WAGNER S. HANASHIRO
(orientador)
RESUMO: A definição do direito de propriedade vem, ao longo do tempo, perdendo seu caráter individualista, o qual foi formado com base nos direitos privado e patrimonialista. Com as mudanças das formas de Estado e, principalmente, com a chegada do Estado Social, a propriedade passou a ter um status mais relevante na busca por uma sociedade mais justa, condicionando-se às exigências constitucionais, legais e a sua função social. Com o surgimento do neoconstitucionalismo, a Constituição ganhou onipresença, suas normas e valores foram irradiados para todos os ramos do direito. Não foi diferente com o Direito Civil, que também passou por um processo de constitucionalização. A atual Constituição Federal aponta a linha de que só é garantido o direito à propriedade quando este atender a sua função social. Hoje, com a incansável busca por parte dos agentes econômicos de um domínio econômico no mercado relevante, questiona-se se a garantia da propriedade privada e a sua função social estão realmente sendo compatibilizadas na realidade social brasileira e, mais especificamente, na cidade do Recife, capital pernambucana. Nos últimos anos, este município vem se destacando com um relevante crescimento econômico e inovações urbanísticas. O interesse econômico das relações cíveis é limitado pela busca do bem comum e social, conforme o princípio da dignidade da pessoa humana. Quando essas relações entre os particulares e entre os particulares e o Estado afetam os interesses municipais urbanísticos e sociais, a Lei nº 10.257/2001, Estatuto da Cidade, é violada, o que atinge, consequentemente, os valores da nossa Constituição Federal. Essa relação conflituosa é o ponto central deste trabalho monográfico, sobretudo em relação ao Projeto Novo Recife, questionado sob o seguinte ponto: se a sua concretização está amparada pelas normas constitucionais da função social da propriedade urbana, pelo Estatuto da Cidade e pelas normas ambientais e urbanísticas correlatas, ou se este é apenas mais um projeto grandioso e irresponsável dos grandes empreendedores, levados a efeito visando somente interesses particulares das partes envolvidas, em evidente desrespeito ao ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Propriedade Privada. Função Social da Propriedade. Projeto Novo Recife. Estatuto da Cidade. Interesse urbanístico.
ABSTRACT: The definition of the right of property has, over time, losing its individualistic character, which was formed on the basis of private and patrimonial rights. With the changes of state forms, and especially with the advent of the welfare state, the property now has a more relevant in the search for a more just society, conditioning themselves to legal requirements and social function. Getting the neoconstitutionalism, the Constitution gained ubiquity, its norms and values were irradiated for all branches of law and was not different with the Civil Law, which went through a process of constitutionalization. The Federal Constitution indicates that the line is only guaranteed our right to property when it meet its social function . Today, with the search for greater economic power, we wondered whether this guarantee the exercise of the right to private property and this constitutional principle of the social function of property are being considered in the Brazilian social reality and, more specifically, in Recife. In recent years, this county has been increasing with higher economic growth and innovation. The economic interest of civil relations have to be limited by the pursuit of the common good and social, in accordance with the principle of human dignity. In Recife, where these relationships civilians treat municipal interests extended to the population, the Law n. 10.257/2001, the City Statute, it must be observed that the values of our Constitution are achieved. This is what happens with questions about Project New Recife: the introduction of the constitutional foundations on private institutes of law traditionally has been taken into account in urban development in the city of Recife.
Keywords: Private Property. Social Function of Property. New Reef Project. City Statute. Urban Interest.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 1.1 Apresentação. 1.2 Problemática. 1.3 Hipótese. 1.4 Justificativa. 1.5 Objetivos. 1.5.1 Objetivo geral. 1.5.2 Objetivos específicos. 1.6 Metodologia. 2 EXPLANAÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA ACERCA DA PROPRIEDADE PRIVADA NA CULTURA OCIDENTAL. 2.1 Origem e evolução da propriedade privada. 2.2 Utilizações das propriedades privadas, no Brasil, levando em consideração os limites constitucionais vigentes: do império à atualidade. 2.3 A função social da propriedade urbana. 3 A POLÍTICA URBANA PARA AS PROPRIEDADES PRIVADAS. 3.1 Divisão de competências dos entes federativos sobre a política urbana: o pacto federativo. 3.2 A política urbana como reguladora do direito à propriedade privada: competência municipal no desenvolvimento urbano. 3.3 O impacto normativo do estatuto da cidade e do plano diretor na política urbana. 3.4 O modelo ideal de construção e crescimento. 4 O ESTUDO DO PROJETO NOVO RECIFE EM CONFORMIDADE COM A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, O ESTATUTO DA CIDADE E O PLANO DIRETOR. 4.1 Principais pontos do estatuto da cidade e do plano diretor. 4.2 A origem do Projeto Novo Recife. 4.3 O projeto novo Recife em conformidade com o estatuto da cidade e o plano diretor do Recife. 4.4 Considerações acerca das demais normas infraconstitucionais relevantes ao Trabalho. 4.5 A situação atual do Projeto Novo Recife. 4.6. O Projeto Novo Recife: opiniões especializadas. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
1.1. Apresentação
Na busca por um desenvolvimento econômico a todo custo, os particulares e o Poder Público terminam por não executar projetos urbanísticos que objetivem o favorecimento de toda a sociedade, mas, apenas, de uma pequena parcela da população.
A pretensão da presente monografia é debater, à luz dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da razoabilidade, do devido processo legal, da moralidade, da impessoalidade e da legalidade, a adequação do Projeto Novo Recife, concepção elaborada pelo Consórcio Novo Recife, aos fins sociais e de interesse público, além de analisá-lo quanto à legalidade do seu procedimento de elaboração e aprovação pelo Poder Público.
Ademais, serão estudados os direitos e garantias que a Constituição Federal oferece para a propriedade privada e os limites estabelecidos para seu uso pela própria Carta Magna e por legislações infraconstitucionais, relacionando-os com o Projeto Novo Recife.
1.2 Problemática
A polêmica envolvendo o Projeto Novo Recife, cujo foco é a construção de um conjunto de 12 prédios em uma região que interliga a zona sul ao centro do Recife, já é antiga. Desde 2012, quando surgiu o movimento de resistência Ocupe Estelita, que a obra vem sendo amplamente questionada pela sociedade civil da capital pernambucana.[1]
Além das supostas irregularidades envolvendo as aprovações administrativas do projeto e das respectivas leis que viabilizam a construção, há ainda o medo de que a identidade arquitetônica e cultural da cidade seja descaracterizada pela desproporção dos prédios em relação às edificações históricas em seu entorno.[2]
O Consórcio Novo Recife Empreendimentos, a primeira vista, oferece um projeto urbanístico imobiliário que promete revolucionar o centro da cidade do Recife, modernizando e, ao mesmo tempo, visando conservar o passado, oferecendo um atrativo para todas as classes sociais, melhorando o sistema viário e a segurança da localidade.
O Projeto Novo Recife afirma ter como finalidade a adequação das necessidades de crescimento econômico aos ensejos da população, buscando efetivar a função social da propriedade urbana com a destinação útil a uma propriedade privada de grande importância para a cidade do Recife.
No entanto, para que o referido Projeto seja concretizado, deve-se atender a limites impostos não só pela Constituição Federal, mas, também, por leis federais, estaduais e municipais, o que se põe em dúvida quando analisado os trâmites de elaboração e aprovação do empreendimento. Além disso, o negócio imobiliário deve atender o interesse público.
As irregularidades apontadas no procedimento de aprovação do Projeto Novo Recife tornam duvidosa a sua licitude, o que, caso comprovadas, impedirão a urbanização e modernização da região do Cais José Estelita, local onde se pretende implementar o Projeto.
Assim, o problema que se vislumbra é a necessidade de que o empreendimento proposto pelo Consórcio, proprietário do terreno onde se pretende construir, se adeque aos planos urbanísticos da cidade do Recife, de modo que a identidade arquitetônica, histórica e cultural da cidade não seja descaracterizada. Além do mais, é necessário que todo o processo administrativo que culminou na recente aprovação do Projeto Novo Recife respeite os ditames legais e infralegais, sob pena de nulidade.
1.3 Hipóteses
Por meio da utilização da técnica documental proveniente de fontes primárias, como legislação e jurisprudência, e fontes secundárias, como livros e acesso a banco de dados na internet, fez-se um levantamento e análise do Projeto Novo Recife e sua adequação ao ordenamento jurídico e à função social da propriedade urbana.
Sem dúvidas, o Projeto Novo Recife é uma iniciativa inovadora. Ao ser realizado com respeito aos limites constitucionais, legais e administrativos, tem grande possibilidade de modernizar o centro do Recife, tão esquecido no desenvolvimento das políticas públicas pelo governo municipal.
Contudo, para que esse megaempreedimento possa, efetivamente, trazer benefícios a todas as partes envolvidas e atinja seu fim social, é necessário que a iniciativa privada, o poder público e a sociedade civil trabalhem em conjunto, dialoguem e entrem em consenso, de modo que a identidade arquitetônica, histórica e cultural da cidade não seja descaracterizada. Ao agir assim, inevitavelmente, o bem-estar de toda a sociedade será alcançado, e não apenas de uma minoria economicamente privilegiada
1.4 Justificativa
Raquel Rolnik, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, retrata com propriedade o Projeto Novo Recife e sua repercussão:
Uma grande mobilização da sociedade civil no Recife contra um megaempreendimento imobiliário, a ser construído em terreno que pertenceu à Rede Ferroviária Federal (RFFSA), merece atenção, pois tem a ver com processos em curso em várias cidades brasileiras hoje.
Em tempos de crescimento desenfreado dos preços dos imóveis, especialmente em nossas metrópoles, e “expulsão” de moradores de menor renda para as periferias, a discussão sobre o destino de terras públicas é fundamental. Essas terras são praticamente a única oportunidade que temos de desenvolver projetos públicos, não lucrativos, em área bem localizada.[3]
E continua a citada autora:
Os protestos que vemos hodiernamente no Recife são relativos ao futuro de um terreno de 100 mil m² no centro da cidade, o Cais José Estelita, que foi arrematado à União por um consórcio formado por quatro grandes construtoras, em leilão realizado em 2008. Formado por Moura Dubeux, Queiroz Galvão, Ara Empreendimentos e GL Empreendimentos, o consórcio pretende implementar na área o chamado Projeto Novo Recife, que prevê a construção de 12 torres residenciais e comerciais, com cerca de 40 andares.
Por todos os seus impactos – sociais, ambientais, paisagísticos e no patrimônio histórico e cultural –, o projeto Novo Recife tem sido alvo de muitas críticas. Além de toda a movimentação da sociedade civil, cinco ações o questionam na Justiça.[4]
Tal panorama convida a uma análise percuciente dessa problemática, que trata da análise do direito fundamental à propriedade e suas garantias e limitações, além da função social da propriedade prevista na própria Constituição Federal e em normas legais.
1.5 Objetivos
1.5.1. Objetivo geral
O objetivo do presente trabalho é o debate e análise do Projeto Novo Recife, à luz dos princípios constitucionais explícitos e implícitos, dos direitos fundamentais, principalmente o direito à propriedade, da função social da propriedade, da legislação pátria e do interesse público.
Além disso, pretende-se alertar a população sobre os riscos do crescimento econômico e urbano a qualquer custo, em desrespeito aos valores constitucionais e ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico da cidade.
1.5.2 Objetivos específicos
A apropriação dos bens dispostos na natureza e na sociedade é a base necessária para as relações jurídicas humanas e sua sobrevivência. Esta conduta existia desde os agrupamentos mais primitivos. Bem verdade que a propriedade primitiva possuía uma natureza comunal, mas que passou a ser individualizada, com a individualização das sociedade.[5]
No primeiro capítulo, buscar-se-á traçar a evolução do instituto jurídico da propriedade, a passagem da sua concepção individualista para a socialista, sempre em conformidade com as formas de Estado. Falar-se-á, também, da evolução do conceito de propriedade no Brasil, com início em Portugal, com as Sesmarias, até o advento da função social da propriedade privada.
No capítulo seguinte, será abordada a divisão de competências dos entes federativos sobre a política urbana, com enfoque no município e seu papel no planejamento urbano e, ainda, o impacto normativo do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor nesse desenvolvimento. A propriedade, nesse tópico, terá um enfoque urbanístico, ou seja, a sua proteção pelo Estado está condicionada à busca, de forma prioritária, pela ordenação adequada do meio urbano.
Ficará notório que a determinação do direito de propriedade privada urbana é fruto dos planos urbanísticos, gerais e especiais, citados neste trabalho, e de outros procedimentos e normas legais, que definem a qualificação urbanística para cada área, determinando, assim, o objetivo da propriedade.
No último capítulo, será objeto de estudo o Estatuto da Cidade, instituído pela Lei nº 10.257/01, que objetiva o ordenamento da propriedade urbana, tutelando interesses públicos e favorecendo o desenvolvimento das funções sociais da cidade.
A partir do Estatuto da Cidade, será feita uma análise do Projeto Novo Recife e de sua adequação à política urbana e às demais normas que tratam da urbanização das cidades, principalmente na esfera municipal, além de sua conformação à função social da propriedade.
1.6 Metodologia
O método hipotético-dedutivo permeia o desenvolvimento da pesquisa, que se desenvolve inicialmente de modo investigativo com o estudo do Projeto Novo Recife.
O presente trabalho tornou-se viável devido às diversas matérias e artigos publicados sobre o empreendimento proposto para o Cais José Estelita, causadores de polêmicas e debates acirrados na população pernambucana, principalmente da cidade do Recife.
Ademais, levou-se em consideração opiniões doutrinárias a respeito do direito urbanístico e da função social da propriedade, assim como os dados de processos judiciais que possuem como objeto a discussão sobre o Projeto Novo Recife.
A partir de dados fornecidos pelo Consórcio Novo Recife e pela sociedade civil, também foi realizada uma comparação com outros modelos de urbanização, além da análise do Projeto quanto ao cumprimento dos mandamentos constitucionais e legais, em especial a função social da propriedade urbana.
2 EXPLANAÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA ACERCA DA PROPRIEDADE PRIVADA NA CULTURA OCIDENTAL
2.1 Origem e evolução da propriedade privada
Dois grandes grupos buscam explicar a origem da propriedade: um que afirma ser fruto de um direito natural coletivo, o qual todos tinham o direito de possuí-la, nascido do estado de natureza, anterior e independente ao surgimento do Estado, não tendo, assim, qualquer valor econômico individual e outra que condiciona o nascimento da propriedade à constituição do Estado.
Locke se filiava à corrente que enquadrava a propriedade como um direito natural, na qual a situação do estado de natureza se caracterizava não pela ausência desta, mas pela sua universalidade[6]. Por outro lado, Hobbes, Rousseau e Montesquieu consideravam a propriedade como direito positivista, visto que seu usufruto se realiza conforme a constituição estatal[7].
Será visto, com a continuidade do capítulo, que o conceito de propriedade caminha junto à evolução do Estado, a política adotada pela sociedade e o momento histórico em que estes se encontram, o que fez superar a concepção de propriedade como espécie do direito natural.
