DANILO BEZERRA DE CASTRO[1]
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho versa sobre a responsabilização civil do advogado por lesão a direito de seu cliente, no contexto contemporâneo brasileiro. Nesse aspecto, visa analisar diante a quais situações esse profissional liberal será obrigado a indenizar seu constituinte. Verificou-se como é o tratamento jurídico conferido ao profissional liberal na ordem jurídica brasileira, chegando-se à conclusão de que é subjetiva. Denotou-se que o Código de Defesa do Consumidor é inaplicável à relação cliente-advogado, aplicando-se o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Após, percebeu-se que a natureza jurídica do vínculo entre cliente e advogado é de natureza contratual. Por fim, perquiriu-se os pressupostos da responsabilidade civil do advogado. O método de abordagem teórico foi o dedutivo, a técnica de análise de dados foi a qualitativa e a metodologia da pesquisa jurídica foi a exploratória bibliográfica e documental. Pela presente pesquisa, chegou-se à afirmação de que o advogado poderá ser responsabilizado, desde que a conduta contra seu cliente tenha sido dotada de culpa em sentido amplo, que o referido dano tenha se originado em decorrência de contrato pré-estabelecido e que o inadimplemento se dê por atividade considerada de meio, ressalvada a possibilidade de indenização por perda de uma chance.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; Advogado-cliente; Responsabilidade contratual; Responsabilidade subjetiva.
ABSTRACT: The present work deals with the civil liability of the lawyer for injury to the right of his client, in the contemporary Brazilian context. In this aspect, it aims to analyze in which situations this liberal professional will be obliged to indemnify his constituent. It was verified how is the legal treatment given to the liberal professional in the Brazilian legal system, reaching the conclusion that it is subjective. It was noted that the Consumer Defense Code is inapplicable to the client-lawyer relationship, applying the Statute of Lawyers and the Brazilian Bar Association. Afterwards, it was realized that the legal nature of the bond between client and lawyer is contractual in nature. Finally, the assumptions of civil liability of the lawyer were investigated. The theoretical approach method was the deductive one, the data analysis technique was the qualitative one and the legal research methodology was the bibliographic and documentary exploratory. By the present research, it was arrived at the statement that the lawyer can be held responsible, provided that the conduct against his client has been endowed with guilt in a broad sense, that the said damage has originated as a result of a pre-established contract and that the default is due to an activity considered as a means, except for the possibility of compensation for loss of a chance.
Keywords: Civil liability; Client attorney; Contractual liability; Subjective responsibility.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O TRATAMENTO JURÍDICO DO PROFISSIONAL LIBERAL PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO. 3 A INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS RELAÇÕES ENTRE ADVOGADO E CLIENTE. 4 A RELAÇÃO JURÍDICA EXISTENTE ENTRE ADVOGADO E CLIENTE: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL OU EXTRACONTRATUAL? 5 OS PRESSUPOSTOS DA CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE REPARAR O DANO PELO ADVOGADO ANTE À ALEGAÇÃO DE LESÃO A DIREITO DE CLIENTE. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A relação existente entre advogado e seu cliente vai além da necessidade de se haver uma defesa técnica em um processo, se estende principalmente à defesa dos direitos e garantias fundamentais, muitas vezes indisponíveis, razão pela qual o ofício do advogado é indispensável para a consecução da justiça (VIEIRA JÚNIOR; NEVES, 2015).
Por ser essencial à justiça, a Constituição Federal de 1988 se ateve a destacar a importância da profissão, conforme se observa do art. 133, evidenciando além de sua imprescindibilidade para a administração da justiça, a necessidade da inviolabilidade de seus atos e manifestações no exercício da profissão (BRASIL, 2022a).
Com base nessas alusões, o advogado assume duas posições: a) ora como defensor do indivíduo, fazendo o possível para que seus direitos e garantias sejam assegurados, utilizando de todos os mecanismos legais para tanto; b) ora como defensor da sociedade, ocasião em que assume determinada função social, na medida em que funciona como um assegurador do cumprimento das normas que regem um determinado povo, com vistas à promoção do bem estar social (VIEIRA JÚNIOR; NEVES, 2015, p. 3).
Como bem elucida Neves (2020, p. 39-40), o papel primordial do advogado não é aplicar o direito, mas sim proteger os interesses de quem o demanda. Por essa razão, o Direito não é o único instrumento utilizado pelo advogado na consecução de seu ofício: vale-se também da oralidade, da persuasão, da lógica, da boa-fé e, muitas vezes, até da emoção.
Na linha dessa concepção, a confiança entre a parte e seu advogado é o elemento essencial para a constituição do mandato, ocasião em que aquela deverá confiar integralmente em seu patrono para que o deslinde da demanda seja o mais favorável possível.
