MAIRA BOGO BRUNO[1]
(orientadora)
RESUMO: A violência obstétrica decorre da submissão das pacientes a procedimentos inadequados ou humilhações verbais, que acarretam danos físicas e psicológicos, atentado contra a dignidade da mulher, pois ocorre num momento de extrema vulnerabilidade que é o pré-parto, parto ou pós-parto imediato. Muitas vezes, os agentes que praticam estas condutas não são punidos, porque não são denunciados, diante do desconhecimento das vítimas quanto à violência sofrida. Diante disso, o objetivo deste trabalho é verificar se a violência obstétrica, através de humilhações verbais, é passível de responsabilização civil. Para tanto, utiliza-se a metodologia da pesquisa jurídica, com técnica exploratório bibliográfica e documental, com método dedutivo, que permitiu verificar que a violência obstétrica vem ganhando notoriedade, graças a mídia e redes sociais, os agentes que a praticam não são punidos adequadamente, esta conduta gera danos físicos e psicológicos, muitas mulheres desconhecem este tipo de violência e a ausência de lei contribui para a impunidade. Assim, a violência obstétrica se enquadra nos artigos 186 e 187, bem como, no artigo 927, do Código Civil, ensejando a necessidade de reparação civil por parte do agente à vítima.
Palavras-chave: Dignidade das mulheres; ausência de legislação; danos físicos e psicológicos; reparação civil.
ABSTRACT: Obstetric violence results from the submission of patients to inappropriate procedures or verbal humiliation, which cause physical and psychological damage, an attack on the dignity of women, as it occurs in a moment of extreme vulnerability, which is the pre-delivery, childbirth or immediate postpartum period. Often, the agents who practice these behaviors are not punished, because they are not denounced, given the victims' ignorance about the violence suffered. Therefore, the objective of this work is to verify if obstetric violence, through verbal humiliation, is liable to civil liability. To this end, the methodology of legal research is used, with an exploratory bibliographic and documentary technique, with a deductive method, which allowed us to verify that obstetric violence has been gaining notoriety, thanks to the media and social networks, the agents who practice it are not properly punished. , this conduct generates physical and psychological damage, many women are unaware of this type of violence and the absence of law contributes to impunity. Thus, obstetric violence falls under articles 186 and 187, as well as article 927, of the Civil Code, giving rise to the need for civil reparation by the agent to the victim.
Keyword: Dignity of women; absence of legislation; physical and psychological damage; civil repair.
1 INTRODUÇÃO
A violência obstétrica é um problema cotidiano que está relacionado a violência de gênero sofrida pela mulher, mediante as agressões físicas e verbais, durante a gravidez, pré-parto, parto ou pós-parto imediato, que venham ser cometidos pelos médicos, sua equipe e até mesmo por pessoas de sua própria família ou outras pacientes e acompanhantes.
Esta pesquisa apresenta o projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional que visa regulamentar a violência obstétrica; a do estado do Tocantins sobre o assunto; casos concretos que repercutiram na mídia e redes sociais; bem como um estudo sobre a responsabilização civil decorrente deste tipo de violência.
O tema exige discussão da sociedade e do Estado, bem como, medidas concretas para prevenir e combater a violência obstétrica e proteger e amparar às mulheres em estado puerperal, punindo esta prática, tanto na esfera civil como na penal.
Tramita no Congresso Projeto de Lei Nº 2.082\2022, para tipificar a violência obstétrica como crime e estabelecer o procedimento para sua prevenção (BRASIL, 2022). No Tocantins, a Lei n° 3.385 de 27 de julho de 2018, dispõe sobre o implemento de medidas contra a violência obstétrica.
Segundo os artigos 186 e 187 do Código Civil comete ato ilícito aquele que causa danos, de ordem material ou moral, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou que o comete por excesso dos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. deve reparar àquele que os sofre. Já, no artigo 927, traz que aquele que comete ato ilícito fica obrigado a repará-lo.
Diante disso, o principal questionamento que se pretende responder no decorrer da pesquisa é: a violência obstétrica praticada pelo médico, por meio de humilhações verbais, é passível de responsabilização civil?
O objetivo geral do trabalho é verificar se a violência obstétrica, através de humilhações verbais, é passível de responsabilização civil nos termos dos artigos 186 e 187 do Código Civil.
Os objetivos específicos são: (i) estudar os tipos de condutas que configuram violência obstétrica; (ii) verificar quem são os agentes que podem praticar essas condutas; (iii) demonstrar as consequências da violência obstétrica e os danos causados às vítimas; e, (iv) classificar à violência obstétrica por meio de humilhações verbais.
Para alcançar os objetivos propostos, a presente pesquisa utiliza metodologia de pesquisa jurídica com técnica de coleta de dados exploratória bibliográfica e documental e de análise de dados qualitativa, com objetivo de levantar dados na doutrina, legislação e jurisprudência, que subsidiem a resolução da problemática quanto a responsabilização civil da violência obstétrica por meio do humilhações verbais.
O método de abordagem será o dedutivo, tendo em vista que o estudo será realizado com base na doutrina, lei e jurisprudência, partindo das condutas e dos danos causados às vítimas de violência obstétrica para inferir a possibilidade de responsabilização civil do agente que a comete.
Esta pesquisa se justifica pelo fato de que a violência obstétrica é um problema recorrente nas práticas da atenção destinada à mulher durante o trabalho de parto e envolve questões sociais como gênero, orientação sexual, raça e classe, por isso, esta prática tem que ser discutida pela sociedade e o Estado, já que muitas vítimas, familiares ou pessoas próximas desconhecem as condutas que a ensejam, o que acarreta número pequeno de denúncia, fazendo com que o infrator permaneça impune.