Foi no Império Romano onde a primeira forma de propriedade privada surgiu. As terras eram divididas em faixas, para que o indivíduo cultivasse, estando seu “domínio sobre a terra” condicionado até onde durasse a colheita. Surge, com o tempo, a ideia de propriedade coletiva familiar, restando admitidos limites individuais, relacionados ao que podemos chamar, hoje, de direitos de vizinhança, originando a noção de que o direito de cada um vai até onde se inicia o de outrem. Nesta época, a função social da propriedade não existia[8].
Na Idade Média, surge o conceito de propriedade feudal, cujo domínio direto da propriedade pertencia ao senhor feudal (proprietário) e o domínio útil ao vassalo, que podia apenas explorá-la, criando certas obrigações de caráter financeiro e militar deste em relação ao suserano. O rei era o senhor do reino e detentor do instrumento de poder, a terra, visto que as rendas eram predominantemente derivadas do solo. Diante disso, a Coroa conseguiu formar imenso patrimônio rural, cuja propriedade se confundia com o domínio da casa real, sob as circunstâncias de que não havia distinção entre o bem público e o particular, privativo do rei[9].
A propriedade do rei, terras e tesouros, se confundia nos aspectos públicos e particulares. As rendas e despesas eram empregadas, sem discriminação normativa prévia, nos gastos da família real ou em obras de serviços de utilidade geral.
A crise de 1383/1385 fez nascer uma nova dinastia, a dinastia de Avis, dispersando-se o poder real em domínios, constituindo uma camada autônoma, formada de nobres proprietários. Portugal se dividia em circunscrições administrativas e militares, as terras ou tenências, cujo superior governo cabia a um chefe, o tenens, e a função pública cabia aos nobres, com a jurisdição privativa sobre os moradores e a completa isenção de tributos[10].
Resta concluir ser a monarquia portuguesa, uma “monarquia agrária”[11], pois as rendas do soberano fluíam, na parte mais considerável, da terra. Porém, já era Estado patrimonial, e não mais feudal, já que a terra obedecia a um regime patrimonial, doada não mais com a obrigação de serviços ao rei, não raro concedida com a expressa faculdade de aliená-la. O domínio não compreendia, no seu titular, autoridade pública, monopólio real ou eminente do soberano.
Em meados do século XIII, desponta o comércio marítimo. A atividade comercial e marítima que resultou do povoamento da costa e da exploração do mar é o que definia o gênero de vida nacional português. A produção vinda de uma economia natural cedeu lugar às manufaturas, ocasionando a expropriação das terras dos produtores. Rompe-se de vez o mundo feudal dando caminho ao capitalismo[12].
A aguda crise agrária inspirou a Lei das Sesmarias, de 1375, ditada com forte influência burguesa e que, mais tarde, seria transmitida ao Brasil. Ela pregava a concessão de terrenos que não tinham dono, sem afastar uma possível intervenção do rei. A aquisição da terra se dava mediante cultivo, fiscalizado pelo soberano e sua justiça, ou seja, a plena propriedade não excluía a obrigação de arrotear a terra[13].
No início do século XVI, a Europa impôs à América suas trocas, seu estilo comercial, seu sistema de exploração, sua organização latifundiária. No Brasil, colônia de Portugal, não foi diferente. O monopólio real não se exerceu diretamente, mas mediante concessão. O rei permaneceria comerciante, sem envolvimento direto, mas vigilante e com o aparelhamento estatal a serviço de seus interesses. A concessão de terras era feita mediante carta de privilégio, na forma de antigos modelos portugueses. Sendo assim, o Brasil, tal como a índia, seria patrimônio do rei de Portugal e sua colonização foi obra do Estado português, com as capitanias hereditárias que representaram delegações públicas de poderes, sem exclusão da realeza[14].
Dessa base inicial, constituída realmente da aristocracia portuguesa, o sistema foi ampliado aos senhores de terras e latifundiários, sob o argumento de que a terra era, mesmo sob o domínio português, o principal e mais importante meio de produção. Com o influxo da escravidão e a extensão da pecuária, o regime das Sesmarias, depois de perder o caráter administrativo que foi infundido por Portugal, gerou diferente de seus propósitos iniciais, uma grande propriedade. O fim deste regime estava decretado pela exaustão dos bens a distribuir. Diante disso, em lugar dos favores do poder público, a terra iria ser adquirida pela herança, doação, compra e, sobretudo, pela posse. O modelo das Sesmarias serviu para consagrar as extensões latifundiárias, porém, já no fim do século XVIII, estas só seriam outorgadas se não superiores a três léguas. A evolução deste instituto chegou ao fim. Passou de concessão administrativa a domínio, de domínio à posse, até o novo estatuto promulgado em 1850, que consagrou o sistema de compras de terras devolutas. Com o tempo, o ouro começou a ganhar destaque no Brasil colônia, mas o modelo patrimonialista absolutista permaneceu, porém, um pouco mais atenuado pelos processos de comércio com o particular. O rei continuou sendo senhor das terras, riquezas. A mina era propriedade dele, que, para colher vantagens, cedia a uma pessoa economicamente habilitada para lavrá-la[15].
Por volta do século XVIII, o direito absoluto de propriedade ganhou relevância, juntamente com outros direitos fundamentais, já sendo introduzidos em algumas constituições escritas. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1798, considerou a propriedade como direito intangível, inviolável e sagrado. O Código de Napoleão, Código Civil francês de 1804, traçou, posteriormente, uma concepção ainda mais individualista, que perdeu força no século XIX, com o impacto da industrialização[16].
A vida econômica passou a ser, em grande parte, regulada pelo Estado através de dispositivos legais que visavam à diminuição dos pilares individualistas, em uma tentativa de humanização da propriedade privada. A sociedade capitalista, no Ocidente, ficou caracterizada pela propriedade burguesa dos meios de produção e da exploração do trabalho assalariado, perdendo a produção o caráter individual. Com a Revolução Industrial, o Estado liberal já não mais respondia à sociedade. Concentrava-se a renda nas mãos de poucos e aumentava-se a exclusão social. Passou-se, então, a ter necessidade de um conceito de justiça social.
A Constituição de Weimar, de 1919, inspirou outras constituições, sendo fundamental ao Estado Social, pois, não só reconheceu o direito de propriedade individual, como também estabeleceu um dever, de uso social[17].
O caráter até então individualista da propriedade privada foi afastado diante do advento do Estado Social que, aderindo ao princípio ativo da justiça social, inseriu-a em um contexto de igualdade material, condicionando seu uso às exigências legais e sempre em prol do bem comum.
2.2 Utilização das propriedades privadas, no Brasil, levando em consideração os limites constitucionais vigentes: do império à atualidade
O nosso primeiro ordenamento jurídico foi uma extensão do direito português. Na época da colonização, isso era latente. De fato, as fontes do direito brasileiro foram as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, com forte influência dos direitos romano, germânico e canônico, razão pela qual possuía, o nosso direito, caráter fortemente patriarcal e patrimonialista. As Ordenações se estenderam até a República brasileira[18].
A obra política e econômica da colonização tinha como ponto de apoio a distribuição das terras. Aí se fixava o centro da colonização, calcada sobre a agricultura, que era capaz de unir populações e criar riquezas de exportação. A monarquia portuguesa, ora colonizadora, encontrou, em sua tradição, um modelo: as Sesmarias, dando início à história territorial do Brasil.
Há, sem dúvida, no plano das capitanias hereditárias, boa parte de atividades entregues à iniciativa particular, mas sempre sob o feitio português. Eram delimitadas a certos campos, tuteladas e estimuladas, ou seja, era o início de uma iniciativa privada “de estufa”, dentro da estrutura mercantilista portuguesa, sem nenhum traço de autonomia. Foi assim que surgiu o sistema latifundiário brasileiro[19].
As capitanias, constituídas na base do sistema político-administrativo do reino, com as adaptações sugeridas pela extensão brasileira, assentavam sobre a carta de doação e o foral. A primeira determinava ao rei dispor de determinada porção de território e conceder atributos da autoridade soberana e o segundo atribuía os direitos, foros e tributos que deveriam ser pagos ao rei. Seguia-se o mesmo modelo da Lei das Sesmarias.
O capitão e o governador seriam um colono com suas terras próprias e privilégios outorgados, assim como os tradicionalmente outorgados aos comerciantes ligados à metrópole. Sobre essa qualidade, sobressaíam as suas funções públicas que, á medida em que se destacavam, transformavam a capitania em província. Os capitães fundavam vilas, para agregar, em um núcleo de vigilância, as atividades comerciais e estruturar o sistema fiscal[20].
O direito de propriedade vem previsto nos textos constitucionais brasileiros desde a Constituição Imperial. As leis portuguesas continuaram em vigência, ao mesmo tempo em que teve início uma atividade legislativa brasileira, prevendo um direto à propriedade em toda a sua plenitude e que até já garantia indenização ao proprietário, caso o poder público por ela exigisse[21].
A ideia da função social da propriedade tomou vulto apenas com o fim da Primeira Grande Guerra, entrando como princípio fundamental de direito, para o conteúdo das novas Constituições, que foram sendo elaboradas, aspirando um maior progresso.
Tivemos, assim, consagrada a Constituição de Weimar de 1919, na conhecida forma de seu art. 153: “a propriedade é garantida pela Constituição. Seu conteúdo e seus limites serão fixados em lei. A propriedade acarreta obrigações. Seu uso deve ser igualmente no interesse geral”[22].
Daí por diante, tornou-se uma nova tendência do direito constitucional a limitação ao direito do proprietário, e a insatisfação com a concepção absolutista, formulada na Revolução Francesa em contraposição aos atentados feudais.
A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela Assembleia Constituinte Francesa em 1789, condicionou diretamente o nascimento de quase todas as Constituições escritas dos Estados Democráticos de Direito ocidentais. A partir desses reconhecimentos, os direitos humanos passam a ser normas jurídicas[23].
As primeiras declarações se caracterizavam pelo valor individualista dos direitos fundamentais, pois o Estado era Liberal de Direito, onde o individualismo predominava sobre todas as formas de organização e o Direito não podia ficar de fora dessas ideias e de suas práticas, daí surgiram, no século XX, os direitos fundamentais referentes à vida, liberdade individual, segurança, igualdade e à propriedade, chamados de primeira geração.
Com efeito, a Constituição Imperial do Brasil, de 1824, foi a primeira a introduzir a declaração de direitos fundamentais individuais em suas normas, como parte nuclear do sistema nela positivado.
Rezava o artigo 179, XXII, da Constituição Federal de 1824:
É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir uso, e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização[24].
A Constituição de 1891, baseada no pensamento liberal da época, também consagrou a total plenitude da propriedade, salvo por desapropriação necessária ou útil à ordem pública, tratando da matéria em seu art. 72, §17: “o direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade, ou utilidade pública, mediante indenização prévia”[25].
A Declaração dos Direitos Fundamentais foi necessária, embora não suficiente, pois novas conquistas sociais foram acontecendo, levando a novas formulações jurídicas, razão pela qual surgem os direitos sociais, culturais e econômicos, direitos de segunda geração, ligados ao princípio da igualdade, que ampliaram aqueles de primeira geração.
Durante a passagem do Estado Liberal para o Social, o direito civil passou por algumas mudanças determinadas por pensamentos voltados para a coletividade. Os códigos civis perderam a posição central, basilar do sistema, que passou a pertencer às constituições. Esses direitos fecundaram a justiça social e o Estado passou a buscar o bem-estar social.
Os direitos fundamentais de terceira geração surgem como criação de uma justiça social universal. A solidariedade social, juridicamente concebida e exigida, enaltece o
constitucionalismo e dá nova interpretação ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Vedando a utilização da propriedade contra o interesse social, estava a Constituição de 1934, garantindo todos os demais direitos ao seu uso, sendo a primeira a cuidar dos interesses sociais, ainda que de maneira pouco eficaz[26].
A Carta Política de 1937 não se guiou pela Constituição anterior, excluindo a noção de função social da propriedade, mas não deixou de consagrar esse princípio, assegurando em seu art. 122, § 14: “o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e seus limites serão os definidos nas leis que lhe regulam o exercício”[27].
Rodeada de ideias democráticas, com o fim da Era Vargas, a Constituição de 1946, diferentemente da anterior, condicionou o direito de propriedade ao bem-estar social, podendo, por meio da lei, ser feita “justa” distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos[28].
A Constituição de 1967 incluiu a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica e social, que coexiste com o da propriedade como direito individual consagrado no art. 153, §22:
É assegurado o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvados o disposto no art. 161, facultando-se ao expropriado aceitar o pagamento em títulos da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária. Em caso de perigo público iminente, as autoridades poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior[29].
A Emenda Constitucional nº 01, de 1969 (a Constituição de 1969) explicitou o princípio da função social da propriedade, definido para o alcance da justiça social e do desenvolvimento nacional, condicionando o exercício dos poderes do proprietário, mediante critérios de política legislativa.
O nosso atual ordenamento, a Constituição Federal de 1988, garante, no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, na leitura dos incisos XXII e XXIII do artigo 5º, um amplo direito de propriedade, com limitações sociais, econômicas e políticas, buscando efetivar sua função social, passando a ser princípio da atividade econômica, conforme também prevê o artigo 170:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]. II - propriedade privada; III - função social da propriedade; [...][30].
Fundado em valores e princípios constitucionais, o atual Estado Democrático de Direito define a propriedade e a autonomia da vontade, não mais como o único pilar das relações jurídicas privadas, estas têm que ser baseadas, também, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que vai orientar a aplicação de todas as normas que compõem o sistema jurídico, inclusive no que diz respeito aos demais direitos e garantias fundamentais.
A constitucionalização das relações jurídicas privadas levou às discussões sobre os aspectos social, coletivo e de convivência entre as pessoas e, ainda, sobre o papel do Estado na efetivação desses direitos, submetendo, não só o cidadão, mas também o poder público aos limites impostos por este princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, com a finalidade de resguardar os direitos fundamentais individuais e coletivos.
A propriedade, muito embora prevista entre os direitos individuais, não poderá ser considerada assim na sua integralidade; não é o puro direito individual. Os princípios de ordem econômica e função social são limitadores de sua finalidade. O proprietário tem um poder-dever, onde, de um lado estão seus poderes sobre a propriedade (direitos reais): jus utendi, jus fruendi e jus abutendi [31] e, de outro, o dever de utilizá-la de acordo com o interesse coletivo. Os direitos individuais de cada cidadão devem existir simultaneamente com os interesses superiores do Estado, quais sejam os interesses coletivos.
No âmbito do nosso direito Constitucional positivo, não mais é cabível essa concepção da propriedade como um direito absoluto. Deveras, nossa Constituição consegra o Brasil como um Estado Democrático Social de Direito, o que implica afirmar que também a propriedade deve atender a uma função social. Essa exigência está explicitada logo no inciso XXIII do artigo 5º, e reiterada no inciso III do artigo 170.[32]
Por fim, com a Constituição de 1988, a questão do direito de propriedade deixa de envolver regulamentação exclusivamente privatista, individual, baseada no Código Civil, e passa a ser um direito, não apenas privado, que considera os direitos do indivíduo apenas, mas um direito privado de interesse público.