Tanto é verdade que a Resolução nº 02/2015, que aprova o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB mencionou em seu art. 10 a importância da confiança recíproca entre parte e patrono, cabendo a esse sempre esclarecer ao seu constituinte as melhores estratégias e atividades a serem desenvolvidas (BRASIL, 2015).
A despeito do que se espera, há vezes em que o advogado deixa de cumprir o acordado entre ele e seu constituinte, e o que se pretende investigar no presente trabalho é justamente se há a possibilidade de ser responsabilizado nesses casos, em que há dano ao cliente.
Nesse sentido, a problemática que será investigada no desenvolvimento do trabalho é a seguinte: a lesão a direito do cliente por parte de seu patrono constituído pode acarretar sua responsabilização civil?
A razão pela qual essa pesquisa foi intentada, justifica-se na necessidade que se tem sobre o estudo da responsabilidade civil do advogado oriunda de seu inadimplemento contratual perante a seu cliente, ocasionando-lhe dano, e mediante quais critérios e condições será levado a repará-lo.
A relevância da pesquisa é notada no ponto de que, a despeito de sua fundamental participação para a consecução da garantia dos direitos da sociedade, o questionamento se por ausência de zelo ou cautela, o advogado pode ser responsabilizado se, eventualmente, cause algum dano a direito de seu respectivo cliente.
Nesse norte, o objetivo geral é analisar, pelo estudo do contexto da responsabilização civil dos profissionais liberais, se o advogado pode responder na esfera cível por dano causado a direito de cliente, por atividade oriunda da relação contratual.
Entre os objetivos específicos, estão: a) estudar o conceito de profissional liberal e sua aplicabilidade aos advogados; b) investigar se o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é norma aplicável ao vínculo jurídico entre advogado e seu cliente; c) constatar a natureza jurídica da relação cliente-advogado; d) discorrer sobre os pressupostos da responsabilidade civil do advogado por dano a cliente.
Para que os objetivos sejam atingidos, a presente pesquisa utiliza a metodologia da pesquisa jurídica, materializada na pesquisa exploratória bibliográfica e documental, a fim de desvendar conceitos, raciocínios e aplicações englobados tanto na legislação, quanto na jurisprudência e doutrina afetas ao tema abordado. Além disso, utiliza-se o método de abordagem teórico dedutivo e a técnica para análise de dados qualitativa.
O trabalho em evidência está estruturado em quatro capítulos, onde será iniciado pela abordagem do tratamento jurídico do profissional liberal pelo ordenamento jurídico pátrio, incluindo nesse tema o enquadramento do advogado. Em seguida, será estudada a inaplicabilidade do CDC às relações entre advogado e seu cliente, e nesse contexto, qual(is) regramento(s) são aplicáveis.
Após, discutir-se-á acerca da natureza jurídica da responsabilidade civil do advogado perante seu cliente, se contratual ou extracontratual. Por fim, o estudo será direcionado aos pressupostos da configuração do dever de reparar o dano pelo advogado em vista de dano causado a seu cliente.
2 O TRATAMENTO JURÍDICO DO PROFISSIONAL LIBERAL PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO
Para a presente abordagem é imprescindível que se defina o conceito de profissional liberal. Pode ser entendido como o profissional que exerce atividade econômica, mas que não subordina ao tomador de serviço ou a terceira pessoa hierarquicamente superior. Ademais, em regra, seu ofício está vinculado a um conhecimento técnico especializado (ALMEIDA; LENZA, 2022, p. 2790).
Os profissionais liberais mais conhecidos na realidade brasileira são o médico, o dentista, o engenheiro, o arquiteto e o advogado, dentre outros. Em todos os casos, em regra, exercem uma atividade de meio, ou seja, responsabilizam-se tão somente pelo processo, sem ser garantida a obtenção de um resultado positivo (ALMEIDA; LENZA, 2022, p. 1025).
Com base nessa afirmação, percebe-se que somente poderão ser responsabilizados por atos que advenham de culpa no exercício da atividade, isto é, os elementos da culpa em sentido amplo, no qual só poderão ser arguidos por aqueles que tiverem seus direitos lesados por uma falha na prestação do serviço (ALMEIDA; LENZA, 2022, p. 1025).
Os outros fundamentos para a caracterização do chamado profissional liberal é o desenvolvimento de atividade de caráter personalíssimo e o exercício de serviço diferenciado. Quando se observa o panorama do mercado, e esses critérios somados ao desempenho de uma atividade tipicamente de meio, justificam o tratamento diferenciado dessa modalidade de profissional pelo ordenamento jurídico brasileiro (ALMEIDA; LENZA, 2022, p. 1026-1027).
