BRUNO VINÍCIUS NASCIMENTO OLIVEIRA[1]
(orientador)
RESUMO: Este artigo tem como tema A CONDENAÇÃO CRIMINAL COM BASE APENAS EM RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO: Ofensa ao princípio da motivação das decisões judiciais? O objetivo geral é verificar se o juiz que condena o denunciado com base apenas no reconhecimento fotográfico feito pela vítima, não enseja fundamentação suficiente para uma condenação, ofendendo assim o princípio da motivação das decisões judiciais, previsto no artigo 93, IX da Constituição Federal. Os objetivos específicos são conceituar o que é o princípio da motivação das decisões judiciais, especificar o que é o reconhecimento fotográfico e verificar como a utilização desse único meio de prova é insuficiente para fundamentar uma condenação. A relevância deste tema para a área de conhecimento se dá pelo fato que as condenações com base somente nesse reconhecimento ferem o princípio constitucional da fundamentação das decisões, podendo fazer com que um inocente seja condenado por um delito que não fora cometido por ele. A pesquisa é exploratória, com abordagem qualitativa, o procedimento técnico traçado é o da pesquisa bibliográfica. Método dedutivo. Conclui-se que a doutrina e a jurisprudência exigem a fundamentação das decisões judiciais, mas a utilização apenas do reconhecimento fotográfico, em conformidade ou não com o regulamentado pela legislação processual penal, não enseja nessa fundamentação.
Palavras-chave: Princípio da motivação; Reconhecimento; Condenação.
ABSTRACT: This article has as its theme CRIMINAL CONVICTION BASED ON PHOTOGRAPHIC RECOGNITION ONLY: Offense to the principle of motivation of judicial decisions? The general objective is to verify if the judge who condemns the accused based only on the photographic recognition made by the victim, does not give rise to sufficient grounds for a conviction, thus offending the principle of motivation of judicial decisions, provided for in article 93, IX of the Federal Constitution. The specific objectives are to conceptualize what the principle of motivation of judicial decisions is, specify what photographic recognition is and verify how the use of this single means of proof is insufficient to substantiate a conviction. The relevance of this topic to the area of knowledge is due to the fact that convictions based only on this recognition violate the constitutional principle of the reasoning of decisions, and can cause an innocent person to be convicted of a crime that was not committed by him. The research is exploratory, with a qualitative approach, the technical procedure outlined is the bibliographic research. deductive method. It is concluded that the doctrine and jurisprudence require the reasoning of judicial decisions, but the use of only photographic recognition, in accordance or not with what is regulated by criminal procedural legislation, does not give rise to this reasoning.
Keyword: Principle of motivation; Recognition; Conviction.
A sentença criminal deve ser fundamentada, assim como dispõe o princípio da fundamentação das decisões judiciais, previsto na Constituição Federal. Essa fundamentação são os motivos que levam a condenação, as provas e indícios que levam o acusado à autoria do delito. O presente trabalho versa sobre a impossibilidade do reconhecimento fotográfico, mesmo que em conformidade com o que manda a legislação processual penal, ser suficiente para fundamentar uma condenação.
Esta pesquisa se justifica no meio acadêmico pelo fato de que os novos avanços no entendimento sobre o reconhecimento de pessoas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), enfatizando que o reconhecimento pessoal, embora válido, não pode induzir, por si só, ou seja, sem demais provas ou indícios, à certeza da autoria delitiva.
Embora o artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP) traga o rito para que seja feito reconhecimento fotográfico, mesmo que este seja seguido à risca, não deve ser utilizado como único meio para a condenação de um denunciado, tendo em vista que qualquer decisão do juiz deve ser fundamentada, assim, uma única prova nos autos de um processo jamais se faz suficiente, para um juízo de reprovabilidade.
Justifica-se, ainda, no âmbito social, em função de que a retirada da liberdade é a última ratio do estado, ou seja, o último recurso do estado para se punir o transgressor da lei, portanto, para que haja essa sanção é necessário que se tenha o mínimo de provas para que essa pessoa seja penalizada, pois não se trata de um mero ato discricionário do magistrado.
O objetivo geral do trabalho é verificar se o juiz que condena o denunciado com base apenas no reconhecimento fotográfico feito pela vítima, não enseja fundamentação suficiente para uma condenação, ofendendo assim o princípio da motivação das decisões judiciais, previsto no artigo 93, IX da Constituição Federal.
Os objetivos específicos são: Conceituar o que é o princípio da motivação das decisões judiciais; especificar o que é o reconhecimento fotográfico; e, verificar como a utilização desse único meio de prova é insuficiente para fundamentar uma condenação.
Para alcançar os objetivos propostos, a presente pesquisa utiliza a metodologia dedutiva, o método utilizado é a pesquisa exploratória, com a técnica de coleta de dados bibliográfica (doutrinas) e documental (legislação e jurisprudência), através da análise de dados qualitativa.
O primeiro capítulo do presente trabalho trata sobre o princípio constitucional da motivação à luz do código de processo penal, com o fim de conceituar tal princípio, bem como as alterações legislativas feitas no sentido de corroborarem para sua aplicação, analisando-se também os sistemas de valoração de provas adotados no Brasil.