2 PANORAMA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL
No decorrer do tempo as mulheres vêm sendo vítimas de diversas formas de violência. Violência é a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis. Nesse sentido, destaca-se a violência obstétrica como um tipo específico de violência contra a mulher. (ZANARDO, URIBE, NADAL, HABIGZANG, 2017).
A violência obstétrica é uma negação aos direitos humanos e sexuais sobre a mulher, se tratando de uma violência de gênero e institucional. É uma ação desnecessária, que não tenha o consentimento, que causam danos seja físico ou psicológicos prejudicando a experiência de forma traumática. (BARUFFI, 2022).
É um tipo de violência de gênero, por se tratar em específico da mulher e ainda muitas vezes a prática dela se dá por questões sociais, como raça ou classe social, no qual traz quase a perda total da capacidade das vítimas decidirem livremente sobre seu corpo. (SANTOS, 2022).
A violência obstétrica atrela à violência de gênero e as violações de direitos cometidas pelas instituições de saúde contra suas pacientes. Faz parte da violência institucional, cometida pelos servidores, e é caracterizada pela negligência e maus-tratos pelos profissionais, existindo casos que violam os direitos reprodutivos, desde a procura pelo serviço até encontrar atendimento e a aceleração do parto para liberar leitos, entre outros (GOMES, 2014).
Durante os anos de 1980 o movimento feminista, amparado pelos direitos humanos, lutava contra a violência obstétrica, diante dos abusos que as mulheres vinham sofrendo no parto e no pós-parto apresentando as intervenções feitas por profissionais da saúde que configura violência obstétrica, tais como de deixar de atender as emergências obstétricas. Impedir o contato social com a criança e fazer procedimentos desnecessários sem consentimento da mulher. Observando ainda que são deixadas de fora as humilhações verbais e a violência psicológica cometidas pelos profissionais da saúde. (VENTURI, 2010)
No ano de 2000, 191 países integrantes da Organização das Nações Unidas adotaram o documento Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, dentre os quais estão: promover a igualdade entre homens e mulheres, dando maior autonomia as mulheres, e melhorar a saúde materna. (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2010).
No Brasil, as discussões ganharam força no século XXI com o estudo do THE LANCET, inspirando nas leis dos países Latino-americano o termo violência obstétrica, substituindo a violência no parto, ampliando o entendimento para que caso um profissional cometa um ato de contra a dignidade e integridade da paciente. (RODRIGUES,2022)
Embora não exista uma lei federal que conceitue o termo violência obstétrica, já tramita no Congresso Projeto de Lei Nº 2.082/2022, para tipificar a violência obstétrica como crime e estabelecer o procedimento para sua prevenção. No momento este projeto está aguardando despacho no Plenário Senado Federal. (BRASIL, 2022).
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça a violência obstétrica é um abuso que ocorre no parto direcionado a mulher, podendo ocorrer por ação ou omissão, de forma verbal ou física. (PONCIANO,2020)
Uma espécie de violência é o fato de privar a gestante de ter um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, eis que já existe lei federal vigente resguardando esse direito seja em hospital privado ou público, está prescrito em Lei n° 11.108/2005, artigo 19. (BRASIL, 2005).
A violência obstétrica é um problema que vem ocorrendo há algumas décadas. A falta de informação das gestantes, o medo presente sobre o processo que irá realizar durante o parto é um fator presente que atrapalha muito o combate. Essa situação pode levá-las a se conformarem com a exploração de seus corpos por diferentes pessoas, aceitando diversas situações incômodas sem reclamar. Gestantes no mundo inteiro sofrem abusos, desrespeito, negligência e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde. As práticas podem trazer consequências para a mãe e para o bebê, por se tratar de um momento de grande vulnerabilidade para a mulher. (ZANARDO, URIBE, NADAL, HABIGZANG, 2017). E, muitas vezes, as pacientes quando sofrem a violência, não reconhecem, naquele momento, o ato como violento, visto que estão vivenciando fortes emoções e situação delicada, em virtude de estar em um momento pré-parto, de parto ou pós-parto. (BONETTI, FUGLI, 2021).
A respeito dos profissionais envolvidos em procedimentos obstétricos como médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, estes nem sempre são responsabilizados adequadamente pelos danos causados. Podem responder pelo crime de lesão corporal previsto no artigo 129 do Código Penal ou pela violação do Código de Ética perante o Conselho de Ética da classe pertencente. (MENEZES, 2022).
Os casos recentes, narrados abaixo, mostram a grande importância de legislação federal que aborde o tema e façam com que as mulheres sejam protegidas, tenham seus direitos resguardados e tenham suporte para quando sofrerem a violência obstétrica:
O primeiro caso trata-se de violência sofrida por uma mulher negra que fora buscar ajuda em um hospital público onde morava, em Belford Roxo, no estado do Rio de Janeiro. Tendo fortes dores os profissionais que lá se encontravam deram medicamentos e liberaram para que voltasse para casa sem nenhuma análise feita. Já em casa Alyne voltou a sentir fortes dores e voltou a procurar ajuda no hospital, onde foram constadas a necessidade de internação, por conta de não de terem ouvido os batimentos do feto. (CATOIA, SEVERI, FIRMINO,2020).
Em seguida, houve a constatação da morte do feto, tentaram realizar um parto induzido, no qual não bem-sucedido, em seguida uma curetagem como consequência, foram 14 horas de realização. Caso de Alyne era grave e após observarem que não tinham capacidade de lidar com o caso, procuraram um hospital para lidar com o caso. Mas o hospital mais próximo era em Nova Iguaçu, mas se recusou de disponibilizar a ambulância. Com isso foram mais 8 horas de espera e nas últimas duas já apresentava em estado de coma. (CATOIA, SEVERI, FIRMINO,2020).