O art. 14, § 4º, do CDC reza que “§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” (BRASIL, [2021], não paginado). Portanto, por se tratar de responsabilidade subjetiva, é imprescindível que haja a comprovação de culpa no exercício do labor para que então se possa falar em dano a terceiro, o que é motivado pelo fato de o profissional liberal desempenhar atividade de meio, onde não é garantido o sucesso do resultado (ALMEIDA; LENZA, 2022).
No entanto, poderão ocorrer casos em que o profissional liberal desempenhará atividade-fim, pois segundo as palavras de Almeida e Lenza (2022, p. 1028), compromete-se com o resultado pretendido pelo consumidor. É absolutamente possível que ocorra, e embora a natureza jurídica da responsabilidade seja mantida, mudança quanto ao ônus da prova.
Salienta-se que, nesses casos, conforme o entendimento das turmas terceira e quarta do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a responsabilidade continuará subjetiva, no entanto, haverá a presunção de culpa do profissional, invertendo-se o ônus da prova (ALMEIDA; LENZA, 2022, p. 1029). À vista disso, colaciona-se o julgado que decidiu da forma supramencionada:
RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO ODONTOLÓGICO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. TRATAMENTO ORTODÔNTICO. EM REGRA, OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DE RESULTADO. REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE.
1. As obrigações contratuais dos profissionais liberais, no mais das vezes, são consideradas como de ‘meio’, sendo suficiente que o profissional atue com a diligência e técnica necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado. Contudo, há hipóteses em que o compromisso é com o ‘resultado’, tornando-se necessário o alcance do objetivo almejado para que se possa considerar cumprido o contrato.
2. Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos, os profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra, comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos aos tratamentos, de cunho estético e funcional, podem ser atingidos com previsibilidade.
3. O acórdão recorrido registra que, além de o tratamento não ter obtido os resultados esperados, ‘foi equivocado e causou danos à autora, tanto é que os dentes extraídos terão que ser recolocados’.
Com efeito, em sendo obrigação ‘de resultado’, tendo a autora demonstrado não ter sido atingida a meta avençada, há presunção de culpa do profissional, com a consequente inversão do ônus da prova, cabendo ao réu demonstrar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu em decorrência de culpa exclusiva da autora.
4. A par disso, as instâncias ordinárias salientam também que, mesmo que se tratasse de obrigação ‘de meio’, o réu teria ‘faltado com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada’, impondo igualmente a sua responsabilidade.
5. Recurso especial não provido. (BRASIL, 2011, p. 1).
Portanto, quando o profissional liberal se compromete com a obtenção do resultado almejado por seu cliente haverá alteração na substância da responsabilidade jurídica, movendo-se de subjetiva para objetiva, no entanto, incidirá em seu desfavor a inversão do ônus da prova, cabendo-lhe provar que não agiu com um culpa (MELETTI, 2014). Nesta ocasião, junge-se o entendimento da terceira turma do STJ, no REsp 1.180.815/MG:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ART. 14 DO CDC. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE.
1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido.
2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia.
3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional.
4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em ‘termo de consentimento informado’, de maneira a alertálo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório. (BRASIL, 2010, p. 1).
A despeito de o advogado ser classificado como profissional liberal, por contemplar os pressupostos já elucidados, conforme se verá, não é aplicável o CDC às relações entre cliente e advogado, o que repercute na manutenção do ônus da prova a quem alegar eventual dano oriundo de culpa do causídico.
3 A INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS RELAÇÕES ENTRE ADVOGADO E CLIENTE
Segundo a concepção dos doutrinadores Almeida e Lenza (2022, p. 136), “a relação jurídica de consumo pode ser entendida como a relação firmada entre consumidor e fornecedor, a qual possui como objeto a aquisição de um produto ou a contratação de um serviço.”
Dessa forma, para que possam ser aplicadas as normas atinentes aos direitos do consumidor, é imprescindível que o objeto de tal relação seja a negociação de um produto ou a prestação de um serviço, e que, quem adquira o produto ou serviço e quem os ofereça qualifiquem-se como consumidor e fornecedor, respectivamente (ALMEIDA; LENZA, 2021, p. 136).
Para a conclusão do conceito, o próprio CDC tratou de conceituar consumidor e fornecedor, conforme se nota da leitura do art. 2º e 3º, respectivamente. Consumidor identifica-se como o sujeito que adquire o produto ou serviço, tratando-se de pessoa física, jurídica, ou ainda de sujeitos indetermináveis, na medida em que fornecedor é quem desenvolve “atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.” (BRASIL, [2021], não paginado).