Ressalta-se que a concepção de propriedade, assentada na Constituição, abrange não apenas o tradicional domínio sobre as coisas corpóreas, mas também a própria atividade econômica, englobando controle empresarial e domínio sobre ativos imobiliários. Todas essas dimensões de propriedade estão sujeitas ao mandamento constitucional da função social.
O direito à propriedade, então, teve que se adequar aos princípios gerais que sustentam o Estado Democrático de Direito: a igualdade, a legalidade, a justiça social, a soberania popular, entre outros. Assim, não há como sustentar um direito de propriedade absoluto e subjetivista. Temos que utilizar o postulado da proporcionalidade para que consigamos uma ponderação entre os direitos individuais e os coletivos diante de casos concretos.
2.3 A função social da propriedade urbana
Foi no início do século XX que León Duguit, publicista francês e idealizador da teoria da função social da propriedade, entendeu e divulgou a ideia de que a propriedade é resultado da evolução social e de que o direito do proprietário é limitado pelo fim socialista que lhe é imposto como dever, em virtude da situação particular de detentor da riqueza em que se encontre[33].
Modernamente se tem assegurado a existência da propriedade como instituto político, mas o conteúdo do direito de propriedade sofre inúmeras limitações no direito positivo, tudo para permitir que o interesse privado não se sobreponha aos interesses maiores da coletividade.[34]
Em decorrência de decisões da jurisprudência e das inúmeras leis restritivas de seu exercício, beneficiando os interesses mais gerais, foi conferido a este instituto uma noção jurídica nova, passada despercebida até a Teoria de Duguit.
Outra concepção de função social que não passou despercebida foi a da Igreja Católica a qual estabeleceu as diretrizes do pensamento cristão sobre a propriedade, objetivando humanizar o tratamento legislativo e político desse instituto, condicionado ao bem comum[35].
A doutrina da função social da propriedade traz consigo o objetivo de dar sentido mais amplo ao conceito econômico da propriedade, encarando-a como uma riqueza que se destina à produção de bens, para satisfação das necessidades do seu proprietário e da comunidade envolvente, em oposição ao velho conceito civilista de propriedade. A norma que dispõe sobre esta função da propriedade cria o ônus do proprietário privado para a sociedade. Esse dever, imposto sobre o sujeito, significa que sua atuação deve trazer um resultado vantajoso para a sociedade, para que esse poder individualizado seja reconhecido legalmente[36].
A Constituição Federal só garante o direito à propriedade a quem atenda à sua função social, de acordo com o que determina o direito positivo, segundo as peculiaridades de cada situação. No Título VII, Da Ordem Econômica e financeira, em seu capítulo II, que trata da política urbana, nos artigos 182, § 4º, inc. III e 184, caput, fica notório esse encargo, tanto é que autoriza a desapropriação, modalidade drástica de intervenção na propriedade privada, de propriedade que não cumpra a sua função social:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. [...].
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: [...]. III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais[37].
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. [...][38].
O proprietário tem que explorar e cuidar do seu domínio, dando-lhe utilidade, beneficiando de certo modo a coletividade, ou o seu direito de propriedade não vai se justificar, devendo sofrer restrições, que estão previstas no ordenamento, para que ocorra a sua ressocialização. Ou seja, sofrerá imposição de penalidade o proprietário que for inerte e deixar de destinar seu imóvel para os fins definidos no Plano Diretor da cidade.
No sentido de que a propriedade deve visar uma função social é que a Constituição Federal diferencia as propriedades urbanas e rurais, atribuindo a cada uma delas um regime jurídico próprio, sobre o qual o princípio da função social atua de maneira específica em acordo com a destinação do bem[39].
O artigo 182 prevê, exclusivamente para o proprietário urbano, o parcelamento ou edificação compulsórios e, por consequência de uma não utilização ou subutilização do bem, as sanções (IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública). Ou seja, nega ao proprietário o direito de não uso da sua propriedade. Isto vem definido também no Plano Diretor da Cidade, conforme o parágrafo segundo deste mesmo artigo: “§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”[40].
Entende-se que o poder do proprietário de utilizar seu bem fica limitado ante o interesse coletivo. Mas a função social não surge como limite ao exercício do direito de propriedade, e sim como princípio incidente sobre o conteúdo, impondo comportamentos positivos.
Diferente do artigo 182, o artigo 186, também da Constituição Federal de 1988, estabelece os requisitos do direito de propriedade dos bens rurais, para que este atenda a função social:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores[41].
A exploração da propriedade rural tem que ser feita de modo a favorecer o proprietário e os trabalhadores, com aproveitamento adequado e racional dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, podendo ser desapropriada, pela União, para fins de reforma agrária, se não estiver cumprindo com sua função social.
A função social modificar-se-á de estatuto para estatuto, sempre em conformidade com os preceitos constitucionais e com a concreta regulamentação dos interesses em jogo[42].
Importante diferenciar a função social da propriedade e as limitações do poder de polícia, que são como um conjunto de condições impostas ao direito de propriedade a fim de que seu exercício não prejudique o interesse social. É através dele que fica assegurado o bem-estar da coletividade, mediante o condicionamento e a restrição ao uso da propriedade individual, quando esta conflita com o interesse geral[43].
As limitações administrativas são externas ao direito de propriedade, ou seja, dizem respeito somente ao exercício do direito pelo proprietário e se explicam pela simples atuação do poder de polícia; enquanto que a função social integra a estrutura e o regime jurídico da propriedade.
Em se tratando das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, foco do trabalho, a primeira delas é a garantia às cidades sustentáveis, ou seja, aptas a fornecer aos habitantes as condições mínimas de bem-estar, lazer, vida saudável, moradia, infraestrutura, segurança, transporte, trabalho, serviços públicos, como, por exemplo, o saneamento, ensino, saúde, coleta de lixo, entre outros. Não apenas o fornecimento, mas que este seja feito de modo a alcançar todos indistintamente. Trata-se de norma programática, já que estabelece ações para o governo, sem esclarecer, contudo, a fonte dos recursos ou como serão as obras realizadas. É um caminho a ser seguido por aqueles que são responsáveis pela política urbana.
Assim, a utilidade da propriedade é aquela em que os bens devem ser dirigidos para a produção de riquezas, visando a atender, harmonicamente, as necessidades do titular do direito e o interesse da coletividade. Isso se configura com a função social da propriedade que condiciona o exercício dos poderes do proprietário, tendo em vista a destinação que se configura aos diversos bens, mediante critérios da política legislativa.
De acordo com esse princípio, a função social da propriedade corresponde a um poder-dever do proprietário, na proporção em que, de um lado lhe é assegurado direitos constitucionais e civis de utilizar e dispor do seu bem e, do outro, impõe-se ao mesmo o ônus de utilizá-la de acordo com o interesse coletivo. Os poderes de usar, gozar e dispor, até então conferidos ao proprietário de forma ilimitada no Liberalismo, passaram a sofrer obrigações, tornaram-se relativos. Permanece o direito subjetivo de propriedade, porém, com seu uso condicionado a um dever: a função social.
3 A POLÍTICA URBANA PARA AS PROPRIEDADES PRIVADAS
3.1 Divisão de competências dos entes federativos sobre a política urbana: o pacto federativo
Segundo Gilmar Ferreira Mendes[44], a Constituição de 1988 dedicou inúmeras disposições à disciplina e à conformação do direito de propriedade, seja no âmbito do artigo 5º, seja no de outros capítulos.
O Constituinte de 1988 atribuiu competência legislativa e executiva a todos os entes da federação no que tange ao direito urbanístico, tendo em vista que a todas pessoas políticas interessa a adequação e ordenação do espaço urbano.
A repartição de competências se deu de forma coerente, na medida em que à União foi atribuída a normatização dos assuntos de repercussão e interesse nacionais e aos Estados e Municípios as matérias de interesse regional e local, respectivamente[45].
Estabelece o artigo 24, inciso I, da CF/88, a competência concorrente entre a União, os Estados e o DF para legislar sobre o direito urbanístico:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; [...].
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades; [...][46].
Cabe à União, então, a competência para edição de normas gerais e aos Estados e Distrito Federal a competência suplementar para edição de leis específicas.
As normas de direito urbanístico asseguram à federação a unidade de princípios necessários à integração e ao desenvolvimento nacionais, mas também permitem aos Estados e Municípios a sua adaptação à realidade destes entes, através da edição de normas que disciplinam as peculiaridades regionais e locais. Essa competência é uma autonomia político-administrativa a eles pertencente.[47]
Compete à União o estabelecimento do Plano Nacional de Urbanismo e das normas gerais de direito urbanístico, objetos da Lei nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade.
Aos Municípios, a Constituição assegurou, em seu artigo 30, inciso I, a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, tendo em vista que são eles os entes mais próximos da realidade e peculiaridades da cidade, o que engloba as questões urbanísticas:
“Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; [...]”[48].
Em relação à competência material de execução, o art. 23 da CF/88, afirma ser da competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico[49]. Por outro lado, o art. 30, também da CF/88, fala que compete aos Municípios promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle de uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano[50].
Conclui-se que a todas as instâncias da federação é conferida a atribuição de executar a política urbana, estando tal tarefa, contudo, a cargo principalmente dos municípios, entes com melhor capacidade de solucionar os problemas da cidade. Inclusive, a Carta Maior de 1988 instituiu que podem ser utilizados, pelo Poder Público municipal, diversos instrumentos para que haja uma efetivação de políticas públicas urbanas, levando em consideração a função social da propriedade. Assim, conforme o artigo 182 da CF, caso o particular tenha um imóvel urbano sem aproveitamento, sem edificação, subutilizado ou não utilizado, pode ser constrangido pelo município, através dos instrumentos referidos, a dar-lhe finalidade social:
Art. 182. [...]
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais[51].
A integração entre os diversos entes da federação revela-se essencial, na medida em que a competência para executar a política urbana é conferida pela Constituição a todos os entes políticos. Assim, a ação governamental deverá ser integrada, de forma a promover a plena realização dos interesses sociais protegidos pelo Estatuto.
3.2 A política urbana como reguladora do direito à propriedade privada: competência municipal no desenvolvimento urbano
A Política Urbana é o conjunto de medidas estratégicas, legislativas e administrativas, que visam a “[...] ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”[52], conforme o caput do artigo 182 da Constituição. Esta política tem como objetivo ordenar o meio urbano, propiciando condições adequadas de moradia, trabalho, recreação e circulação humana.
O direito urbanístico, nesse mesmo contexto, é o ramo de direito público que tem como objeto o ordenamento da propriedade e a organização desta ligada a uma função social, determinada por lei, de modo a poder propiciar o pleno desenvolvimento da sociedade e garantir o exercício do direito à cidadania por todos os que nela vivem.
As imposições urbanísticas de ordem pública buscam ordenar os espaços habitáveis em conformidade com o bem-estar social e a utilidade coletiva. São medidas estatais interventivas, que visam à concretização do princípio da função social da propriedade.
No interesse do urbanismo, o Estado traça planos que interferem no exercício do direito de construir, ao exigir, à guisa de exemplo, que os edifícios obedeçam a determinado alinhamento. Pode, ademais, obrigar o proprietário a murar seu terreno, a calçar o passeio, a conservar seu prédio a certa distância da rua, entre outras limitações. Enfim, por meio de leis e regulamentos administrativos minuciosos, regula a edificação nas cidades, limitando o direito dos proprietários.
Como já foi afirmado, a todos os entes federativos é conferida a atribuição de executar a política urbana, estando tal tarefa, contudo, a cargo principalmente dos municípios, entes mais capazes de solucionar os problemas da cidade. Por isso, leis orgânicas municipais e as demais normas municipais de ordenação do território urbano são de grande importância nesse mister.
No tocante à propriedade urbana, é facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para a área incluída em seu plano, exigir, nos termos da lei federal, da propriedade do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena de parcelamento ou edificação compulsória, tributação progressiva ou desapropriação.[53]
Não obstante o município, enquanto ente da federação, já tenha sido objeto de regulamentação por constituições anteriores, a questão urnanística só recebeu regramento constitucional pela Carta de 1988, que, além de repartir as competências legislativas e executivas em matéria urbanística, como já dito, dedicou um capítulo específico à política urbana.
A norma constitucional que traça políticas urbanas visa a forçar o proprietário a atribuir ao seu bem uma destinação condizente com o interesse social e urbanístico, devidamente estabelecidos no Plano Diretor. Essa destinação, a ser determinada pelo Poder Público municipal não pode, a bem do princípio da propriedade privada, ultrapassar os limites previstos no art. 182, § 4º, atingindo bens edificados e utilizados[54].
O direito de exercer a propriedade sobre um imóvel urbano está submetido a um requisito constitucional, qual seja, o respeito a sua função social. A delimitação dessa função social é objeto do plano direito municipal, competência, de contornos variáveis, de acordo com as necessidades de desenvolvimento urbanístico da cidade.
Infelizmente, hodiernamente, interesses escusos e particulares vêm movendo os próprios detentores do poder na elaboração do ordenamento do solo urbano.
Quando o município, no exercício da sua competência legislativa em direito urbanístico, age por suas leis nesse campo, não estará invadindo o campo de competência da União, porquanto não estará regulando as relações civis do direito de propriedade, que é de fato competência federal, mas sim o seu aspecto urbanístico, de responsabilidade local, fundamentado no princípio da função social da propriedade, que, por defluir de preceito constitucional plenamente eficaz, já predetermina, por si só, o direito da propriedade e seu conteúdo. Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas ou de expansão urbana, assim definidas por lei municipal[55].
3.3 O impacto normativo do estatuto da cidade e do plano diretor na política urbana
O princípio da função social da propriedade encontra-se na CF 1988, nos dispositivos 182 e 184, que integram o capítulo destinado à política urbana, o qual, por sua vez, está inserido como parte de um título maior, o da ordem econômica e financeira:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. [...][56].
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. [...][57] (sic).
No processo de criação e execução de políticas públicas, o planejamento urbanístico e o modelo de gestão das cidades exercem papel fundamental. O Plano Diretor, dado o seu caráter de lei geral, dirigida a todos, é o instrumento no qual se encontram definidas as exigências fundamentais para a ordenação da cidade e para que a propriedade urbana cumpra a sua função social.
Sendo o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana dos municípios, passou a ser obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes e representa, assim, fonte de validade de qualquer lei urbanística municipal.
Porém, nada impede que as cidades com número inferior ao estabelecido pela Constituição Federal de 1988 adotem o Plano Diretor como meio de garantir que propriedades cumpram a sua função social e assegurar uma adequada política de desenvolvimento urbano.
A participação popular no processo de elaboração e aprovação de planos diretores é requisito constitucional de sua validade. O planejamento urbano participativo é um instrumento de democratização da gestão das cidades e se materializa, principalmente, por meio do Plano Diretor[58].
Essa participação popular representa a expressão mais ativa do exercício da cidadania, por meio da interação direta do querer popular com os processos de tomada de decisão em nível governamental. Tendo em vista que a cidadania é um dos fundamentos sobre os quais se sustentam o Estado Democrático de Direito, conclui-se, pois, que a participação popular, mais que um requisito legal nos processos de planejamento, é verdadeiro pressuposto de legitimidade das normas estatais, e, mais especificamente, das normas urbanísticas.
