GUSTAVO HENRIQUE FRANCISCO DA SILVA PEREIRA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo visa analisar o Tema 958 do Supremo Tribunal Federal, o qual determinou pela constitucionalidade do artigo 2º da Lei do Piso (Lei 11.738/2008), em sua garantia de um terço da carga horária do magistério público para atividades extraclasse. Em face disto, o magistério particular, regulado pela Consolidação das Leis Trabalhistas, e também pela Lei de Diretrizes e Bases, aplicável à toda classe, não se viu amparado por esta garantia constitucional, que visa maior divisão e adequação do tempo dos professores para realização de elaboração de aulas, provas, trabalhos e atividades aplicadas em sala de aula. Através da análise da discussão do Tema 958, das Leis supramencionadas, e, principalmente, do artigo 8º da CLT, procura o presente trabalho verificar a possibilidade da aplicação desta garantia de 1/3 da carga horária para atividades extraclasse, chamada de hora-atividade, também aos profissionais do magistério classicista, pois se resta evidente que as atividades exercidas por profissionais públicos e privados desta área, são de igual valor e de igual grau de dificuldade.
Palavras-chaves: Tema 958 do STF. Lei do Piso. Magistério particular. Hora-atividade. Atividades extraclasse.
ABSTRACT: This article aims to analyze Theme 958 of the Federal Supreme Court, which determined the constitutionality of article 2 of the Floor Law (Law 11.738/2008), in its guarantee of one third of the public teaching hours for extracurricular activities. In view of this, the private teaching profession, regulated by the Consolidation of Labor Laws, and also by the Law of Directives and Bases, applicable to the whole class, was not supported by this constitutional guarantee, which aims at greater division and adequacy of teachers' time to perform of elaboration of classes, tests, works and activities applied in the classroom. Through the analysis of the discussion of Theme 958, of the aforementioned Laws, and, mainly, of article 8 of the CLT, the present work seeks to verify the possibility of applying this guarantee of 1/3 of the workload for extracurricular activities, called activity hour, also to professionals of the classicist teaching profession, as it is evident that the activities performed by public and private professionals in this area are of equal value and of equal degree of difficulty.
Keywords: Theme 958 of the STF. Floor Law. Private teaching. Activity time. Extra-class activitie
No presente artigo irá ser discutido o papel do magistério, seja ele público ou privado, conjuntamente com suas funções principais, e suas necessidades. Além disso, também será abordada a carga horária dessa profissão, regulada pela Lei de Diretrizes e Bases e também pela Consolidação das Leis Trabalhistas.
Além disso, se iniciará uma discussão de como a Lei do Piso, promulgada no ano de 2018, afetou o judiciário e os profissionais da educação, com sua reserva da hora-atividade, de 1/3 da carga horária da profissão, para atividades extraclasse, atividades essas que, conforme será demonstrado, são necessárias e exercidas por todo e qualquer profissional dessa área.
A discussão acerca da constitucionalidade dessa reserva de 1/3 da carga horária foi discutida através do Tema de Repercussão Geral 958, do Supremo Tribunal Federal, tendo sido, após longo debate e julgamento, definida como constitucional, o que garante aos professores regulamentados pelo regime estatutário a divisão da carga-horária, para atividades de elaboração de aulas, correção de provas, trabalhos, e etc.
Em decorrência disto, pretende-se averiguar, principalmente, através de um método de pesquisa dialético, como essa discussão pode afetar também os professores celetistas, através da análise do exercício da profissão e do direito do trabalho em si, que, através do artigo 8º da CLT, permite aplicações analógicas, do direito comum, o que pode deixar um vácuo para o direito trabalhista, e para a aplicação do Tema 958 do STF.
Primordialmente se faz mister destacar o papel do aprendizado e como a figura do professor, dentro das escolas e na sociedade em si, colaboram para o crescimento da população em geral.
É papel das instituições “capacitar os jovens a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho” (YOUNG, 2007 p. 1294).
Neste viés, a figura do magistério, dos professores em si, seja da educação básica, ou da superior, é de verdadeiro protagonismo para seus educandos, essa missão, para Guillot (2008) são ligadas ao instruir (saberes), o educar (valores) e o formar (inserção profissional), que de forma geral resumem as ações do cotidiano escolar.