Importante salientar que, para que as normas relativas às relações jurídicas de consumo sejam aplicáveis, é indispensável a presença cumulativa dos elementos dessa relação, isto é, o objeto, sendo o produto ou o serviço (critério objetivo) e ainda as figuras consumidor e fornecedor (critério subjetivo) (ALMEIDA; LENZA, 2022, p. 136-137).
Especificamente na relação cliente-advogado, a doutrina majoritária entende pela inaplicabilidade das normas que regulam a relação jurídica consumerista, como é o caso de Almeida e Lenza (2022, p. 371-373), cujo entendimento se coaduna com o sustentado pelo Estatuto da OAB (BRASIL, [2022b]).
Para os que assim entendem, tal relação não pode ser caracterizada como de consumo, pois o advogado não se afigura como prestador de serviços e o cliente não se amolda à concepção de consumidor, estando a advocacia suprimida do rol das atividades abrangidas pelo mercado de consumo (ALMEIDA; LENZA, 2022).
Esse entendimento pode ser confirmado no julgamento do Agravo de Instrumento nº 07092569020198070000, Acórdão nº 1195468, proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), com data de julgamento em 14/08/2019, que entendeu sobre a não aplicabilidade do CDC às relações entre o cliente e seu advogado, baseadas na confiança, consoante os seguintes termos:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA RELATIVA DO JUÍZO. INAPLICABILIDADE DO CDC. ESTATUTO DA OAB. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. PREVALÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INDAQUEAÇÃO DA VIA ELEITA. DECISÃO MANTIDA. 1. Em se tratando de contrato de serviços advocatícios, baseado na relação de confiança entre o cliente e seu advogado, deve ser validada a cláusula de eleição do foro para resolução das demandas relativas ao contrato. 2. A exceção de pré-executividade tem cognição restrita, tendo cabimento apenas quando a matéria questionada estiver comprovada por prova pré-constituída. As questões que demandem a produção de prova devem ser remetidas aos embargos à execução, que possuem natureza cognitiva e admitem ampla instrução. 3. Agravo de Instrumento conhecido, mas não provido. Unânime. (DISTRITO FEDERAL, 2019, p. 1).
Outro argumento hábil a desconstituir a possibilidade de aplicação do CDC às relações entre advogado e cliente é o fato de que, em virtude do conhecimento acerca das antinomias aparentes, ou seja, conflito de normas aplicáveis a um mesmo caso concreto, entende-se que em razão do critério “especialidade” (VARELLA, 2012), é aplicável o Estatuto da OAB a casos que envolvam esse tipo de vínculo jurídico. Note-se o seguinte julgado do TJDFT:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. CONTRATO DE ADESÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO CDC. CLÁUSULA VÁLIDA. NORMA ESPECÍFICA REGENTE. LEI Nº 8.906/94. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. RELATIVA. ENUNCIADO Nº 33 DA SÚMULA DO STJ. 1. Inaplicável o Código de Defesa do Consumidor às relações entabuladas entre advogado e cliente, porquanto há norma específica regente, no caso, a Lei nº 8.906/94, não sendo, portanto, contrato de adesão. 2. É válida a cláusula de eleição de foro quando estabelecida em contrato de prestação de serviços advocatícios. 3. A competência do foro para ajuizamento da demanda executiva é relativa, não podendo ser declinada de ofício ou indeferida a inicial quando inviável a declinação de competência em função de ausência de sistemas informatizados. Havendo necessidade de cumprir diligências fora da jurisdição local e não sendo possível executá-las pela via postal, dar-se-á a expedição de carta precatória. 4. Cabe ao executado, caso vislumbre prejuízo, o manejo da via adequada para solucionar a questão afeta à competência. 5. Recurso conhecido e provido. (DISTRITO FEDERAL, 2019, p. 1).
O entendimento sobre a natureza jurídica da relação entre advogado e cliente foi pacificado e consolidado pelo STJ quando ratificado no julgamento do AgInt no REsp 1446090, onde foi disposto que:
É orientação assente do STJ que o Código de Defesa do Consumidor - CDC - não é aplicável às relações contratuais entre clientes e advogados, as quais são regidas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, aprovado pela Lei n. 8.906/94. Precedentes: REsp 1.228.104/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe 10/04/2012; REsp 1123422/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2011, DJe 15/08/2011; REsp 1.155.200/DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 02/03/2011; AgRg no AREsp 429026 / PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 20/10/2015. (BRASIL, 2018, não paginado).
Acaso a referida relação jurídica fosse de natureza consumerista, estaria ofendendo-se o critério da especialidade das normas, e dando à classe advocatícia posição diversa da que ela realmente assume, acarretando-lhe sérios riscos.