Com a finalidade de regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição, foi promulgada a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, mais conhecida como Estatuto da Cidade. Sendo lei ordinária federal, este estatuto limita-se a fixar normas gerais, pois as especificidades têm disciplina atribuída aos municípios, que atenderão às necessidades locais.
Essa referida lei urbanística revela-se como um dos principais instrumentos de que dispõe o Poder Público para a efetivação da função social das cidades.
O intitulado Estatuto da Cidade teve sua origem no Projeto de Lei nº 2.191, de 1989, de autoria de Raul Ferraz. De modo geral, a lei contem cinco capítulos: I - Diretrizes Gerais; II - Dos instrumentos da Política Urbana; III - Do Plano Diretor; IV - Da Gestão Democrática da Cidade; e V - Disposições Gerais[59].
Os pontos mais relevantes dessa lei são a efetiva concretização do Plano Diretor nos municípios, tornando eficaz a obrigatoriedade constitucional de sua existência nos municípios; a fixação das diretrizes gerais previstas no artigo 182, da CF, para que o município possa executar sua política de desenvolvimento urbano; a criação de novos institutos jurídicos, ao lado do IPTU progressivo, parcelamento em edificações compulsórios, etc.; a fixação de sanções para o prefeito e agentes públicos que não tomarem providências de sua alçada; a instituição de gestão democrática e participativa da cidade; e finalmente, as alterações na lei de ação civil pública para possibilitar que o judiciário torne concretas as obrigações de ordem urbanística, determinadas pela lei, incluindo a elaboração e aprovação do Plano Diretor[60].
O Estatuto da Cidade adequa os princípios abstratos a uma realidade concreta e tira do papel as ideias para uma sociedade mais justa. Estabelece as normas gerais para uma política de desenvolvimento urbano eficaz, enfrentando questões sociais urbanas, com todos os desdobramentos e consequências que podem surgir a partir dessa “autonomia”. A lei deve significar, portanto, muito mais do que consta em seu preâmbulo[61].
O fundamento deste Estatuto de fato é constitucional, no entanto, a Lei nº 10.257/01 não se restringe a disciplinar os instrumentos de política urbana, impostos pela Constituição de 1988: parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, é também responsável pela criação de institutos até então pouco conhecidos como sendo de sua competência, caso dos direitos de superfície e da outorga onerosa do direito de construir. Alguns de seus institutos, para serem plenamente aplicáveis, ainda necessitam de regulamentação pelo respectivo município, através do Plano Diretor e de leis específicas de sua competência.
O Plano Diretor assegura não apenas o cumprimento das diretrizes gerais, mediante as quais se chegará à efetivação da função social, mas também o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento[62].
O artigo 1º, em seu parágrafo único, prescreve de imediato o objeto da Lei nº 10.257/2001: “estabelecer normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”[63].
O artigo 2º, da mesma lei, consigna as diretrizes gerais mediante as quais será efetivado o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
O inciso II, do Parágrafo 2º, traz outro ponto importante, o da atuação da gestão democrática das cidades, por meio da população na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano:
Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...]. II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; [...][64].
Cada lei municipal estabelecerá como será essa participação popular, que funciona, de certo modo, como “agente” fiscal e limitador dos planos dos governantes e da parcela mais
economicamente poderosa da sociedade.
O inciso III, deste mesmo parágrafo, trata da cooperação entre governos, com a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social: “Art. 2º. [...]. III - cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; [...]”[65].
Essa integração entre os diversos entes da federação é essencial, na medida em que a competência para executar a política urbana é conferida pela Constituição a todas as esferas políticas, mesmo sendo este o dever principal dos municípios. Assim, a ação governamental deverá ser integrada de modo a promover a efetiva realização dos interesses sociais protegidos pelo estatuto e, primeiramente, pela Carta Maior.
A lei também estabeleceu a racional distribuição espacial da população, bem como das atividades econômicas do município, tendo em vista evitar e, até mesmo, corrigir as distorções decorrentes do processo de crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio-ambiente[66].
Entre as diretrizes gerais do Estatuto da cidade também estão a necessidade de ordenação do uso e da ocupação do solo, de forma a evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos; o uso incompatível ou inconveniente, ou que favoreça apenas uma parcela restrita da população. Significa, então, compatibilizar o uso e a ocupação do solo com os princípios constitucionais.
Quando se fala em direito de construir, ou, mais especificamente, em direito de edificar em solo urbano, o texto do citado art. 1.299, do Código Civil de 2002, que aduz: “o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos”[67], deve ser interpretado tendo em vista as profundas transformações não só da realidade urbana, mas, especialmente, das normas constitucionais sobre o regime da propriedade. Ademais, não se pode dar à expressão “direito de construir” ou “direito de edificar” o sentido de um direito subjetivo que, em abstrato, caiba ao proprietário do terreno[68].
O texto legal também se preocupa em adequar o uso e a ocupação do solo à infraestrutura urbana existente, de modo a evitar impactos, degradação ambiental e destruição de patrimônio protegido e tombado. O Poder Público deve adotar padrões compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do município para controle da produção e do consumo de bens e serviços e, também, do crescimento urbano. O desenvolvimento urbano deve zelar pela preservação do ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico, para gerações presentes e futuras.
Todos deverão suportar o ônus e compartilhar os benefícios da vida em sociedade. A evolução urbana deve existir em todas as áreas da cidade, respeitando a legislação existente para efetivação dos princípios constitucionais.
3.4 O modelo ideal de construção e crescimento
O modelo ideal de urbanismo e desenvolvimento de determinada área urbana seria aquele que não impactasse de forma destrutiva os bairros próximos, nem o patrimônio já existente, preservando-se todo o meio ambiente da cidade, pois eles que formam a identidade do município. Nesse contexto, mecanismos de controle são necessários para que se concretize a proteção da personalidade da cidade, a exemplo das limitações administrativas, espécie de intervenção restritiva nas propriedades privadas.
A orla da cidade de João Pessoa/PB, por exemplo, somente possui prédios de seis andares, no máximo. Limitações desse tipo fazem toda a diferença na preservação da orla metropolitana e no desenho urbano. Outro exemplo a ser citado são as contrapartidas sociais que a Administração Pública pode exigir para a realização de determinados empreendimentos por particulares.
Um modelo antigo, mas que serve perfeitamente de exemplo para os dias atuais, foi a instalação na cidade de São Paulo, a partir de 1912, da Companhia City, com a intenção de implantar loteamentos personificados e com muita área verde. Assim, alguns bairros foram desenvolvendo-se com grandes exigências da loteadora. O Jardim América, o Jardim Europa e o Pacaembu são exemplos que a organização da administração pública em parceria com empresas privadas dão certo, se cumprirem as disposições legais que já existem e que têm utilidade[69].
As características desses bairros são as áreas verdes, a variedade de estilos das construções e a urbanização das ruas e praças. Assim, pode-se afirmar que a urbanização nesses bairros é modelo a ser seguido em qualquer lugar do mundo.
Tal foi o sucesso alcançado que a Prefeitura do município de São Paulo, ao elaborar a lei de zoneamento aprovada e sancionada em 1972, enquadrou esses bairros na Zona 1, de uso estritamente residencial, que restringe as construções para uma vez a área do terreno, vedada a edificação de prédios. Os bairros acima também foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo -
CONDEPHAAT - SP, em 1986[70].
Com essa medida eficaz, a municipalidade, acompanhando o projeto da Cia City, preservou esses bairros, protegendo-os da especulação imobiliária, que destrói a história arquitetônica dos grandes centros urbanos. Desta forma, qualquer demolição ou reforma externa precisa submeter-se ao crivo do órgão já citado. Isso tudo são limitações ao direito de propriedade previstas no Plano Diretor do município de São Paulo, as quais são bastante eficazes.
Por fim, podem-se citar para o cumprimento da função social da propriedade urbana, os seguintes requisitos, encontrados em leis orgânicas de diversos municípios, a exemplo de São Paulo: democratizar o uso da ocupação e a posse do solo urbano, de modo a conferir oportunidade de acesso ao solo urbano e à moradia; promover a justa distribuição dos ônus e encargos decorrentes das obras e serviços da infraestrutura urbana; recuperar para a coletividade a valorização imobiliária decorrente da ação do poder público; gerar recursos para o atendimento das demandas da infraestrutura e de serviços públicos, provocados pelo adensamento decorrente da verticalização das edificações e para implantação da infraestrutura em áreas não servidas; promover o adequado aproveitamento dos vazios urbanos ou terrenos subutilizados ou ociosos, sancionando a sua retenção especulativa de modo a coibir o uso especulativo da terra como reserva de valor, entre outros tantos requisitos que vão surgindo, devido ao crescimento populacional e econômico dos centros urbanos.
4 O ESTUDO DO PROJETO NOVO RECIFE EM CONFORMIDADE COM A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, O ESTATUTO DA CIDADE E O PLANO DIRETOR
4.1 Principais pontos do estatuto da cidade e do plano diretor
A partir do Estatuto da Cidade, o direito à propriedade só pode ser exercido à luz do que estabelecem os incisos III e IV do art. 1º da CF/88, a dignidade da pessoa humana em face da ordem jurídica do capitalismo, e a análise do território a partir da dinâmica social[71].
Suas diretrizes gerais estão fixadas no artigo 2º:
Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I- garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II- gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III- cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV- planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;[...]; VII- ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; [...]; d) instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente; [...]; XII- proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII- audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; [...]; XVI- isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social[72].
A política urbana fixada nesse Estatuto tem como objetivo regrar a cidade de acordo com as necessidades da pessoa humana, observando-se o piso vital mínimo. A garantia do direito a cidades sustentáveis, destinadas aos habitantes em decorrência de cada um dos deveres impostos ao Poder Municipal, atrai, por consequência, direitos assegurados aos cidadãos, como à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, ao uso de águas, ao esgoto sanitário, ao ar atmosférico, ao descarte de resíduos, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho, ao lazer e à segurança[73].
O direito à infraestrutura urbana, fixado no art. 2º, inciso I, do Estatuto assegura, por parte do Poder Público municipal, obras ou atividades destinadas a tornar efetivo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, fixando de maneira clara, através da Lei, o direito ao espaço urbano construído.
Visa não só a proteção do meio ambiente construído como, também, a participação da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades, com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente construído.
Daí restar evidente que o direito à infraestrutura urbana está associado ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EIA, assim como ao Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança - EIV, descritos como instrumentos de política urbana no Estatuto da Cidade e, novamente, no Plano Diretor do Recife.
Outro ponto importante do Estatuto da Cidade é que nenhuma obra ou evento, que possa interromper a circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via, criando a exigência de um verdadeiro estudo prévio de impacto ambiental, quando esteja prevista a viabilização de qualquer obra[74].
Para os fins previstos no Estatuto, a saber, na execução da política urbana vinculada ao objetivo de ordenar a cidade em proveito da dignidade da pessoa humana, a Lei nº 10.257 estabeleceu alguns instrumentos, com a finalidade de organizar as necessidades dentro da ordem econômica capitalista:
Art. 4º. Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: I- planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II- planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III- planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; [...]; V- institutos jurídicos e políticos: [...]; t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; [...]; VI- estudo prévio de impacto ambiental e estudo prévio de impacto de vizinhança. [...][75].
Deu-se relevância ao planejamento municipal, tanto ao plano diretor, como à disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo e a outros instrumentos relevantes para a política urbana, como o zoneamento ambiental, o tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano e o referendo popular e plebiscito.
O zoneamento é uma medida não jurisdicional, oriunda do poder constitucional atribuído ao Estado, centrada em dois fundamentos: a repartição do solo urbano municipal e a designação do seu uso. Na medida em que estabelece importante limitação ao uso do solo particular. O tombamento tem como finalidade garantir a denominada reconversão, dentro de um conjunto de intervenções arquitetônicas, destinadas a atualizar e preservar o acervo construído, viabilizando um novo fim, respeitando as características fundamentais da construção[76].
Pelo Estatuto da Cidade resta vedada a prática de se utilizar a propriedade com fins de especulação, tornando-se clara a concepção de que a utilização dos instrumentos ora citados tem como objetivo inequívoco contribuir para a erradicação da marginalização, redução das desigualdades sociais, assim como promover o bem de todos.74
O princípio da exigibilidade do estudo prévio de impacto ambiental é um dos corolários do princípio da prevenção, que visa evitar que um projeto, obra ou atividade, justificável sobre o prisma econômico ou em relação aos interesses imediatos de seu proponente, revele-se posteriormente nefasto ou catastrófico para o meio-ambiente. Como quer a Carta Magna, o estudo de impacto ambiental é pressuposto da concessão de licença para o empreendedor.
Outros instrumentos importantes que buscam o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, são a outorga onerosa do direito de construir, bem como a permissão de alteração do uso do solo, estabelecidas nos artigos 28 a 31 do Estatuto da Cidade:
Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
§1º. Para os efeitos dessa lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno.
§2º. O Plano Diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana.
§3º. O Plano Diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infraestrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área[77].
Trata-se de instrumento que amplia o direito de construir, bem como permite a alteração do uso do solo, sempre mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. Deixando claro o legislador que os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa serão aplicados com as seguintes finalidades: execução de programas e projetos habitacionais de interesse social, ordenamento e direcionamento da expansão urbana, criação de espaços públicos e áreas verdes, proteção diárias de interesse histórico, cultural ou paisagístico, entre outras[78].
Outro importante instrumento de controle do meio ambiente artificial é a operação urbana consorciada, podendo ser implantada com a participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores privados. Essas operações podem ocorrer, porém, exige-se que, em cada lei municipal, deva ser incluído também o programa e projetos básicos para a área, programa de atendimento econômico e social para a população e o estudo de impacto de vizinhança. Com essas medidas se procura evitar que as operações sejam somente liberações de índices construtivos para atender a interesses particulares:
Art. 32. Lei municipal específica, baseada no Plano Diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas.
§1º. Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo poder público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental.
§2º. Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras medidas: I- A modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente; II- A regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente[79].
O estudo de impacto de vizinhança tem como objetivo compatibilizar a ordem econômica do capitalismo com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Condiciona os empreendimentos e atividades privadas ou públicas que possam causar significativa degradação ambiental. Esse estudo deverá sempre ser exigido para os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana, definidas em lei municipal, previamente à instalação de obra ou atividade potencialmente ofensiva ao ambiente.
Seu conteúdo deverá ser realizado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento para a tutela da qualidade de vida da população residente na área e sua proximidade. E sempre se dará publicidade ao EIV, o qual será realizado por equipe multidisciplinar:
Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do poder público municipal. [...] Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental[80].
A principal limitação ao direito de propriedade é encontrada no artigo 39 do Estatuto da Cidade, que cuida do Plano Diretor:
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor, assegurando o atendimento das necessidades quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no artigo 2º desta lei[81].
O maior desafio, atualmente, consiste em buscar o equilíbrio entre o desejado desenvolvimento econômico, às vezes levado a efeito a qualquer custo, e a preservação do meio-ambiente e do bem-estar social, o que exige uma radical mudança do modelo de desenvolvimento econômico até então concretizado pelos Estados Soberanos.