Após sua transferência os médicos não receberam o prontuário completo de Alyne e culminou em sua morte. A autopsia dizia que a morte ocorrera por conta da hemorragia digestiva, entretanto o Hospital solicitou que a mãe de Alyne fosse tentar obter o prontuário de sua filha no hospital. Ao ir à Casa de Saúde o médico lhe informou que o feto estava morto fazia dias e que este fato havia causado a morte de Alyne. (CATOIA, SEVERI, FIRMINO,2020)
Este caso teve um papel fundamental para avançar no reconhecimento dos direitos reprodutivos não só no Brasil, como também na América Latina e em todo o mundo. Ele é especialmente importante para o reconhecimento dos direitos da mulher a uma maternidade segura e ao acesso sem discriminação a serviços básicos de saúde de qualidade. (CATOIA, SEVERI, FIRMINO,2020).
O caso de Alyne da Silva Pimentel é emblemático, foi a primeira denúncia sobre mortalidade acolhido a ser analisado pelo Comitê CEDAW (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women), sendo, também, o primeiro caso de condenação do país no sistema convencional quase judicial da ONU. Em 2011 foi a data de reconhecimento sobre a responsabilidade do Estado Brasileiro pelo resultado da morte da gestante citada, pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República. (GOV, 2018).
O segundo caso, ascendeu recentemente as discussões sobre violência obstétrica na mídia, uma vez que, a violência ocorreu com uma pessoa famosa, a blogueira Shantal. Esta relatou que sofreu violência obstétrica pelo médico Renato Kalil, pois houve diversas formas de abuso físico e verbal pelo médico no trabalho de parto e parto (G1,2022).
Como o procedimento do parto estava sendo gravado pelo marido da blogueira, os abusos foram registrados. Em áudios que foram vazados nas redes sociais, Shantal relatava para as amigas a experiencia horrível que sofrera durante o parto. Logo em seguida, começou a circular alguns vídeos do seu parto que mostravam o médico falando palavras ofensivas para ela. Shantal, após receber alta, viu o vídeo de gravação do parto, recordou de tudo o que passou e decidiu denunciar o médico pela violência que havia sofrido. (G1, 2022).
Extremamente constrangida ela criou forças assistindo após o turbilhão de sentimentos do parto e assistindo o parto assimilando o que havia acontecido. Levou em considerações que milhares de mulheres sofrem com a violência obstétrica e tem que ser combatido. Por isso, levou a delegacia o vídeo e narrou o ocorrido durante o parto quando foi xingada, teve a intimidade exposta, não foi respeitada diante da decisão de não informar o sexo do bebê entre outras coisas. (G1, 2022)
O terceiro caso que merece destaque, embora a vítima não seja famosa, gerou grande repercussão na mídia, foi o do anestesista Giovanni Quintella, que foi flagrado realizando condutas suspeitas em paciente, se aproveitando do momento de vulnerabilidade, em que se encontrava desacordada, em virtude da sedação para o parto. (G1-RIO, 2022).
O caso foi descoberto porque as enfermeiras que auxiliavam o parto, já desconfiavam da quantidade de anestesiante que ele vinha usando nas grávidas, em outros atendimentos, que não era a condizente com na prática médica, por isso, resolveram filmá-lo. Aparentemente, ele aplicou anestesiante em maior quantidade do que a indicada para praticar abusos com a parturiente, levando-o a ser denunciado e autuado em flagrante. A vítima na filmagem se vê passando por grande constrangimento, sua vida está sendo exposta para o mundo em uma situação degradante, resultando em grandes danos psicológicos. (G1-RIO, 2022).
Os três casos são de violência obstétrica e causaram graves danos às vítimas, mas, conforme os objetivos deste trabalho, cabe ressaltar o caso da blogueira Shantal, em que ocorreu violência obstétrica física e verbal, pois além do uso de métodos proibidos, as imagens mostram que o médico xinga, se refere a vítima com pouco caso, não demonstrando nenhuma compaixão, promovendo, por meio destas humilhações verbais, violência psicológica, atitude que gera tanto mal que, mesmo, após o fato ocorrido a vítima continua revivendo a situação e sofrendo psicologicamente. (G1, 2022)
Diante do panorama aqui traçado, denota-se que a discussão sobre a violência obstétrica é, relativamente, recente no mundo e ainda mais no Brasil, por isso, é de extrema importância ampliar a discussão, pois viola os direitos humanos e a dignidade das mulheres. Na próxima seção serão abordadas as condutas que configuram a violência obstétrica e quem pode cometê-las, enfocando os profissionais da saúde, que são objeto deste trabalho.
3 CONDUTAS QUE CONFIGURAM VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
A violência obstétrica pode ocorrer de diversas maneiras e podem ser caracterizadas como violência por negligência, violência física, violência verbal e violência psicológica. Esses tipos de violência sempre andam atreladas umas nas outras, raramente a violência vem a acontecer de uma destas maneiras isolada. (BARUFFI, 2022).
A violência por negligência acontece quando algum profissional nega o socorro, acaba por impor dificuldades durante o atendimento à gestante ou se nega informação à paciente. A violência física ocorre mediante intervenções desnecessárias ou indesejadas ou com uso de movimentos violentos e invasivos, mesmo que não o sejam, ainda na maioria dos casos, acontecem sem a devida comunicação e o consentimento da gestante, tais como: uso de ocitocina para acelerar o parto, prática de episiotomia, realização da manobra de Kristelle para provocar a expulsão do bebê do útero etc. (BONETTI, FUGLI, 2021).