Ademais, a atividade do advogado é um múnus público e em razão disso não pode ser tratada como mercantilismo, caracterizador de relação de consumo, cuja característica a advocacia não possui, pois está firmada no cultivo de confiança entre as partes envolvidas (SALGARELLI, 2009).
4 A RELAÇÃO JURÍDICA EXISTENTE ENTRE ADVOGADO E CLIENTE: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL OU EXTRACONTRATUAL?
Superados conceitos básicos sobre a caracterização do advogado como profissional liberal e o caráter não consumerista da relação entre cliente e advogado, é de rigor a explanação da natureza jurídica dessa relação, se contratual ou extracontratual.
Por responsabilidade contratual, entende-se os ônus relativos ao cumprimento de uma ou mais cláusulas de um contrato que foi firmado entre as partes, tácita ou explicitamente. O inadimplemento, nesse caso, direciona à redação do art. 389 do Código Civil (CC) (GONÇALVES, 2022, p. 121).
De acordo com as disposições do art. 389 do CC: “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” (BRASIL, [2022c], não paginado).
Por outro lado, a responsabilidade civil extracontratual será verificada toda ocasião em que constatado um ato ilícito, alheio às disposições de um contrato. Nesse caso, em se tratando de gerar um dano, podendo ser de qualquer natureza, o responsável deverá responder pelo resultado, desde que comprovados os pressupostos da responsabilidade civil (GONÇALVES, 2022, p. 121).
No caso da responsabilidade extracontratual, aplica-se o disposto no art. 186 do CC: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, [2022c], não paginado). Nesse caso, haverá o dever de reparar o dano, de acordo com a regra disposta no art. 927 do mesmo diploma legal (GONÇALVES, 2022, p. 121).
Pode-se afirmar, portanto, que o que difere as duas espécies de responsabilidade civil é a origem do dever perante à parte contrária do negócio jurídico. Se a obrigação decorrer de um contrato, a responsabilidade será contratual, pois derivará do avençado entre as partes. Contudo, se inexistir qualquer vínculo jurídico entre elas, mas a violação de um dever legal, está-se diante da responsabilidade extracontratual ou aquiliana (GONÇALVES, 2022, p. 122).
Um importante ponto a ser destacado é a configuração do ônus da prova nas duas espécies de responsabilidade civil. Na responsabilidade contratual incumbe ao suposto inadimplente o ônus da prova, suscitando alguma excludente de responsabilização civil, como a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, ou ainda a ausência de culpa em sentido amplo, como único mecanismo para se abster da obrigação de reparar o dano, em vista da mera alegação pelo suposto lesado, mediante a comprovação do vínculo jurídico obrigacional (GONÇALVES, 2022, p. 122).
Sob outro viés, em se tratando de responsabilidade extracontratual, o onus probandi será da suposta vítima, que no caso concreto deverá comprovar os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, como a conduta, o nexo de causalidade, o dano e a culpa (GONÇAVES, 2022).
Nessa senda, a responsabilidade civil do advogado pode assumir ambos os caráteres: a) contratual, quando a alegação de ocorrência de dano pelo cliente derivar da falha na prestação de serviço advocatício que era de responsabilidade do advogado; b) extracontratual, quando a natureza do ato ilícito implicar ausência de dever legal pelo advogado alheio a qualquer cláusula negocial (VISSOTO, 2018).
No caso da responsabilidade civil extracontratual, provavelmente a vítima seria terceiro ou a parte contrária a qual se defende em juízo:
A responsabilidade profissional é extracontratual no caso de não haver assunção de obrigação contratual, o que se dá em relação a terceiros e à parte contrária. Estar-se-ia diante da ocorrência de responsabilidade extracontratual na hipótese de os terceiros serem alheios à relação contratual entre o advogado e o cliente, ainda que o dano resulte de execução daquele contrato, a exemplo do que ocorre nos embargos erradamente interpostos contra terceiros, abusivos em face da parte contrária ou pedido doloso ou culposo de falência improcedente (VASSILIEFF, 2006, não paginado apud VISSOTO, 2018, não paginado).
Em se tratando da relação advogado-cliente, entende o STJ se tratar a responsabilidade civil de natureza jurídica predominantemente contratual, conforme se denota do julgamento do REsp 1079185/MG (BRASIL, 2009). Isso se dá devido ao argumento de que o advogado atua nos limites dispostos no instrumento do mandato, e que a inobservância a tais obrigações possivelmente redundará em dano ao seu constituinte (VISSOTO, 2018).