Desta forma, se faz eminente e necessário que o saber que o professor leva para a escola, e para seus alunos, seja vindo de um processo de transformação, adaptando-se a realidade vivida naquele momento, não podendo ficar tão distante do conhecimento original/científico e não pode se vulgarizar a ponto de tornar-se um conhecimento cotidiano. (LEITE, 2007).
Diante de um papel não somente de transmissor de conhecimentos específicos, mas também de conhecimentos da sociedade, da adaptação em si, a figura dos educadores precisa estar em constante avanço, buscando se atualizar constantemente tanto no que se diz respeito à sociedade, quanto nas didáticas que se mostram mais efetivas para o real aprendizado.
Neste sentido, o Brasil se viu, diante dos avanços históricos e culturais, obrigado a garantir ao magistério direitos para que estes profissionais pudessem exercer a profissão de forma digna.
A Consolidação das Leis Trabalhistas os abrange, para professores da rede privada, em seus arts. 317 a 323, mas cabe aqui discorrer, em primeiro lugar, sobre a Lei de Diretrizes e Bases, de nº 9.394/96, que regulamenta o sistema educacional brasileiro tanto público, quanto privado.
A Lei de Diretrizes e Bases, Lei n 9.394/96, regula, em seu artigo 24, inciso I, sobre a carga horária anual da educação básica, nos níveis fundamentais e médio, veja-se:
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
I – a carga horária mínima anual será de oitocentas horas para o ensino fundamental e para o ensino médio, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
Também dispõe, em seu artigo 52, sobre a carga horária de professores de instituições pluridisciplinares:
Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por:
I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional;
II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;
III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral.
Diante disso, as instituições de ensino público e privado devem seguir estes ditames, cabendo a cada estado ou município, por meio de seu estatuto, regular os direitos de seus professores da rede pública.
No ano de 2008 foi promulgada a conhecida Lei do Piso, Lei nº 11.738/2008, regulamentando o piso salarial dos profissionais do magistério público, garantindo também a hora-atividade a estes profissionais:
Art. 2o O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) mensais, para a formação em nível médio, na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
§ 1o O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.
§ 2o Por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional.
§ 3o Os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas de trabalho serão, no mínimo, proporcionais ao valor mencionado no caput deste artigo.
§ 4o Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.
§ 5º As disposições relativas ao piso salarial de que trata esta Lei serão aplicadas a todas as aposentadorias e pensões dos profissionais do magistério público da educação básica alcançadas pelo Art. 7º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e pela Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005.
Passado o aspecto geral e do magistério público, cabe alinhavar que, quanto a rede privada, a CLT garante aos seus professores, direitos relativos à carga horária, sua remuneração, além de vedação de trabalho aos domingos, cabendo elencar aqui os artigos que dizem respeito a carga horária dos professores celetistas, de acordo com a Lei 13.467/2017:
Art. 318. O professor poderá lecionar em um mesmo estabelecimento por mais de um turno, desde que não ultrapasse a jornada de trabalho semanal estabelecida legalmente, assegurado e não computado o intervalo para refeição.
Art. 319 - Aos professores é vedado, aos domingos, a regência de aulas e o trabalho em exames.
(...)
Art. 322 - No período de exames e no de férias escolares, é assegurado aos professores o pagamento, na mesma periodicidade contratual, da remuneração por eles percebida, na conformidade dos horários, durante o período de aulas.
§ 1º - Não se exigirá dos professores, no período de exames, a prestação de mais de 8 (oito) horas de trabalho diário, salvo mediante o pagamento complementar de cada hora excedente pelo preço correspondente ao de uma aula.
§ 2º No período de férias, não se poderá exigir dos professores outro serviço senão o relacionado com a realização de exames.
(...)
Assim, o que se verifica é que a garantia aos professores celetistas, no que diz respeito a carga horária, se baseia nesta regra de que, se o professor ministrar mais de quatro hora-aulas, consecutivas, fará jus ao adicional de hora-extra de 50%.
Nessa esteira, esclarece PRUNES (2010, p. 320):
“O legislador, ao estabelecer o número de aulas ministradas pelos professores, limitou-se em quatro consecutivas ou seis intercaladas, evitando assim o desgaste físico e intelectual decorrente de excesso sobre estes limites. Note-se que isto é uma vedação legal, mas é bastante comum a ultrapassagem dessa quantidade de horas-aula, o que – no mínimo – deve ser remunerada com a taxa de extraordinariedade. Esta passagem legal se refere – exclusivamente – a aulas num mesmo estabelecimento”.