Já a violência verbal; se apresenta através de palavras ofensivas ou humilhantes, inferiorizando a gestante, não importando a razão. A violência psicológica; que é uma agressão de cunho emocional, constrangendo, menosprezando e culpabilizando a mulher, causando sentimentos de vulnerabilidade, medo e insegurança, atingindo diretamente a sua dignidade. (BONETTI, FUGLI, 2021)
Vê-se que procedimentos tão usuais e até então, ensinados como adequados, passaram a ser considerados violência, pois, violam a integridade física e psicológica da mulher, ocorrendo maus tratos e abusos. Nesse momento, há um estranhamento entre os profissionais de saúde, questionando, como pode o que estão fazendo ser considerada uma violência, se sempre foi considerado absolutamente normal este tipo de conduta. (COC/Fiocruz).
A violência obstétrica pode ser praticada por quem realiza os procedimentos obstétricos: médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, obstetrizes ou qualquer outro profissional que preste, em algum momento, esse tipo de assistência. (MENEZES, 2022). Contudo, não apenas os profissionais da saúde podem cometê-la, outras pessoas que antes, durante ou no pós-parto pratiquem algum tipo de violência física, verbal ou psicológica contra a mulher também incorre nesta prática. (ZAGO, 2017). Para fins desta pesquisa, o foco é tratar apenas da violência obstétrica cometida pelos profissionais da saúde.
No Brasil não há uma regulamentação federal sobre a violência obstétrica. No entanto, em âmbito federal tramita o Projeto de Lei n° 2.082/2022 que visa acrescentar o Art. 285-A ao Código Penal para tipificar a violência obstétrica como crime; bem como, alterar o Art. 3º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para incluir procedimentos para sua prevenção. Referido projeto conceitua violência obstétrica, no Art. 1º, como:
conduta direcionada à mulher durante o trabalho de parto, parto ou puerpério, que lhe cause dor, dano ou sofrimento desnecessário, praticada sem o seu consentimento ou em desrespeito pela sua autonomia ou, ainda, em desacordo a procedimentos estabelecidos no âmbito do Ministério da Saúde, constituindo assim uma clara limitação do poder de escolha e de decisão da mulher. (BRASIL, 2022, não paginado).
Nota-se que, referido projeto não deixa explicito sob quais formas violência obstétrica pode ser praticada, se física, verbal ou psicológica. Mas, como ele transcreve a violência obstétrica como conduta causadora de dor, dano ou sofrimento desnecessário, depreende-se que independe da forma como a conduta ocorre, o que importa é o seu resultado.
Para qualquer conduta que configure violência obstétrica, o Projeto de Lei n° 2.082/2022 prevê a pena de “detenção, de três meses a um ano. Parágrafo único. Caso a mulher vítima de violência seja menor de 18 anos ou maior de 40 anos Pena - detenção, de seis meses a dois anos”. (BRASIL, 2022).
Quanto aos procedimentos para prevenção da violência obstétrica, referido projeto enumera os seguintes: “deve ser colocado à disposição da parturiente e sua recusa deve ser registrada no respectivo prontuário do procedimento”; “Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, devem criar ações e procedimentos para combater a violência obstétrica”; e, “O Sistema Único de Saúde deve promover campanhas de prevenção à violência obstétrica”. (BRASIL, 2022).
O Projeto de Lei n° 2.082/2022 se atém à responsabilização em âmbito criminal, nada trazendo sobre a responsabilização civil.
No entanto, no estado do Tocantins está em vigor a Lei n° 3.385, de julho de 2018, alterada pela Lei n. 3.674/2020, que aborda sobre as condutas que, praticadas por profissionais da saúde, podem configurar violência obstétrica. No Art. 1º, referida lei explicita sua própria finalidade, já no Art. 2º, conceitua violência obstétrica, nos seguintes termos:
Art. 1º A presente Lei tem por objeto a implementação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente no Estado do Tocantins, visando à proteção contra a violência obstétrica e à divulgação da Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal.
Art. 2º Considera-se violência obstétrica todo ato praticado pela equipe multiprofissional do hospital, da maternidade e da unidade de saúde ou por um familiar ou acompanhante que ofenda de forma verbal ou física as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período de estado puerperal. (TOCANTINS, 2018, não paginado).
Destaca-se que a Lei implementada no Tocantins aborda a questão tanto da violência física como da verbal e, ainda, diz que estas violências podem ser praticadas tanto por profissionais da saúde, como por familiares ou acompanhantes.
Sobre as formas de cometer violência obstétrica, a Lei n° 3.385, de julho de 2018, enumera, Art. 3º, I a XXI, uma séria de condutas possíveis.
Como o objeto deste trabalho enfoca na violência verbal, por meio de humilhações, a segue alguns exemplos deste tipo de violência, previsto na referida lei:
[...]
I - tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva, não empática, grosseira, vilipendiosa ou de qualquer outra forma que a faça sentir-se constrangida pelo tratamento recebido;
II - recriminar a parturiente por qualquer comportamento, como gritar, chorar, ter medo, vergonha e/ou dúvidas, bem como por característica ou ato físico, como, por exemplo, obesidade, estrias, evacuação e outros;
[...]
IV tratar a mulher por comandos e nomes infantilizados e diminutivos, com a intenção de menosprezá-la ou ofendê-la;
[...]
XXI - tratar o pai do recém-nascido como visita e obstar seu livre acesso para acompanhar a parturiente e o recém-nascido a qualquer hora do dia (TOCANTINS, 2018, não paginado).
Além de conceituar violência obstétrica, apontar quem comete e quem é vítima, enumerar suas formas e condutas, referida lei, no Art. 5º, traz que aqueles que cometerem violência obstétrica sofrerão sanções, mediante apuração em processo administrativo disciplinar com direito à ampla defesa.
