREITO DE AÇÃO CLÁSSICO AO DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA: BREVES CONSIDERAÇÕES
Segundo Alexandre Freitas Câmara, “dá-se o nome de ação ao direito, a todos assegurado, de atuar em juízo, exercendo posições ativas ao longo do processo, a fim de postular tutela jurisdicional” (2018, posição 1091).
Adotar-se-á o referido conceito ao desenvolver o presente trabalho, por entender ser o que mais adequado e por representar o avanço experimentado pela ciência jurídica nos últimos anos, sobretudo, aqueles decorrentes da positivação de direitos fundamentais no corpo da Constituição Federal de 1988.
Assim, resta claro que o direito de ação não se cuida apenas de um direito do autor em buscar o poder judiciário na busca de um provimento jurisdicional que lhe favoreça, mas de um direito a ser desenvolvido no âmbito do processo, de modo que, ao praticar os atos processuais, sob contraditório, tanto autor como réu estão a exercer o mesmo direito de ação de que são titulares.
Ao longo da evolução da dogmática processual civil, o direito de ação passou por diversas concepções, sendo que, invariavelmente, a discussão ficou centrada na concretude ou na abstração de tal direito, ou seja, na sua vinculação ao direito material ou na sua independência.
Segundo a definição de Celso, citado por Cintra, Grinover e Dinamarco:
“a ação seria o direito de pedir em juízo algo que nos é devido (ius quod sibi debeatur in iudicio persequendi).Durante muitos séculos, dominados pela ideia de que ação e processo eram simples capítulos do direito substancial, não se distinguiu ação do direito subjetivo material”. (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2009, p. 267 a 268).
A teoria citada foi denominada pela doutrina de clássica ou imamentista e, segundo tal teoria, “a ação seria uma qualidade de todo direito ou o próprio direito reagindo a uma violação” (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2009, p. 268).
A partir da constatação de que o direito de ação seria um direito autônomo em relação ao direito material violado ou ameaçado de violação, “duas correntes passaram a disputar a explicação do direito de ação: a) a teoria do direito concreto à tutela jurídica; b) a teoria do direito abstrato de agir.” (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2009, p. 268).
Em síntese, para a teoria do direito de ação como um direito autônomo e concreto, “a existência de tutela jurisdicional só pode ser satisfeita através da proteção concreta, o direito de ação só existiria quando a sentença fosse favorável” (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2009, p. 269).
Ainda segundo Cintra, Grinover e Dinamarco, na clássica obra Teoria Geral do Processo, na linha de pensamento que concebe o direito e ação como um direito autônomo e abstrato,
“o direito de ação independe da existência efetiva do direito material invocado: não deixa de haver ação quando uma sentença justa nega a pretensão do autor, ou quando uma sentença injusta a acolhe sem que exista na realidade o direito subjetivo material. A demanda ajuizada pode ser até mesmo temerária, sendo suficiente, para caracterizar o direito de ação, que o autor mencione o um interesse seu, protegido em abstrato pelo direito. É com referência a esse direito que o Estado está obrigado a exercer a função jurisdicional, proferindo uma decisão, que tanto poderá favorável como desfavorável. Sendo uma ação dirigida ao Estado, é este o sujeito passivo de tal direito.” (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2009, p. 270).
Por fim, quem elaborou uma teoria da ação que permanece viva até os dias atuais, sendo, inclusive, citada frequentemente nos julgados do Superior Tribunal de Justiça, foi Enrico Tullio Liebman, jurista italiano que se radicou no Brasil durante o período da Segunda Guerra Mundial: cuida-se da Teoria Eclética da Ação.
