JULIANO DE OLIVEIRA LEONEL[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo traz uma reflexão acerca da execução provisória da pena no Brasil que tem sido usada como antecipação de pena, seja pelo tempo em que os apenados ficam presos cautelarmente, seja pela inobservância estrita dos requisitos legais para decretação de tal reprimenda que era para ser, a princípio, provisória, ressalvadas alguns casos, de modo especial após o pacote anticrime, lei 13.964/2019, quem têm sido minimizados. Até quando as prisões cautelares no Brasil vão continuar sendo usadas como antecipação de pena? O que fazer para mudar e melhorar tal situação? Os objetivos deste estudo são conscientizar a população, assim como também os poderes constituídos para que tomem as devidas providências para serem reduzidos os índices de erros e de pessoas vítimas do Estado por culpa ou dolo dos responsáveis pela aplicação da lei. Com isso, faz-se necessário esse estudo aprofundado ser publicado para chegar ao maior número possível de pessoas e, ao serem atingidas por este estudo, possam fazer alguma coisa para mudar as atuais estatísticas.
Palavras-chave: Presos cautelarmente, antecipação de pena, erros judiciais, prisão além do tempo.
ABSTRACT: This article reflects on the provisional execution of the sentence in Brazil, which has been used as an anticipation of sentence, either for the time in which the convicts are provisionally imprisoned, or for the strict failure to comply with the legal requirements for the enactment of such a reprimand that was to be, at first, provisional, except for some cases, especially after the anti-crime package, law 13.964/2019, which has been minimized. How long will precautionary arrests in Brazil continue to be used as an anticipation of sentence? What to do to change and improve this situation? The objectives of this study are to make the population aware, as well as the powers that be to take the necessary measures to reduce the rates of errors and people who are victims of the State due to the fault or intent of those responsible for law enforcement. With this, it is necessary for this in-depth study to be published to reach the largest possible number of people and, when they are reached by this study, they can do something to change the current statistics.
Keywords: Precautionary prisoners, anticipation of sentence, judicial errors, imprisonment beyond time.
Sumário: 1. Introdução; 2. Prisões Eivadas de Vícios ou Erros; 2.1 Fundamentos Constitucionais e Legais; 2.1.1 Artigo 5º, LXXVIII da CF/88 duração razoável do processo; 2.1.2 Artigo 313, § 2º do Código de Processo Penal; 3. Conclusão; Referências bibliográficas.
Observa-se a situação caótica em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro, ao se levar em conta a grande quantidade de presos provisórios existentes no sistema carcerário brasileiro. Torna-se necessária uma reflexão aprofundada sobre se o mandamento constitucional da presunção de inocência, está ou não sendo observado pelo poderes constituídos, tanto pelo legislativo como pelo judiciário na aplicação da constituição e da lei, esculpido no artigo 5º, LVII, in verbis: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Pelos dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, abaixo transcrito, que é possível perceber que há uma grande incidência de presos cautelares que, devido à morosidade dos órgãos públicos permanecem muito tempo presos sendo vítimas também das péssimas condições em que se encontram os presídios, tanto provisórios quanto os definitivos, acabam tendo a provável condenação futura sendo antecipada por inobservância do ensinamento constitucional supramencionado.
Observa-se na notícia a seguir, publicada dia 13 de outubro de 2022:
Segundo dados do TSE, 12.963 presas e presos provisórios em todo país estão com sua inscrição eleitoral regularizada, podendo assim votar. Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que, até o dia 30/09/2022, havia 909.061 pessoas presas. Desse total, 44,5% são presos provisórios. (Fonte: Pastoral Carcerária).
Que quase metade da população carcerária é de presos provisórios. Isso confirma a tese de que não se trata de negar ao Estado o jus puniendi, porque ele tem esse direito; mas o modo como o estado está punindo aqueles que deveriam ser tratados como presumidamente inocentes, quando são presos, mesmo cautelarmente. São imediatamente tratados como se culpados fossem, tanto pelos agentes públicos responsáveis pela prisão como pela sociedade em geral.