Por isso, é preciso que o Projeto de Lei entre em vigor o mais rápido possível, para tipificar a violência obstétrica como crime e estabelecer procedimentos para sua prevenção. Que a federação disponha sobre as condições para proteção, e recuperação da saúde, organizando e fazendo com que o funcionamento dos serviços seja prestado nas conformidades e protegendo quem venha a sofrer com a violência. Com dever, ainda, de promover campanhas de prevenção à violência obstétrica e que possa chegar a todas as pessoas a importância da reparação dos danos causados, que é o próximo tema que será abordado a seguir.
4 DANOS CAUSADOS AS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
A violência obstétrica, conforme explicitado nas seções anteriores, pode se dar por negligência, violência física, violência verbal e violência psicológica, ou por mais de uma delas ao mesmo tempo, desde que cometida no pré-parto, no parto ou no pós-parto imediato, contra a mulher ou acompanhante, por profissionais da saúde, familiares ou acompanhantes, causando danos físicos e psicológicos, violando a dignidade das vítimas. Mas, como o objeto deste trabalho enfoca as humilhações verbais contra à mulher, nesta seção será abordado exclusivamente sobre os danos causados à paciente decorrente desta forma de conduta.
Os danos causados no período de gestação e durante o nascimento de um filho são eventos impactantes e de extrema importância, pois, promovem e causam emoções intensas durante os novos acontecimentos na vida dos familiares e principalmente da mãe com a nova vida. Ocorrem mudanças fisiológicas e hormonais em grande escala nesses períodos de mudança e adaptação do organismo. Assim, a mulher deve ser ouvida e receber atenção, esclarecimento, respeito e empatia, pois, quando essas atitudes não estão presentes, o desfecho desses eventos acaba tornando-se desfavorável, acarretando um adoecimento físico e psíquico. (MAIA,2018).
A violência obstétrica pode favorecer o aparecimento de vários transtornos psicossociais posteriores a essa violação. Sendo grandes os prejuízos psicológicos para as vítimas, podendo provocar alterações fisiológicas, comportamentais, afetivas, cognitivas e os transtornos de ansiedade, tais como: pânico, fobia, transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e estresse pós-traumático, que iniciam-se após uma situação considerada desagradável, provocando medo, preocupação e/ou obsessões e compulsões. (MAIA,2018)
Mesmo depois do momento da violência obstétrica, as mulheres continuam a sofrer, se sentindo constrangida, com síndrome pós-traumática causando medo, e inutilidade, podendo resultar depressão, que no pós-parto, impacta na criança. Claro que nem toda violência pode causar danos psicológicos, mas, a obstétrica, especificamente, tem o poder de causar problemas maiores psicologicamente. (CATOIA, SEVERI, FIRMINO,2020).
A violência obstétrica reflete negativamente na vida das mulheres e de seus filhos. Assim, por exemplo, como já citado, no caso de manipulação excessiva no parto normal, com intervenções invasivas do corpo das mulheres podem resultar danos. Desse modo, o uso desenfreado de ocitocina para indução ou aceleração do parto, a manobra de Kristeller, o uso de fórceps, a episiotomia, entre outros procedimentos, usados de forma desnecessária, podem acarretar danos físicos e psicológicos à mulher. (DINIZ; SALGADO; ANDREZZO; CARVALHO, 2020).
A manifestação de humilhações verbais vem com comentários discriminatórios, ofensivos, de forma humilhantes por alguma característica ou ato físico, á proibindo de expressar suas dores, dúvidas, emoções e até decisões sobre seu corpo, por exemplo, podendo ser repreendendo o choro, proibindo gritos e a expressões da religião da mãe. Acabam, às vezes, por restringir acompanhantes da parturiente e isso resulta em uma exposição a situações de abandono, insegurança, medo e abandono, inferioridade ou insegurança ou sendo até em uma procrastinação de contato entre a mãe e o neonato. (SÃO PAULO, 2013).
A violência moral ou psicológica, em particular, manifesta-se através de um tratamento desumanizado, com o uso de linguagem inapropriada e rude, discriminação, humilhação, exposição da mulher ao ridículo e críticas quanto questões pessoais e particulares da gestante. Muitas mulheres citam que ouviram frases humilhantes, como: "Não chora não que ano que vem você está aqui de novo" ou, "Na hora de fazer não chorou. Não chamou a mamãe, por que está chorando agora?" ou ainda "Se ficar gritando, vai fazer mal para o seu neném. Seu neném vai nascer surdo". (CATOIA, SEVERI, FIRMINO, 2020).
Mulheres que passam por este tipo de violência relatam casos de abuso, tanto físico como psicológico (humilhações e xingamentos), como: procedimentos médicos sem necessidade ou sem consentimento, sendo considerado, também, violação da privacidade, a recusa de atendimento em estado de emergência ou até mesmo na recusa por administrar analgésico, a falta de cuidado durante o parto, além de muitas se sentirem ameaçadas. Podendo ocorrer, até mesmo, a detenção das mulheres e de seus nascituros após o parto, pela falta de pagamento. As mulheres mais suscetíveis de sofrerem com a violência são as adolescentes, solteiras, baixa renda, minorias étnicas, imigrantes e as que possuem doença, as fazem se tornar mais vulneráveis. (MENEZES,2022).
Mulheres com deficiência física, psíquica ou intelectual, são mais vulneráveis à violência obstétrica, pois “se encontram em situação de maior desamparo e que sofrem de forma mais intensa e cruel com práticas violentas e hostis ligadas à gestação: as mulheres com deficiência”. (TERRA; MATOS, 2019, p. 4).