Nas palavras do próprio Liebman,
“O direto de ação adquiriu assim uma fisionomia suficientemente precisa: é um direito subjetivo diverso daqueles do direito substancial, porque se dirige contra o Estado, sem pretender uma prestação dele: é antes um direito de iniciativa e de impulso, com o qual o cidadão põe em movimento o exercício de uma função pública, da qual espera obter a proteção das próprias razões, dispondo para tal fim dos meios fornecidos pela lei para fazê-las valer (embora sabendo que o resultado poderá também lhe ser desfavorável;é portanto um direito fundamental do cidadão, que qualifica sua posição no ordenamento jurídico e em confronto com o Estado, conferido e regulado pela lei processual, mas reforçado por uma garantia constitucional em que encontramos delineados seus contornos essenciais. Ele é disciplinado portanto pelo direito em vigor no momento em que a ação é proposta, mesmo se a relação substancial a que se refere for regulada por lei anterior, analogamente, a admissibilidade da ação, assim como suas condições de exercício são reguladas pela lex fori, qualquer que seja a lei que regula a relação substancial deduzida em juízo. (Liebman, 2003, p. 237 a 238).
Embora a contribuição de Liebman ainda possa ser considerada como aceita pelos Tribunais pátrios e pelo próprio Código de Processo Civil de 2015, que estabelece, em seu artigo 17, que “para postular em juízo é necessário interesse e legitimidade”, a doutrina tem evoluído no sentido de que o direito de ação, conforme já mencionado acima, não pode mais ser concebida apenas como um direito do autor, mas das partes em juízo, bem como não se trata apenas de “um direito subjetivo diverso daqueles do direito substancial, porque se dirige contra o Estado, sem pretender uma prestação dele” (Liebman, 2003, p. 237), mas de um direito de cunho prestacional a ser exercido em face do próprio estado para a tutela dos direitos materiais.
Ao afirmar, em seu artigo 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, a Constituição Federal, mais do que afirmar o direito de ação, garante a todos o “direito a uma prestação jurisdicional efetiva” (Marinoni, 2018, p. 126).
Para Marinoni,
Diante do aspecto funcional dos direitos fundamentais e do direito à efetiva tutela jurisdicional, esse não pode ser pensado como um direito de defesa, ou seja, como um direito de natureza negativa, uma vez que consiste, como é evidente, em um direito de exigir uma prestação do estado.(Marinoni, 2018, p. 130).
Daí decorre que o direito à efetiva prestação jurisdicional, antes concebido apenas como um direito de provocação da jurisdição – direito de ação, concede aos sujeitos de direito, uma série de prestações fáticas. Porém, “não pode ser visto apenas como: i) o direito à técnica processual adequada; ii) o direito de participar por meio do procedimento adequado; ou iii) o direito à resposta do juiz” (Marinoni, 2018, p. 130). Não se trata de conceder os citados direitos de forma isolada, mas de “pensar o procedimento em conformidade com as necessidades do direito material e da realidade social” (Marinoni, 2018, p. 155).
3. A INSUFICIÊNCIA DAS TUTELAS CONDENATÓRIAS E DECLARATÓRIAS PARA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS
Basicamente, o direito processual civil conheceu, diante da denominada classificação trinária das ações, as ações condenatórias, constitutivas e declaratórias, que produzem, ao final do processo, basicamente, sentenças das mesmas espécies.
Donizetti conceitua a sentença condenatória como sendo “aquela que, além de promover o acertamento do direito, declarando-o, impõe ao vencido uma prestação passível de execução” (Donizetti, 2017, p. 709).
Já a sentença declaratória é aquela que “tem por objeto simplesmente a declaração da existência ou inexistência de relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento” (Donizetti, 2017, p. 709).
Por fim, ainda segundo Donizetti, na sentença constitutiva, além da declaração do direito, há a constituição de novo estado jurídico, ou a criação ou a modificação de relação jurídica (Donizetti, 2017, p. 710).
É de se notar que os tipos de sentença acima apresentados, integrantes da denominada classificação ternária das ações, somente permite constituir um título executivo, no caso das sentenças condenatórias, obter uma declaração no caso de sentença declaratória e constituir ou desconstituir uma situação jurídica no caso das sentenças constitutivas (positivas ou negativas).