Nesse diapasão, a Orientação Jurisprudencial 393, da SDI-I, do TST, prevê que: “A contraprestação mensal devida ao professor, que trabalha no limite máximo da jornada prevista no art. 318 da CLT, é de um salário mínimo integral, não se cogitando do pagamento proporcional em relação à jornada prevista no art. 7º, XIII, da Constituição Federal”.
Também se mostra oportuno alinhavar sobre a Súmula 351 do Tribunal Superior do Trabalho, a qual alude que o docente que exerce atividade mensal por hora-aula ministrada terá direito a auferir um acréscimo de um sexto em relação ao repouso semanal remunerado, que é um período de quatro semanas e meia.
Neste sentido, cabe alinhavar que essa hora-extra não é devida quando o professor necessita de tempo para elaboração de planos de aula, correção de provas, e etc., quando o professor se encontra a disposição da instituição, quando participa de reuniões ou cursos fora do horário de aula, é que se verifica o ensejo dessa remuneração por hora-extra.
Portanto, o que se nota é, que por mais que exista a Lei de Diretrizes e Bases, o magistério celetista não se vê amparado por essa garantia de divisão de carga horária remunerada, de 1/3 da carga horária, para que o professor possa planejar suas aulas, corrigir provas e elaborar trabalhos que contribuam e melhorem o ensino brasileiro.
Neste viés, verifica-se que aos professores celetistas vários direitos são garantidos, sobre sua carga horária, hora-extra, remuneração. Todavia, a estes não é garantida a hora-atividade, regulamentada somente na Lei do Piso supracitada, válida para o magistério público, que foi estabelecida para atividades extraclasse, de elaboração de aulas, atividades, e principalmente para o aprimoramento da didática e conhecimento do profissional do magistério.
Diante dessa análise, cabe então a discussão sobre o tema 958 do Supremo Tribunal Federal, que consiste na discussão sobre a legalidade do §4, do art. 2º, da Lei do Piso (Lei 11.738/2008), dispositivo este que veio para regulamentar o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, e também para implantar a mencionada hora-atividade.
O Recurso Extraordinário de número 936790, interposto pelo Estado de Santa Catarina, gerou o tema 958, de repercussão geral, do Supremo Tribunal Federal. O cinge da questão girava em torno da inconstitucionalidade da reserva de 1/3 da hora-atividade dos professores regulados pelo regime estatutário, para atividades extraclasse, por alegada usurpação da competência do Chefe do Poder Executivo.
Com origem no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o Recurso Extraordinário conta com data de protocolo de 04/12/2015, e em 19 de agosto de 2017 foi reconhecida a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
A repercussão geral da matéria foi reconhecida à unanimidade. Faz-se necessário reproduzir a ementa do julgamento:
“MAGISTÉRIO PÚBLICO – JORNADA DE TRABALHO – ARTIGO 2º, § 4º, DA LEI Nº 11.738/2008 – CONSTITUCIONALIDADE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia alusiva à validade do § 4º do artigo 2º da Lei nº 11.738/2008, em face da Constituição Federal, considerada a ausência de vinculação dos demais Tribunais ao que decidido no exame da ação direta nº 4.167, relator o ministro Joaquim Barbosa, acórdão publicado no Diário da Justiça de 24 de agosto de 2011.” (RE 936790 RG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18.08.2017).
Deste modo, o Tribunal Pleno, em 29 de maio de 2020, que contava com o ministro Marco Aurélio como Relator, julgou o mérito de tema com repercussão geral, veja-se:
O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 958 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Luiz Fux e Gilmar Mendes. Foi fixada a seguinte tese: É constitucional a norma geral federal que reserva fração mínima de um terço da carga horária dos professores da educação básica para dedicação às atividades extraclasse. O Ministro Alexandre de Moraes negou provimento ao recurso extraordinário fixando tese diversa. Falaram: pelo recorrente, o Dr. Weber Luiz de Oliveira, Procurador do Estado de Santa Catarina; pelo amicus curiae Estado do Rio Grande do Sul, o Dr. Nei Fernando Marques Brum, Procurador do Estado; e, pelo amicus curiae Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Rio Grande do Norte - SINTE, o Dr. Cláudio Santos da Silva. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 22.5.2020 a 28.5.2020.
Cabe, assim, breve discussão sobre as causas da instauração deste tema, com repercussão geral, todas elas girando em torno do não respeito aos ditames da Lei do Piso, e, principalmente, da garantia a hora-atividade extraclasse.