O segundo capítulo aborda sobre as provas no processo penal, para apresentar o que é o reconhecimento pessoal e fotográfico, bem como é o procedimento previsto na legislação processual penal.
Por fim, o terceiro capítulo, trata sobre a condenação criminal fundada apenas em reconhecimento fotográfico, abordando as discursões no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, a necessidade do reconhecimento fotográfico ser feito em conformidade com o Código de Processo Penal (CPP), bem como o fato de que somente o reconhecimento fotográfico é incapaz de ser suficiente para sustentar uma condenação.
Dessa forma, essa pesquisa busca investigar o juiz que condena com base apenas no reconhecimento fotográfico do réu pela vítima, realizado em desconformidade ou não com a legislação, ofende o princípio da motivação das decisões judiciais.
No presente artigo foram utilizadas as linhas teóricas de Renato Brasileiro Lima, Fernando Capez e Aury Lopes Junior.
2.PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DAS DECISÕES JUDICIAIS À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
A Constituição Federal traz linhas gerais que guiam todos os procedimentos judiciais, seja por meio dos dispositivos legais, seja pelos princípios dispostos na própria carta magna. Qualquer procedimento que não tenha por base tais elementos, possui vícios que, por consequência, trazem prejuízo para as partes.
Essas linhas gerais são os princípios constitucionais, sendo um destes o da motivação das decisões judiciais, trazido expressamente dentro da Constituição Federal, todavia, necessário se fez trazer alterações no Código de Processo Penal para que esse princípio fosse amplamente aplicado, sobretudo tendo em vista o sistema de avaliação das provas adotados no Brasil.
2.1 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
A Constituição Federal estabelece princípios que norteiam todo o ordenamento jurídico pátrio. Uma das garantias constitucionais mais importantes no aspecto processual é a observância ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, nos termos do artigo 5º, incisos LIV e LV, da Carta Magna. Como corolário, destaca-se o princípio da motivação das decisões judiciais.
Esse princípio é expressamente disposto no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal:
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (BRASIL, 1988, não paginado)
Tavares leciona que:
A motivação é um pressuposto para que possa haver o controle das decisões judiciais.
A exigência de motivar significa a imposição de que os atos decisórios sejam justificados, isto é, de que as razões do ato sejam explicitadas, reveladas. É fundamentar de maneira clara.
A garantia da motivação está englobada pelo princípio do devido processo legal, embora muito mais a seu aspecto formal. (TAVARES, 2022, p.1392)
Todas as decisões do magistrado devem ser fundamentadas. Isso se faz necessário para que não haja arbitrariedade nos julgamentos, ou seja, que o juiz decida com base em meras conjecturas. A ausência de fundamentação traz também uma insegurança jurídica, além do que ofenderia os princípios do contraditório e da ampla defesa.
A fundamentação é tudo aquilo que leva o magistrado a tomar a decisão. A lei não estabelece um modelo padrão para ser seguido pelos juízes, tampouco exige fundamentação excessiva. No entanto, meros apontamentos se mostram insuficientes para externar o juízo de convicção.
A esse respeito, o Código de Processo Penal, em seu artigo 315, § 2º, incisos de I a VI estabeleceu algumas diretrizes sobre o que será considerado ausência de fundamentação.
A propósito, o dispositivo processual penal:
2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (BRASIL, 1941, Não paginado)
Essas seis circunstâncias trazem um rol onde não se considera motivada a decisão, sentença ou acordão, remetendo ao princípio supramencionado da fundamentação das decisões judiciais, se mostrando apenas como uma extensão do que é trazido no artigo 93 da Constituição Federal.
Essa regra se aplica a todas as decisões em todos os graus de jurisdição no país, sendo uma garantia fundamental assegurada na carta magna pátria, sendo a fundamentação das decisões essencial como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
2.2 ALTERAÇÕES PROMOVIDAS NO CPP NO SENTIDO DE QUE AS DECISÕES SEM MOTIVAÇÃO SUFICIENTE SÃO NULAS
Para que o princípio da fundamentação das decisões judiciais seja assegurando, com o decorrer do tempo, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, várias alterações foram feitas na legislação, não só no Código de Processo Penal, mas também em outras leis, como o Código de Processo Civil.
A primeira alteração ocorreu na Constituição Federal, com a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, a qual incluiu o Inciso IX no artigo 93.
No Código de Processo Penal a alteração mais recente seu deu com a entrada em vigor da Lei Nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida popularmente como o Pacote Anticrime.
A redação inicial do artigo 315 do CPP era no seguinte sentido: “Art. 315. O despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado.” (ONLINE, 2019, não paginado). Todavia, em 2011, a lei nº 12.403 trouxe uma alteração ao artigo, trocando a palavra “fundamentado” por “motivado”. Tal mudança não trouxe grande impacto, tendo em vista que não se tinha nenhum parágrafo ou inciso no referido artigo, se limitando apenas às decisões que decretassem, substituíssem ou denegarem a prisão preventiva, utilizando ainda apenas a expressão motivada.