Marinoni aduz que,
“Entretanto, foram as novas necessidades de tutela jurisdicional, especialmente as marcadas por conteúdo não patrimonial, que passaram a exigira imposição de condutas de não fazer e, por consequência, a sentença mandamental. Ora, de nada adianta impor um não fazer sem que ao provimento do juiz seja atrelada uma medida de coerção indireta, como a multa” (Marinoni, 2018, p. 84).
Das palavras de Marinoni, extrai-se que a sentença mandamental é aquela que, ao impor uma conduta através de sentença, fixa uma medida de coerção indireta a fim de convencer a pessoa a quem se dirige a ordem a cumpri-la, sendo a multa o meio mais usual de coerção indireta aplicado.
Quanto à sentença executiva latu sensu, Donizetti aduz que nelas “o preceito determina o que deve ser feito” (Donizetti, 2017, p. 710), ou seja, “o comando jurisdicional determina, por ele mesmo, o cumprimento satisfativo da pretensão” (Donizetti, 2017, p. 711). “É suficiente declarar que o réu cometeu ato contrário ao direito, pois isso autoriza a expedição do mandado executivo, exatamente porque a execução não depende de algo a ser feito pelo réu” (Marinoni, 2018, p. 86).
A referência à classificação das sentenças se fez necessária para que se identifique que, para cada tipo de sentença, é possível visualizar um tipo de tutela jurisdicional, que compõe intrinsecamente o provimento do juiz.
Contudo, com a evolução do Direito e, consequentemente, a evolução do Direito Processual Civil e da própria técnica processual, é possível perceber que as tutelas que compõem as sentenças, também integram os provimentos jurisdicionais oriundos de cognição sumária, ou seja, a tutela pode ser prestada por todo e qualquer provimento jurisdicional, seja ele de cognição sumária ou exauriente.
Segundo Marinoni, “a condenação foi pensada para o caso de violação, ao passo que a sentença que é suficiente por si só – como a declaratória -, e assim não interferir na realidade dos fatos, é completamente incapaz de evitar o ilícito ou o dano” (Marinoni, 2018, p. 61).
Diante da incapacidade do modelo tradicional em dar efetividade à tutela jurisdicional, sobretudo, no que tange à prevenção dos direitos contra as possíveis violações, é que os processualistas pensaram na utilização da denominada tutela cautelar.
“A doutrina sempre viu a tutela cautelar como uma garantia e efetividade do processo de conhecimento. Daí, ter afirmado sua natureza instrumental. Contudo, se a tutela do processo de conhecimento não é preventiva, a cautelar, não pode assumir tal função. Não apenas porque aí a tutela cautelar estaria exercendo exatamente a função não desejada pelos liberais, mas também porque uma providência instrumental não pode ser utilizada para algo (prevenir) que a própria tutela jurisdicional final está impossibilitada de propiciar”. (Marinoni, 2018, p. 61).
Note-se que o processo, porquanto destinado à satisfação de um direito material, ou seja, a entregar ao autor ou ao réu o bem da vida pretendido, seja o provimento provisório ou definitivo, sempre haverá uma espécie de tutela, ou seja, sempre haverá uma resposta à pretensão e esta resposta deve ser efetiva e adequada. Do contrário, o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal seria apenas um elemento retórico, o que não condiz com a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, expressa no § 1º do mesmo artigo 5º da Carta Magna.
Assim sendo, as ações inibitória e de remoção do ilícito são autônomas e, assim devem ser veiculadas por meio do processo de conhecimento, especificamente por intermédio de um procedimento dotado de técnica antecipatória e das sentenças mandamental e executiva. Atualmente, diante de uma leitura adequada dos artigos 536 do CPC e 84 do CDC, não há como ignorar que os direitos à inibição e à remoção do ilícito podem ser efetivamente exercidos mediante ação de conhecimento. (Marinoni, 2018, p. 67).