Nesse sentido: “A procuração, como instrumento de mandato, traça os limites dos poderes conferidos pela outorgado ao outorgante. Tal instrumento dá poderes ao advogado para que aja judicialmente, em qualquer grau, em nome do cliente.” (VISSOTO, 2018, não paginado). Os autores Farias, Rosenvald e Braga Netto (2016, não paginado apud VISSOTO, 2018, não paginado), afirmam que: “desses poderes podem decorrer graves danos, especialmente se a procuração compreender poderes especiais [...].”
Por conseguinte, para que sejam evitadas alegações no sentido de falha na prestação dos serviços advocatícios e consequentemente dano a direito de cliente, é indispensável à técnica advocatícia que se disponha a cumprir todo o acordado com o cliente, a despeito de se tratar a advocacia de obrigação de meio (ALMEIDA; LENZA, 2022, p. 1025).
Nesse norte, não é porque a atividade advocatícia tem o privilégio de responder apenas pela técnica no emprego dos meios, que não deve prestar o melhor serviço possível em prol do cliente. Dessa forma, é indispensável atentar-se aos mínimos detalhes para que o resultado almejado seja o melhor possível.
5 OS PRESSUPOSTOS DA CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE REPARAR O DANO PELO ADVOGADO ANTE À ALEGAÇÃO DE LESÃO A DIREITO DE CLIENTE
Balizando-se nas considerações já pontuadas, e adotando-se as premissas de que: a) o advogado é um profissional liberal e sua obrigação perante o cliente é, em regra, de meio, b) o CDC é inaplicável à relação cliente-advogado, sendo aplicável o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94) e c) a natureza jurídica da responsabilidade civil do advogado perante seu cliente é contratual, resta elencar quais são os elementos necessários à caracterização do dever de indenizar pelo patrono.
Inicialmente, para adentrar na temática, faz-se imperiosa a transcrição da brilhante colocação de Lôbo (2000, p. 177), que ensina:
Cabe ao cliente provar a existência do serviço, ou seja, a relação negocial entre ambos, e a existência do defeito de execução, que lhe causou danos, sendo suficiente a verossimilhança da imputabilidade. Cabe ao advogado provar, além das hipóteses comuns de exclusão de responsabilidade, que não agiu com culpa (em sentido amplo, inclui o dolo). Se o profissional liberal provar que não se houve com imprudência, negligência, imperícia ou dolo, a responsabilidade não lhe poderá ser imputada.
Pela leitura sugerida, denota-se que o autor resume como é a responsabilidade civil do advogado. Além de contratual, é subjetiva, pois indispensável a comprovação de culpa, oriunda de imprudência, negligência, imperícia ou dolo, sob pena de não subsistir a alegação de defeito na execução do ofício e, com efeito, a abstenção do dever de reparar o dano.
Nas palavras de Gonçalves (2022, p.112), “esta teoria, também chamada de teoria da culpa, ou ‘subjetiva’, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade.”
A partir disso, o dever de reparar o dano só existirá caso comprovada, no caso concreto, culpa em sentido amplo. No caso do advogado, por ser profissional liberal, não há qualquer determinação legal que torne inexigível a comprovação do dolo ou da culpa (GONÇALVES, 2022, p. 113).
A teor do que já foi explanado, a atividade do advogado é de meio, portanto, ele é responsável somente pelo emprego da técnica em seu labor, não podendo vincular-se ao resultado almejado por seu cliente, tampouco responsabilizado pelo insucesso em uma demanda (GONÇALVES, 2022, p. 1.203).
Essa definição é encontrada em texto expresso no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94): “Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.” (BRASIL, [2022b], não paginado).
A confiança, sentimento basilar da relação entre advogado e seu cliente, é depositada não na expectativa do sucesso de uma ação, mas no emprego da melhor técnica possível para que eventualmente a vitória seja atingida. Nesse sentido:
[...] as obrigações inerentes ao exercício da atividade profissional, em regra, são de meios e não de resultado. Por esse motivo o inadimplemento do profissional não se caracteriza pela simples falta de obtenção do resultado esperado pelo cliente. É necessário, imperativamente, que o lesado comprove que a perda se deu por culpa do advogado. (MATIELLO, 2014, não paginado apud VISSOTO, 2018, não paginado).
Respaldando nessa consideração, para que haja inadimplemento pelo advogado, considerando a origem da prestação na obrigação contratual, é necessária a comprovação de culpa na perda do direito pelo cliente, e para ser considerado dano indenizável, é imprescindível que tenha sido gerado no emprego de técnica de meio, não por não ter atingido o resultado (GONÇALVES, 2022, p. 1.203).
De acordo com Gonçalves (2022, p. 1.203), “O advogado responde pelos erros de fato e de direito cometidos no desempenho do mandato. Quanto aos últimos, é necessário que o erro em si se revista de gravidade, para conduzir à responsabilidade do advogado.”