O exercício do direito à propriedade urbana, como já dito, passa a ter como pressuposto jurídico o respeito aos preceitos estabelecidos no plano diretor, os quais fazem parte do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as prioridades e diretrizes nele contidas.
O plano diretor deverá conter, no mínimo: delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar a propriedade; outorga onerosa do direito de construir, alteração do uso do solo, consórcios e transferência do direito de construir e sistema de acompanhamento e controle, onde a função social da cidade, através da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade[82].
Em resumo, para que efetivamente cumpra sua função constitucional, o plano diretor deverá harmonizar as diferentes regras jurídicas de meio ambiente cultural, meio ambiente artificial e meio ambiente natural, adaptadas concretamente a cada município, respeitando os instrumentos e limites, fornecidos pelo Estatuto da Cidade.
4.2 A origem do Projeto Novo Recife
O momento econômico pelo qual Recife vem passando se reflete no cotidiano dos cidadãos. Dados demonstram a força do desenvolvimento da cidade e pressionam o Poder Público a pensar em soluções de crescimento urbano, com a ocupação de áreas urbanas que se mantenham sem destinação.
Nesse contexto, o Projeto proposto pelo Consórcio Novo Recife para o Cais José Estelita, ao tentar resgatar uma das áreas mais belas e abandonadas da capital, pretende se tornar, a primeira vista, uma referência de como a cidade pode evoluir sem perder conexão com suas referências do passado, ou seja, sua identidade histórica.
Em setembro de 2008, noticiou-se que prédios e galpões abandonados, oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal - RFFSA, no cais José Estelita, teriam sido vendido por R$ 55 milhões, em leilão oficial. O terreno possui 101.754,27 m² e contém edificações no formato de galpões de armazenamento e outras pequenas benfeitorias que estão sem utilidade e abandonados.
Fernando Bezerra Coelho, secretário de desenvolvimento econômico da época, concedeu declarações no sentido de não acreditar que pudesse haver interessados para a compra da referida área:
Desde abril estamos negociando com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), não conseguimos evitar o leilão, mas o mercado sabe que temos um projeto para aquela área. [...] É uma decisão do governo Federal, que tem o direito de vender, afinal é dono do terreno, mas acho pouco provável, o valor é alto. Caindo, não acontecendo o leilão, a gente volta a negociar.[83]
O Governo de Pernambuco tinha planos de utilizar o terreno da extinta rede ferroviária para implantar a sede administrativa do executivo estadual. No entanto, umas das justificativas utilizadas pela União para a realização do leilão foi a necessidade de saldar os passivos da RFFSA com os recursos auferidos no certame licitatório.[84]
Segundo o presidente da ADEMI de Pernambuco, Marcello Gomes[85], o terreno tem uma grande vocação urbanística e altíssimo interesse comercial. É uma excelente zona de expansão para a cidade. Tem-se, naquele complexo, a área intermediária entre a zonas sul e norte do Recife, próximo ao centro administrativo e tribunais judiciários, além de possuir uma das mais belas vistas da cidade.
Para muita gente, o local deveria servir para empreendimentos comerciais e prédios residenciais. No entanto, para muitos outros, aquele terreno deveria beneficiar toda a população do Recife e não uma minoria economicamente favorável.
A antiga propriedade da extinta RFFSA não passou por qualquer tipo de reforma, modernização ou conservação, desde a sua alienação ao Consórcio Novo Recife. Por conseguinte, tornou-se uma área abandonada, ponto de venda e uso de drogas, descarte de lixos e ponto de crimes à mão armada.
Com o leilão da área, em outubro de 2008, tornou-se pública a ideia do “Novo Recife”, fruto de uma parceria entre empresas concorrentes com o objetivo de revitalizar a área com negócios imobiliários e integração urbanística, sob a anuência da Prefeitura.[86]
A Queiroz Galvão, a Moura Dubeux, e a GL Empreendimentos são as empresas que irão investir um total de R$ 400 milhões para revitalizar essa área, ora abandonada. Ali serão implantados residenciais, empresariais e até flats que funcionarão ampliando o serviço de hotelaria. O projeto ainda engloba um grande jardim, grande área verde, entre o cais e os prédios, que serão mais recuados e uma rua paralela à via atual.[87]
Milton Botler, coordenador de programas Estratégicos do gabinete do antigo prefeito, João da Costa, explica que a Negociação com os empreendedores se baseou, em parte, por antigos planos que o Governo do Estado tinha para o terreno localizado no Cais José Estelita. O que restou do antigo projeto do Estado foram as antigas linhas gerais relacionadas à malha viária[88].
Ainda disse que, após o leilão, a Prefeitura procurou as empresas para que houvesse uma definição conjunta das diretrizes do Projeto, em tudo o que está relacionado à integração urbana. Foi solicitado ao grupo que fossem criadas, ainda, ruas de acesso que possam cruzar da Avenida Sul ao Cais José Estelita e que o terreno tenha um percentual de 45% de área pública, para que o local não venha a tornar-se um condomínio fechado para a elite econômica do Recife, e empreendimentos para a demanda turística.[89]
A área é ainda mais estratégica, segundo a prefeitura em gestão no ano de 2009, pois se integra ao complexo turístico cultural Recife/Olinda, que prevê a construção de 1,2 milhões de metros quadrados para recuperação de áreas degradadas no centro da capital, entre outros pontos.[90]
Em setembro de 2010, João da costa, então prefeito do Recife, prometeu dar aval para o Bairro Novo Recife. Um dos entraves era o equacionamento viário que seria resolvido com uma doação das empresas de uma área no meio do terreno que serviria para a construção de uma via pública e uma rua interna. Evitando-se assim o risco de impactar a vida da cidade.[91]
Ainda nesse ano, os grupos envolvidos no Projeto, orçado já em 1 bilhão de reais, na época, aguardavam a reta final de avaliação da Prefeitura para lançarem os empreendimentos por módulos. Até então eram cinco lotes, com moradias cujo metro quadrado está estimado em 4 mil reais. Como os imóveis terão entre 100 e 250 m², os apartamentos terão preço inicial entre 400 mil e 1 milhão de reais. Em uma das pontas, no Cabanga, ficará um empresarial e um flat, com operação de Hotel estilo Beach Class, também da Moura Dubeux.[92]
Próximo ao viaduto, também tem um projeto para o Hotel abrigar um Centro de Convenções de médio porte, com 500 lugares. No térreo dos hotéis serão implantados restaurantes de acesso público. Entre as ações de contrapartida está a recuperação da Igreja de São José[93].
O Projeto Novo Recife contém investimentos capazes de resgatar o centro da cidade, imprimir um dinamismo à área e conferir uma destinação social à propriedade.
Depois de concluída a etapa da adequação da via recuada, a prefeitura e as empresas detalharão as chamadas ações mitigatórias. É preciso saber o impacto para a população, e assim definir as ações.[94]
As ações mitigatórias correspondem a um percentual do total investido. Esse custo é proporcional ao impacto que o projeto causar. Pela lei municipal, 35% da área deve ser destinada a espaços públicos, como praças e parques. E eles estão disponibilizando 45%.[95]
Em fevereiro de 2013, o Ministério Público Federal ajuizou uma Ação Civil Pública com pedido de liminar para que a justiça federal embargasse as obras, acreditando que ocorreria dano ao pátio ferroviário, área de preservação cultural e, ainda, aos prédios históricos dos bairros de Santo Antônio e São José, que possuem bens tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. A ação tem como alvo o IPHAN, a Prefeitura do Recife e a Novo Recife Empreendimentos. O MPF pediu que a justiça declarasse nula a aprovação do projeto, emitida pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano - CDU, do Município do Recife em 2012. [96]
Essa medida judicial objetiva que o IPHAN seja condenado a cumprir as suas funções previstas em lei, como preservar a memória ferroviária e proteger os bens tombados no âmbito federal e, além disso, que a Prefeitura da Cidade do Recife abstenha-se de conceder qualquer licença ou alvará para a construção do Projeto, sem a prévia análise do IPHAN, bem como sem o parecer dos demais órgãos responsáveis pelo sistema de transporte ferroviário, pela população, que também deve opinar e os estudos de impacto ambiental e de ordem urbanística. Requisita, ainda, consulta ao DNIT e o estudo de impacto de vizinhança. [97]
Tudo isso devido ao projeto não ter sido submetido à análise técnica e aprovação do IPHAN; do DNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte; da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, estes dois últimos porque a área é limite de linha ferroviária de operação; além da não apresentação de estudos de impacto ambiental e de vizinhança exigidos, além de os bairros serem históricos e tombados, especificamente o pátio ferroviário das cinco pontas e o conjunto de prédios históricos dos bairros de Santo Antônio e São José, que juntos contém 16 bens tombados pelo IPHAN[98].
Ademais, existe outra discussão acerca dos bens a serem preservados na área: quais seriam os órgãos de preservação e proteção do patrimônio histórico local competente. Uns alegam não ser da competência do IPHAN a proteção dessa área e, sim, da competência estadual. Assim se posiciona o Departamento de Patrimônio da Prefeitura.
O tombamento no âmbito estadual ainda está em fase de detalhamento do perímetro, por isso a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - FUNDARPE, ainda não proferiu seu parecer sobre o Projeto.
A diretoria de urbanismo da Secretaria de Controle, Desenvolvimento Urbano e Obras da Prefeitura da cidade do Recife estudou o projeto e elaborou um parecer, sugerindo compensações para aprovação do mesmo, o que acabou ocorrendo no âmbito do CDU, mesmo sobre protestos de arquitetos e estudantes.[99]
O parecer elaborado afirma que um dos pontos que pesou para a aceitação foi a busca por mais segurança na área. Defendeu-se que variedade de uso e funções nas edificações a serem implantadas é de vital importância para assegurar a boa dinâmica urbana, bem como garantir a utilização pelo público diversificado e um espaço urbano mais seguro. Ademais, assevera que a área do Cais está abandonada e em desuso, e que seria um vazio urbano, prejudicando a dinâmica e a economia da cidade. Representa uma barreira física que desarticula essa região. Afirma que o terreno murado não garante a permeabilidade entre a av. Sul e o Cais José Estelita, impossibilitando a vigilância social e o desenvolvimento local.[100]
O Projeto Novo Recife ainda se encontra em litígio, mesmo de posse do Alvará de Demolição, emitido pela Secretaria de Planejamento Participativo, Obras e Desenvolvimento Urbano e Ambiental da Prefeitura do Recife, devendo percorrer de forma concatenada os caminhos legais, que são determinados por atos procedimentais, levando-o a uma apreciação final pelas autoridades competentes, caso satisfeito todos os requisitos e exigências legais.
Enquanto isso, um grupo de arquitetos recifenses, insatisfeitos com o destino dado ao centro do recife, vem desenvolvendo o projeto “#penserecife”, para servir como contraponto crítico, mostrando mais uma opção que conjuga interesses financeiros e imobiliários sem prejudicar interesses urbanos. Afinal, a iniciativa privada é necessária, mas o interesse público tem de prevalecer.
4.3 O projeto novo Recife em conformidade com o estatuto da cidade e o plano diretor do Recife
As restrições ao direito à propriedade são adaptações da propriedade privada às finalidades públicas, que são as condições de seu exercício no ordenamento jurídico.
O Plano Diretor do Município do Recife, instituído pelo Projeto de Lei nº 15.547, de 1991, já revogado por uma revisão de 2008, pelo então prefeito João Paulo, respeita o disposto no art. 182, da CF/88, assim como o disposto no Estatuto da Cidade e na Lei Orgânica do Recife.
Alguns pontos desse Plano, no que se refere a projetos de urbanização, não foram respeitados. O Novo Recife não está devidamente adequado aos preceitos da ordem pública. Esse também foi o entendimento do juiz José Viana Ulisses Filho, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Estado de Pernambuco, em ação civil pública movida pelo Ministério Público de Pernambuco, em que foi expedida uma liminar suspendendo o processo do Novo Recife. [101]
Como fundamentação da decisão, o juízo apontou uma série de falhas de procedimento como: a omissão do encaminhamento do projeto de parcelamento à Comissão de Controle Urbano - CCU e ao Conselho de Desenvolvimento Urbano - CDU; o fatiamento dos processos do projeto, ao submetê-los aos citados órgãos responsáveis dos projetos arquitetônicos, que terminaram sendo avaliados de forma dissociada do parcelamento, ocorrendo subversão da ordem lógica, na medida em que os processos arquitetônicos se encontram imbricados ao projeto de parcelamento; a ausência de participação dos órgãos de preservação do patrimônio histórico e cultural na esfera estadual - FUNDARPE, e na esfera federal - IPHAN, que têm que intervir por se tratar de área em processo de tombamento, integrada por casario e equipamentos que constituem o patrimônio que pertenceu à Rede Ferroviária Federal do NE; licenciamento ambiental sem os devidos estudos de impactos; desprezo pela transparência e participação popular; ausência de consulta prévia ao DNIT, em razão de que parte da localidade abrangida pelo projeto se encontra inserida em faixas de domínio do órgão federal citado, que vem utilizando as linhas férreas, que ainda funcionam no local, em área onde não é permitido construir; e a composição irregular do Conselho de Desenvolvimento Urbano, que é órgão de representação paritária e que, na reunião de aprovação do projeto, encontrava-se com essa representação comprometida pela ausência de preenchimento de vagas pertencentes a membros indicados por organizações não governamentais.[102]
Considerando, ainda, a importância do CDU, não é razoável que procedimentos, que irão alterar toda a estrutura urbana do centro da cidade, sejam analisados por este órgão de forma fatiada, tendo sido omitido o projeto de parcelamento do solo, e analisado apenas os exames dos processos arquitetônicos.
O Novo Recife Empreendimentos não foi submetido a todos esses procedimentos corretamente, mesmo com grande potencial de causar, com a concretização de seu projeto, um grande impacto, não só na fisionomia geográfica urbana do município, como também no meio ambiente, no adensamento populacional da área e no seu sistema viário.
Ademais, como já foi afirmado, há a necessária participação e intervenção de outros órgãos estaduais e federais no processo de legalização e aprovação do empreendimento, por se tratar de local onde há interesse na preservação do patrimônio histórico, cultural, arqueológico e alteração do sistema viário, devendo contar com anuência prévia e consentimento dos seguintes órgãos competentes: FIDEM, FUNDARPE, IPHAN e DNIT.
É necessário que o Consórcio, autor do Novo Recife, antes de concluída a análise do projeto, firme termo de compromisso, submetido, previamente, ao IPHAN e ao DNIT, onde se comprometa a compensar e mitigar os impactos ao patrimônio cultural.
Um dos pontos da Ação Civil Pública, impetrada pelo Ministério Público estadual, mostra que o projeto foi protocolado e aceito para análise sem documentos relativos ao parcelamento do solo cuja falta impediria o próprio protocolo do projeto na prefeitura. O projeto foi aceito e seguiu, mesmo que seu processo de parcelamento do solo só viesse a ser protocolado três anos depois.