Até quando vai continuar havendo prisões cautelares no Brasil como antecipação de pena?
O pacote anticrime, lei 13.964/2019, tentou minimizar este fosso colossal que existe entre a realidade das prisões cautelares que têm sido usadas como antecipação de pena em comparação com a presunção de inocência. Mesmo assim ainda há um longo caminho a ser percorrido para se chegar um ideal em que não mais se falará em direitos constitucionais serem violados pelo próprio Estado a quem cabe a guarida da Constituição. É o que se depreende da inovação promovida pela supramencionada lei ao Código de Processo Penal, em seu artigo 313, §2º, in verbis:
“§2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia.”
Se o próprio texto da lei passou a vedar a decretação da prisão preventiva como finalidade de antecipação da pena, isso já é um sinal de que essa prática acontecia e que não pode mais ser tolerada.
O propósito deste trabalho é que seja colocada a real situação dos presídios brasileiros tendo como parâmetro o princípio da presunção de inocência, focando em provável violação constitucional, causada tanto por erros judiciais como por ausência de condições mínimas para o cumprimento de prisões cautelares, ou ainda como tempo demasiado que os presos provisórios ficam nesta condição.
A própria Constituição Federal em seu artigo 5º, LXXV prevê que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, além do que ficar preso mais tempo do que o fixado na sentença. Embora o foco deste trabalho não seja a reparação civil do Estado que, diga-se de passagem, é objetiva, este inciso acima transcrito revela que existe a possibilidade de erros judiciais serem cometidos tanto em sentença judicial penal transitada em julgado, assim como também em prisões provisórias, ocasionando prisões ilegais e, ainda, prisões legais se tornarem ilegais por excesso de tempo em que o preso cautelarmente permanece na prisão.
O leitor encontrará neste estudo decisões dos tribunais superiores sobre a presunção de inocência e o cumprimento da prisão em segunda instância, assim como as prisões cautelares sendo usadas como antecipação da pena definitiva.
Este trabalho tem como método abordagem dedutiva e realizada com pesquisa bibliográfica do tipo narrativa
Este estudo tem por escopo levar ao conhecimento da sociedade os abusos cometidos, de modo especial contra pessoas menos favorecidas e que são vítimas do Estado brasileiro nas cadeias públicas espalhadas por este País. Outro objetivo ainda é sensibilizar os poderes constituídos, no sentido de que sejam tomadas as devidas providências para que seja minimizada a incidência de erros que culminem com a prisão provisória de inocentes causando a estes prejuízos morais, econômicos e familiares irreversíveis, por meio da demonstração dos principais erros judiciais e sua maior incidência e, ainda, traçando o perfil das vítimas.
2 PRISÕES EIVADAS DE VÍCIOS OU ERROS
Os julgadores são humanos, logo são passíveis de erros. O poder judiciário, na sua função típica, certamente não deve medir esforços para minimizar a quantidade de equívocos, já que, na área criminal, estes incidem diretamente no cerceamento da liberdade de locomoção das pessoas. O direito de ir e vir sendo restringido está-se diante da retirada de um direito fundamental do indivíduo que pode ser tirado de alguém após um processo justo, observando a paridade de armas, a ampla defesa e o contraditório, tendo sido dado ao acusado a possibilidade do contraditório e da ampla defesa, como diz a Constituição, para que ele não seja condenado injustamente.
O art. 1.023, caput do CPC é bem sugestivo no sentido de corroborar a tese de que é provável haver erros judiciais, tanto que prevê como um dos motivos pelos quais o recorrente pode fazer suas alegações, caso identifique erros na decisão prolatada pelo juiz.
“Art. 1.023. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz, com indicação do erro, obscuridade, contradição ou omissão, e não se sujeitam a preparo.”