Em 2019 a lei 13.964 alterou de forma mais significativa o artigo, acrescentando mais dois parágrafos e seis incisos ao artigo. O parágrafo segundo foi que introduziu mais significativa mudança no que diz respeito à aplicação do princípio da fundamentação das decisões judiciais, expandindo a aplicação do artigo não somente às decisões relativas a prisão preventiva, mas estendendo-se a “qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão” (BRASIL, 1941, Não paginado).
A redação em evidência é idêntica à do Código de Processo Civil, descrita no artigo 489, § 1º, incisos I a VI, estando dentro do capítulo XIII, da sentença e da coisa julgada, na seção II, a qual fala Dos Elementos e dos Efeitos da Sentença.
Outra importante alteração promovida pela lei 13.964/19, foi inserir o inciso V no artigo 564 do CPP. O artigo em referência descreve os casos em que ocorrerá nulidade no processo penal, dispondo o inciso V que: “Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: V - em decorrência de decisão carente de fundamentação.” (BRASIL, 1941, Não paginado).
A nulidade no processo penal pode ser relativa ou absoluta. Diz-se absoluta quando o erro no ato processual vai contra o interesse público da existência de um processo penal justo. Já a nulidade relativa se dá quando esse erro se dá no descumprimento de uma norma infraconstitucional, a qual tutela direitos pertinente às partes. (LIMA, 2020)
Ao acrescentar o inciso V no artigo 564 do CPP, a lei 13.964/19 colocou a sentença sem a devida fundamentação no rol exemplificativo de nulidades. Por se tratar de um erro de extrema gravidade, no qual atinge a própria essência da sentença, possui nulidade absoluta. Renato Brasileiro traz que:
Não por outro motivo, a própria Constituição Federal (art. 93 IX) dispõe que a ausência de fundamentação acarreta a nulidade da decisão judicial. [...] Por se tratar de vício gravíssimo, a nulidade em questão – CPP, art. 564, V – pode ser reconhecida inclusive de ofício. Reconhecida a ausência de fundamentação pelo Tribunal de julgamento de eventual apelação (ou habeas corpus), a sentença deve ser anulada, com a remessa dos autos ao juiz de primeiro grau de jurisdição para a prolação de nova decisão. (LIMA, 2020, p. 1726)
Dessa forma, observa-se que, apesar de já haver expressamente na Constituição Federal que a ausência de fundamentação é causa de nulidade, o acréscimo do inciso V no artigo 564 do CPP ratificou uma regra já lecionada na própria carta magna.
2.3 SISTEMA DE VALORAÇÃO DAS PROVAS ADOTADO PELO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
É por meio das provas que o juiz prolata uma sentença, utilizando dela para fundamentar a sua decisão, seja de condenação, seja de absolvição. A ausência desta ou de ao menos indícios, levam à absolvição, tendo em vista que a Constituição Brasileira tem como basilar a presunção da inocência.
Renato Brasileiro ensina que provar “significa demonstrar a veracidade de um enunciado sobre um fato tipo por ocorrido no mundo real”. (LIMA, 2020, p. 657). A palavra prova vem da mesma etimologia da palavra probo (do latim, probatio e probus), remetendo-se à ideia de verificar, examinar, reconhecer por experiência. (LIMA, 2020).
A doutrina majoritária destaca três sistemas de valoração da prova: sistema da íntima convicção, sistema da prova tarifada e o sistema do livre convencimento motivado.
O sistema da íntima convicção vaticina que o magistrado pode decidir de acordo com sua seus próprios valores, não se atendo a qualquer tipo de regra na valoração das provas. Sua convicção formada, independente dos critérios é o que basta para sua decisão. Esse sistema vigora como exceção no processo penal brasileiro, sendo adotado apenas no tribunal do júri, nas decisões proferidas pelo júri popular, já que a própria Constituição Federal estabelece que os jurados não precisam fundamentar sua decisão, por ser secreta. (CAPEZ, 2022).
O sistema da prova tarifada tabela as provas de uma forma onde cada uma tem o seu valor, não podendo o magistrado valorá-la de forma diferente ao estabelecido. É atribuído de antemão o valor de cada uma delas, não existe convicção pessoal do magistrado na valoração do contexto probatório. (CAPEZ, 2022).