O Estatuto da Cidade, como já dito no decorrer deste trabalho, estabeleceu as diretrizes gerais de política urbana, democratizando o sistema de desenvolvimento urbano, determinando uma série de exigências a serem cumpridas pelos municípios para a execução de suas políticas públicas, notadamente através de uma gestão democrática com a participação da população e associações representativas dos vários segmentos da comunidade, com o fim de formular, executar e acompanhar planos, programas e projetos.
Também estabeleceu ao poder público municipal a obrigatoriedade de audiência da população no processo de implantação de empreendimentos ou atividades que causem impacto ao meio ambiente paisagístico ou ao patrimônio histórico, cultural, artístico e arqueológico, bem como ao sistema viário, onde se exige a realização dos estudos de impacto ambiental e de vizinhança.
A norma constitucional que traça a política urbana visa forçar o proprietário a atribuir ao seu bem uma destinação condizente com o interesse social e urbano, devidamente estabelecido, primeiramente, no Estatuto da Cidade e, em seguida, no Plano Diretor do Recife.
A função social da propriedade, presente nas diretrizes do Plano Diretor, pode fundamentar destinos diversos para os terrenos, determinando a atividade dos respectivos proprietários e o conteúdo do seu direito. Com tal fundamento, é lícito permitir-se, por exemplo, a inedificabilidade absoluta ou relativa, de certos terrenos ou impor condições à construção, que, em princípio seriam edificáveis, e isto sem desapropriação, ainda que possa ocorrer necessidade de ressarcimento de prejuízos devidamente comprovados[103].
A determinação urbanística, traduzida em planos, projetos gerais ou especiais de urbanismo, revela a função social que se impõe à propriedade de terrenos vagos e sem utilidade, que justifica a imposição de edificar em prazo certo. É o que ocorre com a área comprada pelas construtoras para a construção do Projeto Novo Recife. Acontece que essa construção não pode ser feita de qualquer forma, ou acabaria por “tapar um buraco e abrir outro”.
Com o Plano Diretor da Cidade do Recife atualizado em 2008, o empreendimento deveria tornar-se inviável, pois a área requer a utilização dos vários instrumentos, já citados anteriormente, inclusive o macrozoneamento, que estabelece um referencial espacial para o uso e ocupação do solo, em concordância com os outros instrumentos de política urbana.
4.4 Considerações acerca das demais normas infraconstitucionais relevantes ao trabalho
A Constituição de 1988 permitiu à União que editasse normas gerais em matéria de direito urbanístico, respeitando o direito dos municípios de suplementar a legislação federal no que lhe couber. É o caso do município do Recife que editou o seu Plano Diretor; a Lei Orgânica da cidade do Recife; a Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife; a Lei Municipal de Parcelamento do Solo Urbano; o Decreto Municipal nº 17.324/96, que regulamenta a CCU e o Decreto Municipal nº 16.940/95 que criou o Regimento Interno do CDU.
Dentro do contexto democrático em que foi aprovada a CF de 88, foi instituído, na cidade do Recife, o Conselho de Desenvolvimento Urbano, órgão municipal paritário, integrado por 28 conselheiros, 14 do poder municipal e 14 da sociedade civil, instituído pela Lei Orgânica do Município do Recife, sendo um importante órgão de controle, avaliação e acompanhamento de planos, como o Plano Diretor, programas e projetos de desenvolvimento urbano, a exemplo do Novo Recife. Ao município cabe promover o controle do parcelamento e do uso do solo urbano, bem como o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento[104].
A Lei nº 14.510, de 1983, instituiu a Lei Orgânica do Município do Recife, que foi promulgada em 1990, afirmando o propósito de favorecer o progresso econômico e cultural, estabelecer as bases de uma democracia participativa, proteger e estimular a prática da cidadania, sob os fundamentos dos ideais de liberdade e justiça social, em consonância com a construção de um Estado de Direito e de uma solidária e humana.
O seu título V, capítulo I, trata do desenvolvimento urbano e das políticas públicas municipais, traçando algumas normas acerca da política urbana.
No art. 103, a Lei Orgânica elenca os instrumentos, também contidos no Estatuto da Cidade. Ele prevê o plano diretor, a lei de parcelamento, ocupação e uso do solo, entre outros institutos jurídicos. O art. 104, desta mesma lei, trata do Plano Diretor do Município do Recife:
Art. 104. O plano diretor será instrumento para ordenar a ação do Município no sentido de promover: I - o desenvolvimento do sistema produtivo com a devida integração das parcelas marginalizadas da população, objetivando uma justa redistribuição de renda e dos recursos públicos; II - a participação e o controle social nas ações da municipalidade e o amplo acesso da população à informação, no que se refere a planejamento, programas, projetos e orçamento municipal; III - a definição da configuração urbanística da cidade , orientando a produção e uso do espaço urbano, tendo em vista a função social da propriedade; [...]; V - a aplicação dos instrumentos legais de uso do solo, [...]. § 1º São objetivos específicos do plano diretor: I - estabelecer parâmetros de equilíbrio ambiental e mecanismos de controle para seu cumprimento; II - fixar padrões de urbanização, adaptados aos aspectos físicos do território e sociais da população; [...]; VII - fixar os parâmetros de avaliação permanente da evolução urbana. [...] § 3º - O plano diretor definirá áreas especiais de urbanização preferencial, de reurbanização, de urbanização restrita, de regularização, de implantação de programas habitacionais e de transferência do direito de construir. [...].
Alguns outros artigos da Lei Orgânica são de vital importância para o bom funcionamento do desenvolvimento urbano. Entre eles, os artigos que normatizam o parcelamento, uso e ocupação do solo, inclusive pontos da própria Lei nº 16.176/96.
Essa lei estabelece as formas de uso e ocupação do solo da cidade do Recife. As suas disposições se aplicam às obras de infraestrutura, urbanização, reurbanização, construção, instalação de usos e atividades, inclusive aprovação de projetos, como mostra o seu art. 2º:
Art. 2º. As disposições desta Lei aplicam-se às obras de infraestrutura, urbanização, reurbanização, construção, reconstrução, reforma e ampliação de edificações, instalação de usos e atividades, inclusive aprovação de projetos, concessão de licenças de construção, de alvarás de localização e de funcionamento, habite-se, aceite-se e certidões[105].
A regulação urbanística, tratada na Lei 16.176/96, considera as características geomorfológicas do território municipal, a delimitação física, bem como a infraestrutura básica existente, o solo e as paisagens.
A Lei Orgânica, em seu capítulo VII, “Da comissão de Controle Urbanístico”, trata da CCU, vinculada à Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Ambiental - SEPLAM, que é órgão consultivo, de composição paritária entre representantes do poder público e da sociedade civil, como já citado no decorrer do trabalho. Nesse mesmo capítulo, também é atribuído a essa Comissão algumas funções como, por exemplo, solicitar estudos e pesquisas de avaliação dos instrumentos de gestão urbana e submeter à CDU.
Essas diretrizes normativas municipais devem atender principalmente aos interesses sociais e precisam ser postas em prática para que atendam aos seus objetivos. As áreas residenciais, industriais, comerciais, para lazer e outras, devem ser ordenadas de modo a promover o desenvolvimento da cidade e de sua população, garantindo a esta qualidade de vida, facilitando-lhe o transporte e o crescimento econômico, preservando o ambiente natural e cultural que agrega e confere às pessoas os ideais comuns[106].
4.5. A atual situação do Projeto Novo Recife
Diante de todas as manifestações e cobranças da sociedade pernambucana pela mudança do desenho do Projeto Novo Recife, com o objetivo de preservar a identidade histórica e cultural da área, a Prefeitura do Recife cedeu às pressões e apresentou o projeto de redesenho do Novo Recife em setembro de 2014.
Segundo o arquiteto Romullo Baratto,[107]o redesenho possui as seguintes características:
Após ocupações, audiências públicas e o recebimento de 297 propostas da sociedade civil, a Prefeitura do Recife apresentou, em setembro de 2014, o projeto de redesenho do Novo Recife - que prevê um conjunto de obras urbanas no Cais José Estelita. As mudanças aconteceram em paralelo à elaboração do Projeto de Lei que institui e regulamenta o Plano Específico para o Cais de Santa Rita, o Cais José Estelita e o Cabanga, citados no Plano Diretor do Recife como áreas com potencialidades paisagísticas, fisicoestruturais, culturais e econômicas para implantação de projetos especiais.
A principal mudança foi a redução na altura dos prédios, que passou de 117 metros, equivalente a 40 pavimentos, para 42 metros, apenas 14 andares. A redução, no entanto, não muda a capacidade construtiva do empreendimento, as 12 torres permanecem. Outra alteração foi feita no sistema viário, que passa a ter nove vias, em vez de quatro. A Avenida Dantas Barreto terá acesso direto ao Cais José Estelita através de um calçadão.
Dentro das diretrizes urbanísticas previstas no novo projeto, os empreendedores terão que executar as obras respeitando o uso não residencial no pavimento térreo em, no mínimo, 20% do perímetro de cada quadra, predominantemente nas ruas transversais; usos de comércio e serviços de pequeno porte nos parques, preferencialmente utilizando-se dos vagões de trem e demais bens móveis remanescentes do patrimônio ferroviário; uso habitacional de diferentes tipologias, de modo a estimular a diversidade social; uso habitacional de interesse social a ser implantado no entorno imediato do empreendimento, com distância não superior a 300 metros dos imóveis e de corredores de transporte público; usos diversos nos parques de frente d'água, pátio ferroviário e áreas livres sob o Viaduto Capitão Temudo, equipamentos turísticos, equipamentos educacionais, culturais e espaços multiuso para exposições, biblioteca, comércio e serviços de suporte às atividades dos parques.
Após um longo e controverso processo, a Câmara dos Vereadores de Recife aprovou no dia 4 de maio de 2015 o Plano Específico para o Cais Santa Rita, José Estelita e Cabanga, com 23 votos a favor (Projeto de Lei nº 008/201). O projeto foi votado em pauta extra e não estava na ordem do dia, o que levou os opositores ao plano a pedir que a votação fosse adiada para o dia seguinte; pedido negado pelo vereador Vicente André Gomes, presidente da Câmara.[108]
Ainda segundo Baratto[109], o projeto é dividido da seguinte maneira:
O documento aprovado divide a região em dez zonas mapeadas e delimitadas com especificações para cada forma de intervenção. O parque ferroviário, incluindo os trilhos e componentes do Pátio Ferroviário das Cinco Pontas, o vazio urbano restante da ligação ferrovia-porto e a frente d'água, e a Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) Cabanga deverão ser destinados à implantação de parques públicos com programas de parques infantis e píeres, ciclovias ou ciclofaixas, bicicletários, áreas para corrida, caminhada skate e patins, sanitários públicos, quiosques e edificações de pequeno porte destinadas a atividades de suporte aos parques, à biblioteca pública e, ao menos, uma edificação destinada a atividades culturais.
Para essa estrutura, a expectativa é que sejam utilizadas as estruturas e elementos remanescentes do parque ferroviário e a sua integração com monumentos existentes do entorno (Forte das Cinco Pontas, Museu da Cidade e Igreja de São José), equipamentos culturais que serão implantados
Segundo Magno Martins[110], com a sanção da Lei 18.138/2015, o Recife terá a sua disposição uma legislação que aplica importantes princípios de qualidade urbana e ambiental, priorizando os espaços públicos (parques, calçadas, ciclovias), eliminando muros e grades, adotando comércio e serviços no térreo de todos os edifícios, reduzindo e graduando a altura no entorno das áreas de proteção histórico-ambiental e determinando práticas construtivas sustentáveis. Afirma o jornalista que essa lei será um instrumento necessário para o desafio da revitalização e requalificação de uma área central e estratégica para a cidade e seus cidadãos.
Com isso, o projeto Novo Recife passou por novos redesenhos para se adequar às exigências da prefeitura previstas na Lei nº 18.138/2015, sancionada pelo prefeito Geraldo Júlio.
No dia 27 de novembro de 2015, o Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) voltou a discutir o projeto Novo Recife em reunião realizada na prefeitura da cidade. No encontro foi apresentado o documento já adequado à legislação. É a primeira vez que o Conselho, formado por representantes da sociedade civil e do poder público, discute o projeto depois das alterações.[111]
Posteriormente, no dia 22 de dezembro de 2015, com 21 votos a favor, dois contrários e duas abstenções, o projeto Novo Recife foi aprovado durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Urbano do Recife (CDU), na sede da Prefeitura do Recife.[112]
O Movimento Ocupe Estelita, contrário a construção das torres na área do Cais José Estelita, entre o Centro e a Zona Sul do Recife, protestou durante toda a manhã e organizou novas manifestações em resposta à aprovação.[113]
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Conselho Regional de Economia (Corecon) foram os únicos membros do CDU a votar contra a aprovação do Novo Recife. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) se abstiveram do voto.[114]
Recém-exonerado do cargo de superintendente do Iphan, Frederico Almeida representou o instituto na reunião. Segundo ele[115], a abstenção aconteceu porque não havia material suficiente para embasar um posicionamento sobre o projeto: “Acho que faltam dados. Existe um trabalho arqueológico sendo realizado e não podemos nos pronunciar se essa análise não foi realizada ainda”, justifica Almeida, que considera a votação “inoportuna e precipitada”.
De acordo com João Braga[116], secretário de Mobilidade e Controle Urbano, a decisão foi tomada de forma democrática. "Esse projeto vem sendo amplamente discutido com a sociedade há pelo menos três anos e isso nos faz acreditar que a sociedade é favorável à iniciativa. Acredito que a cidade irá crescer com esse empreendimento", pontuou.
Para Leonardo Cisneiros,[117] integrante do Movimento Ocupe Estelita (MOE), a aprovação do projeto é preocupante. "Essa era a instância em que a população poderia opinar. É um escárnio João Braga dizer que houve participação da sociedade nessa reunião. Só o Coque não representa todo mundo", comenta, referindo-se à participação dos líderes comunitários que participaram do encontro do Conselho.
Após a aprovação do projeto no CDU, o Consórcio Novo Recife tem aproximadamente um ano para dar entrada nos trâmites burocráticos para dar início à construção do empreendimento no Cais José Estelita. Ainda é preciso aprovação de projetos complementares em órgãos como o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) e o Corpo de Bombeiros.[118]
Vale ressaltar que a reunião e a aprovação do projeto no CDU só ocorreram devido à decisão judicial prolatada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5ª) que suspendeu a sentença que anulava o leilão do terreno do Cais José Estelita e proibia a análise do projeto do Novo Recife pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Prefeitura do Recife.[119]
A sentença que havia sido proferida pelo juiz federal Roberto Wanderley Nogueira, no dia 28 de novembro de 2015, anulava o leilão do imóvel e cancelava o projeto, que prevê a construção de 12 torres empresariais e residenciais no Cais José Estelita.[120]
O projeto foi alvo de investigações da Polícia Federal (PF) que confirmou que o leilão do terreno do Cais José Estelita foi fraudado em 2008. A constatação foi resultado da operação Lance Final, no dia 30 de outubro de 2015, adiando a reunião do CDU para discutir o projeto Novo Recife, marcada para o dia dois de novembro.[121]
4.6. O Projeto Novo Recife: opiniões especializadas
Por fim, é de salutar importância analisar as diversas opiniões a favor e contrárias à concretização do Projeto Novo Recife na capital pernambucana.