Mulheres negras também estão mais vulneráveis à violência obstétrica, pois vivenciam desigualdades estruturais que dificultam o acesso a direitos sociais e humanos, com destaque para os direitos sexuais e reprodutivos:
No que se refere à questão racial e de gênero, é importante lembrar que, na história das mulheres negras, existe um processo violento que insiste em permanecer na atualidade. Desde a travessia transatlântica, no interior dos tumbeiros e navios negreiros, as mulheres negras são alvos de violência por terem sido, sumariamente, separadas de seus filhos, obrigadas a terem partos análogos ao de animais, ocorrendo até nos dias atuais. (ASSIS, 2015, não paginado).
A exemplo da violência moral ou psicológica, uma técnica em enfermagem Rosemary Mulhman, sofreu violência obstétrica durante o parto, ouvindo o médico e sua equipe dizendo frases que a humilharam. Ainda teve seu acompanhante proibido de adentrar durante o procedimento, fato que já tem lei vigente que obriga a liberar um acompanhante. (MAGANIN,2019)
No caso, acima, denota-se que o direito da parturiente foi infringido, conforme, a Lei Federal nº 11.108/2005, pelo fato de ter sido proibida de ter seu acompanhante, junto, durante o procedimento. Pois, no Art. 19, da referida lei, há previsão que os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS,), da rede pública ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, o parto e pós-parto imediato. (BRASIL, 2005). Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990, art. 8o, § 6o, reforça os direitos da gestante em ter um acompanhante durante todo o período de pré-natal, trabalho de parto e pós-parto imediato.(BRASIL, 1990).
Desta forma, constata-se que a violência obstétrica moral é uma realidade tanto quanto a física. Com o nascimento do bebê, junto com as preocupações e responsabilidades adquiridas, bem como a falta de conhecimento dos atos que caracterizam a violência obstétrica, acabam por passar despercebidas pelas vítimas. Necessitando desta forma que se discuta, reconhecendo a violação dos direitos da mulher, entregando a punição aos infratores de acordo com a lei disposta. (CATOIA, SEVERI, FIRMINO, 2020).
É certo que o direito à saúde é garantido constitucionalmente e deveria atingir todas as pessoas, sem distinção. Isso, obviamente, inclui mulheres que deveriam ter o direito a uma assistência digna e respeitosa, durante todo o período do pré-natal, até o momento do parto, bem como deveriam ter o direito de estar livres de qualquer tipo de violência e de discriminação. Os abusos, os maus-tratos, as negligências e os desrespeitos, ocorridos durante o parto, equivalem a uma violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres. As mulheres, nesses casos, estão em uma situação de muita vulnerabilidade e, assim, têm o direito à igualdade e à dignidade. São pacientes são livres para procurar e receber informações, além de não sofrerem discriminações e de usufruírem do mais alto padrão de saúde, seja esta física, mental, sexual e reprodutiva. (MENEZES,2022).
Conforme exposto, a violência obstétrica por humilhações verbais causa danos de ordem moral e psicológica às vítimas. Esta violência verbal “representa uma afronta ao princípio constitucional da dignidade humana, bem como o desrespeito a diversas leis que resguardam o direito ao parto humanizado”. (BONETTI, FUGLI, 2021, não paginado).
Aqui ficou claro que a violência obstétrica causa danos intensos e cruéis às vítimas e, por isso, quem a comete não pode ficar impune, e, mais ainda, quem a sofreu deve ser reparado, como forma de minimizar a sensação de dor e frustação pela violência sofrida, em um momento tão especial e de extrema fragilidade. Por isso, no próximo capítulo será verificada a possibilidade de responsabilização civil do profissional da saúde que comete violência obstétrica.
5. A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Entende-se por responsabilidade civil a “aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde” (DINIZ, 2011, p.50). Assim, a responsabilidade civil visa, principalmente, obrigar aquele que causou danos a outrem repará-lo.
Quanto à responsabilização civil, o Art. 927 do Código Civil estabelece que: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Enquanto o Art. 186 dispõe que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e o Art. 187, por sua vez, prega que: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
A classificação da responsabilidade civil é dada pela doutrina em razão da culpa, quando apresenta a natureza jurídica da norma violada. Responsabilidade civil subjetiva é aquela que apresenta a conduta de forma lato sensu, que envolve a culpa stricto sensu e o dolo. A culpa (stricto sensu) é caracterizada quando o dano praticado pelo agente é ato de negligência ou imprudência. O dolo é à produção do resultado ilícito apresentando à vontade conscientemente. (PINTO, 2018). Já a responsabilidade objetiva é aquela fundamentada no risco da atividade desenvolvida por aquele que causou o dano, ou seja, prescinde da configuração de culpa ou dolo. (CABRAL, 2018).
No que diz respeito à responsabilidade objetiva, cumpre mencionar, o parágrafo único do referido Art. 927, do Código Civil, que determina que: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. (BRASIL, 2002, não paginado).
Assim, a responsabilidade civil objetiva é baseada na chamada teoria do risco, que afirma que toda e qualquer pessoa, pelo simples fato de realizar uma atividade, tem uma predisposição a causar dano a alguém. Contudo, esse fato realizável, somente se verifica quando há uma consequência a outro indivíduo provocada por essa ação em que o autor se beneficia ou tira vantagem daquele fato que enseja a destruição. A isso dá-se o nome de risco proveito. Disso, extrai-se as três características da responsabilidade objetiva: a subsistência de uma ação, comissiva ou omissiva, a ocorrência de um prejuízo moral ou patrimonial, e o nexo causal entre a destruição praticada e a ação que a este deu, sendo irrelevante a conduta de culpa ou dolo, bastando o nexo casual causal entre o agravo sofrido para que haja a obrigação de indenizar. (CABRAL,2018).