Portanto, na atual conjuntura de desenvolvimento da ciência jurídica, não há como pensar em tutela efetiva e adequada sem incluir na prática processual as tutelas inibitórias e de remoção do ilícito, sejam elas efetivadas através de sentenças mandamentais ou executivas latu sensu.
4 . A ESPECIFIDADE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE – O USO DAS TUTELAS INIBITÓRIAS E DE REMOÇÃO DO ILÍCITO EM CASOS DE LESÃO OU AMEAÇA DE LESÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
O Código Civil de 2002, ao contrário do Código Civil de 1916, que não previu um capítulo próprio dedicado aos direitos da personalidade, dedicou o capítulo II, do Título I, do Livro I, à disciplina de tais direitos, prevendo nos artigos 11 a 21 regras específicas para a tutela normativa de tais direitos.
Segundo Stolze,
“Conceituam-se os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.
A ideia a nortear a disciplina dos direitos da personalidade é a de uma esfera extrapatrimonial do indivíduo, em que o sujeito tem reconhecidamente tutelada pela ordem jurídica uma série indeterminada de valores não redutíveis pecuniariamente, como a vida, a integridade física, a intimidade, a honra, entre outros”. (Stolze, 2020, p. 128).
Por terem como característica intrínseca a natureza extrapatrimonial, ou seja, não são suscetíveis de avaliação econômica imediata, não se contenta, para a sua efetiva proteção, com as tradicionais espécies de tutela: a condenatória, a declaratória e a constitutiva.
Conforme aduz Marinoni,
O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva – garantido pelo artigo 5º, XXXV, da CF – obviamente corresponde, no caso de direito não patrimonial, ao direito a uma tutela jurisdicional capaz de impedir a violação do direito. A ação inibitória, portanto, é absolutamente indispensável em um ordenamento que se funda na dignidade da pessoa humana e que se empenha em realmente garantir – e não apenas em proclamar – a inviolabilidade dos direitos da personalidade. (Marinoni, 2018, p. 69).
O artigo 21 do Código Civil estabelece que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
Da leitura adequada do texto legal acima transcrito infere-se que o legislador civil, ao prever o direito à inviolabilidade da vida privada, também previu claramente a possibilidade de o titular do direito dispor de mecanismos de tutela adequados à prevenção dos direitos daí decorrentes. O termo “impedir”, evidentemente, corresponde à tutela inibitória, enquanto a expressão “fazer cessar ato contrário” corresponde à tutela de remoção do ilícito.
Proto Pisani, citado por Arenhart, aduz que:
“mas, se é assim; se a tutela sucessiva, restitutória por equivalente monetário é por definição inadequada, vai daí também que os direitos da personalidade têm necessidade de uma tutela que intervenha, nos limites das possibilidades humanas, antes da violação ou na sua imediatidade, ao escopo de impedir a violação e/ou a sua continuação. Presente a irreversibilidade dos efeitos da violação dos direitos da personalidade, presente a inadequação de qualquer forma de tutela sucessiva ex post a restituir ao sujeito aquela liberdade de que não pode gozar (sob este aspecto mesmo os refinados instrumentos de publicação da sentença, ex art. 120 c.p.c., ou da retificação, ex art. 8 l. 47/48, modificado pelo art. 42 l. 416/81, exibem aspectos de inadequação não fosse outro pela gravidade das consequências que, em tema de ausente fruição de direitos não patrimoniais, derivam do princípio quod infectum factum fieri nequit), a tutela dos direitos da personalidade deverá ser quanto possível preventiva, dirigida a impedir a violação ou a sua continuação; em uma palavra, deverá ter conteúdo inibitório; deverá ter seu fulcro não tanto na (embora necessária) eliminação dos efeitos de uma violação já ocorrida, mas em impedir que a violação seja posta em prática ou então continue ou ainda seja repetida. (Arenhart, 2000, p. 108-109).