Nesse sentido, colaciona-se abaixo a opinião de Liana Cirne Lins[122], professora da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e advogada. Ela é contra o projeto e escreveu um artigo para a seção Contraditório, na versão impressa do Diário de Pernambuco:
O Cais José Estelita precisa e merece ser transformado. A requalificação daquela área, privilegiada e situada em pleno coração da cidade, é urgente. No lugar de galpões abandonados numa área vazia e insegura, queremos parques, comércio, cultura, residências, emprego e renda. Queremos gente e uma cidade pulsando, viva. Queremos desenvolvimento. Por isto rejeitamos o projeto Novo Recife, um projeto que não é novo e nem é bom em nenhum destes aspectos. E embora o consórcio de empresas por trás do projeto tente dissimular atender todos estes requisitos, está seguramente fazendo publicidade enganosa. Aliás, o consórcio responde inquérito no Ministério Público estadual e federal por esta razão.
Tome-se o exemplo do consórcio anunciar a previsão de um parque, omitindo que este é entrecruzado por vias automobilísticas, nas quais nenhuma família se arriscaria a passear. Se o leitor for apaixonado pela história da cidade do Recife e orgulhoso do fato de que a paisagem do Cais José Estelita é certamente um dos mais belos cartões postais do Brasil, provavelmente já terá formado sua opinião contrária ao empreendimento monstruoso que daria as costas para a cidade. Ou defenderá que o projeto se situe em outra região, que não o Cais, marcado por qualidades tão especiais e únicas.
Não é à toa que a quase totalidade de professores de arquitetura e urbanismo da UFPE e da Unicap é crítica ao projeto, até porque a construção das Torres Gêmeas prometeu fazer o mesmo que o projeto Novo Recife promete. E todos sabemos o quanto a área do Cais de Santa Rita permanece igualmente insegura e abandonada. O projeto que se anuncia como novo atende a um modelo de habitação que teve seu auge nos anos 90, quando as pessoas se endividavam para investir em espaço. No cenário mundial, projetos como o Novo Recife estão fadados ao encalhe. Justamente por serem ultrapassados. As cidades não crescem mais neste modelo. As exigências e desejos do consumidor mudaram, pois as pessoas querem qualidade de vida. E embora algumas pessoas ainda achem que luxo é o padrão “ostentação”, o novo consumidor sabe que luxo é ter tempo.
Ninguém quer enfrentar intermináveis engarrafamentos na porta da própria casa, como os previstos pelas mais de cinco mil vagas de estacionamento projetadas, numa área sem escoamento viário possível.Além disto, o Novo Recife vai destruir para sempre nossa paisagem urbana e agravar problemas sociais que têm sido ignorados pelo poder público. Isso é culpa do consórcio? Não. A rigor, nem teríamos nada contra o consórcio, não fosse a Polícia Federal ter anunciado a existência de provas contundentes de fraude no leilão da área do Cais e consequente lesão aos cofres públicos, causada pelas empresas que compõem o consórcio Novo Recife e que estão envolvidas no escândalo da Lava Jato. O consórcio, porém, não é responsável pelo plano urbanístico. Essa responsabilidade é da prefeitura. O que pedimos – e que pode ser chamado de “novo” – é a observância de requisitos para uma cidade para pessoas. E para isso ela precisa ser segura, o que não se garante com varandas blindadas, mas com menos segregação social.
É bom lembrar que em contraposição às 200 habitações populares prometidas como medida mitigatória há um déficit habitacional para milhares de famílias, completamente excluídas de qualquer serviço público, que vivem em barracos em condições degradantes, contíguos à área do projeto. Um plano urbanístico decente não pode fingir que essas pessoas não existem ou achar que a solução é empurrá-las para um lugar distante, longe do empreendimento. São “soluções” como essas que têm feito do Recife uma das cidades mais inseguras e perigosas do país, pois quem planta segregação colhe violência.
É preciso respeitar a diversidade de perfis que podem e devem ocupar a região. E, além do mais, valorizar uma de nossas maiores riquezas: a cultural, que tem aptidão para ir além de subempregos e promover empregabilidade que pode de fato promover ascensão social para as comunidades do entorno e alavancar o turismo. Todos nós temos a ganhar com uma melhor urbanização do Cais José Estelita. E, agora, com sentença proferida pela Justiça Federal, datada de 27 de novembro, que declarou a nulidade do leilão fraudulento, determinando que a área pertence à União, ganhamos mais uma vez a oportunidade de, a partir do coração histórico e geográfico da cidade, desenharmos um novo Recife de verdade, a altura dos nossos desejos, de e para todos nós.
Por outro lado, também há importantes opiniões a favor do citado projeto, como a de Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, diretor da Faculdade de Direito do Recife - UFPE:[123]
Conheci a área de “cinco pontas” há muitos anos. Meu pai trabalhou na antiga estação, antes de chefiar o jurídico da RFN e da RFFSA, por décadas. Meu irmão mais velho foi engenheiro da via permanente por muitos anos. Fui servidor da empresa, hoje extinta, entre 1975 e 1977. Andei muitas vezes pelo pátio de manobras outrora existente, onde hoje se encontram os resquícios de linhas construídas no pós-segunda guerra, na chamada “área operacional”. É hoje, com certeza, um verdadeiro cemitério, de restos de linhas de 37 e 45 kg por metro.
A velha linha da estrada de ferro do Recife (que daqui partia para o sul) está sepultada por baixo da Av. Sul. A antiga estação de arcos foi destruída, com outras obras de valor histórico, por um enorme equívoco para a construção do inútil viaduto das cinco pontas.
Quase ao lado margeando essa área, em direção à bacia do Pina, foram construídos armazéns pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, onde ficava estocado o Açúcar transportado pelas pesadas locomotivas da RFFSA (as GE’s diesel, de 70 toneladas) e ali se fazia o transbordo para as composições bem mais leves da APR (Administração do Porto do Recife) que podiam trafegar sobre a “ponte giratória”.
Essa área cedida pela RFN, depois RFFSA se compunha, em cerca de 65% de um terreno só adquirido em desapropriação, ao espólio do Sr. Adalberto Maçães, em 1957. Nunca se imaginou, seria um grosseiro erro histórico, que por ali tivesse passado qualquer composição da época do Império.
Saltando no tempo, por espaço chega-se a hoje: Na tentativa de fazer impor aos poderes públicos suas opções sobre o destino da área, grupos da sociedade, pretenderam, inclusive influenciando o Ministério Público Federal ver não implantado projeto para a área não operacional, objeto de leilão realizado em 03.10.2008, por leiloeiro público, por autorização da Caixa Economica Federal. Muito se tem tentado para amoldar o destino do imóvel à vontade de cada um. São tentativas que representam um ataque à forma de democracia representativa que se tem.
Observem-se os seguintes aspectos: a) os imóveis, em um total de mais de cem foram alienados, por autorização legal, para reduzir o passivo bilionário da RFFSA em extinção. Saliente-se que a lei nunca teve sua constitucionalidade posta em cheque; b) Houve alienação, inclusive com a interveniência da CEF, com utilização do instrumento de alienação fiduciária; c) Adjudicado o imóvel os adquirentes, nos termos da legislação de regência, estão a tentar ver aprovado projeto de reurbanização da área, que possibilitara uma recuperação da degradada área Cabanga-São José; d) terceiros entendem, apesar de não terem representação para tal, mas, ao largo do sistema jurídico, de fixar qual o destino da citada área, não entendendo terem os proprietários direitos decorrentes do art. 5º da CF-1988;
e) a área alienada não tem relevo histórico, sobre ela nunca houve o traçado da imperial “estrada de ferro do Recife”, ou qualquer outro elemento histórico, tanto que não reconhecida como Patrimônio Ferroviário, pelo IPHAN e) é curioso essa pretensão de pessoas que se “acham” mais legitimadas, mais qualificadas que aquelas constitucional e legalmente investidas dos poderes para disciplinarem a política urbana do Município de, ditarem os destinos, à margem da lei, de imóveis públicos e privados.
Poder-se-ia aqui apontar encobertas razões, inclusive políticas, que transparecerão, por certo, no próximo ano. Esses problemas se reproduzirão em todas as futuras tentativas de requalificação de áreas urbanas do Recife, como a da Vila Naval, a do complexo de Salgadinho. Inúmeros aspectos jurídicos poderiam ser apontados para mostrar o vazio e o equívoco que é a pretensão de impedir o soerguimento da área Cabanga-São José.
O espaço aqui é pequeno. Pode-se resumir: a) a área não tem valor histórico; b) a reurbanização proposta implicará em milhares de empregos nas construções e na vida futura do bairro; c) o Recife terá nova área de laser disponível para a população.
É lamentável ver o prejuízo que um pensar pequeno pode causar à cidade. Tem-se a esperança que vencidos todos os entraves os que os criaram poderão felizes ir penitenciar-se na então restaurada e bela Igreja de São José para depois passearem no gramado à beira da bacia do Pina. Essa é uma fundada esperança.
Assim, observamos que o impasse causado pelo Projeto Novo Recife na sociedade pernambucana está longe de terminar, havendo inúmeras opiniões a seu respeito.
5 CONCLUSÃO
Prevista entre os direitos fundamentais, de fato, a propriedade não é mais considerada como direito puramente individual, principalmente porque se relaciona com as diretrizes de ordem econômica de uma sociedade, o que lhe dá a finalidade de sua realização, qual seja a de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Essa afirmação nos permite concluir que os direitos individuais coexistem com os interesses superiores do Estado, inscritos nos texto constitucional, os quais coincidem com os interesses públicos e coletivos, não devendo ser violados para favorecimento de uma minoria detentora de maior poder econômico relevante.
Além do direito constitucional, tivemos de fazer incursões no direito civil, no direito administrativo e também nos direitos mais atuais, como o urbanístico e o ambiental. Tal é o entrelaçamento das limitações que se tornou impossível enfrentar as questões aqui abordadas sem fazer ligação entre o direito público e o privado, pois as limitações ao direito de propriedade estão intimamente ligadas à própria evolução desses dois ramos do direito juntos.
O direito à propriedade, na Constituição Federal de 1988, teve que se adequar aos princípios gerais que sustentam o Estado Democrático de Direito, quais sejam a igualdade, legalidade, a soberania popular, justiça social, dentre outros, em favor da Dignidade da Pessoa Humana e da cidadania. Sendo assim, não há espaço, dentro de um Estado Democrático de Direito como o nosso, para um direito de propriedade absoluto e subjetivista.
Em seu artigo 5º, inciso XXII, ao dispor sobre a garantia ao direito à propriedade, a Carta Magna limitou o poder do Estado no campo econômico. Assegurou a propriedade privada sem torná-la, entretanto, intangível sob a ótica do Poder Público.
A limitação de um direito fundamental é possível devido ao fato de que o exercício absoluto de um direito pelo seu titular inviabilizaria o exercício de um direito fundamental de outrem. Haveria, assim, colisão, conflito, choque de direitos fundamentais. Está implícita, assim, a possibilidade de haver, pelos aplicadores do direito, o uso de um juízo de ponderação, com base no principio hermenêutico da unidade e nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Observou-se um deslocamento do direito à propriedade para o direito público, tendo em vista as inúmeras normas, constitucionais e infraconstitucionais, que passaram a condicionar-lhe em prol do interesse coletivo.
Aos poucos, a propriedade começou a representar poder e riqueza. E a busca por esse status contribuiu para revelar o egoísmo e a insensatez humana, como também para formação das distintas classes sociais, com tamanha disparidade.
Por causa dessas disparidades crescentes, as restrições ao direito de propriedade, que antes se limitavam às de vizinhança, agora, representam um papel muito mais social, pois o atendimento à função social e à preservação do meio ambiente é indispensável à existência e validade do direito de propriedade privada.
Também não basta a simples existência da Constituição e de legislações infraconstitucionais, pois é necessário que cada cidadão seja mais participativo a torná-la ativa e respeitada. Nesse contexto, importante frisar o importante papel que as Organizações não-governamentais vêm desempenhando ao denunciar violações aos direitos humanos, trabalhando em prol da cidadania e atuando em práticas de intervenção social, contribuindo sensivelmente para uma melhor qualidade de vida dos cidadãos, indispensável ao princípio da dignidade da pessoa humana e à manutenção do Estado Democrático de Direito.
Se há norma constitucional definindo o conteúdo que a função social da propriedade deve assumir e normas infraconstitucionais, condicionando projetos e construções nessas propriedades, não há espaço, regra geral, para uma interpretação que lhe seja diretamente divergente, seja pelo poder judiciário ou pela administração pública.
As restrições impostas à propriedade privada, como condições normais do exercício e da extensão do direito, não importam, necessariamente, diminuição do patrimônio de quem as suporta, nem aumento do patrimônio de quem se aproveita com elas. A restrição só manifesta-se quando se verifica um conflito de interesses, não sendo totalmente sacrificado nenhum direito subjetivo, apenas tendo diminuídas algumas faculdades, que, de certa forma, constituem expectativas jurídicas de novas relações com maior interesse público.
As limitações em questão privilegiam o interesse público, ou de utilidade pública, as quais se destinam a impedir que o interesse, arbítrio, ou corrupção do proprietário prevaleça em absoluto sobre o bem comum.
Na busca por um desenvolvimento econômico a todo custo, os particulares e o Poder Público terminam por não executar projetos urbanísticos que objetivem o favorecimento de toda a sociedade, mas, apenas, de uma pequena parcela da população.
O Projeto Novo Recife afirma ter como finalidade a adequação das necessidades de crescimento econômico aos ensejos da população, buscando efetivar a função social da propriedade urbana com a destinação útil a uma propriedade privada de grande importância para a cidade do Recife.
No entanto, para que o referido Projeto seja concretizado, deve-se atender a limites impostos não só pela Constituição Federal, mas, também, por leis federais, estaduais e municipais, o que se põe em dúvida quando analisado os trâmites de elaboração e aprovação do empreendimento. Além disso, o negócio imobiliário deve atender o interesse público.
As irregularidades apontadas no procedimento de aprovação do Projeto Novo Recife tornam duvidosa a sua licitude, o que, caso comprovadas, impedirão a urbanização e modernização da região do Cais José Estelita, local onde se pretende implementar o Projeto.
Caso todo o procedimento que desencadeou no Projeto Novo Recife, ao final, seja considerado legal, devem ser exigidas as medidas de mitigação de impactos, a análise integrada do real interesse desse Projeto para a cidade, com a ponderação de seus danos e benefícios a toda população. Ademais, é preciso transparência para que a população acompanhe todo a realização do empreendimento.
É importante que seja encontrada uma solução para o Projeto Novo Recife, pois, se de um lado contraria o principio da função social da propriedade a conservação de terrenos vazios nos centros urbanos, por outro não pode haver a realização de um empreendimento urbano que possui ilegalidades na sua realização.
Uma proposta de urbanização, elaborada pelo Poder Público, para ser executado em parceria com a iniciativa privada poderia ser a melhor opção.