Uma das hipóteses que, em tese, configuram responsabilidade civil do advogado, é a falta de conhecimento ou experiência para a propositura da ação, pois escolhida a natureza de ação equivocada, embora com causa de pedir evidentemente procedente:
Amiúde percebe-se que a pretensão deduzida seria atendível. Mas, escolhida mal a ação, o autor, embora com o melhor direito, torna-se sucumbente. É fora de dúvida que o profissional incompetente deve ser responsabilizado, nesses casos, pelos prejuízos acarretados ao cliente. (GONÇALVES, 2022, p.1205).
Outra conduta que, infelizmente, é comum, e que pode ser citada como exemplo, é a perda de prazo pelo patrono, que é considerado conduta grave proferida pelo advogado. Em se tratando desse contexto, responderá o advogado pelo inadimplemento contratual, pois deve agir, no exercício de sua atividade, com diligência e atenção, impedindo que o direito de cliente pereça em virtude de conduta desarrazoada ou ainda por omissão (GONÇALVES, 2022, p. 1.205).
Na hipótese de perda de prazo, assim entendeu o Colendo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ADVOGADO - AUSÊNCIA DE PREPARO - PERDA DE PRAZO - OBRIGAÇÃO DE MEIO - TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE - MERO DANO HIPOTÉTICO - REPARAÇÃO - DESCABIMENTO. A obrigação do advogado perante o seu cliente é de meio e não de resultado. Ao aceitar a causa, o advogado obriga-se a conduzi-la com toda a diligência. Não se obriga, contudo, a resultado certo. A responsabilidade civil do advogado por atos praticados na defesa dos interesses de seus clientes é subjetiva e depende da demonstração do dano, da culpa, e do nexo de causalidade entre a conduta e o prejuízo. A teoria da perda de uma chance preconiza que quando houver uma probabilidade suficiente de ganho da causa, o responsável pela frustração deve indenizar o interessado. A chance deve ser real, e não uma simples esperança de reverter a condenação em eventual provimento do recurso. (MINAS GERAIS, 2018, não paginado).
Por meio da leitura do referido julgado, denota-se que o Tribunal de Apelação entendeu pela caracterização de danos morais e materiais em face do advogado por ele ter perdido prazo, sendo um fator caracterizador de desídia e indiligência profissional e inadimplemento da obrigação de meio fixada com seu constituinte.
Ademais, o órgão julgador valeu-se dos ensinamentos trazidos pela teoria da perda de uma chance para sustentar que havia chance de sucesso na demanda com o ganho da causa, e que, no caso concreto, o advogado frustrou as expectativas de seu cliente, considerando a referida chance ser real, e não mera esperança (MINAS GERAIS, 2018).
Sobre a aplicação da teoria da perda de uma chance à relação entre cliente e advogado, deve-se ter sob conhecimento alguns pontos, dentre os quais se destaca a informação de que a indenização em decorrência de eventual dano não pode ser equivalente ao benefício que por ventura o cliente almejaria no sucesso da ação. Ou seja, a indenização por essa perda sempre terá valor inferior ao resultado esperado (GONÇALVES, 2022, p. 1.218).
Outro ponto a ser esclarecido é que a perda de uma chance se refere a uma probabilidade séria e real de sucesso, no entanto, por ser passível de incerteza, a indenização correspondente não pode levar em consideração valores a título de lucros cessantes, porquanto há impossibilidade de se afirmar o provimento de eventual recurso interposto (GONÇALVES, 2022).
No momento de arbitramento do valor do dano pela perda da chance, o juiz deverá avaliar no caso concreto a extensão da chance perdida, cuja ação requer uma análise equitativa pelo magistrado, momento em “que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual da probabilidade de obtenção da vantagem esperada.” (GONÇALVES, 2022, p. 1220).
A terceira hipótese que pode ser elencada a título de exemplificação, e que teoricamente haverá a responsabilização do advogado, é o cenário em que o advogado acarrete ao seu cliente, na qualidade de parte processual, o dano relativo ao instituto da litigância de má-fé, previsto nos arts. 79 ao 81 do Código de Processo Civil (CPC) (GONÇALVES, 2022, p. 1.205).
Dessa forma, pode-se afirmar que não é qualquer erro alegado que ensejará a responsabilização do advogado. “Só quando ele for inescusável, patente, demonstrativo apenas de ignorância profunda é que terá justificativa o pedido de perdas e danos.” (SOUZA, 1935, p. 359 apud GONÇALVES, 2022, p.1207).