Esse sistema também vigora como exceção no processo penal brasileiro, podendo ser vislumbrado, por exemplo, no artigo 158 do CPP, onde quando a infração deixar vestígios, nem mesmo a confissão do acusado supre a falta de exame de corpo de delito. Outro exemplo desse sistema no processo penal brasileiro é no parágrafo único do Código de Processo penal, onde quando a pessoa está morta, o único meio de se provar é mediante certidão de óbito, não podendo ser admitida prova testemunhal. (CAPEZ,2022)
O terceiro sistema é do livre convencimento motivado ou livre convicção. Pode-se dizer que esse sistema é uma junção dos dois sistemas anteriormente demonstrados. No livre convencimento motivado o magistrado tem liberdade para formar sua convicção, todavia, ela não é ilimitada, este deve demonstrar explicitamente o porquê de sua decisão, fundamentado a valoração de cada prova produzida nos autos. (CAPEZ,2022)
Esse sistema é o adotado no processo penal pátrio, podendo ser observado no artigo 155 do Código de Processo penal. A ver:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (BRASIL, 1941, Não paginado)
Renato Brasileiro leciona que:
Com a nova redação dada ao art. 155 do CPP pela Lei n° 11.690/08, agora também é possível se extrair a adoção do sistema do convencimento motivado do próprio Código de Processo Penal, senão vejamos: “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas” (nosso grifo). Fica claro pelo texto da lei que o convencimento do juiz deve ser formado, em regra, a partir da prova produzida em contraditório judicial, sendo obrigatório que o magistrado fundamente sua conclusão. (LIMA, 2020, p. 684)
Destarte, além de ratificar a necessidade fundamentação das decisões judiciais, a lei processual penal exige que o juiz, ao prolatar sentença, poderá analisar livremente a prova e, desde que o faça de forma fundamentada, deverá fazer a valoração que entender adequada, com base em elementos produzidos com a garantia do contraditório.
Conclui-se, pois, que os dispositivos processuais penais em comento apenas reforçam a exigência de determinada no artigo 93, inciso IX, da CF/88.
3.PROVAS NO PROCESSO PENAL: RECONHECIMENTO DO ACUSADO
As provas no processo penal buscam a verdade real dos fatos, que é demonstrar o mais próximo possível de como eles aconteceram, pois é impossível saber exatamente como se deram. O reconhecimento do acusado é o meio pelo qual se busca identificar o autor do delito, para que este possa ser processado e jugado crime cometido.
3.1 CONCEITO DE RECONHECIMENTO
O reconhecimento de pessoas e coisas está previsto no próprio Código de Processo Penal, sendo admitido como um meio de prova.
Nas palavras de Fernando Capez, reconhecimento é: "o meio processual de prova, eminentemente formal, pelo qual alguém é chamado para verificar e confirmar a identidade de uma pessoa ou coisa que lhe é apresentada com outra que viu no passado." (CAPEZ, 2022, p.903)
O próprio autor destaca seis espécies de reconhecimento, o imediato, mediato, analítico, mediante recordação mental, direto e indireto.
O imediato se dá quando não se tem a necessidade de um exame ou análise por quem irá reconhecer. Já o mediado se dá quando a pessoa que irá conhecer tem a necessidade de um esforço muito maior para que se chegue a um resultado. O analítico acontece quando o reconhecedor examina detalhe de partes até chegar em um resultado. (CAPEZ, 2022)
O reconhecimento mediante recordação mental acontece quando há apenas uma impressão de que se conhece, tendo essa certeza somente certo tempo depois. O reconhecimento direto é aquele que acontece por meio visual e auditivo, já o indireto se dá através de fotos, sons, vídeos, dentre outros. (CAPEZ, 2022)
O reconhecimento pode se classificar de diversas formas, contudo, em síntese, ele acontece quando alguém tem que identificar algo ou alguém que viu anteriormente. Todavia, esse reconhecimento deve acontecer dentro dos parâmetros estabelecidos no CPP, em específico, no seu artigo 226.
3.2 PROCEDIMENTO DO ARTIGO 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Quando se tem a necessidade de fazer um reconhecimento de pessoa, o Código de Processo Penal traz um procedimento que deve ser seguido. Está previsto no artigo 226, dos incisos I a IV, os quais serão destrinchados a seguir.
Importante se faz a transcrição do referido artigo:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no nº III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento. (BRASIL, 1941, não paginado).
Primeiramente, a pessoa que irá fazer o reconhecimento deve descrever a pessoa que será reconhecida. Em seguida, como dispões o inciso II, se possível, a pessoa a ser reconhecida será colocada ao lado de outras que tenham semelhança a ela, assim, a pessoa que irá reconhecer, deve apontá-lo.
Como o reconhecimento não exige qualquer comportamento ativo do acusado ou investigado, ele não está abarcado pelo princípio da vedação à autoincriminação, dessa forma, caso o acusado não compareça ao reconhecimento, a autoridade policial ou judicial pode decretar sua condução coercitiva. (LIMA, 2020)
Vale apontar que o inciso III dispões que, caso haja algum motivo que leve a pessoa que irá reconhecer, a ter algum tipo de medo ou influência no apontamento, a autoridade que está procedendo o reconhecimento deve providenciar um meio para que a pessoa s ser reconhecida não veja quem reconhece. Porém, esse inciso não se aplica no reconhecimento feito na instrução criminal ou plenário de julgamento.
Por fim, deve ser lavrado um termo, detalhado, de todo o ato do reconhecimento, devendo este ser assinado pela autoridade que conduz o ato, pelas pessoas chamadas para proceder o reconhecimento e por duas testemunhas.
Todo esse procedimento visa evitar arbitrariedade ou indução por parte da autoridade que conduz o ato, o que pode levar o reconhecedor a erro e apontar uma pessoa diversa da qual ele de fato apontaria.
3.3 O RECONHECIMENTO PESSOAL E O RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO
O reconhecimento pessoal é aquele que se dá onde o reconhecedor, pessoalmente reconhece o acusado ou investigado, nos moldes do artigo 226 do CPP com o procedimento exposto anteriormente. Já o reconhecimento fotográfico acontece quando o reconhecedor faz essa identificação por meio de fotos.