É no contexto apresentado que a compreensão do disposto no artigo 536 do Código de Processo Civil e de seu parágrafo 1º se mostra de suma importância. Veja-se o que dispõe o texto legal citado:
“Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.”
Arenhart, ao se referir ao antigo artigo 461, do Código de Processo Civil, idêntico ao atual artigo 536, afirma que, “embora a norma refira-se a obrigações, ao que parece, autoriza também o uso deste procedimento para direitos não-obrigacionais, tais como os direitos da personalidade” (Arenhart, 2000, p. 110).
Observa-se, da singela dicção do dispositivo, ser ele realmente capaz de veicular tutelas não somente condenatórias, mas especialmente mandamentais e executivas lato sensu. De outra parte, também permite a proteção provisória do direito ameaçado. Concebe, ademais, a realização in natura da pretensão exposta. Por fim, elenca técnicas de coerção capazes de atuar na vontade do requerido, para impor-lhe a abstenção pretendida. Coteja, pois, o dispositivo com todas as carências da proteção da vida privada. Vê-se, aí, o caminho adequado da tutela deste direito. (Arenhart, 2000, p. 111).
Ainda no Código de Processo Civil, o artigo 139, inciso V, prevê a possibilidade de o juiz adotar medidas suficientes à tutela dos direitos, não somente nos direitos tidos por extrapatrimoniais, mas também naquelas que tenham por objeto prestação pecuniária. Observe-se
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”
O referido dispositivo de lei reforça o que fora dito anteriormente, no sentido de que, a tutela dos direitos da personalidade, em razão das características que lhes são próprias, pode e deve ser efetivada pelo juiz, inclusive, através do uso de meios atípicos, não se contentando com os meios tradicionais.
Kazuo Watanabe, também citado por Arenhart, aduz que, “no plano do provimento jurisdicional, ao juiz foi conferido o poder de adotar todas as providências adequadas e legítimas à tutela” (Arenhart, 2000, p. 183).
Um exemplo notório de tutela inibitória com o uso de mecanismo de coerção indireta atípico, diante da ineficácia da multa, ocorrido no Brasil diz respeito ao caso em que uma determinada atriz famosa teve a sua intimidade devassada por parte de um programa de televisão, que, a toda semana, insistia em promover o uso de sua imagem.
A atriz alegou que teve sua vida e tranquilidades violadas por ter sido perseguida pelos personagens do programa. A situação atingiu o ápice quando os repórteres foram ao condomínio onde ela mora com guindaste e megafone, chamando-a pelo nome. O fato atraiu a atenção dos vizinhos, o que, segundo ela, lhe expôs a perigo, tornando público o local de sua residência.
Na ocasião, o magistrado fixou multa a fim de impedir a renovação das violações aos direitos da referida atriz. Contudo, a multa, mesmo majorada diversas vezes, não se mostrou capaz de impedir a violação do direito.
Diante da reiteração e da ineficácia da multa para inibir e fazer cessar a conduta violadora do direito, o Juiz impôs à emissora de televisão que, se não fosse cessada a conduta, seria suspensa a programação da emissora. Só assim a ordem judicial foi cumprida.
Note-se que foi preciso uma medida até certo ponto extrema por parte do Judiciário, mas, sem qual, não haveria efetividade da tutela jurisdicional.
Em relação à tutela de remoção do ilícito por violação dos direitos da personalidade, o caso mais comum que se apresenta nos tribunais pátrios com o advento das redes sociais e da comunicação em massa através da rede mundial de computadores, diz respeito à retirada de conteúdo de provedores de internet.
Via de regra, a tutela é efetivada através da coerção exercida sobre o provedor de internet, o que se faz através da fixação de multa, porém, é possível que se adotem outras medidas, caso a multa não seja efetiva à satisfação do direito.