Em 2012 foi instituído o parecer CNE nº 18/12 que visa normatizar a implantação desse dispositivo legal no território brasileiro. Shiroma e Evangelista (2015, p. 327) confirmam esse cenário ao afirmarem que:
Segundo dados da Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE) de 2013, a Lei Nacional do Piso do Magistério, Lei 11.738, de 16 de julho de 2008 (BRASIL, 2008), não é respeitada por sete estados e outros 14 não a cumprem integralmente, o que inclui a não concessão de hora atividade, que deve representar no mínimo um terço da jornada de trabalho do professor.
Muitos gestores públicos alegavam suposta inviabilidade econômica de implantação da lei, comprometendo-se, assim, a valorização da categoria do magistério. Além disso, a hora atividade foi implantada para incentivo a docência e a profissionalização crescente da categoria.
A implantação dessa hora fora da sala de aula, foi incentivada e pautada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, entendendo-se por atividade extra aula tempo para planejamentos, formação continuada, avaliação, e etc. Conforme afirma Scholochuski (2017, p. 17544), “A hora-atividade não deve ser vista como um benefício para os professores e professoras, ao contrário, ela é um mecanismo das políticas educacionais para melhorar a qualidade de ensino ofertado à população”
O parecer do CNB/CEB de nº 9/2012, o qual normatizou a implantação da Hora atividade, aduz que:
O trabalho do professor vai muito além de ministrar aulas. Para que sua atuação tenha mais qualidade, o professor precisa, além de uma consistente formação inicial, qualificar-se permanentemente e cumprir tarefas que envolvem a melhor preparação de suas atividades em sala de aula, bem como tempo, e tranquilidade para avaliar corretamente a aprendizagem e o desenvolvimento de seus estudantes. (BRASIL, 2012)
Em seu voto, o Senhor Ministro Edson Fachin aduz sobre sua opinião jurídica pela constitucionalidade do artigo 2º da Lei do Piso, opinião esta que cinge pela valorização das atividades extraclasse:
Afinal, nos termos do art. 2º, § 4º da Lei 11.738/2008, a norma geral fixa fração máxima de dois terços a ser atendida para o tempo dedicado às atividades de docência. Os entes federados, portanto, podem dispor de outra forma, por exemplo, é possível que o professor dedique 60% (sessenta por cento) de sua jornada à sala de aula e 40% (quarenta por cento) às atividades de apoio, dentro da autorização legal.
Em meu sentir, portanto, a distribuição da carga horária da jornada dos professores operada pela lei federal não viola o pacto federativo. Despiciendo ressaltar que a autonomia dos entes federados encontra-se jungida pelo texto constitucional. Ademais, não há óbice para que as unidades, no legítimo exercício de suas competências, estipulem os meios de controle da divisão da jornada, conforme atividades de coordenação e supervisão de ensino, encontros entre docentes e destes com as famílias, entre outras medidas.
Por tal razão, rejeito também a alegação de vício de iniciativa (art. 61, § 1º, II, ‘c’, CRFB), eis que não houve tratamento legislativo da jornada dos servidores da educação, mas medida que visa a assegurar equivalência entre jornada e piso salarial, bem como garantir, ainda que minimamente, valorização e retribuição do tempo dedicado à preparação de aulas, correção de provas, relacionamento entre professores, alunos e famílias.
Diante, portanto, da incontroversa constitucionalidade da hora-atividade, já regulamentada em lei, cabe a discussão da possibilidade de analogia entre professores regulados pelo regime público, celetista, e aqueles regulados pela CLT, quanto a aplicação da mencionada lei e seus parâmetros, no que diz respeito a essa garantia de 1/3 da carga horária para atividades extraclasse.
Conforme alinhavado, ao professor celetista há a garantia da hora-extra em casos em que o profissional do magistério esteja à disposição da instituição que o emprega, não se enquadrando nessa possibilidade, às horas destinadas a elaboração das aulas, trabalhos, correções de atividade, e etc.
Os requisitos para o exercício do magistério são, basicamente, como explorados, para os professores da rede pública e privada, a carga horária definida pela Lei de Diretrizes e Bases, também, cabendo aos estatutos e às instituições de ensino privada organizarem a carga horária de seus profissionais de acordo com esses ditames.