Relacionando com a responsabilização civil dos profissionais da saúde decorrente de violência obstétrica, do exposto acima, conclui-se que ela se relaciona à responsabilidade objetiva, porque no caso da responsabilização destes profissionais pela prática de atos violentos contra à mulher, antes, durante ou logo após o parto, se baseia na premissa de que aquele que exerce determinada atividade deve arcar com os eventuais danos dela decorrentes, independente de sobrevir culpa ou dolo, bastando que advenha danos à paciente.
Como não há, no direito brasileiro, uma legislação federal específica, seja de natureza civil ou penal, tratando do assunto violência obstétrica, o Poder Judiciário, em tais julgamentos, utilizava-se das normas gerais de responsabilidade civil dos profissionais de saúde, abordando, muitas vezes, tais casos, como sendo de erro médico, sendo deficiente no que se refere a decisões de questões sobre violência obstétrica.
Para que possa ter a reparação do dano, necessariamente tem que haver a comprovação da culpa sobre o erro, nexo casual do fato e do dano, para que possa ter a reparação do dano. Ocorre que, o erro médico e a responsabilidade civil que dele deriva trazem consequências para o Poder Judiciário, uma vez que há uma dificuldade muito grande da sua verificação no caso concreto. (LIMA, 2012). Isto porque, igualmente, se faz extremamente necessário para a configuração da responsabilidade por erro médico o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano causado. Por fim, é imprescindível a prova do dano para que alguém seja responsabilizado, e esse dano poderá ser simplesmente moral, ao invés de material, repercutindo apenas sobre a índole do ofendido. (MORAES,2019)
Por exemplo as duas decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paula, abaixo citadas:
RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL - VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. Direito ao parto humanizado é direito fundamental. Direito da apelada à assistência digna e respeitosa durante o parto que não foi observado. As mulheres têm pleno direito à proteção no parto e de não serem vítimas de nenhuma forma de violência ou discriminação. Privação do direito à acompanhante durante todo o período de trabalho de parto. Ofensas verbais. Contato com filho negado após o nascimento deste. Abalo psicológico in re ipsa. Recomendação da OMS de prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Prova testemunhal consistente e uniforme acerca do tratamento desumano suportado pela parturiente. Cada parturiente deve ter respeitada a sua situação, não cabendo a generalização pretendida pelo hospital réu, que, inclusive, teria que estar preparado para enfrentar situações como a ocorrida no caso dos autos. Paciente que ficou doze horas em trabalho de parto, para só então ser encaminhada a procedimento cesáreo. Apelada que teve ignorada a proporção e dimensão de suas dores. O parto não é um momento de "dor necessária". Dano moral mantido. Quantum bem fixado, em razão da dimensão do dano e das consequências advindas. Sentença mantida. Apelo improvido. (SÃO PAULO, 2017, não paginado).
Neste primeiro exemplo, o dever indenizatório no caso deu-se em face da a responsabilidade civil, em que a vítima teve seu direito fundamental negado de haver o parto humanizado, e com isso teve o dano moral mantido em razão do dano sofrido.
Segue o próximo exemplo:
DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATENDIMENTO EM HOSPITAL PARTICULAR. ÓBITO FETAL. HUMANIZAÇÃO DO PARTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DANO MORAL CARACTERIZADO. MAJORAÇÃO. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DOS AUTORES CONHECIDO E PROVIDO. 1. O dano moral pode ser concebido como violação do direito à dignidade, na medida em que é consagrada como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, sendo a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos da personalidade, tais como a honra, nome, privacidade, intimidade, liberdade. 2. Para que incida o dever de indenizar por dano moral, o ato tido como ilícito deve ser capaz de imputar um sofrimento físico ou espiritual, impingindo tristezas, preocupações, angústias ou humilhações, servindo-se a indenização como forma de recompensar a lesão sofrida. 3. A perda perinatal ocorre a qualquer momento da gestação até o primeiro mês de vida do bebê, desencadeando um processo definido como luto perinatal. Nesses casos, a mulher, ao procurar um estabelecimento hospitalar para a retirada do feto morto, deve ser acolhida, aconselhada, informada e devidamente assistida por profissionais competentes, além de ter à disposição tecnologia apropriada que garanta respeito à sua dignidade. 4. A humanização do parto tem o condão de privilegiar o bem-estar da mulher e do bebê, considerando os aspectos fisiológicos, psicológicos e o contexto sociocultural no qual está inserida e é aplicada a todos os casos, desde a assistência ao recém-nascido até o abortamento, incluindo a morte. 5. A falha na prestação de serviço do hospital, caracterizada pela falta de prática assistencial durante uma perda perinatal, ocasionando angústia, desgosto, insegurança e aflição à parturiente, gera o dever de indenizar. 6. O quantum indenizatório deve estar em consonância com os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, atendendo simultaneamente aos requisitos de desestímulo à ocorrência de novas condutas danosas, capacidade econômica das partes e compensação ao autor quanto ao dano ocorrido, sem a caracterização do enriquecimento sem causa. Apelação do réu conhecida e desprovida. Apelação dos autores conhecida e provida. APELAÇÃO DO RÉU CONHECIDA E DESPROVIDA. APELAÇÃO DOS AUTORES CONHECIDA E PROVIDA. UNÂNIME. (SÃO PAULO, 2019, não paginado).
Neste segundo exemplo, a responsabilidade civil recaiu sobre o hospital particular, que foi o responsável pelos danos provocados, pela falha na prestação de serviço, sendo condenado a indenizar por danos morais.
Assim, a falta de uma lei específica, aliada à falta de conhecimento de muitos juízes contribuíam para o desamparo das mulheres que buscam a proteção de seus direitos fundamentais. Diante disso, essa realidade desencorajava a realização de novas denúncias, deixando, assim, o Judiciário de exercer a sua função social, o que gera uma situação de mais indignidade e violência para as mulheres. (LEITE, 2017).