A percepção de que existe um arsenal de regras objetivando dar proteção a direitos fundamentais absolutamente invioláveis torna urgente a compreensão da real função dessas regras. Tais regras – que dão tutela aos direitos fundamentais – têm o objetivo de evitar danos. Assim, quando ameaçadas de violação, ou mesmo quando violadas, exigem uma modalidade de tutela jurisdicional não preocupada com o dano. Se a finalidade da tutela jurisdicional, ligada à norma de proteção, não é de ressarcimento, mas sim de evitar que a norma seja violada ou de remover o ato que implicou sua violação, cabe atentar somente para a norma jurídica e para o direito por ela resguardado. Se a função da norma é dar tutela ao direito fundamental, o objetivo da tutela jurisdicional somente pode ser dar efetividade à norma e ao direito, o que não é o mesmo, como evidente, do que outorgar tutela ressarcitória. (Marinoni, 2018, p. 109).
Inobstante, em princípio o juiz possa adotar qualquer meio idôneo para efetivar a tutela jurisdicional, há de se destacar que não se trata de arbitrariedade, tampouco de colocar os direitos da personalidade em posição de superioridade, prima facie, em relação a outros direitos.
É nesse contexto que a aplicação da regra da proporcionalidade se mostra de suma importância e como elemento de controle do ato judicial, por impor limites à atuação do juiz diante da colisão de direitos igualmente fundamentais.
No dizer de Alexy, “se dois ou mais princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder” (Alexy, 2017, p. 93).
Assim sendo, pode ocorrer, por exemplo que a violação do direito da personalidade se deu no âmbito da imprensa, direito também protegido pela liberdade de expressão. Sabe-se que os dois direitos são igualmente fundamentais, conforme decorre das próprias normas constitucionais que os instituem. No caso, como salienta Virgílio Afonso da Silva, “não é possível formular, em abstrato, uma relação de precedência entre eles. Essa relação é sempre condicionada à situação concreta” (Silva, 2017, p. 50-51).
A solução não deve partir de uma análise abstrata dos direitos postos em colisão, mas ser alcançada com a técnica denominada ponderação, com a aplicação da regra da proporcionalidade, com as suas vertentes da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, portanto, que a tutela efetiva dos direitos da personalidade, seguindo uma linha que considera, antes de tudo, a própria especificidade de tais direitos, não se contenta com as formas de tutela outrora utilizadas e derivadas da classificação trinária das ações.
Mais que isso, o direito à tutela jurisdicional efetiva e adequada, por possuir natureza prestacional, somente é garantido quando o juiz dispõe de meios coercitivos próprios a tornar efetiva a sua decisão, de modo que as tutelas derivadas das denominadas ações mandamentais e executivas lato senso, aplicadas na forma de tutela inibitória e de remoção do ilícito, se mostram imprescindíveis na atual quadra de desenvolvimento da ciência jurídica, especificamente, da dogmática processual civil.
Apesar de os meios serem atípicos, sempre será possível o controle de eventual arbitrariedade com a aplicação da regra da proporcionalidade.
6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2ª edição, 5ª tiragem – São Paulo: Malheiros, 2017.
ARENHART, Sergio Cruz. A Tutela Inibitória da Vida Privada. 1ª edição - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. - (Coleção temas atuais de processo civil; v. 2).
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 4ª edição – São Paulo: Atlas, 2017. (livro digital).
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª edição – São Paulo: Malheiros, 2009..
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 20ª edição – São Paulo: Atlas, 2017.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Processo Civil, v. 1. Palmas: Intelectus Editora, 2003.
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 5ª edição - São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019.
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição, 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2017.
STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil – volume único – 4ª edição – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
Graduada em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins - UNITINS. Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Única e Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, PRISCILLA PEREIRA. Os direitos da personalidade sob a ótica da tutela jurisdicional efetiva e adequada. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2022, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59217/os-direitos-da-personalidade-sob-a-tica-da-tutela-jurisdicional-efetiva-e-adequada. Acesso em: 23 dez 2024.
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