Diante da igualdade de requisitos para exercício da profissão, da necessidade eminente de carga horária para elaboração de aulas, correções de provas e trabalhos, para todo e qualquer professor, e da relutância dos empregadores, desde os primórdios, em garantir um exercício digno das profissões, esse direito regulado somente ao magistério público se mostra por vezes absurdo e controverso.
Desta forma, em face do exposto, a discussão cabível gira em torno da ausência de garantia dessa hora-atividade, discutida e definida como constitucional, para os professores celetistas. Por mais que, no direito do trabalho, exista a possibilidade de estabelecimento de normas por meio de acordos coletivos, o que se nota, da discussão do Tema 958 do Supremo Tribunal Federal, é a ausência do cumprimento da Lei 11.738/2008, por parte dos empregadores.
O art. 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas elenca as possibilidades de aplicações analógicas e de súmulas e outros enunciados, no direito do trabalho, veja-se:
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.
§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.
Desta análise denota-se que o mencionado artigo 8º se mostra abrangente quanto à aplicação subsidiária do direito comum, e mais “receoso” quanto às vedações das súmulas e outros enunciados do TST e TRTs do país afora, todavia, o que se observa do direito trabalhista brasileiro, é a aplicação e busca constante de cumprimento aos princípios norteadores desse ramo, veja-se o pensamento de González (2017, p. 250-251):
O primeiro parágrafo repete em parte a redação do antigo parágrafo único, suprimindo a previsão de compatibilidade com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. Ainda que tenha sido suprimida essa previsão da lei, o fato é que os princípios fundamentais do direito do trabalho não deixam de existir e sua aplicação não deixa de ser exigível pelo simples fato deter sido retirada do dispositivo a menção à compatibilidade.
(...)
A observância dos princípios é inerente à interpretação e aplicação da Lei nos termos dos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Ou seja, o direito comum segue sendo fonte do direito do trabalho, como sempre foi, e sua aplicação permanece subsidiária (na falta de norma própria do direito do trabalho que regule a questão) e deverá ser compatível com os princípios peculiares ao direito do trabalho, sob pena de se perder a coerência técnica desse ramo do direito.
O direito do trabalho existe como ramo autônomo do direito ao menos desde o início do século XX, de modo que não é possível uma lei retirar a autonomia intelectual de um ramo científico, a ponto de impedir que seus operadores utilizem os princípios que lhe são próprios para a sua interpretação, especialmente diante das previsões constitucionais e em tratados internacionais de que o Estado brasileiro é parte.
Assim, o que se verifica é que quaisquer das fontes subsidiárias do Direito do Trabalho não podem contrapor-se aos seus princípios e metodologia, que giram, basicamente, em torno da proteção à classe trabalhadora.
Deste modo, muitos doutrinadores aludem que o art. 8º da CLT não terá forças para inibir a produção de súmulas e orientações jurisprudenciais, nem para arrefecer as ações anulatórias de cláusula de norma coletiva, pois a aplicação dos princípios deste ramo se mostra abrangente e protecionista.
Neste sentido, pode-se resgatar o seguinte excerto de Garcia (2017, p. 32-33):
Entretanto, cabe registrar não só a existência do poder normativo da Justiça do Trabalho no âmbito dos dissídios coletivos (artigo 114, §§ 2º e 3º, da Constituição da República), mas principalmente que o Direito não é sinônimo de lei, a ela não se reduzindo, por englobar as vertentes social (fatos), axiológica (valores) e normativa. Além disso, a jurisprudência interpreta e aplica o sistema jurídico, o qual, mesmo no aspecto normativo, é formado de regras e princípios, presentes nas esferas constitucional e infraconstitucional, internacional e interna, não se restringindo às leis. A decisão judicial é considerada a norma jurídica individual, que rege o caso concreto, sendo obrigatória para as partes. Assim, deve-se reconhecer a função da jurisprudência de ajustar a ordem jurídica em consonância com a evolução social.
O mesmo autor aduz sobre a necessidade da uniformização e integridade na construção da jurisprudência dos Tribunais:
Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926 do CPC).
(...)
Exige-se da jurisprudência a integridade, de modo que as decisões dos juízes e tribunais estejam em consonância com o sistema jurídico, construído, de forma harmônica, de regras e princípios, no qual merecem destaque os preceitos constitucionais.