Portanto, partindo da ideia de que o advogado poderá responder por perdas e danos em caso de dano a direito de cliente, caso seja constatada sua culpa, a consequência será
arcar com aquilo que seria razoavelmente ganho na demanda, ou, ainda, com os prejuízos que, comprovadamente, a parte perdedora sofrer em função da má atuação profissional. E há outras perdas, pois ser vencido numa demanda, sem dúvida, se traduz naquele estado depressivo, o que leva a uma compensação em dinheiro pelo dano moral. (LIPPMANN, 2001 apud GONÇALVES, 2022, p. 1.211).
À guisa de conclusão, após delineadas as principais considerações acerca da caracterização da responsabilidade do advogado perante seu cliente, é possível inferir que as hipóteses de condenação desse profissional liberal ao pagamento de indenização são demasiadamente limitadas, porquanto imperiosa a comprovação de culpa no inadimplemento. Nesse espeque:
É importante mencionar que a responsabilidade civil do advogado está adstrita àquilo que efetivamente contratou com o cliente, pois o exercício profissional deve ser entendido como sendo aquele realizado em decorrência do mandado judicial ou do contrato de prestação de serviço firmado entre as partes, situação em que se configura a responsabilidade subjetiva, tal como ocorre nas relações contratuais de modo geral. (VISSOTO, 2018, não paginado).
Dessarte, é de elevada monta que o advogado cumpra estritamente os termos do mandato outorgado por seu constituinte, zelando por prazos e diligências, para que além de garantidor de direitos fundamentais, cumpra sua função social e demonstre profissionalismo perante à sua classe.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A figura do advogado é indispensável para a garantia dos direitos individuais e coletivos dos indivíduos judicialmente e extrajudicialmente, sendo resguardado o juris postulandia seu favor como forma de resguardar sua função essencial na busca pela justiça.
Nesse cenário, o vínculo entre o advogado e seu respectivo cliente baseia-se na confiança depositada desse perante àquele. Embora não disciplinado pelo CDC, considerando não ser a advocacia uma atividade mercantil e tendo disciplina própria regulamentada pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94), o vínculo jurídico entre ambos caracteriza uma relação de prestação de serviços.
Conforme visto, o advogado caracteriza-se como profissional liberal, e sua responsabilidade civil é subjetiva na relação cliente-advogado, sendo crucial a verificação de dolo ou culpa para que então possa ser compelido a prestar indenização por seu inadimplemento, muitas vezes oriundo de desídia ou negligência no cumprimento dos termos do mandato.
Verificou-se também que a natureza jurídica da responsabilidade civil do advogado em relação a seu cliente é contratual, pois deriva da procuração outorgada, onde dispostos os deveres e poderes do patrono para representar seu cliente em juízo e fora dele. Em vista dessa classificação, observou-se que o dispositivo que rege esse vínculo é o art. 389 do CC.
Além disso, foi constatado que a obrigação do advogado com relação a seu cliente é, em regra, de meio, não se comprometendo com o resultado útil da lide. Portanto, para a aferição do dever de reparar o dano, deverá ser observada a conduta do advogado no emprego da técnica, não se confundindo com o insucesso em eventual demanda ou recurso judicial.
Nesse norte, para que um advogado seja responsabilizado por dano material a cliente, é necessário que tenha violado alguma disposição que tenha sido previamente contratada em instrumento próprio, pois a indenização levará em consideração os lucros cessantes de sua conduta dolosa ou culposa.
Restou percebido também que há a possibilidade de responsabilização do advogado com respaldo na teoria da perda de uma chance, desde que a perda tenha sido real e que a chance do sucesso, provável. Nessa hipótese, o valor da indenização deverá ser inferior do que se, efetivamente, tivesse sido almejado o resultado pretendido, sendo indispensável análise equitativa pelo magistrado nesse processo.
Partindo disso, houve contemplação da resposta da problemática incipientemente elencada, chegando-se ao consenso de que a lesão a direito do cliente por parte de seu patrono constituído pode acarretar sua responsabilização civil, desde que haja inadimplemento contratual materializado em conduta dotada de culpa e que essa tenha sido empregada em atividade adstrita à obrigação de meio, assim respondendo de maneira positiva à hipótese principal.
À guisa de conclusão, o presente artigo científico revela-se como um valioso mecanismo para a compreensão dos limites das prerrogativas e deveres advocatícios, fornecendo informações sobre como a responsabilidade do advogado perante seu cliente revela-se no ordenamento jurídico brasileiro, bem como na doutrina e na jurisprudência.
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[1] Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília.
Graduando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOIOLA, Leandro Gomes. A responsabilização civil do advogado constituído por lesão a direito de seu cliente no contexto contemporâneo brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2022, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59539/a-responsabilizao-civil-do-advogado-constitudo-por-leso-a-direito-de-seu-cliente-no-contexto-contemporneo-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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