Para garantir a mobilidade, tem-se que implantar no Projeto algo que possa integrar essa área abandonada ao tecido urbano, buscando eixos de circulação novos, restaurando os antigos, buscando qualidade das calçadas e demais formas de deslocamento.
Cada empreendimento urbano deve ser analisado no caso concreto, verificando as exigências sociais e urbanas de cada município, mesmo que limitações legais e administrativas tenham que ser levadas em consideração e, assim, ponderar a razoabilidade desses institutos: “de construir” e “do bem comum”.
O grande mérito da nossa atual Constituição foi despertar o interesse de se exercer a cidadania, principalmente com os vários instrumentos de participação social na administração público.
Por fim, é possível afirmar que o Projeto Novo Recife é rico em propostas, viável em relação às melhorias que promete e que terá o condão de modernizar o centro da nossa cidade, trazendo benefícios econômicos e sociais para toda a população. Porém, pode-se verificar muitas irregularidades nos processos de aprovação deste projeto, assim como a insatisfação de parte da população, a exemplo do Movimento Ocupe Estelita, o qual alega não ter participado dos debates sobre o projeto, e isso, tanto o Plano Diretor do Recife, como o Estatuto da Cidade, garantem, o que deu margem à diversas manifestações e ocupações da área objeto de conflito.
Os confrontos gerados ganharam visibilidade nacional através da imprensa. A possível construção causará impacto em várias áreas, principalmente urbanística, paisagística e ambiental.
Se existem leis e procedimentos a ser cumpridos quanto à política urbana, não há porque o Projeto Novo Recife não obedecê-los. Dessa forma, teríamos a garantia de que o desenvolvimento urbano seria legítimo, legal, organizado e ordenado.
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ROLNIK, Raquel. Uma outra cidade é possível?. Blog da Raquel Rolnik, São Paulo, 06/06/2014. Disponível em: <https://raquelrolnik.wordpress.com/2014/06/06/uma-outra-cidade-e-possivel/> Acesso em: 20/08/2015
SOARES, Letícia Rodrigues. Limitações do direito à propriedade. Disponível em: <http://guaiba.ulbra.br/seminario/eventos/2009/artigos/direito/salao/528.pdf>. Acesso em: 04 jul. 2014.
[1] PADRÃO, Márcio. Veja evolução do projeto Novo Recife e a disputa com o Ocupe Estelita. UOL Notícias Cotidiano, São Paulo, 02/06/2015. Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/06/02/veja-evolucao-do-projeto-novo-recife-e-a-disputa-com-o-ocupe-estelita.htm>. Acesso em 15/08/2015.
[2] Idem, Ibidem
[3] ROLNIK, Raquel. Uma outra cidade é possível?. Blog da Raquel Rolnik, São Paulo, 06/06/2014. Disponível em: <https://raquelrolnik.wordpress.com/2014/06/06/uma-outra-cidade-e-possivel/> Acesso em: 20/08/2015
[4] Idem, Ibidem
5ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade e do Estado. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 21.
[6]DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 3.
[7]MONTESQUIEU. O espírito das leis. 2. ed. Tradução de Fernando Henrique Cardoso, Leôncio Martins Rodrigues, Brasília: Universidade de Brasília, 1995.
[8]FIUZA, César. Direito civil curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 717.
[9]FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. p. 18.
[10] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. p. 18.
[11] Idem, Ibidem. p. 19.
[12] Idem, Ibidem. p. 24.
[13] Idem, Ibidem. p. 68.
[14] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. p. 127.
[15] Idem, Ibidem. p. 151; 270.
[16] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 517.
[17]LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 58.
[18]FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. p. 146.
[19]Ibidem. p. 139.
[20] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. p. 146.
[21]Idem, Ibidem. p. 152.
[22] MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 69.
[23]CAMPOS JÚNIOR, Raymundo Alves de. O conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2004. p. 30.
[24]CAMPOS JÚNIOR, Raymundo Alves de. O conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2004. p. 34.
[25] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. p. 532.
[26]CAMPOS JÚNIOR, Raymundo Alves de. op. cit. p. 35.
[27]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 91.
[28]CAMPOS JÚNIOR, Raymundo Alves de. O conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2004. p. 35.
[29]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 94.
[30]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 set. 2014.
[31]CAMPOS JÚNIOR, Raymundo Alves de. O conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2004. p. 138.
[32] PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado / Vicente Paulo, Marcelo Alexandrino. - 11. Ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO: 2013
[33] MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 52.
[34] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 29. Ed. - São Paulo: Atlas, 2015.
[35] MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 57.
[36] DERANI, Cristiane. A propriedade na Constituição de 1988 e o conteúdo da função social. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 27, ano 7, jul./set., 2002. p. 59.
[37]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 set. 2014.
[38] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 set. 2014.
[39]CAMPOS JÚNIOR, Raymundo Alves de. O conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2004. p. 98.
[40]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. op. cit.
[41]Idem, Ibidem.
[42]SOARES, Letícia Rodrigues. Limitações do direito à propriedade. Disponível em: <http://guaiba.ulbra. br/seminario/eventos/2009/artigos/direito/salao/528.pdf>. Acesso em: 24 set. 2014.
[43]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2003. p. 125.
[44] MENDES, Gilmar Ferreira / Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional - 8. Ed. rev. E atual - São Paulo: Saraiva, 2013.
[45]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 set. 2014.
[46]Idem, Ibidem.
[47]BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 12 set. 2014.
[48]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 set. 2014.
[49] Idem, Ibidem.
[50] Idem, Ibidem.
[51] Idem, Ibidem.
[52]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 set. 2014.
[53]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 97.
[54]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 99.
[55]Idem Ibidem. p. 121.
[56]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 maio 2013.
[57]Idem, Ibidem.
[58]Idem, Ibidem.
[59]BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 02 jul. 2014.
[60]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 214.
[61]OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao estatuto da cidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 09.
[62]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 214.
[63]BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 13 jul. 2014.
[64]Idem, Ibidem.
[65]Idem, Ibidem.
[66]BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 02 set. 2014.
[67]BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 20 ago. 2014.
[68]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 121.
[69]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 124.
[70]Ibidem. p. 124.
[71]FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da cidade comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 58.
[72]FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da cidade comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 59.
[73]Idem, Ibidem. p. 90.
[74]Idem, Ibidem. p. 114; 121.
[75]FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da cidade comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 141.
[76]Idem, Ibidem. p. 145.
[77] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da cidade comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 176.
[78] Idem, Ibidem. p. 179.
[79] Idem, Ibidem. p. 180.
[80]FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da cidade comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 184-185.
[81]BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 02 out. 2014.
[82]FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da cidade comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 193.
[83]COELHO, apud CISNEIROS, Leonardo. Histórico do projeto novo Recife e outras propostas. Direitos Urbanos, 2012. Disponível em: <http://direitosurbanos.wordpress.com/2012/04/04/historico-do-projeto-novo-recife-e-outras-propostas/>. Acesso em: 18 ago. 2014.
[84] FLORÊNCIO, Amanda, apud CISNEIROS, Leonardo. Análise do desenho urbano e impactos do novo projeto no Cais José Estelita. Direitos Urbanos, 2012. Disponível em: <http://direitosurbanos.wordpress.com/2012/04/04/historico-do-projeto-novo-recife-e-outras-propostas/>. Acesso em: 18 ago. 2014.
[85] Idem, ibidem
[86] FLORÊNCIO, Amanda, apud CISNEIROS, Leonardo. Análise do desenho urbano e impactos do novo projeto no Cais José Estelita. Direitos Urbanos, 2012. Disponível em: <http://direitosurbanos.wordpress.com/2012/04/04/historico-do-projeto-novo-recife-e-outras-propostas/>. Acesso em: 18 ago. 2014.
[87] Idem, ibidem
[88]BOTLER, apud CISNEIROS, Leonardo. Histórico do projeto novo Recife e outras propostas. Direitos Urbanos, 2012. Disponível em: <http://direitosurbanos.wordpress.com/2012/04/04/historico-do-projeto-novo-recife-e-outras-propostas/>. Acesso em: 18 ago. 2014.
[89] Idem, ibidem
[90] FLORÊNCIO, Amanda, apud CISNEIROS, Leonardo. Análise do desenho urbano e impactos do novo projeto no Cais José Estelita. Direitos Urbanos, 2012. Disponível em: <http://direitosurbanos.wordpress.com/2012/04/04/historico-do-projeto-novo-recife-e-outras-propostas/>. Acesso em: 18 ago. 2014.
[91] Idem, ibidem
[92] Idem, ibidem
[94] FLORÊNCIO, Amanda, apud CISNEIROS, Leonardo. Análise do desenho urbano e impactos do novo projeto no Cais José Estelita. Direitos Urbanos, 2012. Disponível em: <http://direitosurbanos.wordpress.com/2012/04/04/historico-do-projeto-novo-recife-e-outras-propostas/>. Acesso em: 18 ago. 2014.
[95] FLORÊNCIO, Amanda, apud CISNEIROS, Leonardo. Análise do desenho urbano e impactos do novo projeto no Cais José Estelita. Direitos Urbanos, 2012. Disponível em: <http://direitosurbanos.wordpress.com/2012/04/04/historico-do-projeto-novo-recife-e-outras-propostas/>. Acesso em: 18 ago. 2014.
[96]MELO, Jamildo. Ministério Público Federal entra na justiça contra Projeto Novo Recife. Blog do Jamildo, 2013. Disponível em: <http://jc3.uol.com.br/blogs/blogsjamildo/ canais/noticias/2013/02/07ministerio_ publico_ federal_entra_na_justiça_contra_projeto_novo_recife_145719.php>. Acesso em: 02 set. 2014.
[97] Idem, ibidem
[99] MELO, Jamildo. Em parecer, URB diz que projeto Novo Recife deixará Cais José Estelita mais seguro. Blog do Jamildo, 2013. Disponível em: http://blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2013/01/11/em-parecer-urb-diz-que-projeto-novo-recife-deixara-cais-jose-estelita-mais-seguro/. Acesso em: 02 fev. 2014.
[100] Idem, Ibidem
[101] Info Senge - PE. Novo Recife é suspenso pela Justiça por irregularidades. Disponível em: http://www.sengepe.org.br/arquivos/novorec.htm. Acesso em 15/01/2015
[102] BRASIL, 7ª Vara da Fazenda Pública do Estado de Pernambuco. Novo Recife é suspenso pela Justiça por irregularidades. Recife, 20 de fevereiro de 2013
[103] MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 122.
[104]FERREIRA, Dâmares. O aspecto funcional da propriedade urbana na Constituição Federal de 1988. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 2, nº 6, abr. mai./jun., 2001. p. 40.
[105]RECIFE. Lei nº 16.176 de 1996. Disponível em: <http://www.legiscidade.recife.pe.gov.br/lei/16176/>. Acesso em: 03 jul. 2014.
[106]FERREIRA, Dâmares. O aspecto funcional da propriedade urbana na Constituição Federal de 1988. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 2, nº 6, abr. mai./jun., 2001. p. 40.
[107] BARATTO, Romullo. Prefeitura de Recife aprova novo plano urbano para o Cais José Estelita. Arch Daily. 8 Maio, 2015. Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/766594/prefeitura-de-recife-aprova-novo-plano-urbano-para-o-cais-jose-estelita. Acesso em: 10/06/2015
[108] BARATTO, Romullo. Prefeitura de Recife aprova novo plano urbano para o Cais José Estelita. Arch Daily. 8 Maio, 2015. Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/766594/prefeitura-de-recife-aprova-novo-plano-urbano-para-o-cais-jose-estelita. Acesso em: 10/06/2015
[109] Idem, Ibidem
[110] MARTINS, Magno. Prefeitura dá sua versão sobre Novo Recife. Blog do Magno. 05, maio, 2015. Disponível em: http://www.blogdomagno.com.br/ver_post.php?id=144705. Acesso em: 22/06/2015
[111] Diário de Pernambuco. CDU pode aprovar Novo Recife nesta sexta e Ocupe Estelita protesta. 27, novembro, 2015. Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2015/11/27/interna_vidaurbana,612843/cdu-pode-aprovar-novo-recife-nesta-sexta-e-ocupe-estelita-protesta.shtml. Acesso em 15/12/2015.
[112] Diário de Pernambuco. CDU pode aprovar Novo Recife nesta sexta e Ocupe Estelita protesta. 27, novembro, 2015. Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2015/12/22/interna_vidaurbana,617746/cdu-aprova-novo-recife-por-21-votos-a-dois.shtml. Acesso em 12/01/2016
[113] Idem, ibidem
[114] Idem, ibidem
[115] Diário de Pernambuco. CDU pode aprovar Novo Recife nesta sexta e Ocupe Estelita protesta. 27, novembro, 2015. Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2015/12/22/interna_vidaurbana,617746/cdu-aprova-novo-recife-por-21-votos-a-dois.shtml. Acesso em 12/01/2016
[116] G1 PE. Projeto Novo Recife é aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano. Globo Nordeste. 22, dezembro, 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/12/projeto-novo-recife-e-aprovado-pelo-conselho-de-desenvolvimento-urbano.html. Acesso em: 12/01/2016
[117] Idem, ibidem
[118] Idem, ibidem
[119] Diário de Pernambuco. TRF suspende sentença que anulava leilão do Estelita. 16, dezembro, 2015. Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2015/12/16/interna_vidaurbana,616543/trf-suspende-sentenca-que-anulava-leilao-do-terreno-do-estelita-e-proi.shtml. Acesso em 12/01/2016
[120] Diário de Pernambuco. TRF suspende sentença que anulava leilão do Estelita. 16, dezembro, 2015. Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2015/12/16/interna_vidaurbana,616543/trf-suspende-sentenca-que-anulava-leilao-do-terreno-do-estelita-e-proi.shtml. Acesso em 12/01/2016
[121] Idem, ibidem
[122] LINS, Liana Cirne. CONTRADITÓRIO. VOCÊ CONCORDA COM O PROJETO NOVO RECIFE PARA O CAIS JOSÉ ESTELITA? Não. Diário de Pernambuco Impresso. 13, dezembro, 2015. Disponível em: http://www.impresso.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/cadernos/opiniao/2015/12/13/interna_opiniao,133112/nao.shtml. Acesso em 15/12/2015.
[123] CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Opinião: você concorda com o projeto Novo Recife para Estelita?. Diário de Pernambuco. 13, dezembro, 2015. Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/outros/ultimasnoticias/46,37,46,14/2015/12/13/interna_politica,615937/opiniao-voce-concorda-com-o-projeto-novo-recife-para-o-cais-jose-este.shtml. Acesso em 15/12/2015
Advogado da União da Advocacia-Geral da União (AGU), Consultor-Geral Substituto da Consultoria Jurídica da União no Estado do Acre, com atuação na Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual (e/CJU) de Serviços com Dedicação Exclusiva de Mão de Obra.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELIPE DE ANDRADE Sá, . Os Limites Constitucionais à Propriedade Privada: Estudo do Projeto Novo Recife, conforme a função social da propriedade. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2022, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59982/os-limites-constitucionais-propriedade-privada-estudo-do-projeto-novo-recife-conforme-a-funo-social-da-propriedade. Acesso em: 26 dez 2024.
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