Assim, voltando-se à discussão deste presente artigo, a lei do piso, mesmo que criada para a atividade do magistério público, poderá, pois visa atender a direitos tangentes à constituição e os princípios trabalhistas, ser abrangida ao privado, veja-se o entendimento de DELGADO (2017. p. 107):
Não cabe ao Poder Judiciário, evidentemente, em sua dinâmica interpretativa, diminuir, de maneira arbitrária, irracional e inadequada, direitos previstos em lei; nem cabe a ele, e maneira irracional, arbitrária e inadequada, criar obrigações não previstas em lei. Isso não quer dizer, é claro, que não deva exercer a sua função judicial, mediante o manjo ponderado e razoável das técnicas científicas da Hermenêutica Jurídica, tais como os métodos de interpretação denominados de lógico-racional, sistemático e teleológico, cumprindo também, no que for pertinente, as denominadas interpretações extensivas, restritivas e/ou literais.
Mesmo que não se possa fazer uma comparação entre o regime estatutário e celetista, o cerne da questão é o exercício do magistério, que não possui diferenças para aqueles ou estes, cabendo elencar que o artigo 8º da CLT não é totalmente restrito ao dispor sobre a aplicação analógica no direito do trabalho.
Conforme abordado, interpretações extensivas têm sido adotadas em casos em que se verifica a constitucionalidade e, principalmente, proteção aos trabalhadores. Assim, se comprovada a necessidade desta reserva a todo o magistério, que, conforme exposto, é latente, magistrados podem vir a aplicar para instituições privadas, que não façam acordo coletivo, a garantia da hora-atividade regulada na Lei 11.738/2008, como forma de garantia de direitos constitucionais e atendimento à princípios do próprio direito do trabalho.
3.CONCLUSÃO
A discussão do Tema 958 do Supremo Tribunal Federal, com suas nuances sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 11.738/2008, trouxe para âmbito nacional a validade da garantia da hora-atividade ao magistério, ou seja, 1/3 da carga horária regulada pela Lei de Diretrizes e Bases, deve ser garantida para atividades extraclasse, como elaboração de aulas, provas, correções, e etc.
Todavia, a supramencionada lei abrange somente o magistério público, que, precipuamente, exerce as mesmas funções do magistério privado, regulado pela Consolidação das Leis Trabalhistas.
A partir desta análise, extrai-se do presente artigo que, diante da garantia “unilateral” da hora-atividade, que foi discutida pelo STF, tendo em vista a quantidade de demandas de profissionais públicos que visavam garantir seu direito regulado pela Lei 11.738/2008, uma discussão poderá vir à tona, de forma crescente e eminente.
Se o magistério é exercido de forma “igual” entre servidores públicos e privados, que, em sua grande parte, elaboram provas, corrigem trabalhos e preparam aulas em seu tempo de descanso, surge o questionamento do porquê a garantia de que esse tempo de descanso seja totalmente para lazer e recuperação da mente, ser somente aos servidores públicos.
Desta forma, diante dos princípios protecionistas, voltados à garantia dos direitos aos trabalhadores, e visando também cumprimento à constituição federal, a discussão poderá ser suscitada, baseando-se no artigo 8º da própria CLT, que permite aplicações analógicas, sumulares e de entendimentos de tribunais que não contrariem à lei, mesmo que essa lei possua abrangência restrita, muito se vê sobre a amplitude e, sobretudo, magnitude, dos princípios garantidores de igualdade entre todos.
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GUILLOT, Gerard. O resgate da autoridade em educação. Porto Alegre, RS: Armet, 2008.
LEITE, Miriam Soares. Recontextualização e Transposição Didática - Introdução à leitura de Basil Bernstein e Yves Chevallard. Araraquara, SP: Junqueira & Marin, 2007
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GONZÁLEZ, Ana Lúcia Stumpf. Do Processo do Trabalho, p. 249-280, in: ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. Reforma Trabalhista Interpretada – Lei nº 13.467/2017. Caxias do Sul: Plenum, 2017.
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SHIROMA, Eneida Oto; EVANGELISTA, Olinda. Formação humana ou produção de resultados? Trabalho docente na encruzilhada. Disponível em: file:///C:/Users/Escritorio/Downloads/2730-5699-2-PB.pdf. Acesso em 05 out. 2022.
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Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Tocantins. Advogada pós graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Vitória Fernandes Correia de. A análise do tema 958 do STF e sua aplicabilidade nas relações de trabalho reguladas pela CLT Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2022, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60149/a-anlise-do-tema-958-do-stf-e-sua-aplicabilidade-nas-relaes-de-trabalho-reguladas-pela-clt. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
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