Na verdade, o artigo acima mencionado já pressupõe essa possibilidade do cometimento de erros, por isso expressamente e, sabiamente o legislador assim entendeu e normatizou. Trata-se dos embargos de declaração, recurso previsto expressamente no Código de Processo Civil que pode ser usado analogicamente no Código de Processo Penal, posto que a analogia in bonam partem é permitida no ordenamento jurídico brasileiro, na área criminal.
Um dos objetivos gerais da teoria geral dos recursos é também dar a possibilidade àquele que entende ter sofrido prejuízo com uma decisão judicial equivocada, demonstrar seu inconformismo e o tribunal terá a chance de reformar a decisão, caso encontre erros cometidos pelo juiz de primeira instância.
A prisão é a última ratio. A liberdade é a regra e não a exceção como se tem percebido no Brasil. Prende-se desordenadamente e a qualquer custo, de modo especial, antes do chamado Pacote Anticrime.
As medidas cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, sinalizam para esse fim, qual seja, de que a prisão deve ser a última medida a ser tomada pelo poder judiciário, no sentido de fazer prevalecer o corolário constitucional de que todos são considerados inocentes até que haja sentença penal condenatória transitada em julgado, contra a qual não caiba mais nenhum recurso.
Nessa perspectiva, há vasta literatura sobre casos de pessoas que tiveram sua liberdade cerceada de forma equivocada, quer seja prisão cautelar quer seja definitiva, sendo vítimas, portanto de erros judiciais.
Hoje não mais se admite o cumprimento de pena de forma antecipada, quando acusados passam a cumprir pena com decisão judicial em segunda instância. Na verdade é essa a ideia quando o STF julgou inconstitucional a prisão em segunda instância, ao julgar as Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43, 44 e 54, cujo resumo do inteiro teor encontra-se abaixo transcrito, in verbis:
Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), que julgava procedentes os pedidos formulados nas ações declaratórias de constitucionalidade nº 43, 44 e 54 para assentar a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal e, como consequência, determinava a suspensão de execução provisória de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não haja transitado em julgado, bem assim a libertação daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação, reservando-se o recolhimento aos casos verdadeiramente enquadráveis no art. 312 do mencionado diploma processual, abrangendo, ainda, o pedido sucessivo, formulado na ação declaratória nº 43, no sentido de poderem ser implementadas, analogicamente ao previsto no art. 319 do Código de Processo Penal, medidas alternativas à custódia quanto a acusado cujo título condenatório não tenha alcançado a preclusão maior, o julgamento foi suspenso. Falaram: pelo amicus curiae Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, o Dr. Miguel Pereira Neto; pela Advocacia-Geral da União, o Ministro André Luiz de Almeida Mendonça, Advogado-Geral da União; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 23.10.2019 (Sessão Extraordinária).
Como se pode perceber acima, esta decisão data de novembro de 2019 e corrobora um entendimento anterior do próprio Supremo Tribunal Federal que foi superado por um curto espaço de tempo, de 2016 até 2019. Logo a Suprema Corte corrigiu seu entendimento e, acertadamente, voltou ao entendimento de 2009.
O julgamento das Ações Direta de Constitucionalidade 43, 44 e 54 que declarou constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal se tornou um marco histórico no sentido de dizer o óbvio: “ninguém poderá ser preso senão. Em virtude de condenação transitada em julgado”. Claro que é possível também as prisões cautelares.
Prender em segunda instância é antecipar a pena porque ainda há recursos pendentes. Por isso, não se pode admitir a prisão em segunda instância porque isso se caracteriza como antecipação de pena, vedado pelo ordenamento jurídico, pelo entendimento dos tribunais superiores e também pela Constituição Federal de 1988.