O reconhecimento fotográfico é tido como uma prova inominada, ou seja, uma prova que não é prevista na legislação, todavia, esta é aceita tanto pela doutrina, quando pela jurisprudência. (LIMA, 2020)
Apesar de não haver previsão legal do reconhecimento fotográfico, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que este deve seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal. É o que se extai do Habeas Corpus nº 598.886:
1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. (BRASIL, 2020, não paginado).
A admissão de uma prova inominada jamais pode significar uma ilegalidade ou uma restrição aos direitos de quem está sendo investigado. Caso haja um reconhecimento fotográfico em desconformidade com o artigo 226, para que só depois seja feito o reconhecimento pessoal, o apontamento do reconhecedor já estaria prejudicado, tendo em vista que ele pode manter o primeiro apontamento, ainda que tenha dúvidas quanto à pessoa.
Na hipótese de a autoridade policial apresentar uma folha com fotos de suspeitos, antes mesmo da vítima dar muitos detalhes das características de seu assaltante, essa pessoa pode ser induzida ao erro, tendo em vista que irá apontar para alguém das fotos apresentadas, mesmo não estando dentre elas a pessoa que lhe abordou.
O reconhecimento pessoal procedido depois da situação anteriormente narrada seria totalmente prejudicado.
4.CONDENAÇÃO CRIMINAL FUNDADA APENAS EM RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO
A sentença criminal deve ser devidamente fundamentada em provas concretas e sem sombra de dúvidas. Ao utilizar somente o reconhecimento fotográfico como único meio para sustentar a condenação, tanto mais quando este é feito em desconformidade com a legislação, pode se revelar insuficientes, sobretudo em homenagem ao princípio do in dubio pro reo.
Assim, para melhor avaliar os elementos que servirão para a condenação, o reconhecimento deve estar aliado a outros elementos que darão eco às declarações da vítima.
4.1 O RECONHECIMENTO PELA VÍTIMA
Os crimes executados na clandestinidade são aqueles que são cometidos de forma anônima, onde o autor procura esconder sua identidade para não ser reconhecido. Por acontecerem de forma anônima, sem a presença de testemunhas em grande parte das vezes, a palavra da vítima é de fundamental importância para que se chegue ao autor do crime.
Um desses delitos é o roubo, onde o agente em grande parte das vezes aborda a vítima com algum tipo de adereço que dificulte sua identificação, ou até mesmo não utilizando, por meio de ameaça faz com que a vítima não foque em seu rosto para que também não seja identificado.
Cumpre ressaltar, que o próprio STJ no Agravo Regimental No Agravo Em Recurso Especial número 865331 / MG, julgado pela 5ª turma, reforça a importância das declarações da vítima em crimes cometidos na clandestinidade, como o roubo:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ABSOLVIÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA E PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. O Tribunal de origem, soberano na análise dos fatos e das provas, ao desclassificar a conduta dos acusados pela prática do crime tipificado no art. 157, § 2º, II, para a do 155, § 4º, IV, ambos do Código Penal, reconheceu estarem sobejamente comprovadas nos autos a materialidade e a autoria do delito.
2. Cumpre ressaltar que, nos crimes contra o patrimônio, geralmente praticados na clandestinidade, tal como ocorrido nesta hipótese, a palavra da vítima assume especial relevância, notadamente quando narra com riqueza de detalhes como ocorreu o delito, tudo de forma bastante coerente, coesa e sem contradições, máxime quando corroborado pelos demais elementos probatórios, quais sejam o reconhecimento feito pela vítima na Delegacia e os depoimentos das testemunhas colhidos em Juízo.
3. Nesse contexto, a alteração do julgado, no sentido de absolver qualquer um dos réus implicaria o reexame do material fático-probatório dos autos, não sendo o caso de mera revaloração da prova, tal como alegam os agravantes. Assim, imperiosa a aplicação do óbice da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2017. Não paginado)
Todavia, um dos grandes problemas nesse tipo de delito é fato de que as memórias das vítimas poderem sofrer alterações, assim como leciona Aury Lopes Junior:
o intervalo de tempo entre o contato e a realização do reconhecimento; as condições ambientais (visibilidade, aspectos geográficos etc.); as características físicas do agressor (mais ou menos marcantes); as condições psíquicas da vítima (memória, estresse, nervosismo etc.); a natureza do delito (com ou sem violência física; grau de violência psicológica etc.), enfim, todo um feixe de fatores que não podem ser desconsiderados.
A presença de arma distrai a atenção do sujeito de outros detalhes físicos importantes do autor do delito, reduzindo a capacidade de reconhecimento. (JUNIOR, 2022, p.1240)
Dessa forma, percebe-se que o reconhecimento pela vítima como o único meio de prova, demonstra-se frágil para sustentar uma condenação, tendo em vista que as lembranças se perdem com o decorrer do tempo, ainda mais considerando as circunstâncias em que ocorreram o delito. Por essa fragilidade, o STJ entende que o valor probatório do reconhecimento é subjetivo, não podendo ser tomado como verdade total. É disposto no HC 598.886:
2. Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis. (BRASIL, 2020, não paginado)
À vista disso, é importante que o reconhecimento seja feito o quanto antes, pois a demora no procedimento pode prejudicar a valoração da prova. Seguir o rito do artigo 226 do CPP é uma forma de trazer o máximo de segurança a esse reconhecimento.