Mas, este quadro desanimador está sendo revertido, como exemplo disso, segue outra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. Parto ocorrido em corredor no nosocômio, após mais de 10 horas da admissão na maternidade, com a queda da recém-nascida, decorrente da expulsão fetal. Ausência de assistência prestada ao final do período de dilatação e período expulsivo. Inadequação dos procedimentos e não observância dos critérios estabelecidos pela ANVISA (RDC 36/2008). Dano moral configurado. Quantum indenizatório. Insurgência das requerentes voltada a aumento dessa verba. Fixação no valor equivalente a vinte salários mínimos que comporta majoração, para a importância de R$ 50.000,00, a ser corrigida monetariamente desde a data deste julgamento, com afastamento da sucumbência recíproca então determinada. Honorários advocatícios fixados sobre o valor da causa. Impossibilidade. Acolhimento parcial da insurgência do requerido, para arbitramento dessa verba honorária em percentual a incidir sobre o valor da condenação. Sentença parcialmente reformada. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. (SÃO PAULO, 2021, não paginado).
Neste primeiro exemplo, a responsabilidade civil do profissional da saúde decorreu do reconhecimento do Tribunal da prática de violência obstétrica diante da “Inadequação dos procedimentos e não observância dos critérios estabelecidos pela ANVISA”.
Relacionando a doutrina, a legislação e a jurisprudência acima apresentadas, quanto à responsabilização civil dos profissionais da saúde decorrente de violência obstétrica, conclui-se que ela se relaciona à responsabilidade objetiva, porque no caso da responsabilização destes profissionais pela prática de humilhações verbais contra à mulher, antes, durante ou logo após o parto, se baseia na premissa de que aquele que exerce determinada atividade deve arcar com os eventuais danos dela decorrentes, independente de sobrevir culpa ou dolo, bastando que advenha danos à paciente.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante exposto, o trabalho possibilitou uma abordagem sobre as características da violência obstétrica, onde apresentou casos que ocorreram em hospitais públicos e privados, elencando a responsabilização civil do profissional da saúde.
Foi possível perceber o costume de caracterização da violência obstétrica como erro médico, o que trazia dificuldades às vítimas para produzirem provas a seu favor, pois, com essa tipificação, se fazia necessário demonstrar a culpa do agente público, além da produção de prova pericial por outro médico, que tende a proteger a sua categoria de classe profissional.
Ressaltando que, caso a violência obstétrica verbal, fosse tipificada por lei, adequadamente, conforme se almeja e, é necessário, os tribunais pátrios poderiam julgar referida agressão como violência de gênero, onde não teria a necessidade da prova de culpa, mas sim, do nexo casual e do fato e dano presumido, com dever de indenizar.
Além disso, percebeu-se que a negativa por parte dos julgadores em utilizar o termo violência obstétrica nas ementas de suas decisões, está caindo em desuso, o que acaba contribuindo para eliminar uma invisibilidade quanto ao tema no curso processual e possibilitar a reparação dos danos às vítimas de violência obstétrica que tiveram sua dignidade violada.
Verificou-se que este tipo de violência contra mulher é muito difícil de combater, pois, a vítima encontra-se com o psicológico abalado, sentindo-se fragilizada e com medo de denunciar a situação e ser exposta, além de ter que lidar com a opinião pública. Sendo, por essas razões, que muitas vítimas deixam de denunciar a violência obstétrica, acabando por se manter a falsa ideia de aceitação nos procedimentos, com a ausência de penalização aos infratores.
Conclui-se que a violência obstétrica tem números expressivos de casos, especialmente, na fase gestacional, seja dentro das unidades de saúde pública ou privada. Demonstrando que o problema não está somente nas classes mais baixas, e sim é um problema estrutural na política pública. Sendo certo que mulheres com deficiência e negras estão mais vulneráveis a este tipo de violência.
A falta de informação veem sendo grande problema, para que não só as mulheres, mas toda a sociedade entenda o que está acontecendo e o que realmente é normal nos atendimentos das parturientes.
O estado do Tocantins avançou neste tema, pois já há uma lei estadual em vigência desde 27 de julho de 2018 para combater mais essa violência contra as mulheres, entretanto estabelece apenas sanções administrativas, o que dificulta sua efetividade.
Há necessidade de que nossos legisladores nas esferas federal, estadual e municipal, se debrucem sobre o tema violência obstétrica para que haja tipificações e sanções equilibradas com o objetivo de erradicar este tipo de violência, trazendo à humanização do atendimento às parturientes e promovendo a sua dignidade.
Nas revisões das literaturas e nas parcas leis existentes, verifica-se que a violência obstétrica ocorre desde ofensas verbais, passando pelas lesões causadas pelos procedimentos, e até mesmo quando se nega o atendimento ou uma simples informação ou o direito a um acompanhante.
É preciso o desenvolvimento de políticas públicas para que se faça com que as informações cheguem a todos os recantos do Brasil, tornando a mulheres conhecedoras dos seus direitos e os profissionais de saúde sabedores de suas responsabilidades e preparados a dar suporte as mulheres.
A violência obstétrica trata-se de um reflexo de problemas estruturais, uma violência de gênero que é reproduzida na área obstétrica. É uma questão multifatorial, que necessita ser combatida, considerando o conhecimento histórico do termo, para que possa criar e estar presente na legislação de forma ampla, amparando profundamente quem venha sofrer e punindo quem venha cometer.
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[1] Mestre em Direito. Professora da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Graduando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BLAYA, Gabriel Martins. Violência Obstétrica: Humilhações verbais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59607/violncia-obsttrica-humilhaes-verbais. Acesso em: 22 nov 2024.
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