É importante ressaltar que o caso supramencionado é emblemático porque envolveu diretamente um ex-presidente da República, que fora preso, injustamente ou não, e agora presidente eleito, mas que não somente por este fato ter tido mais holofotes e ter chamado a atenção do mundo todo mas também pelo fato de ser pessoa e haver violação de um direito fundamental assegurado a todos. Mas também, para observar os milhares de casos que acontecem no cotidiano deste país continental e que, com certeza, muitos anônimos são vítimas diariamente.
Porém, o fato é que se corrigiu um erro e foi declarada a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal que, dentre outras assertivas, diz que “ninguém poderá ser preso, senão em virtude de condenação criminal transitada em julgado”, dentre outras hipóteses, quase uma cópia do art. 5º, LVII da Constituição Federal pátria de 1988.
2.1 Fundamentos constitucionais e legais
2.1.1 Artigo 5º, LXXVIII da CF/88 duração razoável do processo
A duração razoável do processo é uma garantia constitucional. Essa prerrogativa constitucional, de per si, já pressupõe uma morosidade processual no âmbito civil, penal assim como no administrativo. O processo duradouro causa prejuízo a pelo menos uma parte. Quando se trata de uma prisão cautelar, por exemplo, o prejuízo é maior ainda. No processo demorado pode haver prescrição da pena, no caso de processo penal. Por outro lado, o réu preso cautelarmente e que passa anos e anos preso sem haver um julgamento justo com duração razoável, nos dizeres da Constituição, o inocente já está pagando a pena com o próprio corpo.
Outro grave problema é o estigma que todos que são submetidos a quaisquer tipos de prisão carregam para o resto da vida é o nome de ex-presidiários. Agora mesmo, neste período de campanha eleitoral, o ex-presidente da República e agora presidente eleito no último dia 30 de outubro de 2022, Luís Inácio Lula da Silva, com muita freqüência, era chamado de ex-presidiário, com o intuito de diminuir a pessoa dele. Sendo isso feito com um ex-presidente já é deplorável, imagine contra pessoas humildes, pessoas do povo, negras, mulheres, pobres, etc.
O foco desse trabalho não é prejuízo material, mas moral. Nem todos que são presos provisoriamente são condenados definitivamente. Mesmo aqueles que têm sentença condenatória transitada em julgado que não caiba mais nenhum recurso, não podem ter essa pena antecipada, sob pena de ferir a Constituição e o próprio Código de Processo Penal, de modo especial com a inovação legislativa inserida pela lei 13.964/2019, chamada de pacote anticrime. Muito menos aqueles que, no final do longo processo criminal que respondem presos, a maior parte deles são absolvidos, para eles, o prejuízo é imensurável.
2.1.2 Artigo 313, § 2º do Código de Processo Penal
O artigo acima mencionado é bastante esclarecedor ao expressamente colocar: “não é permitida prisão preventiva como antecipação de pena.”
No Habeas Corpus abaixo, prolatado pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Rogério Schietti Cruz, a condição que ele coloca para que a prisão preventiva seja compatível com a ordem constitucional é de suma importância. Colocado em negrito: que não assuma natureza de antecipação de pena. Essa advertência dada pelo ministro está expressamente fixada no Código de Processo Penal por meio da lei 13.964/2019. Vale ressaltar que antes essa posição era defendida pelos doutrinadores e pela vasta jurisprudência dos tribunais superiores.
Certamente a jurisprudência defendia anteriormente e a lei agora corrobora essa posição, diante de muitos abusos que eram cometidos com o uso da prisão preventiva como antecipação de pena.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO DE DROGAS. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, da natureza abstrata do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP).
(STJ - HC: 595523 SP 2020/0166934-9, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 02/02/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/02/2021).
Aury Lopes Júnior (pág. 865), ao analisar o artigo 312 do CPP, afirma que: “a prisão preventiva é um instrumento do processo e não uma pena antecipada; ou seja, deve ter caráter instrumental e não se confunde com a pena propriamente dita.” Com essas sábias palavras, o supramencionado autor faz uma severa crítica ao modo como as prisões cautelares são usadas no Brasil, de forma desordenada, transformando o seu caráter instrumental em caráter substancial, constituindo-se, assim em prisão inconstitucional e ilegal.