Quando não se tem a possibilidade de fazer o reconhecimento pessoal, é procedido o reconhecimento fotográfico, porém esse reconhecimento não pode suprir o primeiro, podendo o reconhecimento fotográfico ser admitido como prova quando seguido o rito do 226 do CPP.
No agravo Regimental no Habeas Corpus 728818, o Superior Tribunal de Justiça declarou a inocência de um homem condenado a mais de 5 anos de reclusão. No caso a vítima observou três livros com fotos de suspeitos, apontando o homem condenado como seu assaltante. A ausência de demais provas ou elementos informativos que comprovasse a autoria, fez com que o STJ julgasse procedente o pedido de absolvição pela defesa.
O Tribunal de origem consignou que "Não procedem os argumentos sustentados pela defesa de que o reconhecimento efetivado em sede policial restou inidôneo, seja pela precariedade desta prova, seja pela indução". Destacou-se, ainda, que a vítima reconheceu o paciente em juízo, bem como que ela "não teve dúvidas no reconhecimento do acusado em sede policial ao folhear três livros de fotos de suspeitos".
Tal entendimento é contrário à atual jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de que "O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa" (HC n. 598.886/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 18/12/2020).
Não restou evidenciado nos autos, de forma inequívoca, que o reconhecimento fotográfico realizado na fase inquisitorial seguiu os preceitos do art. 226 do CPP, sobretudo porque a vítima "não teve dúvidas no reconhecimento do acusado em sede policial ao folhear três livros de fotos de suspeitos".
Outrossim, ainda que ratificado em juízo, dessume-se da fundamentação do acórdão que o reconhecimento fotográfico não foi corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, suficientes para amparar a condenação. Não houve flagrante do crime praticado, nem outras provas independentes a corroborar a acusação.
Com efeito, "O reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, ainda que confirmado em juízo, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial" (AgRg no HC n. 689.049/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de 15/2/2022.)
Dessa forma, não constando dos autos outras provas aptas à formação do convencimento do julgador quanto à autoria delitiva e à vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual impõe a anulação do reconhecimento realizado pelas vítimas, o qual não poderá servir de lastro à condenação.
Ante o exposto, reconsidero a decisão de fls. 164-170 e concedo o habeas corpus para absolver o paciente nos autos da ação penal 0093448-97.2015.8.19.000. (BRASIL, 2022, não paginado)
Desse modo, ocorrendo o reconhecimento fotográfico, mesmo que ratificado em Juízo, o depoimento da vítima, isoladamente, não se mostra suficiente para fundamentar uma condenação, face à franca possibilidade de equívocos decorrentes da inobservância do procedimento previsto no digesto processual vigente.
4.2 RECONHECIMENTO REALIZADO EM DESCONFORMIDADE COM O ARTIGO 226 CPP
O reconhecimento pessoal e um tipo de prova previsto no CPP, já o reconhecimento fotográfico é uma prova inominada, não prevista na legislação. Ambos são aceitos pela jurisprudência pátria, todavia exige-se que, em qualquer um dos casos, seja feita em conformidade com o artigo 226 do Código de Processo Penal.
Nesse sentido julgou a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no HC 728818:
HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
2. Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis.
3. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de "mera recomendação" do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório.
4. O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático, máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais, já previamente selecionadas pela autoridade policial. E, mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato.
5. De todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão dos Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reconhecimento formal de pessoas; não se pode mais referendar a jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador, o que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e, consequentemente, de graves injustiças.
6. É de se exigir que as polícias judiciárias (civis e federal) realizem sua função investigativa comprometidas com o absoluto respeito às formalidades desse meio de prova. E ao Ministério Público cumpre o papel de fiscalizar a correta aplicação da lei penal, por ser órgão de controle externo da atividade policial e por sua ínsita função de custos legis, que deflui do desenho constitucional de suas missões, com destaque para a "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, caput, da Constituição da República), bem assim da sua específica função de "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos [inclusive, é claro, dos que ele próprio exerce] [...] promovendo as medidas necessárias a sua garantia" (art. 129, II).
7. Na espécie, o reconhecimento do primeiro paciente se deu por meio fotográfico e não seguiu minimamente o roteiro normativo previsto no Código de Processo Penal. Não houve prévia descrição da pessoa a ser reconhecida e não se exibiram outras fotografias de possíveis suspeitos; ao contrário, escolheu a autoridade policial fotos de um suspeito que já cometera outros crimes, mas que absolutamente nada indicava, até então, ter qualquer ligação com o roubo investigado.
8. Sob a égide de um processo penal comprometido com os direitos e os valores positivados na Constituição da República, busca-se uma verdade processual em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional; uma verdade, portanto, obtida de modo "processualmente admissível e válido" (Figueiredo Dias).