Se alguém fica preso um só dia já fica marcado para o resto da vida, mesmo em caso de uma prisão em flagrante que o agente pode, em caso de prisão ilegal, ser solto no mesmo dia ou no dia seguinte. Ainda mais, em caso de prisão temporária que dura pelo menos cinco dias. Quando se fala em prisão preventiva que, diga-se de passagem, não tem prazo para terminar, então, na prática uma pessoa que está presa preventivamente pode ficar muito tempo na cadeia. Importante ressaltar que há vários casos na literatura de pessoas que ficaram anos e anos presas cautelarmente.
O caso abaixo, trata-se de um preso cautelar, diga-se preventivamente, desde o ano de 2012 que continua até hoje acautelado temporariamente, conforme relatório resumido da defesa abaixo transcrito, e que, mesmo com mais de dez anos preso temporariamente, ainda, segundo o ministro relator do Superior Tribunal de Justiça, Sebastião Reis Júnior, preenche todos os pressupostos e requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, consoante inteiro teor do voto dele no habeas corpus abaixo transcrito:
Relator: MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
Recorrente: FLÁVIO MELLO DOS SANTOS (PRESO)
Advogados: LUIZ GUSTAVO BATTAGLIN MACIEL - MS008195 CARLOS ALBERTO LUBE JÚNIOR - RJ145807 SÉRGIO HENRIQUE RESENDE LANZONE - MS015660 DIOGO MONETTO MENDES - RJ197153
Recorrido: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
No presente caso, o paciente encontra-se preso, cautelarmente, desde junho de 2012. Contudo, o feito teve tramitação regular dentro das circunstâncias do caso, levando-se em consideração a complexidade da ação penal, com pluralidade de acusados e diversos requerimentos de diligências pela defesa, incluindo perícia grafotécnica e interposição de diversos recursos, inclusive ao STJ.
Nas razões recursais, alega a defesa, em síntese, o excesso de prazo para a formação da culpa e excessiva morosidade do feito, tendo em vista que o recorrente está preso, cautelarmente, desde junho de 2012; ausência de contemporaneidade dos fatos; duração desarrazoada da segregação cautelar, ausência dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal para a manutenção da prisão preventiva; e inexistência de risco para a ordem pública e para a instrução processual (fls. 143/154). Fonte: STJ.
Publique-se.
Brasília, 16 de maio de 2022.
Ministro Sebastião Reis Júnior. Relator
Fonte STJ.
Com a nova redação acrescentada ao artigo 316 do Código de Processo Penal pela lei 13.964/2019, abaixo transcrito, houve uma tentativa de diminuir o tempo em que os presos preventivamente permanecem no sistema prisional, ao estabelecer que a cada 90 (noventa) dias o órgão emissor da decisão, de ofício, revise a necessidade de sua manutenção, abaixo colacionado:
316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6581) (Vide ADI 6582)
Pelo que se percebe, com o pacote anticrime houve uma tentativa do legislador para diminuir os abusos que havia, ao impor aos aplicadores da lei a revisão dos motivos da necessidade de manter a prisão preventiva a cada 90 dias. Essa imposição legal já diminuiu muito o número de presos provisórios no Brasil, a partir da vigência da supramencionada lei.
Não resta dúvida de que há um esforço muito grande, por parte do legislador, assim como também, por parte do poder judiciário para que sejam evitadas prisões provisórias demasiadamente demoradas. Prisão provisória não é para ser eterna muito menos pena antecipada.
Outra inovação legislativa que ocasionou a diminuição do número de presos provisórios foi a vedação do juiz decretar de ofício a prisão preventiva, conforme está expresso no artigo 311 do Código de Processo Penal.
Na contramão do parágrafo único, do artigo 316 do Código de Processo Penal, acima mencionado, há uma mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal, muito recente, numa decisão de maio de 2021, no sentido de que a inobservância da reavaliação no prazo de 90 (noventa) dias, previsto no art. 316, § único do CPP, não resulta em revogação automática da prisão preventiva.
Relator(a): Min. NUNES MARQUES
Julgamento: 26/05/2021
Publicação: 27/05/2021
Decisão
Supremo Tribunal Federal (HC 192.077-AgR, Ministra Cármen Lúcia; HC 157.575-AgR, Ministro Dias Toffoli; HC 164.611-AgR, Ministro Edson Fachin; HC 190.387/RN, Ministro Gilmar Mendes; HC 189.201-AgR/SC, Ministro Luiz Fux; HC 190.319-AgR/RJ, Ministro Ricardo Lewandowski; HC 188.702- -AgR/SE, Ministro Roberto Barroso). Finalmente, melhor sorte não socorre a parte impetrante, em relação à pretendida revogação da prisão preventiva em decorrência de suposta violação ao art. 316, parágrafo único, do CPP. É que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a inobservância da reavaliação no prazo de 90 dias, previsto no artigo 316, parágrafo único, do CPP, com a redação dada pela Lei nº 13.964/2019, não resulta na revogação automática da prisão preventiva (SL 1.395/SP, Ministro Presidente). Assim, caberá ao juízo competente, analisando o caso concreto, reavaliar a legalidade e a atualidade dos fundamentos da prisão preventiva decretada. Desse modo, não vislumbro a ocorrência de ilegalidade na manutenção da prisão preventiva do paciente. Em face do exposto, conheço, em parte, do presente pedido de habeas corpus e, nessa parte, indefiro o pedido de habeas corpus...
Fonte: STF.
Claramente isso é um retrocesso que premia a morosidade e, consequentemente provoca a permanência de presos provisórios mais tempo no sistema carcerário brasileiro, prática que a lei 13.964/2019 tentou combater. É o que se depreende da decisão acima transcrita.
A conclusão a que se chega, no final deste trabalho, é que, diante de vários casos de abusos cometidos por todo este país, é necessário haver uma mudança de postura no modo de aplicar a lei, na forma do Ministério Público acusar e na população em geral que tende a querer condenar a qualquer custo em curto espaço de tempo, sem que seja dada ao acusado oportunidade de se defender de acordo com a lei. Duração razoável do processo não significa atropelar etapas e cercear a defesa.
O pacote anticrime veio para minimizar os exageros na decretação de prisões cautelares. O número de presos provisórios no Brasil é muito grande, pois se sabe que, como diz, o nome é prisão provisória e não definitiva. Mas, além da morosidade e do ativismo judicial, ainda há o cometimento de vários erros, muitas vezes até grosseiros, talvez até por conta da judicialização de quase tudo e termina abarrotando os tribunais de processos que não dão conta de julgar com acerto.
LOPES Jr., Aury, Direito Processual Penal/ Aury Lopes Jr. – 11. Ed, - São Paulo: Saraiva, 2014.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (BRASIL). INSTITUIÇÃO. Constituição da república federativa do brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 maio 2022.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (BRASIL). INSTITUIÇÃO. Habeas corpus: HC XXXXX SP XXXX/XXXXX-9. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1172223506>. Acesso em: 20 setembro 2022.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (BRASIL). INSTITUIÇÃO. Lei Nº 13.964, DE 24 de dezembro de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm>. Acesso em: 15 setembro 2022.
https://portal.stf.jus.br/ . Acesso em 27/09/2022
https://www.conjur.com.br/. Acesso em 27/09/2022.
https://carceraria.org.br/. Acesso em 28/10/2022
Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALEIRO, Domingos José Rodrigues. Execução provisória da pena como antecipação de pena definitiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60028/execuo-provisria-da-pena-como-antecipao-de-pena-definitiva. Acesso em: 22 dez 2024.
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