9. O primeiro paciente foi reconhecido por fotografia, sem nenhuma observância do procedimento legal, e não houve nenhuma outra prova produzida em seu desfavor. Ademais, as falhas e as inconsistências do suposto reconhecimento - sua altura é de 1,95 m e todos disseram que ele teria por volta de 1,70 m; estavam os assaltantes com o rosto parcialmente coberto; nada relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade policial nem sequer explicou como teria chegado à suspeita de que poderia ser ele um dos autores do roubo - ficam mais evidentes com as declarações de três das vítimas em juízo, ao negarem a possibilidade de reconhecimento do acusado.
10. Sob tais condições, o ato de reconhecimento do primeiro paciente deve ser declarado absolutamente nulo, com sua consequente absolvição, ante a inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado.
11. Quanto ao segundo paciente, teria, quando muito - conforme reconheceu o Magistrado sentenciante - emprestado o veículo usado pelos assaltantes para chegarem ao restaurante e fugirem do local do delito na posse dos objetos roubados, conduta que não pode ser tida como determinante para a prática do delito, até porque não se logrou demonstrar se efetivamente houve tal empréstimo do automóvel com a prévia ciência de seu uso ilícito por parte da dupla que cometeu o roubo. É de se lhe reconhecer, assim, a causa geral de diminuição de pena prevista no art. 29, § 1º, do Código Penal (participação de menor importância).
12. Conclusões:
1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;
2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;
3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;
4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
13. Ordem concedida, para: a) com fundamento no art. 386, VII, do CPP, absolver o paciente Vânio da Silva Gazola em relação à prática do delito objeto do Processo n. 0001199-22.2019.8.24.0075, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão - SC, ratificada a liminar anteriormente deferida, para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso; b) reconhecer a causa geral de diminuição relativa à participação de menor importância no tocante ao paciente Igor Tártari Felácio, aplicá-la no patamar de 1/6 e, por conseguinte, reduzir a sua reprimenda para 4 anos, 5 meses e 9 dias de reclusão e pagamento de 10 dias-multa. (BRASIL, 2022. Não paginado)
A obrigatoriedade de se ter uma descrição prévia das características do acusado é fundamental para que se chegue à pessoa correta, tendo em vista a fragilidade das lembranças de um assalto, essa pode ser facilmente substituídas por falsas memórias fundadas nas imagens mostradas pela autoridade que conduz o reconhecimento.
A falta de critério na condução desse reconhecimento gera também uma insegurança jurídica, haja vista que se fora admitida de qualquer forma, cada autoridade irá conduzir de uma forma, podendo agir com arbitrariedade e sem nenhuma limitação.
Ante a falta de legislação específica, correto se faz o entendimento do STJ para que se admita o reconhecimento fotográfico somente se em conformidade com o CPP, ratificando a cada dia esse entendimento nas diversas decisões julgadas pelo tribunal, onde mesmo que seja confirmado em juízo o reconhecimento, se este fora feito em desconformidade, jamais se mostra suficiente para a sustentação de uma condenação.
Para que o reconhecimento fotográfico seja tido como fundamentação da sentença condenatória, é necessário que esse tenha sido feito na forma do artigo 226 do Código de Processo Penal. Porém, ainda que seja feito na forma prescrita em lei, esse deve ser corroborado pelos demais elementos informativos ação penal.
Frisa-se ainda que, a utilização desse único meio de prova, em desconformidade ou não com a legislação, fere o princípio das fundamentações das decisões judiciais, pois, como amplamente exposto pela doutrina e pela jurisprudência, mostra-se insuficiente, haja vista que o sistema de avaliação das provas utilizado no Brasil é o do livre convencimento motivado.
Na valoração de qualquer prova, o juiz deve fundamentar o porquê da decisão. Utilizar apenas de uma prova não é considerado idôneo para a sustentar uma condenação, seja pela falta de demais indícios que levem a certeza da autoria do delito, seja pela ausência de fundamentação, ferindo assim o princípio do livre convencimento motivado, ante a escassez de motivação dessa sentença condenatória.
A condenação criminal sem essa devida fundamentação fere ainda o princípio do in dubio pro reo. Ou seja, a fragilidade de um reconhecimento fotográfico, sem observância do procedimento adequado, não pode se sobrepor, em tese, à negativa de autoria do acusado. Assim, na dúvida persistente, o melhor caminho sempre será a absolvição.
Isso porque, para fundamentar sua decisão apenas no reconhecimento fotográfico, o juiz deve dizer por qual razão não vai acolher as outras provas que foram produzidas no curso da ação penal. Não basta dizer que o reconhecimento é suficiente, o juiz deve valorar e refutar todas as provas.
Esse trabalho teve por objetivo verificar se a utilização apenas do reconhecimento fotográfico é suficiente para sustentar uma sentença condenatória, pois a retirada da liberdade é a última ratio do estado, ou seja, o último recurso do estado para se punir o transgressor da lei, portanto, para que haja essa sanção é necessário que se tenha o mínimo de provas para que essa pessoa seja penalizada, pois não se trata de um mero ato discricionário do magistrado, mas algo de fundamental importância.
Para se atingir uma compreensão do objetivo geral, que é verificar se o juiz que condena o denunciado com base apenas no reconhecimento fotográfico feito pela vítima, não enseja fundamentação suficiente para uma condenação, ofendendo assim o princípio da motivação das decisões judiciais, previsto no artigo 93, IX da Constituição Federal, foi utilizado o método dedutivo através da pesquisa documental, definindo-se três objetivos específicos.
O primeiro objetivo específico foi conceituar o que é o princípio da motivação das decisões judiciais. Verificou-se que se trata de um conceito único e pacífico na doutrina, onde o magistrado deve, por meio das provas e demais elementos informativos ação penal, justificar a sua decisão.
Em seguida, para cumprir o objetivo de especificar o que é o reconhecimento fotográfico, a análise permitiu concluir que esse reconhecimento se trata de uma prova inominada, não prevista expressamente na lei, mas que é aceito como um meio de prova, todavia, para que essa prova seja reconhecida, é necessário que esse reconhecimento seja feito em conformidade com ao artigo 226 do Código de Processo Penal.
O último objetivo era verificar como a utilização desse único meio de prova é insuficiente para fundamentar uma condenação, podendo observar-se que, mesmo nos crimes em que a palavra da vítima é de suma importância, como nos crimes de roubo, ainda que o reconhecimento seja feito em conformidade com a legislação, esse único meio de prova jamais se mostra suficiente para sustentar uma condenação.
Dessa forma, pode-se concluir que a utilização do reconhecimento fotográfico como único meio de prova para sustentar uma sentença, fere o princípio da fundamentação das decisões judiciais, estando essa sentença nula e carecendo de reforma, ferindo ainda o princípio do livre convencimento motivado, pois condenando com base somente em um uma prova, o magistrado não traz motivação suficiente que sustente a sua decisão.
Igualmente, essa sentença fere também o princípio constitucional do in dubio pro reo, onde na dúvida quando à autoria do delito, deve o juiz optar pela absolvição do acusado. Dessa maneira, havendo somente uma prova, não corroborada nem mesmo por um outro elemento informativo, presente ainda a fragilidade de um reconhecimento fotográfico, deve o magistrado absolver.
Os instrumentos de coleta dos dados permitiram chegar à conclusão de que a questão tem um entendimento pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça em diversas decisões, estando essas em consonância com o entendimento doutrinário sobre o tema.
Apesar de ser um entendimento pacífico no STJ, ainda há decisões de primeiro grau em desacordo com este, tendo em vista o número de decisões do tribunal nesse mesmo sentido. Em pesquisar futurar pode-se explorar o porquê de ainda haver decisões de juízes singulares em desacordo com um entendimento que é pacífico e único entre a doutrina e a jurisprudência.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (5ª Turma). Agravo Regimental no Recurso Especial 865331 / MG. Agravante :Nelson Michel. Agravado :Ministério Público Do Estado De Minas Gerais. Relator(a):Min. Ribeiro Dantas. 09 de março de 2017. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça. 2017. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27AGARESP%27.clas.+e+@num=%27865331%27)+ou+(%27AgRg%20no%20AREsp%27+adj+%27865331%27).suce.)&thesaurus=JURIDICO&fr=veja. Acesso em: 01 out. 2022.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (6ª Turma). Agravo Regimental no Habeas Corpus 728818 – RJ. Impetrante: Matheus Mello Berwanger. Impetrado :Tribunal De Justiça Do Estado Do Rio De Janeiro. Relator(A): Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado Do TRF 1ª região). 26 de setembro de 2022. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça. 2022. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?livre=728818&b=DTXT&p=true&tp=T. Acesso em 10 out. 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10 abr.2022
BRASIL. DECRETO LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 - Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1941, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 10 abr. 2022
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6ª Turma). Habeas Corpus número 598.886/SC. Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Relator: ROGERIO SCHIETTI CRUZ. 27 de outubro de 2020. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, 2020. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27HC%27.clap.+e+@num=%27598886%27)+ou+(%27HC%27+adj+%27598886%27).suce.)&thesaurus=JURIDICO&fr=veja. Acesso em: 04 set. 2022.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book.
JUNIOR, Aury Lopes. Direito processual penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book.
LIMA, Renato Brasieiro. Manual de Processo Penal. Volume Único. Salvador. JusPODVM. 2020
ONLINE, Vade Mecum (2019). Códigos - Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. Brasil, 2019. Disponível em Vade mecum online: https://www.meuvademecumonline.com.br/legislacao/codigos/4/codigo-de-processo-penal-decreto-lei-n-3-689-de-3-de-outubro-de-1941/artigo_315. Acesso em 6 de outubro de 2022
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book.
[1] Titulação. Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
Graduando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Mateus Silva. A condenação criminal com base apenas em reconhecimento fotográfico: Ofensa ao princípio da motivação das decisões judiciais? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2022, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59630/a-condenao-criminal-com-base-apenas-em-reconhecimento-fotogrfico-ofensa-ao-princpio-da-motivao-das-decises-judiciais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
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Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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